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Aborto: o direito à escolha da mulher como uma questão de ordem social

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Agenda 23/02/2022 às 14:23

Resumo: Mesmo sendo considerado uma prática criminosa, o aborto está presente em todos os cantos do Brasil, e sua prática pode implicar na penalização tanto da mulher quanto do profissional que realiza o procedimento. Em algumas situações em que se cogita a realização do aborto, verifica-se a colisão de direitos fundamentais inerentes à vida do feto e a autonomia de escolha da mulher. A ADPF 442 trata justamente desse conflito; se discute sua descriminalização até a 12ª semana de gestação e os reflexos positivos nas condições de vida das mulheres no Brasil. A partir de uma revisão bibliográfica, a partir de uma análise crítica, o presente trabalho foi dividido em duas partes principais: caminhou desde o conceito de aborto, sua previsão legal e suas causas de exclusão de punibilidade, até a ADPF 442, quando se discorreu sobre o conceito de ADPF, as questões envolvendo a discussão arguida na ADPF 442, as especificidades da bioética e o aborto até a 12ª semana de gestação, culminando no apontamento das razões sociais que serão impactadas a extensão da descriminalização nos moldes requeridos. Concluiu-se que a descriminalização do aborto não será a solução dos problemas; contudo, será uma forma de oportunizar que a mulher seja vista como um indivíduo autônomo e que merece respeito.

Palavras-chave: Direito constitucional de decidir; Aborto clandestino; Descriminalização do aborto.


1. INTRODUÇÃO

No Brasil, a prática do aborto é considerada uma prática criminosa pelo Código Penal de 1940, e penaliza a conduta com uma grave pena. Assim, o debate quanto a possibilidade da descriminalização da prática abortiva no Brasil se faz cada vez mais necessário. Muito embora ainda existam muitas barreiras a serem enfrentadas, tem-se notado uma maior atuação dos grupos que defendem a causa, como pode ser verificado na discussão da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n.º 422 - ADPF 442.

Em algumas situações em que se cogita a realização do aborto, verifica-se a colisão de direitos fundamentais de duas partes distintas, um enfrentamento dualístico, onde de um lado se encontra o direito à vida do feto, e, do outro, o direito de autonomia da mulher em poder decidir sobre seu próprio corpo.

Através de uma revisão bibliográfica, de caráter dedutivo, em fontes primárias e secundárias, realizou-se uma pesquisa qualitativa e exploratória em artigos científicos, legislação, doutrinas e demais materiais disponibilizados inerentes ao tema, a fim analisar, de forma crítica, como o debate acerca desse assunto tem sido construído e debatido.

O presente artigo analisará o embate relacionado ao aborto e a necessidade de sua descriminalização no Brasil a fim de garantir a mulher o direito constitucional de ter uma vida digna e poder decidir dentro de sua individualidade. Dividido em duas partes principais, este trabalho abordará, a partir da visão acerca dos contextos sociais, humanos, políticos, jurídicos e biológicos, sobre o aborto e o direito da mulher de tomar decisões sobre o próprio corpo.

Na primeira parte, serão apresentadas breves considerações sobre o aborto: conceito, sua tipificação dentro do ordenamento jurídico brasileiro, e quais as previsões legais e exclusão da punibilidade. Na segunda parte, se discutirá acerca do debate envolvendo a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n.º 422: conceito de ADPF e de preceitos fundamentais, as questões discutidas na ADPF 422, a postura da bioética acerca do aborto até a 12ª semana de gestão e como a descriminalização o aborto, nos moldes requeridos, poderá impactar nas condições sociais das mulheres envolvidas.

Um dos principais motivos que caracterizam a propositura da presente pesquisa é o crescente número de abortos clandestinos praticados no Brasil. Em sua grande maioria praticado por mulheres pobres, desassistidas de políticas públicas eficientes, e que acabam recorrendo a procedimentos inseguros e insalubres colocando em risco sua saúde e integridade física, quando não ocasionando sua morte.


2. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O ABORTO

2.1 O conceito de aborto

O atual Código Penal no Brasil, o qual foi promulgado na data de 7 de dezembro de 1940, tipifica o aborto como crime passível de pena de reclusão (BRASIL, 1940). Contudo, a norma penal não define o conceito específico do que é a prática abortiva. Luiz Regis Prado, em sua obra Curso de Direito Penal Brasileiro - Volume 2 (2013, p. 129-130), leciona que o elemento normativo do delito do aborto tem valor extrajurídico, sendo que sua definição está a cargo dos conceitos estabelecidos pela medicina e pela biologia.

Conforme discorre Para Vanessa Cruz Santos et al (2013, p. 1533), em seu trabalho Aborto no Brasil: impactos da ilegalidade na saúde pública, o aborto acontece quando o produto da concepção (ou seja, o resultado obtido com a fecundação do espermatozoide no óvulo) é expulso do útero da mulher, seja de forma espontânea ou de forma provocada. Já para Fernando Capez, a prática abortiva consiste no aniquilamento do feto (Curso de Direito Penal, Volume 2. 2014, p. 108):

Considera-se aborto a interrupção da gravidez com a conseqüente destruição do produto da concepção. Consiste na eliminação da vida intrauterina. Não faz parte do conceito de aborto a posterior expulsão do feto, pois pode ocorrer que o embrião seja dissolvido e depois reabsorvido pelo organismo materno em virtude de um processo de autólise; ou então pode suceder que ele sofra processo de mumificação ou maceração, de modo que continue no útero materno (CAPEZ, 2014, p. 108).

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Dessa forma, o aborto é caracterizado a partir do reconhecimento da morte do embrião ou do feto que está sendo gerado no útero da mulher. Para que seja caracterizada a morte do organismo, antes é preciso que seja reconhecida a sua existência; ou seja, para ser caracterizada a prática do aborto, é preciso que haja a comprovação de uma gravidez prévia (PRADO, 2013).

Maria Helena Diniz, em sua obra O Estado atual do Biodireito (2014, p. 86), corrobora tal entendimento quando afirma que a palavra aborto tem sua origem no latim, e possui como significado o sentido de perecer, morrer, e que, tal conceito vem sendo utilizado para caracterizar como aborto, a interrupção da gravidez antes de seu término normal, havendo o não a expulsão do feto do útero feminino. Ainda, ressalta que não havendo conceito legal acerca do aborto, sua caracterização precisa ser pautada sobre os entendimentos científicos existentes.

Com relação a caracterização de aborto, o Ministério da Saúde, na Cartilha Atenção humanizada ao abortamento: norma técnica (BRASIL, 2011, p. 29) esclarece, com relação à termos técnicos, que é considerado aborto quando a interrupção da gravidez ocorre antes da gestação completar 20 ou 22 semanas, e o feto tiver peso inferior à 500 gramas; além desse período, não se caracteriza mais aborto, mas sim a ocorrência de parto prematuro. Joyce Viana, em seu artigo A criminalização do aborto no Brasil (Notícias Concurso, 2020), ressalta que ocorre a caracterização de aborto, pois, nas condições acima citadas, o feto ainda não atingiu sua viabilidade.

2.2 O aborto e a legislação penal

Na obra Em defesa da vida: aborto e direitos humanos, Dulce Xavier e Alcilene Cavalcante (2006, p. 210), relatam que, no Brasil, o aborto passou a ser considerado uma prática criminosa quando da promulgação do Código Criminal do Império do Brasil, em 1830. Antes do citado código, a prática abortiva não era considerada crime, mesmo que fosse realizada por terceiros. De acordo com Melina Séfora Souza Rebouças e Elza Maria do Socorro Dutra (Não Nascer: algumas reflexões fenomenológico-existenciais sobre a história do aborto, 2011, p. 422), a prática do aborto era muito comum no período colonial do país, especialmente em casos de gravidez fora do matrimônio; a prática era considerada como uma normatização social da sexualidade, não sendo dispendido preocupação com o feto ou mesmo com a gestante.

Apesar de não haver nenhum tratamento expresso na Constituição Federal acerca do aborto voluntário, seja em relação à autorização ou à proibição, Daniel Sarmento, em seu trabalho Legalização do aborto e Constituição, (2005, p. 59-60) destaca que a matéria se encontra intimamente ligada aos valores constitucionais existentes na Carta Magna. Para o autor, não haver conteúdo expresso sobre o tema não significa que o ordenamento jurídico trate com indiferença a interrupção voluntária da gravidez. Em contraponto, ao autor ressalta que a lei maior trata-se de uma Constituição com características muito singulares, que apresenta, como sua marca mais notável, a preocupação central com os direitos humanos (SARMENTO, 2005, p. 50).

Segundo Rogério Greco (Curso de Direito Penal: Parte Especial, 2015, p. 244), o tipo penal atribuído ao aborto visa proteger a vida do feto, ou seja, a vida humana em desenvolvimento. Conforme disposto no Código Penal (BRASIL, 1940), o crime de aborto encontra-se descrito na parte especial do Código Penal, no capítulo que trata sobre os crimes praticados contra a vida da pessoa, tipificado nos artigos 124 a 126:

Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento

Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:

Pena - detenção, de um a três anos.

Aborto provocado por terceiro

Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:

Pena - reclusão, de três a dez anos.

Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante

Pena - reclusão, de um a quatro anos.

Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou debil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência

No tipo descrito no artigo 124 da norma penal, percebe-se a figura do autoaborto, o qual é considerado crime próprio, ou seja, necessita que a própria gestante seja o sujeito ativo do ato praticado. Destaca-se que, diante da particularidade do ato, no autoaborto não é possível a existência de coautoria. Lado outro, verifica-se que na modalidade do aborto consentido, tipificado no artigo 126, aquele que praticou o ato também responde pelo crime; dessa forma, quando ocorre o aborto consentido, tanto a gestante que permitiu a prática do ato quanto o terceiro que o praticou, mesmo que com penalidades distintas, são responsabilizados (PRADO, 2013).

O artigo 125 do Código Penal trata do aborto provocado por terceiro sem o consentimento da mulher grávida; nessa modalidade, o terceiro criminoso emprega força física para realizar o aborto (BRASIL, 1940). Vale mencionar que, ainda que em casos que a gestante consinta com a prática abortiva, se ela for menor de 14 (quatorze), alienada mentalmente ou se ocorrer o aborto mediante ameaça, a pena aplicada será aquela do artigo 125 (PRADO, 2013).

Prado (2013) destaca que o aborto é um crime material, tendo como seu resultado elementar a morte do produto da concepção. Neste sentido, o autor explica que não é necessária a expulsão do feto do corpo da gestante para que o crime seja considerado como consumado. Sobre a necessidade da constatação desse elemento para a caracterização do delito, o autor leciona que:

O aborto consiste, portanto, na morte dada ao nascituro intra uterum ou pela provocação de sua expulsão. O delito pressupõe, por óbvio, gravidez em curso. É indispensável a prova de que o ser em gestação se encontrava vivo quando da intervenção abortiva e de que sua morte foi decorrência precisa da mesma. Assim, a morte deve ser conseqüência direta das manobras abortivas realizadas ou da própria imaturidade do feto para sobreviver, quando sua expulsão for provocada prematuramente por aquelas manobras (PRADO, 2013, p. 135-136).

Pode-se perceber, assim, que para ser caracterizado o aborto como uma prática delitiva, Lia Zanotta Machado, em sua obra O aborto como direito e o aborto como crime: o retrocesso neoconservador (2017), ressalta que é essencial que o ato seja praticado na forma dolosa, não existindo a forma culposa para esse tipo de delito.

Em complementação à discussão, Prado (2013) acrescenta que não há necessidade de que a morte ocorra dentro do útero da gestante. Conforme abaixo transcrito, mesmo que ocorra fora do útero ou que haja certo lapso temporal não muito longo entre o ato e a confirmação da morte, não há a descaracterização do crime:

É possível que a morte do ser humano em gestação venha a ocorrer após a expulsão fora, portanto, do útero materno -, o que é irrelevante. Basta a afirmação do nexo de causalidade entre as manobras abortivas e a subsequente morte do feto (em decorrência daquela ou por imaturidade). O lapso temporal mais ou menos duradouro não impede a configuração do aborto, desde que decorrente da interrupção provocada da gravidez (PRADO, 2013, p. 95).

Sendo constatado que a morte do feto ou do embrião ocorreu como consequência do procedimento adotado para a prática do aborto, o lapso temporal existente entre o ato e o resultado não interferirá na presença ou ausência de materialidade. É necessário que reste devidamente demonstrado que o agente teve a vontade de produzir o resultado aborto, ou, ainda, que ele tinha consciência do resultado que poderia ser produzido, assumindo, dessa forma, o todo o risco inerente à conduta. Como bem ressaltam Jessica Caroline Pauka Rasera e Thainá Mieko Oliveira Tanabe, (Foi apenas um sonho: breves reflexões sobre o aborto por meio de uma perspectiva humanística e a forma que a criminalização tem afetado as mulheres brasileiras atualmente, 2018), em casos da ocorrência de aborto em consequência de uma conduta praticada com negligência ou imprudência, sem que a intenção do ato seja a interrupção da gravidez, não há que se falar em punição.

2.3 O aborto legal a exclusão da punibilidade

Apesar do aborto ser considerada uma prática criminosa, havendo uma tipificação específica para tal ato, Machado (2017, p. 15) destaca que o ordenamento jurídico brasileiro prevê três situações nas quais não haverá a aplicação da pena na realização do ato: nos casos de aborto necessário, nos casos de aborto sentimental e nos casos envolvendo fetos diagnosticados com anencefalia. O autor ainda destaca que as duas primeiras modalidades de aborto acima citadas, encontra previsão legal no Código Penal Brasileiro; já a terceira modalidade, foi autorizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a partir do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 54.

O procedimento deve ser feito até 22ª semana de gestação ou até o feto completar 500 gramas, ou que ocorrer primeiro. Nos casos autorizados para a realização de aborto, Danyelle Leonette Araújo dos Santos (Mulheres na busca pelo aborto legal, 2020, p. 43) esclarece que não é necessária autorização judicial, e caso o hospital se recuse a fazer o procedimento, a gestante poderá recorrer à Justiça, pois a recusa da instituição hospitalar é considerada como uma violação à direito fundamental.

2.3.1 Aborto necessário

No chamado aborto necessário, o inciso I do artigo 128 do Código Penal estabelece que não será punido aquele que praticar o aborto em situações nas quais não há outro meio de salvar a vida da gestante (BRASIL, 1940). Sobre o tema, na obra Tratado de Direito Penal: Parte Especial, Cezar Roberto Bitencourt (2010, p. 168) discorre que este tipo de aborto só pode ocorrer se ficar constatado que a vida da gestante se encontra em tal grau de perigo, e que a interrupção da gravidez é o único meio de salvar sua vida.

Segundo Bitencourt (2010, 168-169), somente a existência do perigo em sua forma abstrata não é suficiente para justificar a realização do procedimento, é preciso ficar devidamente constatado, de forma concreta, que a continuidade da vida da gestante depende exclusivamente da retirada do feto de seu útero. Sobre tal celeuma, Sarmento (2005, p. 73) destaca que a mulher tem o direito de tomar todas as decisões que entender necessárias para a salvaguardar sua vida.

Apesar do entendimento que a vida do feto precisa ser protegida, Sarmento (2005, p. 73-74) ressalta que a vida da mãe, nesse momento, é mais importante, pois sem ela, o feto não tem possibilidade de continuar seu desenvolvimento. O autor enfatiza que a ordem constitucional brasileira protege a vida intrauterina, mas que esta proteção é menos intensa do que a assegurada à vida das pessoas nascidas, podendo ceder, mediante uma ponderação de interesses, diante de direitos fundamentais da gestante (SARMENTO, 2005, p. 70).

2.3.2 Aborto sentimental

O aborto sentimental diz-se daquele em que o médico promove a interrupção da gestação quando esta é decorrente da prática de estupro. Ricardo Antonio Andreucci, em seu artigo O Aborto Legal e a nova Portaria n. 2.282/2020 GM/MS (Empório do Direito, 2020), esclarece que esse tipo de aborto também é chamado de aborto humanitário ou aborto piedoso. O autor aponta que, para que haja a despenalização nestes caso, é preciso o preenchimento de alguns requisitos essenciais: a) o procedimento precisa ser praticado por médico (a prática por qualquer outro tipo de profissional, mesmo nesse caso, será considerada crime, não havendo nenhuma previsão legal ou extralegal para justificação; ainda, caso desconfie de que não houve estupro, o médico poderá se recursar a realizar o procedimento); b) que a gravidez seja em decorrência de estupro; c) é preciso haver um prévio consentimento da gestante para a realização do procedimento, ou de seu representante.

De acordo com a Portaria nº 2.282-GM, de 27 de agosto de 2020, o Ministério da Saúde estabelece que, para realização do procedimento do aborto nos casos em que a gravidez decorre de aborto, deverá ser observadas os procedimentos estabelecidos, com a elaboração de termos específicos, e anexadas ao prontuário médico da paciente, devendo ser garantida a sua confidencialidade (BRASIL, 2020).

2.3.2 Aborto em casos de feto com anencefalia

Desde 2012, o STF descriminalizou a prática do crime de aborto em casos nos quais se constata a existência de feto anencéfalo (SANTOS, 2020, p. 34). Ou seja, como discorre Jéssica de Jesus Almeida, em seu artigo Aborto de Feto Anencéfalo (2014, p. 27-28), em julgamento à ADPF n. 54, o STF entendeu que, quando verificado que o feto em desenvolvimento dentro do útero da mulher tiver má-formação nas estruturas indispensáveis para o funcionamento do sistema nervoso central (como cérebro, cerebelo e outros - o que poderá culminar com a morte do bebê logo ao nascer, ou poucas horas depois do parto), é possível a realização da interrupção da gravidez sem que o ato seja passível de punição.

Segundo ALMEIDA (2014), a ADPF 54 foi proposta pela Confederação Nacional do Trabalhadores da Saúde perante o STF em 2004 com intuito de descriminalizar a prática do aborto quando constatado a presença de feto anencéfalo. Concedida autorização em caráter liminar, a ação foi julgada procedente em abril de 2012.

Acerca da decisão, Flávio Honorato Queiroga, em seu artigo Reflexões acerca do abordo de anencéfalos (2013), esclarece que a decisão proferida na ADPF 54 levou em consideração os seguintes questionamentos: o ordenamento jurídico brasileiro não estabelece o marco inicial da vida, mas estabelece o marco final, qual seja, a morte encefálica; no caso dos fetos anencéfalos, já restou contatado a inexistência de atividade cerebral, o que é imprescindível para a viabilidade da vida extrauterina; é preciso dar atenção especial à saúde da mulher, em especial a saúde mental, devendo ser protegida sua liberdade individual, uma vez que a vida do natimorto não dispende interesse jurídico; por fim, sendo confirmado que o feto não possui viabilidade de vida fora do útero, não se pode obrigar a mulher a dar continuidade a uma gestação que não alcançará o fim almejado, devendo ser priorizada a minimização dos traumas gerados com essa situação.

Diante do acima apontado, Queiroga (2013) entende que a decisão foi acertada uma vez que, se o aborto é caracterizado pela morte do feto, e se o feto anencéfalo não possui cérebro, não se pode falar que o procedimento de interrupção da gravidez provocou a morte do feto, e por consequência, a conduta não pode ser configurada como fato típico passível de pena.

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