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IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA POR ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DEPOIS DA EDIÇÃO DA LEI N. 14.230/2021

Agenda 08/02/2022 às 09:20

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA POR ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DEPOIS DA EDIÇÃO DA LEI N. 14.230/2021

Aldemario Araujo Castro

Advogado

Mestre em Direito

Procurador da Fazenda Nacional

Ex-Conselheiro Federal da OAB

Ex-Controlador-Geral do Distrito Federal

Ex-Corregedor-Geral da Advocacia da União

Brasília, 7 de fevereiro de 2022

I. Introdução

A Constituição de 1988 estabeleceu expressamente um espartano padrão ético de comportamento no âmbito da Administração Pública. Fixou, no art. 37, caput, para além da legalidade (1), a necessidade de observância da impessoalidade (finalidade), eficiência e moralidade. Assim, a validade dos atos administrativos não exige somente conformidade com o Direito, mas também consonância com padrões morais rígidos exigidos pela ampla maioria das brasileiras e brasileiros.

Ademais, o próprio texto constitucional consagrou uma série de instrumentos para a efetivação da moralidade no trato da coisa pública. A título de ilustração, podem ser lembrados: a) ação popular; b) ação civil pública; c) publicidade e transparência; d) sistemas de controle interno e externo; e) Ministério Público; f) Advocacia privada e pública; g) ampliação da legitimação para o controle de constitucionalidade; h) a moralidade para exercício de mandato eletivo considerada vida pregressa do candidato (para definição de hipóteses de inelegibilidade); i) o concurso público para investidura em cargo ou emprego público; j) proibição de promoção pessoal na publicidade oficial; k) a estabilidade dos servidores públicos; l) as comissões parlamentares de inquérito e m) os processos de impeachment do Presidente da República e outras importantes autoridades estatais.

Merece especial destaque o combate, definido pelo constituinte originário, à imoralidade em seus níveis mais deletérios. Com efeito, o art. 37, parágrafo quarto, do Texto Maior, qualifica a imoralidade administrativa grave como improbidade administrativa que importará na suspensão dos direitos políticos, na perda da função pública, na indisponibilidade dos bens e no ressarcimento ao Erário, sem prejuízo das sanções administrativas e penais cabíveis.

A Lei n. 8.429, de 2 de junho de 1992, regulamentou o aludido dispositivo constitucional e estabeleceu três conjuntos de atos de improbidade administrativa: a) que importam enriquecimento ilícito; b) que causam prejuízo ao Erário e c) que atentam contra os princípios da Administração Pública.

Cumpre observar que a edição da Lei n. 8.429, de 1992, além de efetivar a Constituição, também deu concretude às responsabilidades assumidas pelo Estado brasileiro em função da subscrição de acordos internacionais voltados para o combate à corrupção, notadamente a Convenção de Mérida (2)(3).

É perfeitamente viável afirmar, diante dos inúmeros elementos da ordem jurídica citados, além de outros não expressamente mencionados, a existência de um subsistema no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro voltado especificamente para o combate à corrupção. A principal consequência dessa constatação consiste no reconhecimento de um verdadeiro direito fundamental anticorrupção.

Outro importantíssimo corolário do bloco normativo anticorrupção, iniciado pelo texto constitucional e composto por importantes normas infraconstitucionais, é o reconhecimento de uma cláusula de proibição de retrocesso ou tutela mínima anticorrupção. Nesse sentido, a referida Convenção de Mérida, em seu artigo 65, número 2, foi expressa ao definir que cada Estado Parte poderá adotar medidas mais estritas ou severas que as previstas na presente Convenção a fim de prevenir e combater a corrupção.

A aludida proibição de retrocesso no combate à corrupção implica em consequências nos planos normativo e interpretativo. Primeiro, pode fulminar as soluções legislativas claramente retrógradas e com fortíssimo potencial de inviabilizar as sanções pertinentes para significativos desvios de conduta no campo da corrupção. Em segundo lugar, pode ser utilizada para construir caminhos hermenêuticos que afastam o esvaziamento das responsabilidades por atos de corrupção.

Entre as várias hipóteses de violação da probidade administrativa merece destaque aquela relacionada com o enriquecimento ilícito de agentes públicos. Não se trata, no caso, da previsão direta e imediata de uma infração. Aqui, flagram-se, por via indireta, as consequências de condutas impróprias de significativas monta pelo resultado claramente desproporcional de incremento, sem origem lícita, do patrimônio do agente público envolvido.

Anote-se a pretensão de criminalizar a hipótese como poderoso instrumento de combate à corrupção. Nesse sentido, alguns projetos de lei foram apresentados no âmbito do Congresso Nacional (4).

II. Panorama antes da edição da Lei n. 14.230/2021

A Lei n. 8.429, de 1992, veiculou, entre outras, as seguintes disposições:

Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente:

(...)

VII - adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público.

Esses comandos legais passaram a conviver com o seguinte dispositivo, presente na Lei n. 8.112, de 1990:

Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos:

()

IV - improbidade administrativa;

Assim, na seara administrativa, competia a Administração Pública demonstrar a evolução patrimonial desproporcional do agente durante o exercício da função pública. Comprovado pelo Poder Público a ocorrência de aquisição de bens (em sentido amplo) em patamar superior aos decorrentes dos rendimentos legalmente declarados, constituía-se uma presunção juris tantum (relativa) contra o servidor. Esse, por sua vez, poderia, para afastar a presunção referida, justamente por não ser absoluta, indicar a origem lícita do acréscimo patrimonial.

O Enunciado CGU n. 8, publicado no DOU de 10 de dezembro de 2014, destacava a desnecessidade de se estabelecer uma relação direta entre os acréscimos patrimoniais e o resultado pecuniário de atividades ilícitas realizadas. Este é o teor da mencionada manifestação:

Art. 132, IV, Lei nº 8.112/90 c/c art. 9º, VII, da Lei nº 8.429/92. ÔNUS DA ADMINISTRAÇÃO. DEMONSTRAÇÃO DA DESPROPORCIONALIDADE. Nos casos de ato de improbidade que importem em enriquecimento ilícito pelo agente público, cujo valor seja desproporcional à evolução do seu patrimônio ou à sua renda, compete à Administração Pública apenas demonstrá-lo, não sendo necessário provar que os bens foram adquiridos com numerário obtido através de atividade ilícita.

Deve ser destacado que formou-se, no âmbito das reflexões jurídicas, um nítido entendimento no sentido da desnecessidade de comprovação do nexo causal entre o enriquecimento ilícito e o exercício da função pública. O Manual de Processo Administrativo Disciplinar da CGU (Controladoria-Geral da União) fez, nestes termos, importante registro acerca da prova do nexo causal aludido:

Caso fosse imprescindível tal prova para a caracterização do ilícito comentado, a comissão apuradora teria uma tarefa hercúlea, quase impossível de ser cumprida. Ademais, o inciso VII do art. 9º da Lei nº 8.429/92 é um tipo disciplinar autônomo e específico, independente do caput do mesmo dispositivo. Com isso, não é necessária a comprovação do recebimento de efetiva vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, prevista no caput do art. 9º, para a capitulação da conduta no inciso VII, posto ser independente.

Além disso, exigir a comprovação do liame do enriquecimento ilícito com o cumprimento das funções públicas tornaria sem efeito a própria previsão do inciso VII, esvaziaria seu conteúdo, já que a conduta deixaria de ser nele inserta para configurar os ilícitos previstos no art. 117, IX ou XII, da Lei nº 8.112/90.

A prática de centenas de processos administrativos disciplinares no âmbito do Poder Público Federal apontou para três conjuntos de situações deflagradoras da verificação de enriquecimento ilícito de servidores públicos. Necessariamente informadas por critérios de proporcionalidade e razoabilidade, e afastadas meras infrações fiscais ou erros no preenchimento de declarações de rendas, foram consideradas as seguintes situações: a) constatação de evolução patrimonial desproporcional; b) sinais exteriores de riqueza (particularmente, despesas superiores ao suportado pelo nível de rendimentos) e c) movimentação financeira incompatível.

Em regra, o esforço de identificar possíveis irregularidades patrimoniais envolvia a comparação, num determinado período (um ano, preferencialmente), entre as aplicações (geralmente, despesas) e as origens conhecidas e justificadas (geralmente, rendas lícitas). Partia-se da premissa que as aplicações de um certo agente público são decorrentes de suas origens lícitas. A ausência de suporte para as aplicações identificadas resultaria no fenômeno da Variação Patrimonial a Descoberto (VPD). Ocorreria enriquecimento ilícito se o agente público investigado não justificasse de forma adequada essa diferença. Resta evidente que o método em questão era uma forma indireta ou mediata de apurar ilicitudes. A causa exata da variação ou diferença não restava necessariamente explicitada.

A jurisprudência consolidada e reiterada do Superior Tribunal de Justiça confirmava, conforme inúmeros precedentes, as considerações realizadas anteriormente. Eis alguns exemplos de decisões na linha destacada:

3. Em matéria de enriquecimento ilícito, cabe à Administração comprovar o incremento patrimonial significativo e incompatível com as fontes de renda do servidor. Por outro lado, é do servidor acusado o ônus da prova no sentido de demonstrar a licitude da evolução patrimonial constatada pela administração, sob pena de configuração de improbidade administrativa por enriquecimento ilícito. 4. No caso, restou comprovado no âmbito do PAD a existência de variação patrimonial a descoberto (e desproporcional à remuneração do cargo público); e que o indiciado não demonstrou que os recursos questionados tinham origem lícita. Por outro lado, não há falar em atipicidade da conduta atribuída pela Administração porque as variações patrimoniais apontadas não podem ser consideradas irrisórias, a exemplos das que decorrem de mera desorganização fiscal do servidor.

MS 19782/DF. Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES. Órgão Julgador: PRIMEIRA SEÇÃO. Data do Julgamento: 09/12/2015.

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9. A jurisprudência deste Superior Tribunal é no sentido de que em matéria de enriquecimento ilícito, cabe à Administração comprovar o incremento patrimonial significativo e incompatível com as fontes de renda do servidor. Por outro lado, é do servidor acusado o ônus de demonstrar a licitude da evolução patrimonial constatada pela administração, sob pena de configuração de improbidade administrativa por enriquecimento ilícito (MS 20.765/DF, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe 14.2.2017). Com a mesma compreensão: MS 18.460/DF, Rel. Ministro Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Acórdão Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe 2.4.2014; MS 21.084/DF, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe 1º.12.2016; MS 19.782/DF, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe 6.4.2016; AgRg no AREsp 548.901/RJ, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 23.2.2016; MS 13.142/DF, Rel. Ministro Humberto Martins, Primeira Seção, DJe 4.8.2015; MS 12.660/DF, Rel. Ministra Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ/SE), Terceira Seção, DJe 22.8.2014; e AgRg no AREsp 187.235/RJ, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 16.10.2012.

MS 21708/DF. Relator Ministro: NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO. Relator(a) p/ Acórdão: Ministro HERMAN BENJAMIN. Órgão Julgador: PRIMEIRA SEÇÃO. Data do Julgamento: 08/05/2019

III. A Lei n. 14.230/2021

No dia 25 de outubro de 2021 foi publicada a Lei n. 14.230. Esse diploma legal realizou 192 (cento e noventa e duas) alterações formais na Lei n. 8.429, de 2 de junho de 1992. Foi modificada até a ementa do diploma legal adotado em 1992 (5).

A nova Lei de Improbidade Administrativa foi aprovada a partir de um amplo acordo parlamentar. Esse inusitado arranjo envolveu o governo Bolsonaro, o Centrão e o Partido dos Trabalhadores (PT) (6).

Deve ser anotado, justamente porque se constitui num importantíssimo elemento caracterizador dos compromissos com o combate à corrupção ou seu enfraquecimento, que o Presidente da República Jair Bolsonaro não vetou nenhum dispositivo do projeto de lei aprovado no Congresso Nacional. Sabe-se, inclusive, que várias propostas de vetos foram encaminhadas ao Chefe do Poder Executivo Federal.

Entre as inúmeras mudanças no regime jurídico do combate à improbidade administrativa no Brasil podem ser destacadas: a) a exclusividade da competência para propositura (legitimação ativa) no âmbito do Ministério Público, excluindo o ente público lesado (7); b) a exclusão das modalidades culposas (8); c) a substituição da relação exemplificativa pela lista taxativa de violações aos princípios constitucionais da Administração Pública (9); d) a substituição da necessidade de constatação de dolo genérico pela delicada demonstração do dolo específico (10); e) a limitação à perda do cargo exercido na época da prática do ato (11); f) não configuração de improbidade em relação à ação ou omissão decorrente de divergência interpretativa da lei, baseada em jurisprudência, ainda que não pacificada (12); g) a limitação da proibição de contratar apenas para o ente público lesado, viabilizando a continuidade de contratações com outros entes do Estado (13); h) supressão de importantes hipóteses de improbidade, como a de "retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício" (14)(15); i) a prescrição contada da data da ocorrência do fato (16); j) a criação de hipótese de prescrição intercorrente com contornos claramente voltados para dificultar uma decisão condenatória final (17); k) impossibilidade de condenação com definição ou classificação jurídica diversa daquela imputada (18), o que não acontece sequer na seara penal (art. 383 do Código de Processo Penal) (19) e l) a nulidade da condenação sem a produção das provas tempestivamente especificadas pelo acusado (20).

A grande maioria das dezenas de modificações legislativas foi cuidadosamente pensada para dificultar ao máximo a caracterização e punição pela prática de atos de improbidade administrativa (21). Assim, representou o mais forte golpe, nos últimos anos, no difícil processo de combate à corrupção no Brasil.

O objetivo precípuo dessas profundas alterações não foi corrigir defeitos ou evitar exceções e desvirtuamentos na aplicação da Lei de Improbidade Administrativa. Se fosse esse o propósito principal da edição da Lei n. 14.230/2021, as alterações buscariam criar mecanismos para afastar abusos, tal como uma equivocada decisão exclusivamente individual ou pessoal do agente público responsável pela propositura da ação judicial de improbidade administrativa. A necessidade de juízos coletivos ou colegiados para conclusão pelo ingresso da ação em juízo seria cogitada com seriedade (22).

Anote-se a existência de uma ampla percepção no sentido de que o combate à corrupção no Brasil já experimentava revezes importantes antes mesmo das alterações promovidas pela Lei n. 14.230, de 2021 (23).

IV. A improbidade por enriquecimento ilícito depois da edição da Lei n. 14.230/2021

A principal mudança operada pela Lei n. 14.230, de 2021, na sistemática de aplicação da improbidade administrativa foi, sem dúvida, a exigência de dolo específico para caracterização de qualquer das hipóteses infracionais.

Com efeito, o novo art. 1o da Lei n. 8.429/92 exige dolo específico, diferente da exigência anterior de dolo genérico, para a caracterização de todas as hipóteses de improbidade. Os dispositivos legais estão redigidos da seguinte forma:

§ 1º Consideram-se atos de improbidade administrativa as condutas dolosas tipificadas nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, ressalvados tipos previstos em leis especiais.

§ 2º Considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente.

§ 3º O mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa.

A lição doutrinária de Igor Pereira Pinheiro e Henrique da Rosa Ziesemer aponta no mesmo sentido mencionado quanto ao tipo de dolo a ser considerado. Eis as considerações pertinentes (24):

Porém, o que se extrai do novo texto legal é a exigência de dolo específico para todos os atos de improbidade administrativa previstos não só na Lei n. 8.429/92, mas na legislação extravagante (vide art. 11, §2o). E ele não se caracteriza apenas com a voluntariedade do agente (artigo 1o, §2o), sendo necessária a demonstração de que a conduta foi sido praticada com o fim de obter proveito ou beneficio indevido para si ou para outra pessoa ou entidade (vide artigo 11, §1o).

Assim, a partir da edição da Lei n. 14.230/2021, impõe-se demonstrar o dolo específico (ação visando a realização de uma finalidade específica, determinada, claramente caracterizada ou identificada) para a imputação da prática de improbidade administrativa (25)(26).

Essa definição apresenta uma especial repercussão nas hipóteses de enriquecimento ilícito. Com efeito, já não basta demonstrar, como antes, o descompasso entre o acréscimo patrimonial experimentado pelo agente público e suas rendas lícitas conhecidas.

Por outro lado, sob pena de revogar, por via interpretativa, a hipótese de improbidade administrativa por enriquecimento ilícito não pode ser exigida uma prova praticamente impossível consistente na demonstração direta da intenção específica do agente ímprobo. Nessa linha, somente seria possível cogitar de confissão, escuta telefônica, escuta ambiental ou apreensão de um diário (com registro das atividades e objetivos buscados em cada atuação no âmbito da Administração Pública).

Assim, os dois extremos devem ser rejeitados: a) a manutenção pura e simples da situação anterior, incompatível com a alteração legislativa e b) a exigência de demonstração direta da intenção específica do agente suspeito da prática de improbidade administrativa.

Resta, por conseguinte, o factível e necessário caminho do meio. Impõe-se, por conseguinte, a demonstração de cada passo, de cada ato, de cada etapa necessária para produzir o efeito final do enriquecimento ilícito. A demonstração do caminho intencionalmente trilhado pelo agente para viabilizar o resultado enriquecimento ilícito é a solução viável para realizar a lei de improbidade administrativa na sua nova roupagem.

Em cada ato positivo ou negativo que, em conjunto, desembocam no enriquecimento ilícito fica patente o dolo específico exigido pelo legislador da Lei n. 14.230/2021. Afinal, são condutas livres e conscientes, adredemente planejadas e voltadas para atingir a finalidade interditada pelo legislador, como forma de concretizar a repulsa constitucional à corrupção e as demais formas de imoralidade administrativa.

A proposta aqui defendida, atenta ao comando legal posto na nova Lei de Improbidade Administrativa (art. 1o, parágrafo segundo), busca a realização dos valores constitucionais do combate à corrupção, sem esquecer as garantias processuais também com status constitucional. A subjetividade é flagrada, com a redução da discricionariedade decorrente, a partir do único elemento viável: a exteriorização em atos ou condutas. A cuidadosa análise do contexto fático, em especial da inserção dos comportamentos do agente no tecido da realidade, fornece elementos minimamente seguros para identificar e atribuir a busca de uma finalidade específica. Dito de outra forma, é como se a vontade, ilustre habitante do mundo dos pensamentos, deixasse suas marcas nos atos necessários para realizá-la. A intenção precisa de exteriorizações em ações encadeadas, mais ou menos complexas dependendo do caso, para concretização de seus objetivos. Em todos e em cada um desses comportamentos a vontade será capturada.

Perceba-se a saída da armadilha da subjetividade rumo ao campo do conhecimento da realidade. A experiência, a prática negocial, os conhecimentos técnicos nas áreas de finanças e gestão, entre outros elementos e circunstâncias nitidamente identificadas e consideradas nas suas relações, viabilizam uma conclusão segura acerca dos objetivos ou finalidades do agente.

Em exemplo singelo, meramente hipotético, ilustra bem as considerações sustentadas. Imagine-se um fiscal tributário que recebe propina, na forma de depósitos numa conta bancária determinada, para reduzir substancialmente o valor de um auto de infração de sua responsabilidade funcional.

Antes da edição da Lei n. 14.230/2021 seria viável, para demonstrar o enriquecimento ilícito no caso cogitado como exemplo, cotejar as receitas lícitas do servidor e sua movimentação bancária. Algo assim: a) remunerações recebidas durante o ano: R$ 200 mil e b) total de valores recebidos em contas bancárias no ano em questão: R$ 300 mil. Se o agente público não lograsse demonstrar a origem lícita dos valores correspondentes a diferença estaria caracterizado o enriquecimento ilícito.

Depois da adoção da Lei n. 14.230/2021, ainda no caso referido como ilustração, acontecerá um esforço de comprovar uma série de atos do servidor viabilizadores do acréscimo patrimonial irregular. Algo nesta linha, como ações possíveis: a) demonstração de abertura de uma conta bancária depois de designado para realizar a fiscalização da empresa X; b) recebimento de depósitos na conta bancária aberta durante o período de realização das atividades fiscalizatórias; c) origem dos depósitos em pessoa da família do principal proprietário da empresa fiscalizada e d) transferências dos valores recebidos na conta aberta, sempre dias depois dos depósitos, para as contas bancárias de familiares próximos (esposa e filhos).

No julgamento do Agravo Interno no Agravo Interno no Recurso Especial n. 1836415/RJ (27), pelo e. Superior Tribunal de Justiça (STJ), a linha de raciocínio aqui defendida foi inequivocamente utilizada. Destacam-se os seguintes trechos do voto do ilustre Ministro Mauro Campbell Marques, relator do processo:

Na hipótese, a partir do contexto fático apresentado no próprio acórdão recorrido, verifica-se que o prefeito do Município de Barra Mansa/RJ, ora agravante, promoveu a nomeação de Luciano de Souza para ocupar cargo em comissão na municipalidade sendo que, menos de dois meses depois, foi requisitado para ocupar função de confiança no TCE/RJ. Ademais, como bem afirmado pelo Tribunal de origem, há limite para nomeação de cargos em comissão nos gabinetes do TCE/RJ.

Diante de tal panorama, parece-me clara a ilegalidade da cessão do servidor comissionado para o exercício de função de confiança no Tribunal de Contas local. Com efeito a cadeia de nomeações tão próximas denota a intenção de que o demandado ocupasse função de confiança no TCE/RJ.

A atuação dos demandados, portanto, revela ilegalidade qualificada pelo elemento subjetivo ao arquitetar as nomeações de forma a ocupar um cargo em comissão na municipalidade - para o qual sequer houve tempo de qualquer contribuição profissional efetiva - e uma função de confiança no Tribunal de Contas local que somente pode ser exercida por servidores ocupantes de cargos efetivos nos termos do inciso V do art. 37 da Constituição Federal.

Percebam-se os seguintes pontos: a) consideração do contexto fático de forma ampla (denominado de panorama); b) verificação do conjunto de atos praticados (cadeia de nomeações) e c) captura da intenção a partir dos atos praticados no âmbito de uma realidade fática bem definida (denota a intenção).

Portanto, não mais prevalece tão somente o senso comum na conclusão pelo enriquecimento ilícito. Antes, bastava o raciocínio de que não seria razoável ou factível que alguém enriquecesse ilicitamente sem a intenção de alcançar tal resultado. Agora, é preciso comprovar as condutas, devidamente encadeadas, condutoras do desfecho do acréscimo patrimonial indevido. Não é caso de provar diretamente o ânimo subjetivo (pretensão de enriquecer), mas demonstrar de forma segura os atos livres e conscientes voltados inequivocamente para produzir esse resultado específico.

V. Conclusões

O constituinte originário definiu um especial combate à imoralidade em seus níveis mais deletérios. Nesse sentido, o art. 37, parágrafo quarto, da Constituição, qualifica a imoralidade administrativa grave como improbidade administrativa que importará na suspensão dos direitos políticos, na perda da função pública, na indisponibilidade dos bens e no ressarcimento ao Erário, sem prejuízo das sanções administrativas e penais cabíveis.

A Lei n. 8.429, de 2 de junho de 1992, regulamentou o aludido dispositivo constitucional e fixou três conjuntos de atos de improbidade administrativa: a) que importam enriquecimento ilícito; b) que causam prejuízo ao Erário e c) que atentam contra os princípios da Administração Pública.

A hipótese de improbidade por enriquecimento ilícito de agentes públicos merece particular atenção. Nesse caso, identifica-se, por via indireta, condutas indevidas a partir de desproporcional incremento, sem origem lícita, do patrimônio do agente envolvido.

Com a edição da Lei n. 8.429, de 1992, prevaleceu o entendimento de que competia a Administração Pública demonstrar a evolução patrimonial desproporcional do agente durante o exercício da função pública. Comprovado pelo Poder Público a ocorrência de aquisição de bens (em sentido amplo) em patamar superior aos decorrentes dos rendimentos legalmente declarados, constituía-se uma presunção juris tantum (relativa) contra o servidor. Esse, por sua vez, poderia, para afastar a presunção referida, justamente por não ser absoluta, indicar a origem lícita do acréscimo patrimonial.

Formou-se também, sob a égide da Lei n. 8.429, de 1992, em seu formato original, um nítido entendimento no sentido da desnecessidade de comprovação do nexo causal entre o enriquecimento ilícito e o exercício da função pública.

No dia 25 de outubro de 2021 foi publicada a Lei n. 14.230. Esse diploma legal efetivou 192 (cento e noventa e duas) alterações formais na Lei n. 8.429, de 2 de junho de 1992. Foi modificada até a ementa do diploma legal adotado em 1992.

A grande maioria das dezenas de modificações realizadas na Lei de Improbidade Administrativa foi cuidadosamente planejada para dificultar ao máximo a caracterização e punição pela prática de atos de improbidade administrativa. E edição da Lei n. 14.230, de 2021, representou o mais forte golpe, nos últimos anos, no difícil processo de combate à corrupção no Brasil.

A principal mudança realizada pela Lei n. 14.230, de 2021, no regime de aplicação da improbidade administrativa foi, sem sombra de dúvida, a exigência de dolo específico, no lugar do dolo genérico, para caracterização de qualquer das hipóteses infracionais.

O senso comum na conclusão pelo enriquecimento ilícito não mais prevalece. Anteriormente, bastava o raciocínio de que não seria razoável ou factível que alguém enriquecesse ilicitamente sem a intenção de alcançar tal resultado. Atualmente, é preciso demonstrar as condutas, devidamente encadeadas, condutoras do desfecho do acréscimo patrimonial indevido. Não é caso de provar diretamente o ânimo subjetivo (pretensão de enriquecer), mas comprovar de forma segura os atos livres e conscientes voltados inequivocamente para produzir esse resultado específico.

NOTAS:

(1) Lei n. 9.784, de 29 de janeiro de 1999, fixa expressamente que a Administração Pública deve observar a lei e o Direito. Essa definição revela uma expansão da legalidade ou uma visão mais ampla, adequada e moderna no sentido da ideia de juridicidade.

(2) Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção. O Decreto n. 5.687, de 31 de janeiro de 2006 incorporou esse diploma legal ao direito brasileiro.

(3) Entre 1995 e julho de 2016, foram proferidas 11.607 condenações definitivas por improbidade administrativa no curso de 6.806 processos em tramitação no Judiciário brasileiro, uma média de 903 decisões condenatórias por ano. Os números fazem parte de pesquisa realizada pelo Instituto Não Aceito Corrupção em parceria com a Associação Brasileira de Jurimetria. Disponível em: <https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/02052021-Lei-de-Improbidade-Administrativa-a-jurisprudencia-sobre-a-perda-da-funcao-publica.aspx>. Acesso em: 3 fev. 2022.

(4) O Ministério Público Federal (MPF) propõe, em projeto de lei de iniciativa popular a ser enviado ao Congresso, a alteração do Código Penal (Decreto-Lei 2.848/40) para tornar crime o enriquecimento ilícito de agentes públicos, com pena prevista de prisão de três a oito anos, e confisco dos bens./Na Câmara, 11 textos tratam do assunto, inclusive o PL 5586/05, apresentado pela Controladoria-Geral da União (CGU). A mais antiga dessas propostas, à qual todas as outras foram apensadas, é o PL 5363/05, do ex-deputado Eduardo Valverde. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/noticias/481981-medida-2-criminalizacao-do-enriquecimento-ilicito-de-agentes-publicos/>. Acesso em: 22 jan. 2022.

(5) Dispõe sobre as sanções aplicáveis em virtude da prática de atos de improbidade administrativa, de que trata o § 4º do art. 37 da Constituição Federal; e dá outras providências.

(6) Com Centrão, PT ajuda a afrouxar legislação de combate à corrupção. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2022/01/06/com-centrao-pt-ajuda-a-afrouxar-legislacao-de-combate-a-corrupcao.htm>. Acesso em: 26 jan. 2022.

(7) A ação para a aplicação das sanções de que trata esta Lei será proposta pelo Ministério Público e seguirá o procedimento comum previsto na Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), salvo o disposto nesta Lei. Art. 17 da Lei n. 8.429, de 1992 com nova redação dada pela Lei n. 14.230, de 2021.

(8) Nova redação do caput do art. 10 da Lei n. 8.429, de 1992.

(9) Nova redação do caput do art. 11 da Lei n. 8.429, de 1992, notadamente com a inserção da seguinte expressão: caracterizada por uma das seguintes condutas.

(10) Consideram-se atos de improbidade administrativa as condutas dolosas tipificadas nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, ressalvados tipos previstos em leis especiais.

Considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente.

O mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa. Parágrafos primeiro, segundo e terceiro do art. 1o da Lei n. 8.429, de 1992, todos incluídos pela Lei n. 14.230, de 2021.

(11) A sanção de perda da função pública, nas hipóteses dos incisos I e II do caput deste artigo, atinge apenas o vínculo de mesma qualidade e natureza que o agente público ou político detinha com o poder público na época do cometimento da infração, podendo o magistrado, na hipótese do inciso I do caput deste artigo, e em caráter excepcional, estendê-la aos demais vínculos, consideradas as circunstâncias do caso e a gravidade da infração. Art. 12, parágrafo primeiro, da Lei n. 8.429, de 1992, incluído pela Lei n. 14.230, de 2021.

(12) Não configura improbidade a ação ou omissão decorrente de divergência interpretativa da lei, baseada em jurisprudência, ainda que não pacificada, mesmo que não venha a ser posteriormente prevalecente nas decisões dos órgãos de controle ou dos tribunais do Poder Judiciário. Art. 1o, parágrafo oitavo, da Lei n. 8.429, de 1992, incluído pela Lei n. 14.230, de 2021.

(13) Em caráter excepcional e por motivos relevantes devidamente justificados, a sanção de proibição de contratação com o poder público pode extrapolar o ente público lesado pelo ato de improbidade, observados os impactos econômicos e sociais das sanções, de forma a preservar a função social da pessoa jurídica, conforme disposto no § 3º deste artigo. Art. 12, parágrafo quarto, da Lei n. 8.429, de 1992, incluído pela Lei n. 14.230, de 2021.

(14) Antigo art. 11, inciso II da Lei n. 8.429, de 1992.

(15) O MPF acusava Xavier de descumprir ordens judiciais para promoção de estudos de identificação e delimitação de áreas reivindicadas por indígenas Munduruku e Apiaká no município. Em novembro do último ano, uma liminar já havia suspendido os efeitos da decisão que recebeu a petição inicial da ação de improbidade.

Na nova decisão, o juiz Felipe Gontijo Lopes lembrou que a Nova Lei de Improbidade Administrativa revogou o artigo que considerava como ato ímprobo retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício conduta imputada a Xavier pelo MPF. Segundo Lopes, a nova norma passou a prever que apenas constitui ato de improbidade que atenta contra os princípios da Administração Pública a ação ou omissão dolosa caracterizada por uma das condutas taxativamente ali previstas ". Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2022-fev-01/justica-absolve-presidente-funai-acao-improbidade>. Acesso em: 2 fev. 2022.

(16) A ação para a aplicação das sanções previstas nesta Lei prescreve em 8 (oito) anos, contados a partir da ocorrência do fato ou, no caso de infrações permanentes, do dia em que cessou a permanência. Art. 23, caput, da Lei n. 8.429, de 1992, com nova redação dada pela Lei n. 14.230, de 2021.

(17) "O prazo da prescrição referido no caput deste artigo interrompe-se:

I - pelo ajuizamento da ação de improbidade administrativa;

II - pela publicação da sentença condenatória;

III - pela publicação de decisão ou acórdão de Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal que confirma sentença condenatória ou que reforma sentença de improcedência;

IV - pela publicação de decisão ou acórdão do Superior Tribunal de Justiça que confirma acórdão condenatório ou que reforma acórdão de improcedência;

V - pela publicação de decisão ou acórdão do Supremo Tribunal Federal que confirma acórdão condenatório ou que reforma acórdão de improcedência.

Interrompida a prescrição, o prazo recomeça a correr do dia da interrupção, pela metade do prazo previsto no caput deste artigo". Parágrafos quarto e quinto do art. 23 da Lei n. 8.429, de 1992, incluídos pela Lei n. 14.230, de 2021.

(18) Após a réplica do Ministério Público, o juiz proferirá decisão na qual indicará com precisão a tipificação do ato de improbidade administrativa imputável ao réu, sendo-lhe vedado modificar o fato principal e a capitulação legal apresentada pelo autor. Parágrafo 10-C do art. 17 da Lei n. 8.429, de 1992, incluído pela Lei n. 14.230, de 2021.

(19) O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave.

(20) Será nula a decisão de mérito total ou parcial da ação de improbidade administrativa que:

()

II - condenar o requerido sem a produção das provas por ele tempestivamente especificadas. Parágrafo 10-F do art. 17 da Lei n. 8.429, de 1992, incluído pela Lei n. 14.230, de 2021.

(21) 6. Tendo por nascedouro o PL 10.887/2018 (2.505/2021 no Senado), abrolhou, no berçário de nossa já tão extensa legislação pátria, a Lei 14.230, de 25 de outubro de 2021, que teve por finalidade reformular, de maneira substancial, a Lei de Improbidade Administrativa (LIA). 7. Como se sabe, a Lei de Improbidade Administrativa (LIA) - nome pela qual ficou conhecida a Lei 8.429, de 2 de junho de 1992 - foi e continua sendo - mesmo após as alterações - um dos pilares da legislação anticorrupção. 8. O fato é que, apesar de mantida sua missão, a aludida lei foi praticamente despida das vestes originais e revestida de outras. 9. Para assim concluir, basta registrar que, da lei original, apenas os arts. 15 e 19 não foram objeto de modificação. (TRF5, PROCESSO: 08102975620204050000, AGRAVO DE INSTRUMENTO, DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO MACHADO CORDEIRO, 2ª TURMA, JULGAMENTO: 14/12/2021).

(22) O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

§1º - São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional. Art. 127 da Constituição.

Observe-se que a independência funcional precisa ser efetivada em harmonia com a unidade e a indivisibilidade. Não se trata de subtrair uma vírgula sequer das competências do Ministério Público, mas ajustar a forma de exercitá-las.

(23) Brasil está estagnado na luta contra a corrupção, diz Transparência Internacional. ONG denuncia que, desde 2019, o combate à corrupção vem sofrendo retrocesso e destaca que entre os aspectos mais graves deste desmonte está a perda de independência e um aumento da interferência política por parte do governo em órgãos de controle. Disponível em: <https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2021/01/28/brasil-esta-estagnado-na-luta-contra-a-corrupcao-diz-transparencia-internacional.ghtml>. Acesso em: 3 fev. 2022.

(24) Nova Lei de Improbidade Administrativa Comentada. Leme/SP: Mizuno, 2022. Pág. 218.

(25) "Ao aplicar a nova lei de improbidade administrativa, a juíza de Direito Rossana Luiza Mazzoni de Faria, da 4ª vara Cível de Carapicuíba/SP extinguiu processo em que ex-prefeito do município era acusado de fraudes.

A ação foi proposta pelo MP contra o ex-prefeito Sérgio Ribeiro e secretários municipais sob acusação de contrariarem princípios administrativos previstos no art. 11 da lei 8.429/92. De acordo com o MP, o acusado teria elaborado e remetido à Câmara dos Vereadores leis inconstitucionais para a criação de oficineiros, criando cargos e serviços temporários fora das hipóteses legais. Aprovadas as leis, seguiram-se com os processos seletivos fraudulentos e que não obedeciam 'critérios de fachada'. Segundo o MP, os outros acusados teriam defendido a licitude do procedimento.

Mas, na sentença, a magistrada considerou que 'não há qualquer indício de prova a respeito do intuito deliberado por SÉRGIO RIBEIRO em levar um projeto de lei à Câmara Municipal com o dolo específico de frustrar a licitude de concurso público visando obter benefício próprio, direto ou indireto, ou de terceiros'. Ela também afirmou que, genericamente e sem qualquer individualização sobre suposto interesse em obter vantagem, são mencionados todos os secretários municipais supostamente envolvidos. 'Se houve a menção na inicial a respeito da violação ao princípio previsto no art. 11, inciso V da LIA, caberia o detalhamento de cada uma das condutas praticadas por cada um dos Secretários pontuando quais as ilicitudes praticadas no caso concreto e não, repito, na forma exposta, contrariando os princípios do contraditório e da ampla defesa.'" Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/quentes/358712/improbidade-juiza-aplica-nova-lei-e-encerra-processo-de-ex-prefeito>. Acesso em: 31 jan. 2022.

(26) Essa particular alteração da Lei de Improbidade Administrativa acentua as importantes reflexões em torno da construção de uma noção de dolo afastada do paradigma da subjetividade.

Observe-se, a partir do art. 18, inciso I, do Código de Processo Penal, que o crime se caracteriza como doloso quando o agente quis ou assumiu o risco de produzir o resultado. O art. 1o, parágrafo segundo, da Lei n. 8.429, de 1992, incluído pela Lei n. 14.230, de 2021, afirma expressamente: considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente.

Portanto, o dolo foi posto pelo legislador penal e reafirmado pelo legislador da improbidade administrativa como ilustre habitante do universo da vontade. A partir dessa constatação são imensas as dificuldades probatórias de identificar (diretamente) os pensamentos (a intenção, o animus) do agente no momento da prática da infração.

(27) Órgão Julgador: Segunda Turma. Data do Julgamento: 10/05/2021. Data da Publicação/Fonte: DJe 19/05/2021.

Sobre o autor
Aldemario Araujo Castro

Advogado Procurador da Fazenda Nacional. Professor da Universidade Católica de Brasília - UCB. Mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília – UCB. Ex-Conselheiro Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB (pela OAB/DF) Ex-Corregedor-Geral da Advocacia da União (AGU)

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