Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

Bebida alcóolica, sim? Tabaco, não?

Agenda 15/01/2022 às 15:43

Resumo: O presente artigo não pretende exaurir o diálogo, vez que o tema é controverso. Contudo, aponta que a relação entre as empresas operadoras/atuantes no ramo de entrega de alimentos, que visam a comercialização dos produtos ofertados por mandatários/parceiros (restaurantes, bares, lanchonetes e similares) aos consumidores finais via internet, e-commerce, encontra-se eivada de vício vez que qualifica a venda de produtos derivados de tabaco e similares enquanto atividades comerciais ilícitas e não enquanto infração sanitária.

Palavras-chave: Bebida alcóolica. Cigarro. E-commerce. Internet. Venda de produtos derivados de tabaco e similares.

I - Introdução

Por certo, o leitor já se deparou com maços de cigarros ostentando propagandas utilizando imagens um tanto quanto agressivas e/ou desagradáveis aos olhos com o fito propósito de desestimular/inibir o consumo de produtos derivados de tabaco e similares. Também, por certo, já assistiu propagandas veiculadas em emissoras de televisão, revistas, espaços públicos, sugerindo/estimulando o consumo de bebidas alcóolicas. E aqui, cabe uma indagação: - Se o álcool e o tabaco são considerados nocivos à saúde, por qual razão permite-se, no Brasil, a comercialização, via internet, de bebidas alcóolicas e não do tabaco?

E por falar em internet, vários são os aplicativos (app) utilizados por empresas operadoras/atuantes no ramo de entrega de alimentos visando a comercialização dos produtos ofertados por mandatários/parceiros (restaurantes, bares, lanchonetes e similares), via e-commerce, aos consumidores finais. Escrutinando os contratos e/ou termos de uso disponibilizados na World Wide Web, por empresas atuantes no ramo de entrega de alimentos (aqui, para o estudo de caso, aleatoriamente selecionou-se: Ifood, Loggi, Rappi), exceto pela startup de entrega sob demanda Rappi, vê-se claramente que não há menção sobre o comércio de produtos derivados de tabaco e similares mas, apenas, participação em atividades comerciais ilícitas.

No que tange ao assunto, a Resolução nº 15/2003 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) prevê enquanto infração sanitária a venda e a oferta de produtos derivados de tabaco e similares. Senão, veja-se: Art. 2º A rede mundial de computadores (internet) não é considerada local de venda de produtos derivados de tabaco, sendo, portanto, vedada a oferta e venda de quaisquer destes produtos por este meio em todo o território nacional.

Fato é que, diante da venda/comercialização de produtos derivados de tabaco e similares via internet promovida por bares, lanchonetes, restaurantes e similares - tida enquanto infração sanitária pela Resolução nº 15/2003, as empresas controladoras atuantes no ramo de entrega de alimentos, sob a alegação de que os seus parceiros cometeram ato ilícito, encerram de imediato e draconianamente o contrato entabulado entre as partes e removem o parceiro da plataforma. Há casos, inclusive, em que o parceiro sofre suspensão por 30 (trinta) dias tendo o valor financeiro de seus ganhos auferidos bloqueado por igual período.

Mas, diante do estudo de caso, o que diz a legislação?

I Infração sanitária ou ato ilícito?

Como é sabido, de acordo com o dicionário jurídico, ato ilícito (art. 186, CC) é a ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência praticada contra o dever legal de não lesar a outrem, ou seja, não violar direito e causar dano ainda que exclusivamente moral.

Aqui, indaga-se: - Ao comercializar produtos derivados de tabaco e similares, via internet, aquele que o faz comete ato ilícito ou infração sanitária? Veja-se a Lei nº 6.437/1977:

Art. 1º - As infrações à legislação sanitária federal, ressalvadas as previstas expressamente em normas especiais, são as configuradas na presente Lei.

(...)

Art. 10 - São infrações sanitárias:

(...)

IV - extrair, produzir, fabricar, transformar, preparar, manipular, purificar, fracionar, embalar ou reembalar, importar, exportar, armazenar, expedir, transportar, comprar, vender, ceder ou usar alimentos, produtos alimentícios, medicamentos, drogas, insumos farmacêuticos, produtos dietéticos, de higiene, cosméticos, correlatos, embalagens, saneantes, utensílios e aparelhos que interessem à saúde pública ou individual, sem registro, licença, ou autorizações do órgão sanitário competente ou contrariando o disposto na legislação sanitária pertinente: pena - advertência, apreensão e inutilização, interdição, cancelamento do registro, e/ou multa;

V - fazer propaganda de produtos sob vigilância sanitária, alimentos e outros, contrariando a legislação sanitária: pena - advertência, proibição de propaganda, suspensão de venda, imposição de mensagem retificadora, suspensão de propaganda e publicidade e multa. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.190-34, de 2001)

(...)

XXIX - transgredir outras normas legais e regulamentares destinadas à proteção da saúde: pena - advertência, apreensão, inutilização e/ou interdição do produto; suspensão de venda e/ou fabricação do produto, cancelamento do registro do produto; interdição parcial ou total do estabelecimento, cancelamento de autorização para funcionamento da empresa, cancelamento do alvará de licenciamento do estabelecimento, proibição de propaganda e/ou multa; (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.190-34, de 2001)

Visto e entendido que a comercialização de produtos derivados de tabaco e similares constitui ato infracional imputável a quem lhe deu causa ou para ela concorreu, sem prejuízo das sanções de natureza civil ou penal cabíveis, qual órgão possui a competência para apurar as infrações sanitárias, qual a dinâmica do devido processo legal e a quem compete aplicar as penalidades? Veja-se o Título II, DO PROCESSO, da Lei nº 6.437/1977:

Art. 12 - As infrações sanitárias serão apuradas no processo administrativo próprio, iniciado com a lavratura de auto de infração, observados o rito e prazos estabelecidos nesta Lei.

Art. 13 - O auto de infração será lavrado na sede da repartição competente ou no local em que for verificada a infração, pela autoridade sanitária que a houver constatado, devendo conter:

I - nome do infrator, seu domicílio e residência, bem como os demais elementos necessários à sua qualificação e identificação civil;

II - local, data e hora da lavratura onde a infração foi verificada;

III - descrição da infração e menção do dispositivo legal ou regulamentar transgredido;

IV - penalidade a que está sujeito o infrator e o respectivo preceito legal que autoriza a sua imposição;

V - ciência, pelo autuado, de que responderá pelo fato em processo administrativo;

VI - assinatura do autuado ou, na sua ausência ou recusa, de duas testemunhas, e do autuante;

VII - prazo para interposição de recurso, quando cabível.

Parágrafo único - Havendo recusa do infrator em assinar o auto, será feita, neste, a menção do fato.

Art. 14 - As penalidades previstas nesta Lei serão aplicadas pelas autoridades sanitárias competentes do Ministério da Saúde, dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, conforme as atribuições que lhes sejam conferidas pelas legislações respectivas ou por delegação de competência através de convênios.

Na esteira do raciocínio, prediz a Lei nº 12.846/2013 em seu art. 8º que A instauração e o julgamento de processo administrativo para apuração da responsabilidade de pessoa jurídica cabem à autoridade máxima de cada órgão ou entidade dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, que agirá de ofício ou mediante provocação, observados o contraditório e a ampla defesa.. Mas aqui, cabe a indagação: - Quais os atos são considerados lesivos à administração pública? Prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada; comprovadamente, financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei; comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados; no tocante a licitações e contratos: a) frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público; b) impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório público; c) afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo; d) fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente; e) criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo; f) obter vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de modificações ou prorrogações de contratos celebrados com a administração pública, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais; ou g) manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a administração pública.

Ora, se a Lei nº 12.846/2013 prediz que a instauração e o julgamento de processo administrativo para apuração da responsabilidade de pessoa jurídica cabem à autoridade máxima de cada órgão ou entidade dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, que agirá de ofício ou mediante provocação, observados o contraditório e a ampla defesa, e se a Lei nº 6.437/1977 é taxativa quanto à apuração da infração sanitária bem como à aplicação das penalidades, inclusive, cabendo, frente às decisões condenatórias o infrator recorrer, dentro de igual prazo ao fixado para a defesa, quando se tratar de multa, por qual razão as empresas controladoras atuantes no ramo de entrega de alimentos, via aplicativo e-commerce, enquadram o parceiro que incorreu em infração sanitária (comércio de produtos derivados de tabaco e similares, via internet) na égide da responsabilidade administrativa e civil pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira? Atividades comerciais ilícitas?

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

II Dos contratos de adesão

II.1 Da prática comercial de produtos derivados de tabaco e similares

Escrutinando os contratos e/ou termos e condições disponibilizados na World Wide Web, por empresas atuantes no ramo de entrega de alimentos (aqui, para o estudo de caso, selecionou-se: Ifood, Loggi, Rappi), respectivamente tem-se: Ifood: 14.1. Ao cumprir as obrigações previstas no Contrato, o Restaurante, seus funcionários, agentes e representantes devem respeitar, (...), e conduzir as suas atividades, de acordo com os mais rigorosos conceitos e princípios da ética, integridade e boa-fé, evitando por si e/ou por meio de terceiros, participação em atividades comerciais ilícitas, (...), das quais, em função da atividade exercida, o Restaurante delas sabe ou deveria saber.; Loggi: 4.3. O Usuário se compromete a não utilizar o Frete para transportar: (...); produtos ilícitos; (...); e quaisquer outros materiais cujo transporte seja proibido pela legislação ou atente contra os bons costumes e a moralidade.; Rappi: 13. DESCRIÇÃO DOS PRODUTOS E SERVIÇOS: Os produtos de uso restrito como tabaco e bebidas alcóolicas somente serão entregues pelo Mandatário aos Consumidores que forem maiores de idade, que manifestarem expressamente esta qualidade no momento de se registrarem ou no momento da seleção dos produtos. Não serão realizados mandatos de compra de tabaco e bebidas alcóolicas para menores de 18 (dezoito) anos, mesmo que o menor tenha tido autorização dos seus representantes legais para o uso da Plataforma, mesmo que com a aquisição de outros produtos autorizados.

Como revelado acima, apenas a startup Rappi explicita, e autoriza, a comercialização de produtos derivados de tabaco e similares, o que fere o art. 2º da Resolução nº 15/2003 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). No tocante à empresa Ifood, esta aponta que os operadores devem evitar a participação em atividades comerciais ilícitas; já a startup Loggi, impede ao Usuário transportar quaisquer outros materiais proibidos pela legislação ou que atente contra os bons costumes e a moralidade.

Diante das anotações contratuais e/ou termos de conduta da empresa Ifood e da startup Loggi, tem-se que ambas mantém obscuridade (omissão?) no tocante à comercialização de produtos derivados de tabaco e similares posto que a infração sanitária em comento não se enquadra em atividades comerciais ilícitas.

II.2 Das penalidades

Da leitura dos contratos e/ou termos de conduta, resta hialino que as startups e a empresa citada neste estudo de caso, Ifood, Loggi, Rappi, adotam as seguintes posturas quanto às penalidades: Ifood: 7. Reembolso: (...) 7.5. O Restaurante reconhece que os Reembolsos serão suspensos para investigação, em caso de: (a) descumprimento do Contrato; (b) não cumprimento da legislação aplicável; (...); ou (d) suspeitas ou indícios de fraudes, atividades ilícitas e/ou ilegais.; 10. Descumprimento do Contrato: 10.1. Caso uma das Partes descumpra uma ou mais de suas obrigações assumidas no Contrato, a outra Parte poderá comunicá-la para que, no prazo atribuído na comunicação, que no mínimo será de 5 (cinco) dias úteis, a Parte que descumpriu o Contrato resolva e/ou esclareça o ocorrido. Se a Parte inadimplente não o fizer, a outra Parte poderá rescindir imediatamente o Contrato.; 12. Hipóteses de Rescisão: (...) 12.3. Este Contrato será imediatamente rescindido nas seguintes hipóteses: (...) (iii) determinação de autoridade competente; (iv) descumprimento do Código de Ética; (...); Loggi: 6. Acesso, Interrupção, Suspensão ou Cancelamento da Conta: (...) 6.3. A Loggi poderá desativar, bloquear ou, de outro modo, encerrar unilateralmente o acesso do Usuário aos Serviços, com rescisão unilateral do presente contrato, sem prejuízo das medidas legais cabíveis, caso: (i) seja identificada qualquer violação legal e/ou às disposições destes T&C; (ii) seja identificada a prática de atos fraudulentos por meio do uso da Plataforma Loggi , seja de forma direta ou indireta; e (iii) se o Usuário causar algum dano direto ou indireto à Loggi , seus Usuários ou a terceiros; (v) em outras hipóteses, por critério da Loggi , caso a Loggi entenda necessário, por violação de normas jurídicas, incompatibilidade com a política da Plataforma, entre outras, a critério da Loggi.; Rappi: 17.CANCELAMENTO E SUSPENSÃO DE CONTA: A OPERADORA se reserva no direito de cancelar, suspender, desativar, bloquear ou, encerrar unilateralmente o acesso do Consumidor aos Serviços, com rescisão unilateral do presente contrato, com ou sem aviso prévio, caso: (i) seja identificada qualquer violação as normas jurídicas (ii) suas ações violem  às disposições destes Termos & Condições; (iii) se o Usuário causar algum dano direto ou indireto à OPERADORA, seus Usuários ou a terceiros; (iv) seja identificada, de forma direta ou indireta, a prática de atitudes fraudulentas através do uso da Plataforma Rappi; (...) (vi) em outros casos onde a OPERADORA entenda necessário, por violação de normas jurídicas, incompatibilidade com a política da Plataforma, entre outras, a critério da OPERADORA.

Como preceitua a Lei nº 6.437/1977, diante de uma suposta infração sanitária venda, via internet, de produtos derivados de tabaco e similares -, as empresas operadoras/atuantes no ramo de entrega via e-commerce devem comunicar a respectiva infração às autoridades competentes para que sejam apuradas em processo administrativo próprio, iniciado com a lavratura de auto de infração na sede da repartição competente ou no local em que for verificada a infração, observados o rito e prazos estabelecidos na lei em comento vez que, sem prejuízo das sanções de natureza civil ou penal cabíveis, as infrações sanitárias serão punidas, alternativa ou cumulativamente, com as penalidades de advertência, multa, apreensão de produto, inutilização de produto e interdição parcial ou total do estabelecimento, cancelamento de autorização para funcionamento da empresa, cancelamento do alvará de licenciamento de estabelecimento, dentre outras.

Indo além, entende-se aqui que não cabe às empresas operadoras/atuantes no ramo de entrega via e-commerce, ao alvedrio, a imposição de penalidades contratuais em relação à venda de produtos derivados de tabaco e similares vez que (1) tal medida administrativa cabe à autoridade sanitária competente, (2) deve-se levar em conta circunstâncias atenuantes vez que a errada compreensão da norma sanitária pode ser admitida como escusável e (3) havendo concurso de circunstâncias atenuantes e agravantes à aplicação da pena será considerada em razão das que sejam preponderantes.

III Bebida alcóolica, sim?

A venda de bebidas alcóolicas não é crime no Brasil, desde que não seja realizada em locais próximos a escolas e a menores de 18 anos (art. 243, Lei nº 8.069/1990). Além, a redação dada pela Lei nº 13.106/2015 impôs mais rigor à pena para aquele que facilita o acesso de bebidas alcoólicas a criança e ao adolescente. Em síntese, vender, fornecer, ministrar, ou entregar bebida alcóolica - ainda que gratuitamente - a menores de 18 anos deixou de ser contravenção penal e passou a crime de potencial ofensivo (não cabe transação penal e/ou suspensão condicional do processo; como a pena máxima não se faz superior a 04 anos, poderá ser aplicada a substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos).

De acordo com Hermann Grinfeld e Corintio Mariani Neto (Sociedade de Pediatria de São Paulo), in Efeitos do álcool sobre a gestante, O consumo abusivo de bebidas alcoólicas é importantíssimo problema de saúde pública, especialmente na sociedade ocidental, pois acarreta altos custos para a sociedade e governos, envolvendo questões nas áreas de Obstetrícia, Pediatria, Psiquiatria, Psicologia e outros profissionais da área de saúde e familiares.

Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e a Organização Mundial da Saúde (OMS), O consumo de álcool foi 100% responsável por cerca de 85 mil mortes anuais durante o período de 2013 a 2015 nas Américas, onde o consumo per capita é 25% superior à média global. O novo estudo com dados de mortalidade em 30 países das Américas - o maior do tipo realizado na região - revela como principais conclusões:

  • Uma média de 85.032 mortes (1,4% do total) anualmente foram atribuídas exclusivamente ao álcool;

  • A maioria das mortes (64,9%) ocorreu entre pessoas com menos de 60 anos;

  • As causas de morte foram principalmente por doença hepática (63,9%) e distúrbios neuropsiquiátricos (27,4%), como dependência de álcool;

  • O consumo de álcool é um fator que contribui para mais de 300 mil (5,5% do total) mortes anualmente nas Américas;

  • Mais homens do que mulheres morreram pelo consumo nocivo do álcool. Eles foram responsáveis ​​por 83,1% das mortes exclusivamente atribuíveis ao consumo de álcool. As maiores disparidades de gênero ocorreram em El Salvador e Belize; essa diferença foi menor nos Estados Unidos e no Canadá;

  • Cerca de 80% das mortes em que o álcool foi um fator importante ocorreram em três dos países mais populosos: Estados Unidos (36,9%), Brasil (24,8%) e México (18,4%);

A OPAS pede aos países das Américas que reduzam o consumo nocivo de álcool aumentando os impostos sobre bebidas alcoólicas e implementando restrições abrangentes à publicidade, promoção e patrocínio do álcool. Melhorar a qualidade dos dados sobre a mortalidade e morbidade do álcool é fundamental para monitorar o impacto do consumo.

Maristela Monteiro, consultora sênior da OPAS sobre álcool, ressaltou que o estudo demonstra que a maior proporção de mortes totalmente atribuíveis ao consumo de álcool ocorre prematuramente entre pessoas de 50 a 59 anos, e principalmente entre homens. O uso prejudicial de álcool está matando pessoas no auge de suas vidas. Esta é uma perda não apenas para suas famílias, mas também para a economia e a sociedade em geral.

Durante a pandemia de COVID-19, o álcool foi promovido por meio de canais de mídias sociais e sua disponibilidade aumentou em muitos países devido ao acesso mais fácil a compras online e entrega em domicílio. Há evidências de que as pessoas com maior probabilidade de aumentar o consumo de álcool já bebiam excessivamente antes da pandemia. Além disso, locais que vendem bebidas alcoólicas, como bares e boates, estão atraindo multidões que não usam máscaras nem praticam o distanciamento social.

Para o médico e psicólogo Roberto Debski, O álcool provoca a demência alcoólica, doença em que o indivíduo fica senil antes do tempo, uma vez que o cérebro para de funcionar devido a alterações no cérebro. Além de afetar todo o sistema nervoso central, o álcool também interfere no sistema cardiovascular, com os indivíduos ficando mais vulneráveis a desenvolver acidente vascular cerebral (AVC), por exemplo. Esse rompimento de artérias pode deixar sequelas e até levar ao óbito.

A psiquiatra Lívia Beraldo de Lima Basseres, mestre em psiquiatria pelo Instituto de Psiquiatria pela Universidade de São Paulo (IPQ-FMUSP), aponta que A dependência de álcool ou o transtorno por uso de álcool, como é chamado atualmente, é uma doença crônica e multifatorial. Isso significa que diversos fatores contribuem para o seu desenvolvimento, incluindo a quantidade e frequência de uso do álcool, a condição de saúde do indivíduo e fatores genéticos, psicossociais e ambientais.

III.1 O que é bebida alcóolica?

Mas, afinal, o que é considerado bebida alcóolica no Brasil? Consideram-se bebidas alcoólicas, para efeitos desta Lei, as bebidas potáveis com teor alcoólico superior a treze graus Gay Lussac. (art. 1º, Parágrafo único da Lei nº 9.294/1996)

III.1.1 Publicidade

E o que diz o CONAR (Conselho de Autorregulamentação Publicitária) em Anexo A Regra Geral 1, sobre a publicidade de bebidas alcóolicas? Por tratar-se de bebida alcoólica produto de consumo restrito e impróprio para determinados públicos e situações deverá ser estruturada de maneira socialmente responsável, sem se afastar da finalidade precípua de difundir marca e características, vedados, por texto ou imagem, direta ou indiretamente, inclusive slogan, o apelo imperativo de consumo e a oferta exagerada de unidades do produto em qualquer peça de comunicação.

No tocante à publicidade, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) - principiológico e lei ordinária prevê em seu art. 37 que é proibida toda publicidade enganosa ou abusiva; mais além, o § 1º do artigo em comento dispõe que é enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

Quanto a propaganda, assim relata o art. 3º, § 2º da Lei nº 9.294/1996: A propaganda conterá, nos meios de comunicação e em função de suas características, advertência, sempre que possível falada e escrita, sobre os malefícios do fumo, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas, segundo frases estabelecidas pelo Ministério da Saúde, usadas sequencialmente, de forma simultânea ou rotativa.; art. 4° - Somente será permitida a propaganda comercial de bebidas alcoólicas nas emissoras de rádio e televisão entre as vinte e uma e as seis horas. § 1° A propaganda de que trata este artigo não poderá associar o produto ao esporte olímpico ou de competição, ao desempenho saudável de qualquer atividade, à condução de veículos e a imagens ou idéias de maior êxito ou sexualidade das pessoas. § 2° Os rótulos das embalagens de bebidas alcoólicas conterão advertência nos seguintes termos: Evite o Consumo Excessivo de Álcool. (...) Art. 4º - A.  Na parte interna dos locais em que se vende bebida alcoólica, deverá ser afixado advertência escrita de forma legível e ostensiva de que é crime dirigir sob a influência de álcool, punível com detenção. (Incluído pela Lei nº 11.705, de 2008).

III.1.2 Dos malefícios do álcool

No que tange a CF/88, o § 4º do art. 220 preceitua que a propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso.

Estatísticas internacionais apontam que em cerca de 15% a 66%1 de todos os homicídios e agressões sérias, o agressor, vítima, ou ambos tinham ingerido bebidas alcoólicas. Da mesma maneira, o consumo de álcool está presente em cerca de 13% a 50%2 dos casos de estupro e atentados ao pudor. No Brasil, dados do Cebrid3 apontam que 52% dos casos de violência doméstica estavam ligados ao álcool.

Se a existência de uma relação entre álcool e violência está bem estabelecida, o que fazer do lado preventivo? Um dos caminhos mais efetivos é o proposto por pesquisadores como Holder, citado no mais recente consenso sobre as políticas do álcool produzido pela Organização Mundial de Saúde (OMS).2 Ele desenvolveu um modelo amplamente aceito em que intervenções ambientais seriam mais efetivas que políticas voltadas ao indivíduos (por exemplo, prevenção em escolas). Assim, com o controle sobre o preço de bebidas alcoólicas e seus pontos de venda, controle sobre os produtos a serem vendidos, evitando-se as promoções e publicidade, teríamos estratégias poderosas para a redução dos problemas relacionados ao álcool. [Ronaldo Laranjeira, Sérgio Marfiglia Duailibi, Ilana Pinsky. Unidade de Pesquisa em Álcool e outras Drogas (UNIAD), Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo (SP), Brasil. Departamento de Psiquiatria, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo (SP), Brasil]

Segundo a Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM), o uso frequente de bebida alcoólica pode levar a situações de abuso e dependência química. (...), temos ainda os danos que o uso frequente de álcool causa aos órgãos internos. Os mais vulneráveis são: Cérebro  o álcool afeta o Sistema Nervoso Central e pode causar perda de reflexo, problemas de atenção, perda de memória, sonolência e coma, que pode levar à morte; Coração  o álcool libera adrenalina, que acelera a atividade do sangue no coração, aumentando a frequência dos batimentos cardíacos; Fígado  altera a produção de enzimas, mudando o ritmo do metabolismo do álcool consumido, ocasionando inflamação crônica, hepatite alcoólica e cirrose; Estômago  irrita as mucosas do estômago e esôfago, ocasionando esofagite, gastrite e diarreia; Rins  o efeito diurético do álcool acaba por sobrecarregar os rins, comprometendo a eficácia do processo de filtragem das substâncias que ocorre nesse órgão.

III.1.3 - E o que dizem os números?

A cerveja foi, de longe, a bebida alcóolica com maior volume de vendas no Brasil no ano de 2020 (14,4 bilhões de litros), totalizando R$ 184,5 bilhões, seguida por cachaça (398,8 milhões de litros) e vinho (380 milhões de litros). (...) O crescimento em 2020 foi impulsionado principalmente pela migração do consumo para dentro de casa. Segundo a Euromonitor, a volume de vendas nos bares de restaurantes caiu 2,2%, mas foi mais do que compensando pelo salto 17,6% nas vendas do chamado off-trade, que inclui supermercados e comércio eletrônico. (Fonte: G1)

Segundo afirma Luisa Uehara, coordenadora de marketing da Kantar, o consumo de cerveja ganhou mais de 2,2 milhões de novos compradores: Nas classes A e B, o percentual de brasileiros adultos que beberam cerveja em casa saltou de 74,7% em 2019 para 79,7% em 2020. Na classe C, subiu de 64,9% para 68,1%, enquanto que nas classes D e E passou de 53,1% para 57,5% em 1 ano.. Para Jardênia Siqueira, diretora de Inovação da D´Origem, distribuidora de bebidas localizada no estado de Fortaleza, que atende as demandas off trade (atacadistas, supermercados, mercadinhos, mercearias, delicatessens, loja de conveniência, padaria) e on trade (restaurantes, bares, pubs, hotéis, casas de shows, eventos), Enquanto vemos insegurança no setor on trade, temos muitos clientes abrindo novos pontos de venda, como supermercados e o pequeno e médio varejo. Como não temos mais eventos e as pessoas deixaram de viajar, o consumo agora é em casa. Em matéria assinada (atualizada em 11/01/2022) pela jornalista Fernanda Strickland, jornal Correio Braziliense, pode-se ler: O consumo de vinho tem aumentado em diferentes mercados. No Brasil, segundo pesquisas da consultoria inglesa Winw Intelligence, a base de consumidores regulares cresceu em 17 milhões de pessoas na última década. Em 2010, 22 milhões de respondentes declaravam consumir vinho ao menos uma vez por mês. Em 2020, este número subiu para 39 milhões, o equivalente a quase duas vezes a população de Portugal, diz um levantamento da empresa.

IV Considerações finais

Em que pese o álcool e o tabaco serem drogas lícitas altamente viciantes, sua produção, venda e consumo são legais no Brasil; o critério de legalidade não está relacionado com a gravidade de seus efeitos; realizam-se comemorações de aniversário de 15 anos, debutante, com bebida permitida e ambulâncias na porta; a relação entre consumo de álcool e crime, acidentes de trânsito, violência doméstica e problema de saúde é reconhecida como um sério problema social em todo o mundo; via internet, e-commerce, é proibida a venda de derivados de tabaco e similares mas não é proibida a venda de bebida alcóolica. A relação entre as empresas operadoras/atuantes no ramo de entrega de alimentos, que visam a comercialização dos produtos ofertados por mandatários/parceiros (restaurantes, bares, lanchonetes e similares) aos consumidores finais via internet, e-commerce, encontra-se eivada de vício vez que, a uma, qualifica a venda de produtos derivados de tabaco e similares enquanto atividades comerciais ilícitas e não enquanto infração sanitária e, a duas, empregam medidas de penalidade contratual que deveriam ser executadas pelos órgãos competentes. Toda propaganda/publicidade que incentiva o consumo de álcool deve ser considerada proibida, descartando-se a ideia de difundir a marca do produto e suas características de maneira socialmente responsável, já que omite informações extremamente importantes e induzem o consumidor a erro. Na década de 1980, a prevalência de consumo de derivados de tabaco e similares na população era de 39%, hoje é 10%. A legalidade do comércio de bebidas alcóolicas via internet, e-commerce, origina-se no jogo de interesses dos players de mercado frente aos interesses políticos e, sobretudo, econômicos. Dê bebida fermentada aos que estão prestes a morrer, vinho aos que estão angustiados (Provérbios, 31:6).

Referências

https://www.addiction-ssa.org/author/professor-robert-west/ <acesso em 14/01/2022>

http://www.conar.org.br <acesso em 13/01/2022>

https://www.correiobraziliense.com.br/economia/2021/12/4971931-vinho-cai-no-gosto-dos-brasileiros-e-venda-cresce-principalmente-na-pandemia.html <acesso em 13/01/2022>

https://www.dorigem.com.br/ <acesso em 15/01/2022>

https://empresas.ifood.com.br/termos <acesso em 13/01/2022>

https://empresas.ifood.com.br/termos-credenciamento-ifood-beneficios-restaurante <acesso em 13/01/2022>

https://www.euromonitor.com/ <acesso em 14/01/2022>

https://g1.globo.com/economia/noticia/2021/05/23/consumo-de-cerveja-migra-para-dentro-de-casa-e-volume-de-vendas-no-brasil-e-o-maior-desde-2014.ghtml <acesso em 14/01/2022>

https://www.kantar.com/brazil <acesso em 14/01/2022>

https://legal.rappi.com/brazil/termos-e-condicoes-de-uso-da-plataforma- rappi/?_gl=1*1wkwd2h*_ga*MTg0NzU5NDA1Mi4xNjQyMTczOTU4*_ga_FGJHX7E4KW*MTY0MjE4NDQwMy4zLjEuMTY0MjE4NDQxNS40OA..&_ga=2.16898736.825853366.1642173958-1847594052.1642173958 <acesso em 13/01/2022>

https://www.loggi.com/termos-condicoes-clientes/#acesso <acesso em 13/01/2022>

https://www.paho.org/pt/noticias/12-4-2021-cerca-85-mil-mortes-cada-ano-sao-100-atribuidas-ao-consumo-alcool-nas-americas <acesso em 13/01/2022>

https://pebmed.com.br/consumo-de-bebidas-alcoolicas-cresce-939-na-quarentena/ <acesso em 13/01/2022>

https://www.scielo.br/j/rbp/a/yYbWPr5tFywY9NFFVCz54rz/?lang=pt <acesso em 13/01/2022>

https://www.spdm.org.br/saude/noticias/item/2266-o-que-acontece-no-seu-corpo-quando-voce-ingere-bebida-alcoolica <acesso em 13/01/2022>

https://www.spsp.org.br/downloads/AlcoolSAF2.pdf <acesso em 13/01/2022>

Legislação

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Decreto nº 52.025/1963 (Aprova o regulamento da Lei número 4.137, de 10 de setembro de 1962, que regula a repressão ao abuso do poder econômico).

Decreto-Lei nº 2.848/1940 (Código Penal).

Lei nº 1.521/1951 (Altera dispositivos da legislação vigente sobre crimes contra a economia popular).

Lei nº 6.404/1976 (Dispõe sobre as Sociedades por Ações).

Lei nº 6.437/1977 (Configura infrações à legislação sanitária federal, estabelece as sanções respectivas, e dá outras providências).

Lei nº 8.069/1990 (Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências).

Lei nº 9.099/1995 (Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências).

Lei nº 9.294/1996 (Dispõe sobre as restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas, nos termos do § 4° do art. 220 da Constituição Federal).

Lei nº 10.406/2002 (Código Civil).

Lei nº 12.846/2013 (Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências).

Lei nº 13.106/2015 (Altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente, para tornar crime vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar bebida alcoólica a criança ou a adolescente; e revoga o inciso I do art. 63 do Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941 - Lei das Contravenções Penais).

Resolução nº 15/2003 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Sobre o autor
Carlyle Leite Moreira

Bacharel em Direito Bacharel em História Pós-graduado em História Política e Social

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!