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Responsabilidade civil do Estado pela demora na prestação jurisdicional

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Agenda 14/03/2007 às 00:00

3. Responsabilidade civil do Estado por atos jurisdicionais

          3.1. Contextualização da função jurisdicional e sua caracterização como um serviço público

          Tendo em vista uma maior precisão técnica, pode-se afirmar que o poder estatal, traduzido na idéia de soberania, é uno e indivisível, admitindo-se, entretanto, sua partilha no que diz respeito à forma de exercício. Nesse sentido, idealizada por Aristóteles e Locke e posteriormente sistematizada por Montesquieu, a tripartição das funções estatais em executiva, legislativa e jurisdicional, na verdade, operacionaliza a manifestação em três faces de um mesmo poder. De fato, ao tratar da soberania como poder estatal, Fachin (2001, p. 59) observa que ela "[...] é atributo do Estado. Somente ele pode invocá-la. A soberania não pertence ao Poder Legislativo, ao Poder Executivo ou ao Poder Judiciário. É atributo do Estado, que não pode partilhá-la com ninguém."

          Essas três funções, por sua vez, são independentes e harmônicas entre si e, apesar de se organizarem e funcionarem independentemente, todo ato que delas provenha, dentro de seus respectivos raios de ação, representa uma manifestação completa, total, do poder soberano. Além disso, o entrosamento entre as funções executiva, legislativa e jurisdicional segue os ditames do denominado sistema de freios e contrapesos, concebido para que se tenha uma contenção do poder pelo poder, através do qual cada uma das funções estatais encontra nas outras as suas necessárias limitações, estabelecendo-se, pois, uma relação de interdependência entre elas.

          Nesse passo, Alcântara (1988, p. 18-19) salienta que a realidade veio a demonstrar que nem sempre cada poder exercita exclusivamente a função que lhe é própria, segundo parâmetros funcionais de atuação, de tal sorte que a distinção entre atos administrativos, legislativos ou jurisdicionais deve ser feita utilizando-se um critério formal ou do regime jurídico aplicável a cada uma deles. Assim é que a função administrativa compreende todos os atos materialmente administrativos, legislativos ou jurisdicionais, submetidos a um regime jurídico de Direito Administrativo, seja qual for o órgão que os emanar; a função legislativa, por seu turno, caracteriza-se pela produção de atos subordinados à Constituição inovadores do ordenamento jurídico.

          No que concerne à função jurisdicional, a ser destacada no âmbito do presente estudo, sua análise terá, como primeiro passo, a busca de um conceito de jurisdição, solucionada junto ao escólio de Cintra et al. (1996, p. 131), que a define como sendo

          "[...] uma das funções do Estado, mediante a qual este se substitui aos titulares dos interesses em conflito para, imparcialmente, buscar a pacificação do conflito que os envolve, com justiça. Essa pacificação é feita mediante a atuação da vontade do direito objetivo que rege o caso apresentado em concreto para ser solucionado; e o Estado desempenha essa função sempre mediante o processo, seja expressando imperativamente o preceito [...], seja realizando no mundo das coisas o que o preceito estabelece."

          Desse modo, o exercício da função jurisdicional pelo Estado consiste em fazer atuar a vontade da lei nos casos concretos que lhe são submetidos por aqueles que se consideram titulares de direitos lesados ou ameaçados de lesão.

          Denota-se, assim, o caráter de substitutivo da jurisdição, pelo que o Estado substitui, através de sua atividade, a atividade daqueles que estão envolvidos no conflito de interesses submetido à apreciação judicial. Os mesmos autores supra mencionados (1996, p. 132) traduzem a substitutividade da jurisdição nos seguintes termos:

          "Não cumpre a nenhuma das partes interessadas dizer definitivamente se a razão está com ela própria ou com a outra; nem pode, senão excepcionalmente, quem tem uma pretensão invadir a esfera jurídica alheia para satisfazer-se. A única atividade admitida pela lei quando surge o conflito é [...] a do Estado que substitui a das partes."

          Nos primeiros tempos da civilização, os conflitos eram resolvidos pelos próprios envolvidos, mediante qualquer tipo de solução, ainda que baseada na força ou poderio bélico, no que se convencionou chamar de autotutela. Posteriormente, essa forma de composição dos litígios foi sendo abandonada, adotando-se um sistema pelo qual a um terceiro, desinteressado e imparcial, cabia a solução da contenda. Tal solução, primeiramente facultativa, passou a ser, num segundo momento, obrigatória. Somente muito depois, com o desenvolvimento da noção de Estado de Direito é que a tarefa de solucionar conflitos de interesses foi admitida como função estatal, primeiro de competência do soberano e, mais tarde, do Poder Judiciário, sob a forma de monopólio [17]. (WAMBIER et al 2001, p. 35-36)

          Nos dias atuais, a jurisdição é monopólio estatal. [18] Conforme explica Serrano Júnior (1996, p. 103), "em determinado momento da evolução histórica, o Estado monopolizou o exercício da jurisdição, proibindo os particulares de fazerem justiça com as próprias mãos. Naquele momento, estabeleceu o direito de ação e outorgou-o ao cidadão. Em contrapartida, surge o dever de jurisdição, a ser prestado pelo Estado."

          Esse monopólio estatal, por seu turno, tem uma finalidade última, consistente na "manutenção da paz e da ordem social e, especialmente, na realização da justiça. Mediante o exercício da jurisdição, cujos escopos são a atuação do direito objetivo material e a pacificação social, satisfaz-se sobretudo o interesse da sociedade que compõe o Estado" (DERGINT, 1994, p. 93)

          Dessume-se, portanto, que ao Poder Judiciário compete precipuamente o exercício da função jurisdicional, por meio da aplicação das normas de direito positivo, tendo em vista pacificar os conflitos ocorridos na vida em sociedade, dispondo ainda o art. 5.º, inciso XXXV, da Constituição Federal, que nenhuma lesão ou ameaça a direito individual poderá ser subtraída a seu exame.

          Segundo Dergint (1994, p. 88-89), a importância do Poder Judiciário é significativamente aumentada em países que adotam o sistema de jurisdição una, como o Brasil, onde toda a função jurisdicional é exercida por esse poder, diferentemente de países que, a exemplo França, adotam o denominado contencioso administrativo, pelo qual o Estado-Administração exerce a jurisdição em matérias de seu interesse.

          Da mesma forma que a função administrativa, o exercício da jurisdição pressupõe a aplicação da lei ao caso concreto, no que ambas diferenciam-se da função legislativa, de tal sorte que se afigura conveniente um aprofundamento na distinção entre referidas atividades estatais. Nesse sentido, Greco Filho (2000, p. 33), com base nas lições de imortal processualista italiano, leciona que:

          "Entende-se, modernamente, em especial em virtude do ensinamento do mestre Chiovenda, que a administração é uma atividade primária, espontânea, que aplica o direito por iniciativa própria, tendo em vista os interesses da própria administração. Já a atividade jurisdicional é atividade secundária, inerte, somente atua quando provocada e se substitui à vontade das partes, impedidas que estão de exercer seus direitos coativamente pelas próprias mãos."

          Desse modo, enquanto a função administrativa é primária, vale dizer, realizada pela Administração independentemente de provocação do interessado e, em alguns casos, até mesmo sem a sua participação, a jurisdição diz-se secundária, vez que não são as partes, por atividade e vontade próprias, que resolvem o conflito. É a atuação estatal que as substitui, dependendo, para isso, via de regra, de provocação, patente o princípio da inércia que norteia a atividade jurisdicional.

          Mencione-se ainda que, embora o administrador cumpra a lei, tendo-a como limite de sua atividade, o seu escopo é a realização do bem comum, diferentemente do juiz cujo agir prima em fazer atuar a lei, considerando-a em si mesma. (DERGINT, 1994, p. 92)

          Como último traço diferenciador entre as atividades administrativa e jurisdicional, aponta Dergint (1994, p. 95) que os atos administrativos não são definitivos, podendo ser revistos judicialmente em várias hipóteses, cabendo sempre ao Poder Judiciário a última palavra; já os atos jurisdicionais – e apenas eles – podem revestir-se da qualidade de coisa julgada, traduzida na imutabilidade dos efeitos da decisão, não podendo ser revistos por nenhum outro poder.

          A análise da função jurisdicional, por certo, inspira maiores considerações e enfoques, os quais, entretanto, escapam aos limites propostos no presente estudo, de tal sorte que, ora fechando este tópico, uma última observação deve ser apontada, consistente na diferença entre os termos "judicial" e "jurisdicional". Segundo Araújo (1981, p. 87), "tudo que emerge do Poder Judiciário será atividade judicial, quer se considere o aspecto formal, quer o material de seus atos." Serrano Júnior (1996, p. 106), por sua vez, completa essa idéia, aduzindo que o exercício da função jurisdicional

          "[...] necessita de uma série de atividades-meios, exercidas pelos diversos agentes judiciários [...], inclusive, o juiz [...] para atingir seu clímax. Do ajuizamento da ação até seu julgamento final, e, além deste, até a execução completa do julgado, [...] uma gama imensa de atividades foram realizadas."

          Nesse contexto é que são diferenciados os atos judiciais e os atos jurisdicionais. Os primeiros consistem naqueles atos desempenhados com o fito de dirigir o processo à prolatação da sentença, compondo o dinamismo processual; os segundos, por sua vez, são representados pelas sentenças de mérito, ponto culminante da prestação jurisdicional, e por outras decisões interlocutórias. É importante notar que, quanto aos atos judiciários, de índole materialmente administrativa, não existem controvérsias a respeito da possibilidade de indenização dos danos porventura deles decorrentes; no que concerne aos atos jurisdicionais, contudo, verifica-se certa resistência em se admitir sua indenizabilidade (SERRANO JÚNIOR, 1996, p. 107), conforme será abordado no item 3.3 deste capítulo.

          Feitas essas breves anotações a respeito da função jurisdicional, o passo seguinte será buscar seu enquadramento como um serviço público. Nesse sentido, para Di Pietro (2002, p. 99), serviço público pode ser definido como "toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que exerça diretamente ou por meio dos seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público."

          Infere-se, de tal conceito, que o serviço público é criado através de lei, o que representa uma opção do próprio Estado, o qual, reconhecendo a importância de determinada prestação para a coletividade, fixa-a como serviço público, tomando para si a responsabilidade de levá-la a efeito, seja diretamente ou por via indireta, como ocorre nas concessões e permissões.

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          Na realidade, é preciso que se vislumbre uma concepção de serviço público que não se detenha tão somente nas funções administrativas prestadas pelo Estado. Assim é que Araújo (1981, p. 45) se expressa, ao escrever que serviço público "é toda atividade exercida pelo Estado, através de seus ‘poderes’ (legislativo, executivo e judiciário), para a realização direta ou indireta de suas finalidades."

          Destarte, a atividade jurisdicional do Estado deve ser incluída no rol dos ditos serviços públicos, até porque sua própria origem, com a avocação pelo ente estatal do monopólio de compor os conflitos de interesses, indubitavelmente, reveste-a do referido caráter. Tal afirmação encontra respaldo no escólio de Dergint (1994, p. 113), para quem "Se a prestação da tutela jurisdicional é exclusivamente incumbida ao Poder Público, em caráter obrigatório, não podendo os particulares ‘fazer justiça’ de mão própria, o serviço judiciário configura, inequivocamente, um serviço público." Completando esse raciocínio, Serrano Júnior (1996, p. 107) acrescenta que "Sendo o único possível de sua natureza, o serviço judiciário deve ser prestado com qualidade.O direito de ação importa, sem dúvida, no direito a um serviço judiciário de qualidade, ágil, eficiente, enfim, que atende às exigências de seus usuários."

          Desse modo, reconhecida o exercício da função jurisdicional como sendo a prestação de um serviço público, a responsabilidade civil do Estado por atos do magistrado começa a ganhar fortes contornos no sentido de ser uma decorrência do dever indenizatório imposto ao Estado por danos decorrentes dos serviços públicos, os quais se tornarão mais nítidos quando aclarada for a qualificação desse profissional como um agente público, levada a efeito nas linhas seguintes.

          3.2. Principais argumentos contrários à responsabilidade civil do Estado por atos jurisdicionais e sua respectiva refutação

          3.2.1 Soberania do Poder Judiciário

          Durante muito tempo, esse argumento serviu de base para sustentar a irresponsabilidade do Estado no campo dos atos jurisdicionais, de tal sorte que o Poder Judiciário, por esse argumento, "[...] no exercício ‘soberano’ de suas atribuições era, assim, colocado em uma posição supra legem, não se admitindo tanto a responsabilidade estatal, quanto a pessoal do juiz." (DERGINT, 1994, p. 130)

          Entretanto, sob a óptica moderna que se tem da noção de soberania, esse argumento é inexoravelmente rechaçado. Nesse sentido, a síntese feita por Dergint (1994, p. 131) merece lembrança:

          "A soberania é um atributo da pessoa jurídica Estado, de forma una, indivisível e inalienável. Soberano é o Estado como um todo, e não o Legislativo, o Executivo ou o Judiciário (independente ou conjuntamente). Estes, aliás, são mais propriamente ‘funções’ e não ‘poderes’do Estado. A cada qual compete unicamente o exercício da soberania estatal, dentro dos limites constitucionalmente traçados. A unidade e a totalidade caracterizam a idéia de soberania, que, em verdade, não designa o poder, mas uma qualidade do poder estatal – grau supremo desse poder."

          Assim, no desempenho da função jurisdicional, o Poder Judiciário, por meio do magistrado, realmente atua como expressão do poder estatal, que é soberano; entretanto, essa mesma manifestação é comum às demais funções, vale dizer, executiva e legislativa, sendo inconcebível, no Estado de Direito, a existência de um poder "que, à diferença dos demais, seja em si mesmo soberano." (ALCÂNTARA, 1988, p. 27)

          Além disso, como muito bem esclarece por Di Pietro (2002, p. 533-534): "Se fosse aceitável o argumento da soberania, o Estado também não responderia por atos praticados pelo Poder Executivo, em relação aos quais não se contesta a responsabilidade." Dessa forma, tanto o Executivo, quanto o Legislativo e o Judiciário são expressões do poder estatal, de tal sorte que ou se reconhece a responsabilidade por danos decorrentes das atividades desempenhadas por estas três funções, ou então seja ela negada em todos os casos de lesões advindas de atividades estatais, o que, como se sabe, é inaceitável atualmente.

          Concebendo-se, portanto, a soberania como um atributo do poder estatal e a unidade deste, pode-se concluir, com Fachin (2001, p. 69), que tais premissas ensejam duas conseqüências, a saber, a superação das teorias que defendem a irresponsabilidade do Estado por atos do magistrado, e a imposição do dever de o Poder Público reparar os danos oriundos do exercício da atividade jurisdicional, como de resto deve fazê-lo, igualmente, em relação às funções executiva a legislativa.

          3.2.2. Incontrastabilidade da coisa julgada

          Dentre os argumentos arrolados pelos defensores da irresponsabilidade do Estado por atos jurisdicionais, a incontrastabilidade da coisa julgada, sem dúvida, é o mais sólido; todavia, também ele não resiste a uma contra-argumentação, pois admitir a responsabilização do Estado por atividades judiciárias não importa, de forma alguma, em ofensa à coisa julgada, instituto concebido com o intuito de satisfazer as necessidades de estabilização das decisões judiciais e garantia de segurança jurídica.

          A respeito da formação da coisa julgada e das razões pelas quais consistiria ela em obstáculo à responsabilização do Estado por atos jurisdicionais, Dergint (1994, p. 135) explica que

          "Contra a eventual injustiça das decisões judiciárias possuem as partes as vias recursais. O ato judicial decisório, quando não mais sujeito a recurso, torna-se definitivo, adquirindo a qualidade de coisa julgada. A decisão trânsita em julgado, ainda que contendo erro de fato ou de direito, cria sua própria ‘verdade’ e seu próprio direito (res iudicata facit ius). Por tal razão, pressuposta legítima, a decisão não pode ensejar a responsabilidade civil, que pressupõe dano gerado por ato contrário ao Direito. Na expressão medieval: res iudicata facit de albo nigrum et de quadrato rotundum."

          Por outro lado, Alcântara (1988, p. 31) insurge-se contra essa premissa, lançando o seguinte desafio ao defensores da irresponsabilidade do Estado por atos do magistrado que invocam esse argumento em sua defesa:

          "Aos que sustentam que a coisa julgada vem a ser o fundamento da irresponsabilidade do Estado por ato jurisdicional, perguntaríamos como se colocaria a questão dos atos jurisdicionais que não fazem coisa julgada, como os que não decidem o mérito

          Nessa hipótese qual seria o fundamento? A soberania? Não nos parece que a coisa julgada seja um impedimento, mas sim um limite a ser transposto antes de se pleitear a reparação patrimonial."

          Desse modo, o argumento ora analisado começa a dar seus primeiros sinais de fraqueza, consistentes na aludida limitação à alegação de ofensa à coisa julgada como óbice da indenizabilidade dos atos jurisdicionais, vez que há certos atos praticados pelo magistrado que não alcançam a dignidade de coisa julgada, os quais, entretanto, podem ter efetivo potencial lesivo.

          Costuma-se dividir a coisa julgada em formal e material. Assentindo nesse desdobramento, Serrano Júnior (1996, p. 133), com elogiável brevidade, esclarece que

          "Enquanto a coisa julgada formal torna a sentença imutável dentro do processo, como um ato processual, pondo-a, com isso, ao abrigo dos recursos, a coisa julgada material torna imutável os efeitos por ela lançados fora do processo. É a imutabilidade da sentença no mesmo processo ou em qualquer outro entre as mesmas partes, pelo que, nenhum juiz poderá novamente julgar, nem as partes litigar, nem o legislador dispor, sobre relação jurídica que foi objeto de pretensão jurídica com julgado dotado de tal qualidade."

          É justamente essa qualidade da sentença, vale dizer, a imutabilidade que tem sido alegada como impedimento ao dever de indenizar do Estado por atos jurisdicionais.

          Pondere-se, todavia, que tal princípio seria demasiadamente rigoroso caso se pretendesse defendê-lo de forma absoluta. Por tal motivo, foram estabelecidos, nas esferas civil e penal, os corretivos necessários a referida rigidez, representados, respectivamente, pelos institutos da ação rescisória e da revisão criminal. Nesse sentido, Dergint (1994, p. 142) assevera que

          "Por certo, a revisão criminal e a ação rescisória civil restringem a amplitude do princípio da imutabilidade da coisa julgada, que, então, impediria apenas a concessão ‘de plano’ de uma indenização contra uma decisão definitiva. Admitindo o processo de revisão (cível ou criminal) do ato jurisdicional, sendo ele anulado e substituído por outro (agora regular), a indenização [...] será a conseqüência lógica da nova decisão, sem que se fira a autoridade da coisa julgada.Destarte, a coisa julgada constituiria somente um obstáculo processual à responsabilidade do Estado, dentro do âmbito dos atos jurisdicionais propriamente ditos."

          É admitido, portanto o desfazimento da coisa julgada através dos meios processuais cabíveis, de tal sorte que não representa ela um valor absoluto e intangível, aliás, uma das tônicas do processo civil moderno é justamente a discussão acerca da relatividade da coisa julgada. Dito isto, mostra-se oportuno mencionar o fato pelo qual, na seara penal, a revisão criminal pode ser proposta a qualquer tempo, nos exatos termos do artigo 622, do Código de Processo Penal; ao passo que, no âmbito civil, de conformidade com o artigo 495, do Estatuto Adjetivo, a ação rescisória é admitida dentro de um lapso de interposição de dois anos, contados a partir do trânsito em julgado da decisão, de modo que, no primeiro caso, é dizer, no processo penal, não se forma a denominada coisa "soberanamente" julgada, como ocorre no processo civil após o decurso do aludido interregno.

          Nesta última hipótese, vale dizer, a formação da coisa "soberanamente" julgada, verificada no processo civil, surgem divergências a respeito do cabimento da ação indenizatória, pois a autoridade da coisa julgada firmou-se de modo irredutível. Nesse embate doutrinário, prevalece a posição pela qual a indenização prescinde da rescindibilidade da sentença, restando afastada, em mais esta oportunidade, o princípio da intangibilidade da coisa julgada como defesa da irresponsabilidade estatal por força de danos decorrentes da atividade jurisdicional. Advogando em favor dessa concepção, Araujo (1981, p. 143) argumenta que:

          "Realmente, apurada a falha determinante do erro no edifício de um procedimento judicial, se não mais se puder desabar por prescrita a rescisória, não se compreende porque não possa ser o prejudicado indenizado por esse erro do Estado-Juiz, mesmo mantendo-se o julgamento já transitado em julgado."

          Nesse caso, não será a validade da decisão que será impugnada através da ação indenizatória, está se manterá íntegra e continuará a vincular as partes, mas antes serão argüidas razões e fundamentos afetos à reparação dos danos dela provenientes, de forma que a eventual procedência da ação não implicará a modificação do teor do ato jurisdicional ou suspensão dos efeitos da coisa julgada.

          Na realidade, a improcedência do argumento ora rebatido tem cunho axiológico. Conforme pondera Dergint (1994, p. 145-146), o instituto da coisa julgada tem por finalidade manter

          "[...] a paz social e a segurança jurídica, para tanto devendo a decisão judicial, a certo ponto, pôr definitivamente fim a um litígio. Evidentemente, aqui, valores de ‘justiça’podem conflitar com o princípio. A razoabilidade há, no entanto, que ser encontrada em um equilíbrio de valores considerados válidos (in medio stat virtus)."

          Dessa forma, deve-se reconhecer a relatividade dos princípios jurídicos da paz social e da segurança jurídica, fundamentos da coisa julgada, de modo que, em conflito com o valor da justiça, deve ser buscado um equilíbrio que conduza a uma harmonização dos institutos da coisa julgada e da responsabilidade civil do Estado por atos jurisdicionais.

          3.3 Demais argumentos: teor e inconsistência

          Ao lado dos dois argumentos expostos supra, que podem ser considerados os principais na defesa da tese da irresponsabilidade do Estado por atos do magistrado, podem ser mencionados, ainda, outros quatro, de maior fraqueza, quais sejam: a falibilidade contigencial dos juízes; o risco assumido pelo jurisdicionado; a independência da magistratura; e a ausência de texto legal expresso.

          O primeiro, a bem da verdade, além de ser extremamente frágil, representa mais uma razão que justifica que um argumento contrário à responsabilidade civil do Estado por atos do magistrado. Com efeito, os juízes não são deuses e, em sua condição humana, são passíveis de erro, como qualquer indivíduo, de modo que, pela relação de imputação direta dos atos dos agentes públicos ao próprio Estado, tem-se a circunstância pela qual os erros do magistrado são erros do Poder Público, restando inequívoca, portanto, a possibilidade de se pleitear a indenização pelos danos deles originados.

          O pensamento dos defensores do segundo argumento, vale dizer, o risco assumido pelo jurisdicionado, é assim traduzido por Fachin (2001, p. 176):

          "[...] o Estado não responde pelos danos causados pela atividade jurisdicional porque o jurisdicionado, ao deduzir em juízo sua pretensão, assume os riscos inerentes a esta espécie de serviço público. Os jurisdicionados, por meio da vontade manifestada tácita ou expressamente, anuíram que outros exercessem o poder. Se houve tal anuência, eles devem assumir os riscos decorrentes do exercício da administração e, portanto, da administração da justiça."

          Essa visão, contudo, mostra-se míope e distanciada de um preceito fundamental, qual seja, a noção pela qual a atividade jurisdicional é considerada um serviço público e, como tal, é desempenhada no interesse da coletividade e não simplesmente daqueles que a ela recorrem.

          Desse modo, com Dergint (1994, p. 150), pode-se concluir que a assunção, pelo jurisdicionado, dos riscos inerentes à atividade jurisdicional configura uma aberrante inversão da teoria do risco em matéria de responsabilidade estatal, vez que, conforme já examinado, é o Estado que deve assumir, perante os cidadãos, os riscos advindos da prestação dos serviços públicos.

          O terceiro argumento, por sua vez, também carece de sustentação. É certo que, para bem desempenhar sua função, de notável relevância do seio da sociedade, mostra-se indispensável ao magistrado a concessão de certas garantias que lhe assegurem a independência e a imparcialidade. Entretanto, em nome dessa independência, muitos têm propugnado pela irresponsabilidade do Estado por atos jurisdicionais, alegando a possível insegurança e temerosidade que se instalaria no espírito do julgador se admitida fosse a aludida responsabilização.

          Nesse passo, Di Pietro (2002, p. 535) assevera que:

          "As garantias de que se cerca a magistratura no direito brasileiro, previstas para assegurar a independência do Poder Judiciário, em benefício da Justiça, produziram a falsa idéia de intangibilidade, inacessibilidade e infalibilidade do magistrado, não reconhecida aos demais agentes públicos gerando o efeito oposto de liberar o Estado de responsabilidade pelos danos injustos causados àqueles que procuram o Poder Judiciário para que seja feita justiça." (grifo da autora)

          Dessume-se, portanto, que há um certo exagero na interpretação das garantias concedidas aos juízes com o escopo de lhes assegurar a independência e a imparcialidade, ao se afirmar que estas garantias teriam o condão de alijar a responsabilidade do Estado. Como pondera Dergint (1994, p. 152),

          "O valor da independência do juiz, certamente, é fundamental, porém não absoluto. Não deve ser considerado isolado de outros princípios e valores com os quais deve coadunar – entre eles o princípio da responsabilidade democrática dos titulares do poder público. Há que se conciliar ambos os princípios; um limita, mas não anula o outro."

          Principia, desse modo, a ruir a tese sustentada pelos defensores desse argumento, que cai definitivamente por terra quando se contra-argumenta no sentido que, no vigente sistema constitucional brasileiro, a concepção adotada estabelece a responsabilidade direta do Estado pelos danos advindos da prestação de serviços públicos, de tal sorte que o agente – na hipótese, o magistrado – apenas seria acionado em ação regressiva e, ainda assim, havendo elementos capazes de supedenear um agir culposo ou doloso de sua parte.

          Por derradeiro, àqueles que buscam supedanear a irresponsabilidade do Estado por atos praticados pelo magistrado na ausência de texto legal expresso, basta dizer que, à luz do preceito constitucional vigente, a responsabilidade civil do Estado por atos de seus agentes – dentre os quais os magistrado estão incluídos – já se encontra perfeitamente prevista no ordenamento jurídico pátrio, com requintes de norma constitucional, de tal sorte que também essa tese não merecer acolhimento.

          3.3 Atividades judiciárias danosas

          A atividade jurisdicional pode conduzir a uma gama considerável de hipóteses nas quais o particular pode ser lesado, de forma que uma exposição exaustiva de todas os casos nos quais o exercício da função jurisdicional poderia lesar a outrem configura tarefa de extrema dificuldade e, talvez, quase impossível de ser realizada. Feita essa ressalta, será objeto de considerações no presente artigo, apenas a questão relativa à demora da prestação na entrega jurisdicional, não se olvidando, contudo, que existem outros casos de atividades jurisdicionais consideradas lesivas, mencionadas, de modo mais ou menos constante pelos autores que enfrentam a matéria, dentre os quais podem ser citados o erro judiciário civil e penal, os danos provocados dolosa ou culposamente pelo juiz e a denegação da justiça, entre outros. Antes, porém, oportuna se mostra a análise, ainda que a passos largos, da questão relativa ao binômio tempo-processo, que será levada a efeito no tópico seguinte.

          3.3.1 A questão do tempo do processo

          Desde Carnelutti já se tem a noção de que "O tempo é um implacável inimigo do processo, contra o qual todos – o juiz, seus auxiliares, as partes e seus procuradores – devem lutar de modo obstinado." (CRUZ E TUCCI, 1999, p. 119).

          Aliás, Dinamarco (2001, p. 895), ao discorrer sobre os efeitos lesivos da lentidão na entrega da prestação jurisdicional, alerta que os males daí decorrentes são de três ordens, a saber, afetam tanto o direito da parte, que perece em razão da demora; atingem, de igual forma, o psiquismo do consumidor dos serviços forenses, causando angústia e incertezas; bem como provoca o desgaste e desprestígio do próprio processo, em decorrência do perecimento dos meios dos quais precisa valer-se para bem desempenhar dita missão. Diz o processualista:

          Há direitos que sucumbem de modo definitivo e irremediável quando a tutela demora, mas há também situações que, mesmo não desaparecendo por completo a utilidade das medidas judiciais, a espera pela satisfação é fator de insuportável desgaste, em razão da permanência das angústias e incertezas. Há também o desgaste do processo mesmo, como fator de pacificação com justiça, o que sucede quando o decurso do tempo atinge os meios de que ele precisa valer-se para o cumprimento de sua missão social (provas e bens).

          Com isso, a perquirição em torno de medidas capazes de combater os efeitos danosos decorrentes da lentidão na entrega da prestação jurisdicional é tarefa das mais importantes e os esforços para concretizá-la devem possuir, justificadamente, a maior amplitude possível, encampando, inclusive, o aspecto processual e o desenvolvimento de instrumentos hábeis a oferecer e proporcionar ao jurisdicionado uma tutela efetiva e em tempo razoável. Nesse sentido, conhecidas são as palavras de Luiz Guilherme Marinoni (1997, p. 23) que, focalizando o instituto da antecipação de tutela, com propriedade, chama atenção para a circunstância de que:

          Se o autor é prejudicado esperando a coisa julgada material, o réu, que manteve o bem na sua esfera jurídico-patrimonial durante o longo curso do processo, evidentemente é beneficiado. O processo, portanto, é um instrumento que sempre prejudica o autor que tem razão e beneficia o réu que não há tem!

          É preciso que se perceba que o réu pode não ter efetivo interesse em demonstrar que o autor não tem razão, mas apenas desejar manter o bem no seu patrimônio, ainda que sem razão, pelo maior tempo possível, com o que o processo pode lamentavelmente colaborar.

          Se o processo é um instrumento ético, que não pode impor um dano à parte que tem razão, beneficiando a parte que não a tem, é inevitável que ele seja dotado de um mecanismo de antecipação da tutela, que nada mais é do que uma técnica que permite a distribuição racional do tempo no processo.

          Além disso, é digno de menção ainda que diversas outras medidas legislativas têm sido tomadas com o fito de se otimizar a prestação jurisdicional e eliminar, de forma mais satisfatória possível, os entraves e atrasos na efetiva realização, no plano empírico, das determinações judiciais. Cite-se, a título de exemplo, as inovações trazidas pela Lei n.º 11.232, de 23 de dezembro de 2005, que deu novos contornos ao processo de execução, através da instituição da fase de cumprimento de sentença, consagrando, dessa maneira, o que se convencionou chamar de processo sincrético.

          Tem-se, pois, que a questão do tempo do processo, como não poderia deixa de ser, guarda estreita relação com a tão desejada efetividade na prestação da tutela jurisdicional, cuja busca, consoante salientado linhas acima, é dever de todos. Conforme leciona Cruz e Tucci (1997, p. 27):

          O processo é o instrumento destinado à atuação da vontade concreta da lei, devendo, na medida do possível, desenvolver-se sob a vertente extrínseca, mediante um procedimento célere, a fim de que a tutela jurisdicional emerja realmente oportuna e efetiva. (grifo nosso)

          Em explanação muito feliz e fazendo síntese da relação existente entre o processo o tempo, Cruz e Tucci (1997, p. 65) conclui que:

          Em suma, o resultado de um processo "não apenas deve outorgar uma satisfação jurídica às partes, como também, para que essa resposta seja a mais plena possível, a decisão final deve ser pronunciada em um lapso de tempo compatível com a natureza do objeto litigioso, visto que – caso contrário – se tornaria utópica a tutela jurisdicional de qualquer direito. Como já se afirmou, com muita razão, para que a Justiça não seja injusta não faz falta que contenha equívoco, basta que não julgue, quando deve julgar."

          Além disso, essa tendência moderna de busca pela aceleração dos procedimentos e conseqüente incremento da efetividade do processo coaduna-se com a efetividade das próprias garantias constitucionais da ação e da defesa. Nesse sentido, veja-se, mais uma vez, a lição de Cruz e Tucci (1997, p. 129):

          Diante do exposto, fácil fica concluir que essa tendência atual, com a finalidade de acelerar a marcha procedimental, deve ser individuada na intolerância da excessiva lentidão da estrutura do processo tradicional, visto resultar pacífico que a rápida prestação jurisdicional é elemento indispensável para a efetiva atuação das garantias constitucionais da ação e da defesa.

          À guisa de remate, mister consignar que a preocupação com a tempestividade da entrega na prestação jurisdicional atingiu dignidade constitucional, com o advento da Emenda Constitucional n.º 45, que acrescentou o inciso LXXVIII ao art. 5.º, da Constituição Federal [19], pelo qual a todos, no âmbito judicial ou administrativo, são asseguradas a razoável duração do processo e meios que garantam celeridade em sua tramitação. Trata-se, assim, de mais um reforço, agora em sede constitucional, na tentativa de se abreviar os males da longa duração do processo e das conseqüências danosas dela advindas.

          Segundo Horácio Wanderlei Rodrigues (2005, p. 287), a existência do direito à prestação constitucional em um prazo razoável já era uma realidade, mesmo antes do advento da EC n.º 45, que o integrou ao texto constitucional de forma expressa, decorrendo dito direito, em primeiro lugar, do princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário (art 5.º, XXXV [20]), do princípio do devido processo legal (art. 5.º, LIV [21]) e, no âmbito internacional, da adesão do Brasil à Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica [22]), em 26 de maio de 1992.

          Apesar disso, a EC n.º 45 trouxe pontos importantes relativos à prestação jurisdicional em prazo razoável, quais sejam: a) eliminar qualquer discussão porventura existente a seu respeito; b) estabelece, ainda que indiretamente, a definição de que prazo razoável é o legal, ao impedir, no art. 93, inciso II, alínea "e", a promoção de juiz que retenha, injustificadamente, autos em sue poder além do prazo legal; c) trouxe também exigência da existência de meios que garantam a celeridade processual; e d) trouxe um conjunto de determinações afetas à organização do Poder Judiciário destinadas a auxiliar no cumprimento efetivo do comando constitucional (RODRIGUES, 2005, p. 288).

          Para esse autor (2005, p. 288), o novo preceito constitucional condensa duas normas, a saber, a garantia da razoável duração do processo e da existência de meios que garantam a celeridade processual. Possuem aludidas normas, ademais, um duplo direcionamento, estabelecendo direitos fundamentais que podem ser exigidos por qualquer cidadão, bem como dirigindo ao Poder Público uma ordem para que garanta o direito à prestação jurisdicional em prazo razoável e crie os meios necessários para que isso ocorra.

          Dessa maneira, agora destacada pelo novo comando constitucional, a busca de meios para o combate da lentidão na entrega da prestação jurisdicional e dos efeitos nocivos do tempo no processo, com vistas a dar uma maior efetividade na tutela jurisdicional, ganhou substancial relevo, devendo constituir uma preocupação constante para o estudioso e aplicador do Direito. Esse destaque constitucional, por sua vez, deve abranger não são a criação do ferramental necessário a emprestar maior celeridade à máquina judiciária, mas também direcionar e orientar a própria organização e estruturação do Poder Judiciário, de tal sorte que a responsabilização do Estado pela demora na prestação jurisdicional ganhou inegável reforço com a referida Emenda do texto constitucional.

          3.3.2. A demora na prestação da tutela jurisdicional

          Como descreve Alcântara (1988, p. 48), freqüentemente a demora da entrega da prestação jurisdicional é causa de perecimento de direitos e conseqüentes lesões ao patrimônio do particular. Com efeito, a lentidão do Poder Judiciário é uma realidade que provoca uníssono reclamo e descontentamento social, sendo causa que até mesmo desencoraja o recurso à via judicial para a resolução dos conflitos de interesse, estimulando a procura de meios alternativos, e contribui para que se semeie o gérmen do descrédito e da sensação de impunidade no meio social.

          Tendo o Estado tomado para si o monopólio da justiça, a prestação da tutela jurisdicional representa o único meio legítimo de se estabilizar definitivamente qualquer direito conflitado. Dessa forma, cumpre ao poder Público "zelar por um certo grau de perfeição na prestação do serviço judiciário, de modo que seu funcionamento tardio gera, como conseqüência lógica, seu dever de responder pelos danos que eventualmente causar." (DERGINT, 1994, p. 196)

          Segundo Jucovsky (1999, p. 69), "A demora na decisão judicial, em verdade, afigura-se prestação jurisdicional eivada de imperfeição", sendo seu raciocínio completado pela lição de José Augusto Delgado, que assim preleciona:

          "(...) a demora na prestação jurisdicional cai no conceito de serviço público imperfeito. Quer que ela seja por indolência do Juiz, quer que seja por o Estado não prover adequadamente o bom funcionamento da Justiça. E, já foi visto que a doutrina assume a defesa da responsabilidade civil do Estado pela chamada pela chamada responsabilidade civil do Estado pela chamada falta anônima do serviço ou, em conseqüência, do não bem atuar dos seus agentes, mesmo que estes não pratiquem a omissão dolosamente." (apud JUCOVSKY, 1999, p. 70)

          Dessa maneira, não constitui excludente da responsabilidade estatal a lentidão na entrega da prestação jurisdicional atribuída ao mau aparelhamento do Poder Judiciário, seja sob o aspecto material ou humano.

          Seja por conta do agir do magistrado [23], ou por insuficiência de recursos materiais ou humanos, é certo que a demora injustificada na prestação da tutela jurisdicional, se lesiva a direito do jurisdicionado, é causa que autoriza a propositura de demanda indenizatória contra o Estado, que poderia funcionar até mesmo como uma forma de cobrança para o solucionamento dos graves problemas que geram o emperramento da máquina judiciária. Aliás, como obtempera Fachin (2001, p. 209),

          "Se o Estado arrecada tributos e taxas judiciárias com a finalidade específica de executar essa modalidade de serviço público, deve prestá-lo com certo grau de qualidade. Ele deve fazer bem os serviços que presta. E entregá-los dentro de prazo razoável é corresponder ao que é seu dever e anseio dos jurisdicionados."

          Além disso, conforme destaca o Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, relator do Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n.º 10.268-Bahia e publicado no DJ de 23/08/99, que foi julgado pela 6.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, "A prestação jurisdicional ofertada pelo Estado possui a mesma importância dos balcões de primeiros socorros em hospitais públicos", de tal sorte que seu oferecimento tempestivo e oportuno, mais que um direito do cidadão, é um dever do Estado, passível de responsabilização toda vez que falhar nesse mister.

          Dessa forma, não aproveita ao Estado o argumento segundo o qual o Poder Judiciário está sobrecarregado, há falta de juízes e a estrutura é precária, para que se exima do dever legal de prestar a tutela jurisdicional em um lapso temporal razoável, pois – insista-se – tomou para si o monopólio da jurisdição, com o que, elevada à categoria de serviço público, deve ser oferecida com um mínimo de qualidade, em obediência ao princípio da legalidade, salientando-se ainda que, para Diniz (2002, p. 561) o direito à prestação da tutela jurisdicional dentro dos prazos legalmente fixados constitui uma garantia individual implícita, nos termos do art. 5.º, LIX, da Constituição Federal. Cristalina, portanto, a conclusão segundo a qual os danos provocados por morosidade da Justiça são perfeitamente indenizáveis. [24]

Sobre a autora
Vanessa Padilha Catossi

advogada em Jacarezinho (PR), professora da Faculdade Estadual de Direito do Norte Pioneiro (FUNDINOPI), mestranda em Ciência Jurídica pela FUNDINOPI

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CATOSSI, Vanessa Padilha. Responsabilidade civil do Estado pela demora na prestação jurisdicional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1351, 14 mar. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9602. Acesso em: 22 dez. 2024.

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