Resumo: O presente texto tem por finalidade precípua analisar a decisão da Sentença Penal condenatória do Tribunal de Cassação da Itália que confirmou a condenação do jogador Robinho por crime de estupro coletivo praticado em Milão em janeiro de 2013.
Palavras-chave: Direito penal; sentença; condenatória; trânsito em julgado; estupro; coletivo; Itália; confirmação.
A ciência jurídica é mesmo impressionante, um misto de acaloradas discussões acadêmicas. Sobre o processo acusatório do ex-jogador brasileiro Robinho na Itália, agora a Suprema Corte Italiana decidiu manter a sentença penal condenatória, tema jurídico de extrema relevância social e que tem causado grandes discussões no Brasil. Trata-se de acusação grave de prática de delito de estupro e violência sexual grupal naquele país contra uma mulher albanesa, fato registrado em 22 de janeiro de 2013, na Boate Sio Café, Milão, recentemente comemorado aniversário de 09 anos.
O fato gerou um decreto condenatório de 09 anos de prisão pelo crime previsto no artigo 609 bis do Código Penal italiano, que se traduz no comportamento de duas ou mais pessoas reunidas para o ato de violência sexual, forçando a vítima a manter relações, sentença prolatada pela excelsa Juíza Mariolina Panasiti, da 9ª Seção do Tribunal de Justiça de Milão.
O Brasil o crime é previsto no artigo 213, prevendo pena de reclusão de 06 a 10 anos, com nova redação determinada pela Lei nº 12.015, de 2009, in verbis:
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos
A figura do estupro grupal ou coletivo aparece na legislação brasileira a partir da Lei nº 13.718, de 2018, como causa de aumento de pena, artigo 226, inciso IV, alínea a), a saber:
Art. 226. A pena é aumentada:
V - de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se o crime é praticado:
Estupro coletivo
a) mediante concurso de 2 (dois) ou mais agentes.
A defesa do jogador recorreu da sentença condenatória, logicamente lançando os fundamentos que afastam as elementares do tipo penal, que, neste caso, geralmente gira em torno da desqualificação do dissenso da vítima para o ato sexual. Entrementes, a Corte de Milão negou provimento ao recurso do réu e confirmou a decisão de primeira Instância, com recurso da defesa à Corte de Cassação em Roma para tentar mudar a decisão.
Mas agora a Corte de Cassação confirmou a decisão, e a sentença transitou em julgado na Justiça italiana. E agora Jose? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, E agora, José?
O jogador poderá ser extraditado ou a justiça brasileira poderá homologar a decisão condenatória e o réu cumprir a pena por crime hediondo em prisão no Brasil? Poderá ser autorização a execução da sentença penal condenatória no Brasil? A Lei de Migração autoriza?
A resposta não é tão simples, exigindo estudos aprofundados na legislação pátria para uma reposta mais concreta. E assim, faz-se mister abordar, com amplitude, este assunto que tem ganhado as manchetes das redes sociais no mundo e chamado a atenção da sociedade brasileira, em especial.
Importa salientar que o Brasil aprovou recentemente a Lei de Migração, Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017, criando o instituto da Transferência de Execução da Pena, a partir do artigo 100, que prevê quatro requisitos, a saber:
I - o condenado em território estrangeiro for nacional ou tiver residência habitual ou vínculo pessoal no Brasil;
II - a sentença tiver transitado em julgado;
III - a duração da condenação a cumprir ou que restar para cumprir for de, pelo menos, 1 (um) ano, na data de apresentação do pedido ao Estado da condenação;
IV - o fato que originou a condenação constituir infração penal perante a lei de ambas as partes; e
V - houver tratado ou promessa de reciprocidade.
Para a operacionalização do procedimento publicou-se a PORTARIA Nº 89, DE 14 DE FEVEREIRO DE 2018, que estabelece os procedimentos a serem adotados em relação à tramitação dos pedidos ativos e passivos de transferência de pessoas condenadas, no âmbito do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Sabe-se que o caso envolvendo o jogador Robinho foi registrado em 2013, e considerando as disposições do artigo 5º, inciso XL, da Constituição da República de 1988, que segundo as quais, a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu, não se pode aplicar no caso concreto os efeitos da Lei de Migração, que possui traços materiais.
Claro que se o jogador não pode ser extraditado e nem se aplica a ele as disposições do instituto da Transferência de Execução da Pena, em razão da irretroatividade da penal mais gravosa, a prisão não pode lhe ser importa, salvo se uma vez expedido o mandado de prisão da Justiça Italiana, agora pelo Tribunal de Cassação, o jogador for preso noutro país fora do Brasil e que haja permissão para a prisão e execução da pena.
Outra hipótese cabível seria a aplicação da Lei Penal Brasileira a esse fato praticado no estrangeiro, na chamada extraterritorialidade condicionada, a teor do artigo 7º, II, alínea b) do Código Penal.
Acerca desta hipótese, MOREIRA com lapidar explicação assevera:
De toda maneira, tratando-se de crime praticado por brasileiro, ainda que fora do nosso território, a lei penal brasileira poderá ser aplicada, por força do princípio da extraterritorialidade condicionada, nos termos do artigo 7º, II, "b", do Código Penal, desde que obedecidas as seguintes condições impostas pelo Código Penal:
a) O agente esteja no território nacional (o que ocorre no presente caso), tratando-se de uma verdadeira condição específica de procedibilidade para o exercício da ação penal, sem a qual a denúncia do Ministério Público seria rejeitada, por força do artigo 395, II, segunda parte, do Código Penal;
b) Ser o fato punível também no país em que foi praticado (o que também, por óbvio, foi o caso), tratando-se agora de uma condição objetiva de punibilidade;
c) Estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição, como é o caso de crimes praticados contra a dignidade sexual;
d) Não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena; não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável (também não é, obviamente, o caso).
Assim, é possível que a Justiça brasileira também processe e julgue os dois brasileiros (e outros eventualmente coautores do delito), desde que haja a instauração formal de uma investigação criminal e o oferecimento de uma denúncia por parte do Ministério Público, já que se trata de crime cuja ação penal é pública, nada obstante condicionada, como visto acima.
Evidentemente, para a instauração de uma ação penal no Brasil é preciso que o Ministério Público disponha de suficientes elementos indiciários que indiquem haver justa causa para o exercício da ação penal, sob pena de rejeição da peça acusatória nos termos do artigo 395, III, do Código de Processo Penal.
Para isso, é possível, a partir de atos de cooperação internacional entre as autoridades brasileiras e italianas, utilizar-se, apenas para efeitos de início de uma investigação criminal (e não como elemento de prova), do material investigatório e probatório colhido pelas autoridades italianas que investigaram, processaram e julgaram os dois brasileiros.
Por fim, trata-se de competência da Justiça comum estadual e de atribuição do Ministério Público estadual, tendo em vista que o crime praticado não se adequa a nenhuma das hipóteses previstas nos incisos do artigo 109 da Constituição Federal. 1
Se o processo criminal numa Justiça hábil como na Itália demora 09 anos para uma decisão definitiva, caso haja a deflagração da investigação no Brasil, pode-se esperar e prospectar mais 20 anos, e depois a declaração da prescrição da pretensão punitiva do Estado. Se o fato for parar nos Tribunais Superiores, em Brasília, espera-se a decisão definitiva para o ano de 2.050, e quem terá vida até lá saberá o final dessa tétrica história de um Direito Penal romântico, com uma grande carga de lirismo em seu cerne. Vão querer desqualificar a vítima, juntar imagens dela nas noites de Milão, daqui a pouco, vão dizer que a vítima foi a grande culpada, que ela foi a responsável exclusiva, vão dizer que a vítima queria dinheiro, que se aproximou do jogador pela fama, vão dizer que as provas produzidas são ilícitas, vão inventar um monte de baboseiras em nome da ampla defesa e do contraditório.
Jacopo Gnocchi, advogado da vítima, comemorou a decisão em última instância e fez um apelo à Justiça brasileira.
Mais de 15 juízes analisaram o caso em primeira, segunda e terceira instância e confirmaram o relato da minha cliente. Agora é preciso ver como será o cumprimento dessa pena, o Brasil é um grande país e espero que saiba lidar com essa situação - afirmou Gnocchi.
Para nós, a sentença deve ser cumprida. Se fosse na Itália, ele iria para a prisão. Agora a bola estará com o Brasil, que tratará isso com base na sua Constituição - completou. 2
É certo que surgirão acirradas discussões em torno do assunto na doutrina pátria, diante da falta de consenso jurídico em torno do tema, e desta forma, o jogador acusado tem a possibilidade de lançar suas habilidosas pedaladas na fragilizada justiça brasileira, um sistema jurídico desacreditado, combalido, internado em fase terminal em Unidade de Terapia Intensiva, essencialmente falido e injusto.
E assim, em nome da sociedade brasileira é que se dirige à Justiça e ao povo italiano para apresentar o mais sincero pedido de perdão em face de um sistema legal pátrio moribundo, exangue e injusto, nossas eternas desculpas ao Colendo Tribunal de Roma, essa gente honesta e séria, pois nunca se imaginava um dia ter sido recebido tão bem pelo povo milanês, gente justa e séria, e agora, envergonhado pelo sistema de impunidade que se implantou no Brasil, e portanto, de joelho, no Santuário de Aparecida ou nas escadarias da Igreja São Gonçalo, em Contagem/MG, grande parte da população brasileira se sente envergonhada com tudo isso, por um modelo de justiça arrogante, fraca, onerosa e injusta.
Por isso, Santo Ambrósio de Mediolano, no Altar da Catedral de Milão, perdoe esse povo medíocre que se sente Deus quando embrulhado numa Toga, eles não sabem que são pequenos diante de um Deus verdadeiro.
Perdoe-nos, Santo Ambrósio de Mediolano, aqui no Brasil a Justiça é acostumada a soltar bandidos perigosos em audiência de custódia, em nome do Pacto de São José da Costa Rica, e do princípio da presunção de inocência, por aqui são soltos perigosos traficantes de drogas, assaltantes e estupradores, esses vagabundos estão ganhando o benefício da liberdade monitorada, da prisão domiciliar, por aqui inocentes são condenados, a Justiça não funciona do jeito que se espera, por aqui existe um esquema de prerrogativas para poucos, por aqui a Suprema Corte interfere nas atividades de outros Poderes, manda no Executivo e no Legislativo, por aqui o ativismo judicial age sem freios e sem parcimônia em nome de um mal costurado sistema de garantismo penal puramente monocular, intervencionismo doentio a favor do delinquente, dizendo que a expansão ocorre por conta da Constituição Cidadã.
REFLEXÕES FINAIS
Por essas bandas daqui, Santo Ambrósio de Mediolano, as autoridades públicas que laboram com seriedade quase sempre são perseguidas por banditismo de todo lado, por aqui, há bandidos exalando suas peçonhas ideológicas por todo o lado, por aqui, Santo Protetor, as famílias são vilipendiadas e as nossas crianças são expostas ao ridículo, criminosos são transformados em artistas, conseguem liberdade provisória, saem da cadeia e logo são protagonistas de filmes, de bandido a herói, perdoe-nos Santo Ambrósio, por aqui gente honesta é perseguida por agentes da Justiça e por desalmados cidadãos de plantão que gostam de atacar quem tem compromisso com a sociedade e com a verdade.
Perdoe, Santo Ambrósio de Mediolano, perdoe Francesco Carnellutti, perdoe Piero Calamandrei, perdoe Alfredo Rocco, perdoe Cesare Beccaria, e por fim perdoe Giuseppe Chiovenda, Enrico Túllio Liedman, Luigi Ferrajoli, Alessandro Baratta, Raffaele Garofalo, daqui a pouquinho vai aparecer um monte de aloprados para atacar o autor deste texto, desrespeitando o seu sagrado direito de liberdade de expressão e de pensamento, elevado à categoria de direitos fundamentais, a teor do artigo 5º, inciso IV, da CF/88. Por tudo isso, hoje e sempre, Amém.
REFERÊNCIAS
BRASIL. PORTARIA Nº 89, DE 14 DE FEVEREIRO DE 2018. Disponível em https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/sua-protecao/lavagem-de-dinheiro/institucional-2/legislacao/portaria-89-tpc. Acesso em 24 de janeiro de 2022.
BRASIL. Lei nº 12.015/2009. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12015.htm. Acesso em 24 de janeiro de 2022.
BRASIL. Lei de Migração, Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13445.htm. Acesso em 24 de janeiro de 2022.
BRASIL. Lei nº 13.718, de 2018. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13718.htm. Acesso em 24 de janeiro de 2022.
BRASIL. Constituição da República de 1988. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm . Acesso em 24 de janeiro de 2022.
BRASIL. Código Penal Brasileiro. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm . Acesso em 24 de janeiro de 2022.
E AGORA JOSÉ? Carlos Drummond de Andrade. Disponível em https://www.letras.mus.br/carlos-drummond-de-andrade/353799/. Acesso em 24 de janeiro de 2022.
FERRAZ, Lucas. Última Instância da Justiça Italiana condena Robinho por violência sexual. Disponível em https://ge.globo.com/futebol/futebol-internacional/noticia/justica-italiana-confirma-condenacao-de-robinho-por-violencia-sexual.ghtml. Acesso em 24 de janeiro de 2022.
MOREIRA. Rômulo de Andrade. O Caso Robinho e a Justiça Brasileira. Disponível em https://www.conjur.com.br/2022-jan-23/romulo-moreira-robinho-justica-criminal-brasileira. Acesso em 24 de janeiro de 2022, às 13h34min.
Notas
MOREIRA. Rômulo de Andrade. O Caso Robinho e a Justiça Brasileira. Disponível em https://www.conjur.com.br/2022-jan-23/romulo-moreira-robinho-justica-criminal-brasileira. Acesso em 24 de janeiro de 2022, às 13h34min.
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FERRAZ, Lucas. Última Instância da Justiça Italiana condena Robinho por violência sexual. Disponível em https://ge.globo.com/futebol/futebol-internacional/noticia/justica-italiana-confirma-condenacao-de-robinho-por-violencia-sexual.ghtml. Acesso em 24 de janeiro de 2022.