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Da cessão de direitos hereditários

Agenda 19/04/2007 às 00:00

1. DA CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS E SEUS REQUISITOS LEGAIS.

            Conforme definição doutrinária, cessão de direitos hereditários é a transferência gratuita ou onerosa de parte do monte hereditário, feita por herdeiro legítimo ou testamentário.

            Tal forma de cessão é regulamentada pelo artigo 1.793 do Código Civil brasileiro:

            Art. 1.793. O direito à sucessão aberta, bem como o quinhão de que disponha o co-herdeiro, pode ser objeto de cessão por escritura pública.

            § 1o Os direitos, conferidos ao herdeiro em conseqüência de substituição ou de direito de acrescer, presumem-se não abrangidos pela cessão feita anteriormente.

            § 2oÉ ineficaz a cessão, pelo co-herdeiro, de seu direito hereditário sobre qualquer bem da herança considerado singularmente.

            § 3oIneficaz é a disposição, sem prévia autorização do juiz da sucessão, por qualquer herdeiro, de bem componente do acervo hereditário, pendente a indivisibilidade.

            (grifos nossos)

            Pela simples leitura do dispositivo acima, emergem várias características relativas à cessão de direitos hereditários, que serão tratadas nos tópicos abaixo.

            1.1. Da forma da cessão determinada pela lei civil.

            Conforme caput do artigo 1.793, determina a lei civil que a cessão de direitos hereditários deve ser processada através de escritura pública.

            Tal exigência é, na verdade, reflexo dos ditames do artigo 80 [01] do Código Civil, que considera o direito à sucessão aberta como um bem imóvel para todos os fins de direito.

            Tratando-se de bem imóvel, a escritura pública torna-se essencial [02] para imputar validade ao ato de transferência.

            Sobre o tema, discorre o mestre civilista Silvio Venosa [03]:

            "Tal como a cessão de crédito, a cessão de direitos hereditários tem evidente cunho contratual. Como a herança é considerada bem imóvel, o negócio jurídico requer escritura publica. Simples promessa de cessão pode ser feita por escrito particular e anexada ao inventário, possibilitando a cessão definitiva na partilha".

            (grifo nosso)

            Percebe-se, pois, que a eficácia da cessão de direitos hereditários depende, primariamente, de sua forma – escritura pública lavrada em cartório.

            Não sendo respeitada tal formalidade, o instrumento realizado apenas em caráter particular é equiparado a uma "promessa de cessão", estando seus efeitos jurídicos condicionados à chancela do juiz do inventário do antigo proprietário, conforme entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro:

            2006.001.00409 - APELACAO CIVEL

            DES. EDSON VASCONCELOS - Julgamento: 28/02/2007 - DECIMA SETIMA CAMARA CIVEL

            AQUISIÇÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS SOBRE IMÓVEL - PRETENSÃO DE ADJUDICAÇÃO PELO CESSIONÁRIO - NEGÓCIO EFETIVADO SEM QUALQUER FORMALIDADE AUSÊNCIA DE INSTRUMENTO PÚBLICO - INDEFERIMENTO DO PLEITO PELO JUÍZO DO INVENTÁRIO... - ADJUDICAÇÃO DO BEM EM FAVOR DO CESSIONÁRIO - Aquisição de direitos hereditários de imóvel. Pretensão de adjudicação formulada pelo cessionário. Aquisição formalizada por instrumento particular... Convolado o julgamento em diligência, foi sanada a irregularidade, mediante formalização de termo nos autos, com reconhecimento pelo cedente do direito pleiteado pelo cessionário. Reforma da decisão para adjudicar o bem ao cessionário.

            (grifo nosso)

            Assim sendo, para que seja efetivada a cessão de direitos hereditários pretendida pelas partes, deve ser observada a forma prescrita pela lei (escritura pública), sob pena de ineficácia do ato de transmissão.

            1.2. Do objeto da cessão de direitos hereditários.

            Conforme parágrafos 2º e 3 º do artigo 1.793 do Código Civil, é ineficaz a cessão, pretendida por qualquer dos co-herdeiros, de qualquer bem da herança considerado singularmente.

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            Tal vedação tem fundamento no princípio jurídico da saisine: com a morte do indivíduo, todos os seus bens (a universalidade da herança) são automaticamente transmitidos a seus herdeiros.

            Cabe aqui elucidar que o patrimônio transferido é constituído por uma "massa jurídica", única e momentaneamente indivisível, chamada de monte hereditário.

            Tal monte permanece único e indivisível até a efetivação da partilha entre todos os herdeiros e credores do falecido, realizada pelo juiz de direito nos autos do inventário ou pelo tabelião de notas em cartório [04].

            Pendente a divisão entre os herdeiros e credores, cada qual possui uma fração do patrimônio a ser repartido, indeterminada até a efetiva partilha dos bens.

            Assim sendo, não pode o herdeiro individualizar bens dentro da universalidade do monte hereditário, visando sua cessão a terceiros.

            Essa é a regra geral elencada no artigo 1.793 do Código Civil, que determina a ineficácia da cessão do bem da herança apontado singularmente.

            Não respeitado o dispositivo supra, a cessão do bem individualizado é equiparada a uma "promessa", com validade adstrita à chancela judicial.

            Trazemos novamente à baila os ensinamentos do mestre Venosa [05]:

            "Se, contudo, for efetuada a venda de bem certo e determinado da herança, sem prévia autorização judicial e antes de terminada a indivisibilidade com a partilha, essa disposição será ineficaz, na dicção legal. Essa ineficácia, na realidade é com relação à herança, mas poderá ter a função de promessa de venda...".

            "Outra disposição para qual se chama atenção de plano é a do § 3º, que espanca dúvida anterior, permitindo que, mediante autorização judicial, possa ser alienado bem determinado do monte-mor, enquanto pendente a indivisibilidade".

(grifo nosso)

            Nesses termos, repisa-se que a validade da cessão de bem singular do monte hereditário depende da chancela judicial (nos autos do inventário), sob pena de ineficácia do ato (e sua equiparação a uma simples promessa).


2. CONCLUSÃO.

            Em termos finais, ressalta-se que o contrato de cessão de direitos hereditários realizado por instrumento particular, ou apontando um único bem do monte hereditário, confronta as disposições legais sobre o tema (no tocante à forma e ao objeto), não alcançando a eficácia pretendida pelas partes.

            Tal eficácia está adstrita à chancela judicial, a ser efetivada nos autos do inventário do antigo proprietário do bem - oportunidade em que o juiz da causa, valendo-se do instrumento celebrado, incluirá o cessionário na partilha.

            Como alternativa à abertura judicial do inventário, existe a possibilidade da partilha extrajudicial (realizada em cartório de notas), oportunidade em que os herdeiros, valendo-se do instrumento particular anteriormente celebrado, requererão a inclusão do cessionário na divisão dos bens.

            Elucida-se que, em qualquer das hipóteses supra, até a efetiva partilha em favor dos beneficiários (herdeiros, credores e cessionários), os bens do monte hereditário continuarão indisponíveis, para todos os fins de direito.


Notas

            01

Art. 80. Consideram-se imóveis para os efeitos legais:.. . II – o direito à sucessão aberta.

            02

Código Civil - Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.

            Art. 109. No negócio jurídico celebrado com a cláusula de não valer sem instrumento público, este é da substância do ato.

            03

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2003. Página 40.

            04

Código de Processo Civil – "Art. 982.  Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial; se todos forem capazes e concordes, poderá fazer-se o inventário e a partilha por escritura pública, a qual constituirá título hábil para o registro imobiliário".

            05

Ob. Cit. Página 41.
Sobre o autor
Milton Gomes Baptista Ribeiro

advogado no Rio de Janeiro

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Milton Gomes Baptista. Da cessão de direitos hereditários. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1387, 19 abr. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9756. Acesso em: 22 nov. 2024.

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