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Improbidade administrativa e a Lei nº 14.230/21: brevíssimas notas

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Agenda 30/01/2022 às 14:50

A educação do povo para a probidade, a participação efetiva dele na escolha e no acompanhamento dos atos dos governantes e a aplicação do devido processo legal, conciliando efetividade e garantismo, podem implicar a evolução de nosso país.

Resumo: A probidade é essencial ao desenvolvimento dos povos. Estes devem ser formados para o comportamento honesto. A repressão jurídica à desonestidade deve observar o devido processo legal, formal e substancial. Recente alteração legislativa adotou o sistema do direito administrativo sancionador para a repressão à improbidade. A opção legal implica a imediata vigência dos princípios constitucionais, penais e processuais penais, às causas em andamento.

Palavras-chave: Probidade. Corrupção. Improbidade e natureza jurídica de suas normas. Dolo e culpa. Prescrição. Direito Intertemporal

Sumário: 1. Introdução 2. Atos de improbidade: natureza jurídica 3. Elemento subjetivo 4. Prescrição 5. Causas em andamento 6. Conclusão


1. Introdução

A corrupção abala a democracia. Na verdade, é deletéria para quaisquer regimes. Vitima o próprio ser humano. O corrupto, especialmente quando exerce o poder público, destrói um número infindável de pessoas, prejudica os seus patrimônios e arruína a economia de um país. A educação para as virtudes e a repressão das condutas ímprobas são necessárias para a preservação da humanidade.[1]

Assuma-se um truísmo: a corrupção é um mal que exige as forças das pessoas de bem para evitá-la ou para reparar os danos que causa. Essas prevenção e repressão precisam respeitar os direitos e as garantias fundamentais, especialmente o devido processo legal, formal e substancial, a dignidade humana e a proporcionalidade, para que a construção da sociedade justa, estável e segura, tenha alicerces sólidos e estrutura apta à civilidade republicana (arts. 5º, inc. LIV e 1º, inc. III, CR).

Numa tríplice concepção, no plano ético, a consecução do bem comum implica a adoção da regra de que o exercício da virtude exige um método virtuoso.[2] A sabedoria universal recomenda separar o joio do trigo.[3] No aspecto jurídico, a justiça deve ser feita de forma justa, punir os culpados, mas não incomodar os inocentes; conciliar efetividade e garantismo.[4]

Vivemos um momento em que a lei pendular da história é manifesta. Há corrupção intolerável e no combate à mesma, alguns setores causaram um impressionante desserviço à justiça. Uns almejando a impunidade destes graves delitos e outros visando condenações a qualquer custo. Espera-se que se atinja o ponto virtuoso de conciliação da efetividade do direito e do garantismo. Não permitir a institucionalização da improbidade e não aceitar espetaculosas operações em que acusadores e julgadores violem o sistema acusatório, os direitos e as garantias constitucionais, perdendo aqueles a missão constitucional de promoção da justiça e estes a neutralidade essencial à judicatura; deixando uns e outros de objetivar e realizar o bem comum. Esquematicamente:

Sobreveio a recente Lei nº 14.230, de 25.10.2021, que vigora a partir de sua publicação (art. 5º). Sobre o elemento subjetivo do ato de improbidade, a prescrição e a aplicabilidade da regra nova aos processos em curso e findos, seguem brevíssimas considerações.


2. Ato de improbidade: natureza jurídica

Ao menos três orientações classificavam a Lei nº 8.429/92: a) A primeira entende que os seus efeitos são de natureza administrativa e patrimonial, isto é, cível no sentido lato. b) A segunda defende que ela encerra, preponderantemente, conteúdo de Direito Penal, pelo que assim deve ser considerada. c) A terceira adota posição eclética. Firma compreensão no sentido de que, dependendo da autoridade que for chamada para integrar o polo passivo, ela terá a natureza de espelhar crimes políticos, de responsabilidade ou de responsabilidade patrimonial e administrativa.[5]

A lei nº 14.230/21, dispõe que a disciplina da probidade administrativa configura um sistema[6] e ao mesmo aplicam-se os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador (art. 2º, § 4º - art.1º, Lei nº 8.429/92). Admite o acordo de não persecução civil (art. 2º - art. 17-B, Lei nº 8.429/92). Define que a ação por improbidade administrativa é repressiva, de caráter sancionatório, destinada à aplicação de sanções de caráter pessoal previstas nesta Lei, e não constitui ação civil (art. 2º - art. 17-D, Lei nº 8.429/92).

Adota as mais recentes orientações doutrinárias e a jurisprudência do Supremo Tribunal para classificar o ato de improbidade administrativa como parte do sistema do direito administrativo sancionador que, por sua vez, reclama a aplicação da principiologia das normas penais e processuais penais à matéria estudada. Regras criminais estas estruturadas em conformidade com o devido processo legal substancial e formal.

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Se o procedimento administrativo constitui um instrumento destinado a assegurar a eficácia e a legalidade da atividade confiada à Administração Pública, o processo administrativo não somente amplia a possibilidade de eficácia e de legalidade, mas acrescenta o objetivo de proteção jurídica dos cidadãos. Essa proteção jurídica se torna especialmente necessária e relevante quando o Estado se move para exercer sua pretensão punitiva sobre o particular, seja pessoa física, seja pessoa jurídica. Ja se tornou lugar comum dizer que o processo penal é direito e garantia do réu, tanto que pena alguma lhe pode ser imposta sem prévio procedimento com contraditório e ampla defesa. Nemo inauditus damnari potest. Com o aumento do poder estatal e correspondente ampliação da regulamentação da vida dos administrados, mediante imposição de severas sanções, é natural que as garantias do processo penal se expandissem para não deixar ao desamparo o particular sujeito às penas administrativas. Realmente, notava Waline, depois da Segunda Guerra, que as sanções administrativas vinham duplicando as sanções penais em grave ameaça à liberdade dos cidadãos.[7]

Arrematando, não se pode negar o caráter penal das sanções administrativas. Nesse sentido Themistocles Brandão Cavalcanti, ao escrever que se é verdade que existe uma diferenciação entre o direito penal comum e o chamado direito penal administrativo, os princípios entretanto, que informam as bases dos dois, são os mesmos. Adotam expressamente o mesmo entendimento Carlos S. de Barros Jr. e Lúcia Valle Figueiredo.[8]

Importante voto do Ministro Celso de Mello, com a precisão e a cultura de sempre, explicita que diante de uma posição conflitante do Estado e do indivíduo, reconhecido o caráter penal da lei ora analisada, aplicam-se ao demandado todos os direitos e todas as garantias constitucionais:

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: (...) Não custa relembrar, neste ponto, considerada a própria jurisprudência constitucional que esta Suprema Corte firmou na matéria, que ninguém pode ser privado de sua liberdade, de seus bens ou de seus direitos sem o devido processo legal, notadamente naqueles casos em que se estabelece, como sucede na espécie, uma relação de polaridade conflitante entre o Estado, de um lado, e o indivíduo, de outro. Cumpre ter presente, bem por isso, que o Estado, em tema de restrição à esfera jurídica de qualquer cidadão, não pode exercer a sua autoridade de maneira abusiva ou arbitrária, desconsiderando, no exercício de sua atividade, o postulado da plenitude de defesa, pois o reconhecimento da legitimidade ético--jurídica de qualquer medida imposta pelo Poder Público - de que resultem conseqüências gravosas no plano dos direitos e garantias individuais - exige a fiel observância do princípio do devido processo legal (CF, art. 5º, LV), consoante adverte autorizado magistério doutrinário (MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, Comentários à Constituição Brasileira de 1988, vol. 1/68-69, 1990, Saraiva; PINTO FERREIRA, Comentários à Constituição Brasileira, vol. 1/176 e 180, 1989, Saraiva; JESSÉ TORRES PEREIRA JÚNIOR, O Direito à Defesa na Constituição de 1988, p. 71/73, item n. 17, 1991, Renovar; EDGARD SILVEIRA BUENO FILHO, O Direito à Defesa na Constituição, p. 47/49, 1994, Saraiva; CELSO RIBEIRO BASTOS, Comentários à Constituição do Brasil, vol. 2/268-269, 1989, Saraiva; MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, Direito Administrativo, p. 401/402, 5ª ed., 1995, Atlas; LÚCIA VALLE FIGUEIREDO, Curso de Direito Administrativo, p. 290 e 293/294, 2ª ed., 1995, Malheiros; HELY LOPES MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, p. 588, 17ª ed., 1992, Malheiros, v.g.). A jurisprudência dos Tribunais, notadamente a do Supremo Tribunal Federal, tem reafirmado a essencialidade desse princípio, nele reconhecendo uma insuprimível garantia, que, instituída em favor de qualquer pessoa ou entidade, rege e condiciona o exercício, pelo Poder Público, de sua atividade, ainda que em sede materialmente administrativa, sob pena de nulidade da própria medida restritiva de direitos, revestida, ou não, de caráter punitivo (RDA 97/110 - RDA 114/142 - RDA 118/99 - RTJ 163/790, Rel. Min. CARLOS VELLOSO AI 306.626/MT, Rel. Min. CELSO DE MELLO, in Informativo/STF nº 253/2002 - RE 140.195/SC, Rel. Min. ILMAR GALVÃO - RE 191.480/SC, Rel. Min. MARCO AURÉLIO - RE 199.800/SP, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, v.g.). RESTRIÇÃO DE DIREITOS E GARANTIA DO DUE PROCESS OF LAW. - O Estado, em tema de punições disciplinares ou de restrição a direitos, qualquer que seja o destinatário de tais medidas, não pode exercer a sua autoridade de maneira abusiva ou arbitrária, desconsiderando, no exercício de sua atividade, o postulado da plenitude de defesa, pois o reconhecimento da legitimidade ético-jurídica de qualquer medida estatal - que importe em punição disciplinar ou em limitação de direitos - exige, ainda que se cuide de procedimento meramente administrativo (CF, art. 5º, LV), a fiel observância do princípio do devido processo legal. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reafirmado a essencialidade desse princípio, nele reconhecendo uma insuprimível garantia, que, instituída em favor de qualquer pessoa ou entidade, rege e condiciona o exercício, pelo Poder Público, de sua atividade, ainda que em sede materialmente administrativa, sob pena de nulidade do próprio ato punitivo ou da medida restritiva de direitos. Precedentes. Doutrina. (RTJ 183/371-372, Rel. Min. CELSO DE MELLO). Isso significa, portanto, que assiste, a qualquer pessoa, mesmo em procedimentos de índole administrativa ou de caráter político-administrativo, a prerrogativa indisponível do contraditório e da plenitude de defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, consoante prescreve a Constituição da República, em seu art. 5º, inciso LV, e reconhece o magistério jurisprudencial desta Suprema Corte (...) Extremamente precisa, a propósito do conteúdo da prerrogativa constitucional do direito de defesa, a lição de JAQUES DE CAMARGO PENTEADO (Acusação, Defesa e Julgamento, p. 257, item 17, 2001, Millennium): A ampla defesa é essencial à segurança da pessoa. É imprescindível à garantia da presunção de inocência em face de injustas imputações. Envolve três direitos básicos do acusado: direito ao seu defensor, direito ao pleno conhecimento do conteúdo da imputação e das respectivas provas e direito de debater essas provas e produzir outras (grifei).[9]

Os direitos e as garantias constitucionais informam e conformam o direito infraconstitucional impedindo que a divisão enciclopédica da ciência jurídica obste ou diminua a eficácia dos direitos fundamentais. Do princípio da constitucionalidade em geral e da constitucionalidade do Estado em particular decorre necessariamente o princípio da constitucionalidade da acção do Estado e de quaisquer outras entidades públicas (nº 3). É uma consequência directa da juridicidade de todos os poderes do Estado e da força normativa da Constituição enquanto lei fundamental da ordem jurídica. Sob pena de inconstitucionalidade e logo, de invalidade cada acto há-de ser praticado apenas por quem possui competência constitucional para isso, há-de observar a forma e seguir o processo constitucionalmente prescritos e não pode contrariar, pelo seu conteúdo, nenhum princípio ou preceito constitucional.[10]

Dentre essas garantias e direitos individuais, pode-se destacar que não há infração administrativa sem prévia definição legal e se aplica ao sistema do direito administrativo sancionador a regra da retroatividade in mellius (art. 5º, incs. XXXIX e XL, CR). O preceito constitucional concretiza-se no Direito Penal: ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória (art. 2º, CP); e a lei posterior que, de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado (art. 2º, parágrafo único, CP). A lei mais benéfica aplica-se aos fatos anteriores que ainda não estiverem definitivamente julgados e aos processos findos.

Com a brevidade inerente aos primeiros estudos da reforma da Lei de Improbidade Administrativa, examinar-se-á em seguida a questão do elemento subjetivo do ato de improbidade.


3. Elemento subjetivo

A perene lição de E. Magalhães Noronha define o dolo como vontade livre e consciente. Dois são, portanto, os elementos do dolo. A consciência há de abranger a ação ou a omissão do agente, tal qual é caracterizada pela lei, devendo igualmente compreender o resultado, e, portanto, o nexo causal entre este e a atividade desenvolvida pelo sujeito ativo. Age, pois, dolosamente quem pratica a ação (em sentido amplo) consciente e voluntàriamente. Classifica-o como direto (o evento corresponde à vontade do sujeito ativo) e indireto (apesar de querer o resultado, a vontade não se manifesta de modo único e seguro em direção a ele. Subdivide este em alternativo (o agente quer um dos eventos que sua ação pode causar e eventual (o sujeito ativo prevê o resultado e, embora não seja este a razão de sua conduta, aceita-o. A culpa é a imprevisibilidade do previsível (a opinião mais categorizada é a que fundamenta a culpa na previsibilidade. Somente punível quando expressamente prevista por lei (art. 18, parágrafo único, CP). Esta pode ser por imperícia (supõe arte ou profissão. Consiste na incapacidade, na falta de conhecimento ou habilitação para o exercício de determinado mister, imprudência (agir sem a cautela necessária. É forma militante e positiva da culpa, consistente no atuar o agente com precipitação, insensatez ou inconsideração, já por não atentar para a lição dos fatos ordinários, já por não atender as circunstâncias especiais do caso, já por não perseverar no que a razão indica) ou negligência (Na doutrina e nas leis, freqüentemente é usada como equivalente à culpa em sentido estrito, dando-lhe, então, todo o substrato e abrangendo, pois, a imprudência e a imperícia (...) Reduz-se a um comportamento negativo. Negligente é quem, podendo e devendo agir de determinado modo, por indolência ou preguiça mental, não age ou se comporta de modo diverso).[11]

Os clássicos,[12] os finalistas[13] e os partidários da imputação objetiva,[14] como não poderia deixar de ser, não concebem uma infração penal sem o elemento subjetivo. Considerando-se crime o fato típico, antijurídico e culpável, ou o fato típico e antijurídico, enquanto a culpabilidade é o elo entre o fato típico e antijurídico e a punibilidade, o que importa para os fins dessas brevíssimas considerações é que não há infração penal sem vontade, representação mental do resultado e consciência potencial da ilicitude. Não há crime sem culpa. A culpa é punível por exceção. Essa concepção penal e a interpretação da mesma estendem-se ao ato de improbidade.[15]

Não se equipara culpa do administrador com a sua eventual falta de técnica. A conduta culpável do agente público, apurada segundo o devido processo legal, pode ser juridicamente reprovada. A atecnia deve ser analisada pelos eleitores e gerar ou não o voto à candidatura ou à recandidatura. A Lei de Improbidade Administrativa não visa punir o inábil, mas sim o desonesto, o corrupto, aquele desprovido de lealdade e boa-fé".[16] É perfeitamente aplicável às hipóteses de alegação de falta de probidade a norma penal que isenta de punição aquele que, por erro inevitável, desconhece a ilicitude do fato (art. 21, CP). Nessas hipóteses, em consciência, o administrador age de acordo com o Direito e com a Moral.[17] É preciso verificar as circunstâncias que rodeiam a administração e o ato do administrador e de seus auxiliares.[18] Não se pode confundir erro, inerente à falibilidade humana e próprio das ciências da administração pública, com dolo.[19] Houve louvável ação dos órgãos públicos para assegurar a probidade e houve desvios sem conta.[20]

A lei sob comento consagrou a principiologia constitucional do direito administrativo sancionador e fixou que configuram atos de improbidade administrativa as condutas dolosas tipificadas nos arts. 9º, 10 e 11, da Lei nº 8.429/92, Dispôs, expressamente, que se aplica a teoria da tipicidade à matéria em estudo e que são puníveis exclusivamente as condutas dolosas praticadas por uma pessoa ou em concurso de pessoas (art. 2º - art. 1º, § 1º, Lei 8.429/92; art. 2º - art. 3º, Lei 8.429/92).[21] Além disso, definiu dolo: vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11, não bastando a voluntariedade do agente (art. 2º - art. 1º, § 2º, Lei nº 8.429/92). Elucidou que o mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa (art. 2º - art. 1º, § 3º, Lei nº 8.429/92). Está a exigir o dolo específico (praticar a ação, em sentido amplo, para auferir, mediante a prática de ato doloso, qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida), nos termos da reforma (art. 2º - art. 9º, caput, Lei nº 8.429/92, v. g.).[22] Além dos elementos normativos dos tipos de ato de improbidade administrativa elencados (facilitar para a indevida incorporação art. 2º - art. 10, inc. I, Lei nº 8.429/92).[23]

A Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) negou provimento à apelação contra a sentença do Juízo da 1ª Vara da Subseção Judiciária de Corrente/PI para julgar improcedente o pedido para condenar o ex-prefeito da municipalidade por atos de improbidade administrativa. O município alegou que o ex-prefeito usou dos bens vinculados ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em obras particulares em sua gestão; deixou escolas em péssimo estado de conservação; não repassou à previdência social contribuições retidas dos servidores municipais, entre outras reclamações. Ao analisar o caso, o relator, desembargador federal Ney de Barros Bello Filho, observou que o magistrado que proferiu a sentença acertou ao julgar o pedido improcedente: "Ao meu sentir, a sentença não contraria a jurisprudência desta Corte Regional que trafega no sentido de que o elemento subjetivo deve estar sempre presente na configuração dos atos de improbidade, que não se confundem com meras irregularidades e/ou atipicidades administrativas ou inaptidões funcionais. Não existe improbidade sem má intenção, sem desonestidade", afirmou.[24]

A ação por improbidade administrativa é repressiva, de caráter sancionatório, destinada à aplicação de sanções de caráter pessoal e não constitui ação civil (art. 2º - art. 17-D, Lei nº 8.429/92). As suas sanções somente podem ser executadas após o trânsito em julgado da sentença condenatória (art. 2º - art. 12, § 9º, Lei nº 8.429/92).

Dita a lei nova que não configura improbidade a ação ou omissão decorrente de divergência interpretativa da lei, baseada em jurisprudência, mesmo que essa orientação dos tribunais não seja pacífica ou não venha a prevalecer (art. 2º - art. 1º, § 8º, Lei nº 8.429/92). É que o agente público que pratica um ato com base na jurisprudência fonte do direito , age de boa-fé e esta é excludente do dolo. Por boa-fé subjetiva entende-se aquele estado de consciência da parte em agir em conformidade com o Direito posto, ou seja, o estado psicológico do agente frente à relação jurídica. Contraposta a essa conformação mental é a má fé, que opera subjetivamente com a intenção de lesar. Denota, pois, ignorância ante a existência de uma situação regular ou de erro sobre a aparência de algum ato jurídico e, ainda, vínculo ao pactuado, de forma que a parte age convencida do próprio direito. Denota também ignorância de lesar direito alheio, ou convicção de estar-se ligado à literalidade do pactuado.[25]

Por exemplo, se um administrador, com base nas orientações doutrinárias e jurisprudenciais, fizer uma distinção entre loteamento e desmembramento e, com base nisto, executar a desapropriação de uma área, por evidência não cometerá ato de improbidade, por culpa ou por dolo.[26] Está de boa-fé e pauta a conduta por precedentes jurisprudenciais e na communis opinio doctorum.

A justa promoção da probidade preventiva e repressiva deve levar em conta a proporcionalidade.[27]

Sobre o autor
Jaques de Camargo Penteado

Procurador de Justiça aposentado (MPSP) ­­­­­­­­­­­Ex-Secretário Executivo da Procuradoria de Justiça Criminal Ex-Coordenador do Grupo de Estudos Carlos Siqueira Netto Consultor e Advogado (OAB/SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PENTEADO, Jaques Camargo. Improbidade administrativa e a Lei nº 14.230/21: brevíssimas notas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6787, 30 jan. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/96069. Acesso em: 26 dez. 2024.

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