Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Responsabilidade civil do Estado pela demora na prestação jurisdicional

Exibindo página 3 de 3
Agenda 14/03/2007 às 00:00

4. Conclusão

          O instituto da responsabilidade civil do Estado representa uma conquista do Estado Democrático de Direito, resultando de um paulatino processo evolutivo que culminou por sua inserção no ordenamento jurídico, a nível constitucional.

          Muito embora não sejam poucos os que relutam a obrigação de indenizar no que pertine a atos do Poder Judiciário, resistência esta, inclusive, bastante acentuada em terreno jurisprudencial, as ponderações lançadas por ocasião da análise da responsabilidade civil do Estado podem e devem ser admitidas nesta seara, patente o caráter de serviço público da função jurisdicional, de tal sorte que, no Direito brasileiro, eventuais resquícios da tese da irresponsabilidade estatal por atos jurisdicionais, além do reprovável conservadorismo jurisprudencial, devem ser definitivamente banidos.

          Nesse sentido, não é demais lembrar que todos os argumentos articulados em defesa da imunidade de tais atos à responsabilização foram rechaçados e maioria esmagadora da doutrina advoga em favor da corrente que defende a responsabilidade civil do Estado por atos dessa natureza, a qual pode exsurgir independentemente de culpa, em conformidade com o critério objetivo de imputação, ou com esteio na culpa anônima do serviço.

          Desse modo, todas as modalidades de atividades jurisdicionais danosas, além daqueles atos com caráter meramente administrativo praticados pelo juiz, devem ser arrolados como hipóteses possuidoras do condão de deflagrar a responsabilização do Poder Público, tudo isso em obediência aos princípios consagrados pelo Estado Democrático de Direito.

          Nesse ponto, no que concerne especificamente à demora da prestação jurisdicional, é de clareza solar que representa ela um dos principais fatores de descrédito e também de danos ao cidadão necessitado dos serviços judiciários. Por essa razão, não se exclui ela, independentemente do motivo que a desencadeou, do raio de abrangência da responsabilidade do Estado, mormente a nova diretriz constitucional trazida pela Emenda n.º 45, bem como a gravidade dos efeitos lesivos que o tempo provoca ao processo.

          Destarte, não se pode perder de vista a circunstância pela qual o Poder Judiciário, dada a relevância de sua função, deve oferecer ao jurisdicionado uma prestação jurisdicional de qualidade, devendo buscar incessantemente uma melhoria na qualidade de seus serviços, de forma que os obstáculos comumente enumerados como causas do retardamento da prestação jurisdicional oportuna devem ser diligentemente combatidas, a fim de que o famoso brocardo cunhado por Rui Barbosa segundo o qual "Justiça tardia não é Justiça" restrinja apenas ao campo teórico, de forma que a finalidade da justiça, de dar a cada um o que é seu segundo uma igualdade, possa ser atingida de modo célere e eficaz.


Notas

  1. Essa heterogeneidade de tratamento da matéria é assim resumida por Di Pietro (2002, p. 524): "[...] o que alguns chamam de culpa civil, outros chamam de culpa administrativa; alguns consideram como hipóteses diversas de culpa administrativa e o acidente administrativo; alguns subdividem a teoria do risco em duas modalidades [...]"
  2. Alcântara (1988, p. 14), retrocedendo ainda mais no tempo, destaca uma época primitiva, que vai desde as origens da humanidade até Roma, na qual o Estado não era concebido como unidade jurídico-política, não se tendo sequer como se cogitar uma teoria da responsabilidade estatal. Segundo a autora, na Grécia Antiga a responsabilidade não era nem mesmo discutida, pois o soberano podia dispor livremente sobre os bens do cidadão, respondendo apenas perante a divindade; em Roma, o Estado não possuía personalidade jurídica, criando-se, pois, o Fisco, pessoa moral a quem pertenciam os bens que o Estado utilizava no cumprimento de suas finalidades, respondendo tão somente por obrigações contratualmente assumidas.
  3. Muito embora, nesses casos, a propositura da ação dependia de prévia autorização estatal, que raramente a concedia. Esse mecanismo era adotado, dentre outros, pela França e pela Alemanha. (BANDEIRA DE MELLO, 1980, p. 256)
  4. Embora a expressão "responsabilidade civil do Estado" esteja sendo utilizada insistentemente no corpo desse trabalho, deve ser ela entendida como responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público.
  5. A superação da tese da irresponsabilidade foi definitivamente consolidada, visto que as duas últimas nações que a sustentavam – Inglaterra e Estados Unidos – abandonaram-na, respectivamente, pelo Crown Proceeding Act, de 1947, e pelo Federal Tort Claims Act, de 1946. (MEIRELLES, 2003, p. 622)
  6. O caso Blanco foi julgado em 1.º de fevereiro de 1873, pelo Tribunal de Conflitos na França, que decidiu serem inaplicáveis as regras do Direito Privado para o julgamento de responsabilidade civil decorrente da prestação de serviços públicos. Esse caso envolveu Agnès Blanco, menina que foi atropelada por um vagonete da Cia. Nacional de Manufatura de Fumo, na cidade de Bordeaux. Inconformado com a morte da filha, seu pai moveu ação de indenização na qual obteve o reconhecimento de que é indevida a associação da responsabilidade civil do Estado francês com princípios de Direito Privado. (ROSA, 2003, p. 167)
  7. Alguns autores, como Di Pietro (2002, p. 527) e Dergint (1994, p. 45), mencionam que a divisão da teoria do risco nas duas modalidades supra mencionadas não é acatada pela maioria da doutrina. O que se percebe, entretanto, é uma mera divergência terminológica, inclusive no plano jurisprudencial, vez que parece ser consenso a idéia segundo a qual a responsabilidade do Estado, neste enfoque, possui caráter objetivo, admitidas causas que a excluem ou mitigam. Essa divisão, entretanto, será mantida no presente trabalho, tendo em vista sua finalidade de expor, de uma forma a mais completa possível, as concepções criadas a respeito do tema.
  8. Refutam a teoria do risco integral Rosa (2003, p. 168), Fachin (2001, p. 90), Moraes (2004, p. 911), Gasparini (2001, p. 825), dentre outros.
  9. Também perfilham essa corrente Serrano Júnior (1996, p. 49), Trujillo (1996, p. 59), Fachin (2001, p. 92), Gasparini (2001, p. 820) e Alcântara (1988, p. 17), dentre outros.
  10. Tradução livre.
  11. Eis o vigente preceito constitucional: "Art. 37. A administração pública, direta ou indireta de qualquer dos poderes da União, do Estado, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...]
    § 6.º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa."
  12. Há, contudo, vozes em sentido contrário, como a de Vera Lúcia Jucovski (1999, p. 67), para quem o texto constitucional alude apenas aos agentes administrativos e não, expressamente, aos agentes políticos, nos quais se incluem, segundo a autora, magistrados e parlamentares, pelo que conclui ela que o Estado, quanto a atos legislativos e judiciais, só poderia ser responsabilizado se restar demonstrada a culpa pelo fato causador do dano à vítima.
  13. Veja-se, a título de exemplo, o teor da decisão proferida no Recurso Extraordinário n.º 109.615-2/RJ, D. J. de 02.08.96, que teve como relator o Ministro Celso de Mello, assim ementado:
    "INDENIZAÇÃO – RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO PODER PÚBLICO – TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO – PRESSUPOSTOS PRIMÁRIOS DE DETERMINAÇÃO DESSA RESPONSABILDIADE CIVIL – DANO CAUSADO A ALUNO POR OUTRO ALUNO IGUALMENTE MATRICULADO NA REDE PÚBLICA DE ENSINO – PERDA DO GLOBO OCULAR DIREITO – FATO OCORRIDO NO RECINTO DA ESCOLA PÚBLICA MUNICIPAL – CONFIGURAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO MUNICÍPIO – INDENIZAÇÃO PATRIMONIAL DEVIDA – RE NÃO CONHECIDO.
    [...]
    A teoria do risco administrativo, consagrada em sucessivos documentos constitucionais brasileiros desde a Carta Política de 1946, confere fundamento doutrinário à responsabilidade civil objetiva do Poder Público pelos danos a que os agentes públicos houverem dado causa, por ação ou por omissão. Essa concepção teórica, que informa o princípio constitucional da responsabilidade civil objetiva do Poder Público, faz emergir, da mera ocorrência do ato lesivo causado à vítima pelo Estado, o dever de indenizá-la pelo dano pessoal e/ou patrimonial sofrido, independentemente de caracterização de culpa dos agentes estatais ou de demonstração de falta do serviço público." (grifos no original). (Disponível em: http://www.sttf.gov.br. Acesso em: 18 out. 2004)
  14. Também identifica essa dupla relação Di Pietro (2002, p. 529), para quem, no art. 37, § 6.º, "[...] estão compreendidas duas regras: a da responsabilidade objetiva do Estado e a da responsabilidade subjetiva do funcionário." (grifo da autora)
  15. "Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado o direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo."
  16. Na seqüência de seu raciocínio, a autora vai mais além em sua posição, defendendo que, nesse segundo caso, vale dizer, invocação do dolo ou culpa do agente, a ação seria cabível diretamente contra este, admitido também o litisconsórcio passivo com o Poder Público, idéia esta, contudo, que será rebatida oportunamente, pelo menos no que diz respeito à figura do magistrado.
  17. A sucessão dessas fases, contudo não se deu com a fixação de marcos nítidos, havendo períodos em que diferentes sistemas conviveram uns com os outros, com a predominância ora de um ora de outro. Aliás, ainda hoje verifica-se essa concomitância, permitido que é, em certas hipóteses, o exercício da autotutela, como no caso do esbulho possessório, no qual é autorizado o desforço imediato do lesado (cf. art. 1210, § 1.º, do Código Civil).
  18. Consoante Greco Filho (2000, p. 34), tal monopólio é decorrência dos princípios adotados pelo sistema constitucional brasileiro, admitindo certas exceções previstas em lei e justificadas pelas circunstâncias, como a auto-executoriedade dos atos administrativos, o direito de retenção e o direito de greve.
  19. "LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação."
  20. "XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;"
  21. "LIV – ninguém será privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;"
  22. Item 1, do art. 8.º: "Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela,ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza."
  23. Um lamentável exemplo desse agir negligente pode ser extraído do Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n.º 10.268-BA, julgado pela Sexta Turma do STJ, no qual menciona-se que um magistrado durante 10 (dez) anos de judicatura prolatou apenas 4 (quatro) sentenças criminais de mérito e 33 (trinta e três) cíveis da mesma natureza. (DJ de 23/08/99)
  24. Muito embora, lamentavelmente, não tenha sido este o entendimento dos Tribunais superiores, inclusive o Supremo Tribunal Federal, nos quais essa tese tem encontrado muita resistência. (FACHIN, 2001, p. 210)

Referências bibliográficas

          ALCÂNTARA, Maria Emília Mendes. Responsabilidade do estado por atos legislativos e jurisdicionais. São Paulo: RT, 1988.

          ARAUJO, Edmir Netto. Responsabilidade do Estado por ato jurisdicional. São Paulo: RT, 1981.

          BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Elementos de direito administrativo. São Paulo: RT, 1980.

          CHAPUS, Réné. Droit administratif générale. Paris: Montchrestien, 1985.

          CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 1996.

          CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

          DINAMARCO, Candido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. Tomo II.

          DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 7.º volume. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. 7 v.

          DIREITO, Carlos Gustavo Vianna. Do controle disciplinar do juiz à luz da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

          DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2002.

          FACHIN, Zulmar. Responsabilidade patrimonial do Estado por ato jurisdicional. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

          GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

          GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. 1.º volume.

          JUCOVSKY, Vera Lúcia R. S. Responsabilidade civil do Estado pela demora na prestação jurisdicional. Curitiba: Juarez de Oliveira, 1999.

          LAUBADÉRE, André de. Traité de droit administratif. 9. ed. Paris: Librarie Générale de Droit et de Jurisprudence, 1984. 1. v.

          MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela antecipatória, julgamento antecipado e execução imediata da sentença. São Paulo: RT, 1997.

          MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 2. ed. São Paulo: RT, 1998.

          MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 28. ed. Atualização de Eurico de Andrade Azevedo et. al.São Paulo: Malheiros, 2003.

          MORAES, Alexandre. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004.

          RIVERO, Jean. Direito administrativo. Coimbra: Almedina, 1981.

          RODRIGUES, Horácio Wanderlei. EC n. 45: acesso à justiça e prazo razoável na prestação jurisdicional. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al (Coord.). Reforma do Judiciário primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n.º 45/2004. São Paulo: RT, 2005. p 283-292.

          ROSA, Márcio Fernandes. Direito administrativo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

          SERRANO JÚNIOR, Odoné. Responsabilidade civil do Estado por atos judiciais. Curitiba: Juruá, 1996.

          SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

          THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Volume I. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993. 3 v.

          TRUJILLO, Elcio. Responsabilidade do Estado por ato lícito. São Paulo: Editora de Direito, 1996.

          TUCCI, José Rogério Cruz e. Tempo e processo: uma análise empírica das repercussões do tempo na fenomenologia processual (civil e penal). São Paulo: RT, 1997.

Sobre a autora
Vanessa Padilha Catossi

advogada em Jacarezinho (PR), professora da Faculdade Estadual de Direito do Norte Pioneiro (FUNDINOPI), mestranda em Ciência Jurídica pela FUNDINOPI

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CATOSSI, Vanessa Padilha. Responsabilidade civil do Estado pela demora na prestação jurisdicional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1351, 14 mar. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9602. Acesso em: 22 nov. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!