O testamento particular, apesar de ser uma faculdade da pessoa que busca a sua elaboração, não possui o mesmo rigor de confecção que um testamento público, sendo mais facilmente aceita a flexibilização deste documento, diferente do testamento público que possui fé pública e procedimento rigoroso
É possível verificar decisões do STJ[1] a respeito da flexibilização do testamento particular, conforme observamos a decisão da 4ª turma do STJ, sob relatoria do Ministro Luiz Felipe Salomão, no RECURSO ESPECIAL Nº 701.917-SP em que os recorrentes se insurgiram contra decisão do TJSP que homologou nos autos do inventário o testamento particular com suposto vício formal. Na oportunidade, o STJ entendeu que deve ser interpretado o texto legal com vista à finalidade do ato praticado, mesmo que descumprido o rigor formal, decidindo pela manutenção do testamento, não o invalidando.
O problema decorre sobre a (im) possibilidade de flexibilização de testamento público, pois se sabe que atividade notarial tem por objetivo formalizar a vontade das partes, lhe conferindo uma forma legal aos atos e negócios jurídicos celebrados, captando a vontade exteriorizada em sua presença, para dar forma jurídica.
É a escritura pública, como o próprio nome diz, um documento público de observância obrigatória por imposição da lei, ou de observância facultativa/obrigatória, a depender da eleição das partes acordantes ou da imposição legal para legitimação (art. 1.868 CC), já que o documento além de fazer prova da legalidade da sua formação, faz prova também dos fatos que ocorreram na presença do tabelião, já que é da responsabilidade do notário garantir a publicidade, conferir autenticidade, segurança e eficácia aos atos jurídicos, artigo 1º da lei 8.935/94
É (era) um ato único (princípio da audiência/ato único), pois na primeira audiência era lavrada a escritura pública. Porém, com o crescimento da demanda, esse princípio foi modulado, segundo Luiz Guilherme Loureiro, passando o tabelião no primeiro contato com as partes a qualificá-los, identificando suas vontades, normas e exigências legais, informando sobre os documentos necessários, além de prestar assessoria, de forma a permitir que às partes atinjam o objetivo desejado.
A segunda audiência é onde ocorre a confecção do esboço da escritura pública, momento em que o tabelião recebe os documentos exigidos, verifica o cumprimento das exigências legais e fiscais.
O princípio da unicidade diz que os atos notariais devem ser realizados em uma única oportunidade, sem que haja interrupções temporais relevantes. Assim, apesar de ser considerado um ato único, percebe-se que tal princípio nos tempos atuais, em regra, foi mitigado, já que a atuação do responsável legal pelo tabelionato não se resume apenas à lavratura da escritura, há uma audiência preparatório, onde o tabelião irá captar a vontade das partes e prestar às informações necessárias, sanando as dúvidas existentes para depois iniciar o trabalho de confecção do esboço para a lavratura da escritura pública.
Há todo um trabalho de assessoria jurídica pelo tabelião ou escrevente habilitado neste campo, diante da falta de conhecimento da maioria dos profissionais do direito com relação aos procedimentos neste campo.
Após a confecção da escritura, deverá ser esta lida em voz alta ou lida pelas partes interessadas, verificando se o escrito corresponde à vontade expressada, de forma outorgar poderes ao notário para encerrar o ato autorizado, homologando o teor da escritura pública.
Após o encerramento e homologação pelo tabelião, não será mais possível a inclusão de novas manifestações, já que com aposição das firmas das partes, estas demonstram sua anuência e/ou consenso e a dos comparecentes (sujeitos meramentes instrumentais), concretizam a declaração de vontade expressa e o ato de outorga de poderes. Já o sinal do tabelião concretiza o ato homologatório, demonstrando que a escritura está perfeita e acabada.
É dispensável a presença da assinatura de testemunhas instrumentárias, ressalvada a hipótese em que a lei exigir, sendo requisito essencial de validade do ato (art. 215 do CC, §§§ 2º, 4º e 5º, devendo o notário ler a escritura em voz alta, na presença de todos os participantes, sob pena de responsabilidade
A exceção a impossibilidade de inclusão é o acréscimo antes da aposição de firma das partes, erros do tabelião (passíveis de ser corrigidos de ofício) e escritura de rerratificação (corrige eventuais inexatidões dos dados lançados, podendo ser extrajudicial se não afetar terceiros) que poderá alterar o conteúdo ou acrescentar algo à escritura pública após seu encerramento
O tabelião é o autor da escritura pública (podendo exercer esta função o escrevente previamente habilitado, indicado pelo tabelião ou juiz corregedor permanente lavrar escritura pública), pois é o responsável por receber a manifestação de vontade dos sujeitos da relação e plasmá-la no documento da forma que captou a informação, inserindo-a no documento com suas palavras e sob sua responsabilidade, conforme afirma Luiz Guilherme Loureiro.
Aqui surge um dos motivos da maioria das demandas judicial, pois é de conhecimento de todos que muitas das informações captadas pelo receptor da mensagem, poderão (ia) divergir da real vontade ou sentido expressado pelo emissor, causando divergências, porém, diante da aposição da anuência depois de ter sido lido em voz alta (presunção) ou da leitura pelos sujeitos, o autor irá encerrar e homologará escritura pública, tornando as informações protegidas pela fé pública.
Não se quer dizer que o conteúdo expressado pela vontade das partes seja verdadeiro ou falso, apenas faz prova (relativa) do cumprimento das formalidades e da ausência de vícios de consentimento, sendo cercada de todas as exigências do ato, até prova em contrário e desde que não seja possível aproveitar.
Com os crescentes poderes conferidos aos cartórios extrajudiciais e aumento da demanda, falta de conhecimento ou instrução dos sujeitos da relação, mitigação do princípio da audiência única, as informações captadas pelo autor da escritura pública poderão ser divergentes da declaração de vontade dos sujeitos, tornando-se tais vícios, muitas vezes, imperceptíveis na leitura em voz alta ou na simples leitura das partes (quando e se ocorre esta).
DA FÉ PÚBLICA
É a confiança atribuída pela lei aos agentes para que os documentos que autorizam, produzidos em sua presença ou com sua participação, sejam considerados autênticos e verdadeiros até prova em contrário.
Para o notário, a fé pública está intrínseca em sua função, prova deste fato é sua expressão laudatória nihil prius fide que significa nada antes que a fé.
A função do notário é autenticar fatos e documentos reconhecer (artigos 3º, 6º, III; 7º, V da lei 8.935/94), depositando, toda a coletividade, confiança nestes atos e documentos, tanto é verdade a afirmação que nem os entes federativos poderão recusar fé aos documentos produzidos ou autenticados por este profissional, por expressa previsão do artigo 19, II da CRFB, salvo prova de falsidade dos documentos reconhecida judicialmente.
DA SEGURANÇA JURÍDICA
O tabelião é o garantidor da segurança jurídica, devendo velar pelo equilíbrio do acordo e pela legalidade.
O artigo 6º da lei 8.395/94 diz que o documento notarial é espécie do gênero documento público, já que é o notário responsável por formalizar a vontade das partes juridicamente, dando-lhe a forma legal ou autenticidade, autorizando a redação ou redigindo os instrumentos adequados
Com base no princípio da legalidade, o tabelião só poderá fazer o que a lei determinada, pois é servidor público ou exerce delegação de um serviço público, estando submetido aos seus princípios. Assim, a administração pública e seus agentes só podem fazer o que é permitido pela lei, não dispondo da liberdade conferida aos particulares de só não fazem o que é proibido.
É obrigação do tabelião, analisar a situação jurídica, prestando assessoria e investigando a melhor forma de concretizar a vontade dos sujeitos, verificando a documentação, taxas exigíveis (se for o caso), capacidades, competência para poder atuar no feito, poder normativo e objeto
A qualificação é a nota característica da atividade notarial que consiste na confrontação da conduta desejada com a norma aplicável, é a premissa menor do silogismo, verificando qual conduta melhor atende os interesses dos sujeitos. Já a legalização, premissa maior, é a adaptação do negócio jurídico ao direito que o rege, já a legitimação é a relação jurídica entre o ato jurídico com a situação jurídica prévia.
DAS FORMAS JURÍDICAS
A expressão FORMA possui uma acepção ampla, significa o meio pelo qual é expresso o conteúdo da vontade humana e como toda declaração tem uma forma ou meio pelo qual é declarada, para que possa se tornar compreensível ou inteligível (gestual, verbal, escrita, silêncio).
Em sentido estrito, forma é a solenidade ou forma determinada prevista em lei, ou seja, é o conjunto das prescrições legais que devem ser observadas na formação de um negócio.
O direito brasileiro adota o princípio da liberdade das formas (art. 107 CC) que admite a declaração por qualquer meio que o torne compreensivo (oral, verbal, escrita, gestual, silêncio), salvo norma legal em contrário.
Ainda que seja mais consentâneo com o dinamismo e agilidade dos negócios jurídicos econômicos, sempre será necessário certo grau de formalismo, seja com o objetivo de levar às partes a refletirem melhor sobre sua conveniência ou oportunidade (diminuindo às decisões por impulso), comprovando a seriedade de sua vontade (aumenta a clareza e precisão da declaração de vontade) e distingue a declaração negocial de outras manifestações de vontades não vinculativas (separa o pacto jurídico das declarações não vinculativas), conferindo segurança e estabilidade às negociações (não produzindo surpresas, mudanças de regras, facilitando a prova do ato ou negócio jurídico e limite da vontade declarada, além de favorecer a atividade do fisco de arrecadar), prevenindo litígios
Entretanto, a forma implica também obstáculos, prescrevendo a lei solenidades apenas para negócios jurídicos considerados relevantes sob o ponto de vista social e econômico
É a forma, também, um elemento de validade e de pré-constituição das provas, facilitando a demonstração de existência e conteúdo. No primeiro, a inobservância poderá ocasionar a nulidade do ato ou negócio jurídico (ad solemnitatem) e o segundo, o descumprimento causa ineficaz o ato, salvo se puder ser provado por outro meio (ad probationem)
A diferença entre forma e prova é que a segunda pode ser externa ao ato, podendo coincidir ou não com o momento da celebração do ato, pode se referir a ato ou fato jurídico; já a primeira é intrínseca, ou seja, forma seu corpo, substância do ato, contemporânea ao ato, só sendo exigível em se tratando de ato jurídico
A função notarial é a responsável por assegurar a existência, validade e eficácia dos negócios jurídicos, ao qual a lei prevê a observância de uma forma determinada: escritura pública que é um documento ou instrumento notarial, solene, de cuja inobservância implica nulidade do ato ou negócio jurídico
Há três tipos de formas: essencial, imposta e convencional. A primeira deve concorrer a todo ato ou negócio jurídico, de forma a ser existente e válido. A segunda é o conjunto de prescrições legais, dizem respeito à solenidade do ato, devendo ser observada no momento da formação do ato ou negócio, sendo essenciais para sua validade, sendo de ordem pública, devendo ser interpretado de forma restritiva às exceções à forma legal.
A convencional decorre da eleição das partes (109 do CC), tornando-se da substância do ato ou negócio, implicando sua falta à invalidade do ato, entretanto, terá validade, caso não haja uma forma obrigatoriamente imposta
Assim, apesar de estar cercado de todas as garantias exigências necessárias, poderá ser flexibilizado o testamento público, ou seja, convertido em um testamento particular. Porém, não será todo e qualquer testamento público que irá admiti-la; apenas os que não possuam uma forma obrigatoriamente imposta.
Já que a lei só prescreveu solenidades para negócios jurídicos relevantes, sendo as outras hipóteses de forma livre, não pode ser declarado nulo um testamento público por inobservância das exigências necessárias, desde que não seja a forma imposta pela lei, já que é a forma um meio e não fim em si mesmo
REFERÊNCIAS
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RECURSO ESPECIAL Nº 701.917 da 4ª turma recursal, Brasília, DF, 02 de fevereiro de 2010. Lex: Jurisprudência do STJ. Disponível em <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=940812&num_registro=200401609090&data=20100301&formato=PDF> acesso em 18/10/2014 às 22:58
LOUREIRO FILHO, Lair da Silva; LOUREIRO, Cláudia Regina de Oliveira Magalhães da Silva. Notas e registros públicos. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012
LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros Públicos: teoria e prática. 5ª ed. São Paulo: Método. 2014
[1] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RECURSO ESPECIAL Nº 701.917 da 4ª turma recursal, Brasília, DF, 02 de fevereiro de 2010. Lex: Jurisprudência do STJ. Disponível em <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=940812&num_registro=200401609090&data=20100301&formato=PDF> acesso em 18/10/2014 às 22:58