1. DA CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS E SEUS REQUISITOS LEGAIS.
Conforme definição doutrinária, cessão de direitos hereditários é a transferência gratuita ou onerosa de parte do monte hereditário, feita por herdeiro legítimo ou testamentário.
Tal forma de cessão é regulamentada pelo artigo 1.793 do Código Civil brasileiro:
Art. 1.793. O direito à sucessão aberta, bem como o quinhão de que disponha o co-herdeiro, pode ser objeto de cessão por escritura pública.
§ 1o Os direitos, conferidos ao herdeiro em conseqüência de substituição ou de direito de acrescer, presumem-se não abrangidos pela cessão feita anteriormente.
§ 2oÉ ineficaz a cessão, pelo co-herdeiro, de seu direito hereditário sobre qualquer bem da herança considerado singularmente.
§ 3oIneficaz é a disposição, sem prévia autorização do juiz da sucessão, por qualquer herdeiro, de bem componente do acervo hereditário, pendente a indivisibilidade.
(grifos nossos)
Pela simples leitura do dispositivo acima, emergem várias características relativas à cessão de direitos hereditários, que serão tratadas nos tópicos abaixo.
1.1. Da forma da cessão determinada pela lei civil.
Conforme caput do artigo 1.793, determina a lei civil que a cessão de direitos hereditários deve ser processada através de escritura pública.
Tal exigência é, na verdade, reflexo dos ditames do artigo 80 [01] do Código Civil, que considera o direito à sucessão aberta como um bem imóvel para todos os fins de direito.
Tratando-se de bem imóvel, a escritura pública torna-se essencial [02] para imputar validade ao ato de transferência.
Sobre o tema, discorre o mestre civilista Silvio Venosa [03]:
"Tal como a cessão de crédito, a cessão de direitos hereditários tem evidente cunho contratual. Como a herança é considerada bem imóvel, o negócio jurídico requer escritura publica. Simples promessa de cessão pode ser feita por escrito particular e anexada ao inventário, possibilitando a cessão definitiva na partilha".
(grifo nosso)
Percebe-se, pois, que a eficácia da cessão de direitos hereditários depende, primariamente, de sua forma – escritura pública lavrada em cartório.
Não sendo respeitada tal formalidade, o instrumento realizado apenas em caráter particular é equiparado a uma "promessa de cessão", estando seus efeitos jurídicos condicionados à chancela do juiz do inventário do antigo proprietário, conforme entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro:
2006.001.00409 - APELACAO CIVEL
DES. EDSON VASCONCELOS - Julgamento: 28/02/2007 - DECIMA SETIMA CAMARA CIVEL
AQUISIÇÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS SOBRE IMÓVEL - PRETENSÃO DE ADJUDICAÇÃO PELO CESSIONÁRIO - NEGÓCIO EFETIVADO SEM QUALQUER FORMALIDADE AUSÊNCIA DE INSTRUMENTO PÚBLICO - INDEFERIMENTO DO PLEITO PELO JUÍZO DO INVENTÁRIO... - ADJUDICAÇÃO DO BEM EM FAVOR DO CESSIONÁRIO - Aquisição de direitos hereditários de imóvel. Pretensão de adjudicação formulada pelo cessionário. Aquisição formalizada por instrumento particular... Convolado o julgamento em diligência, foi sanada a irregularidade, mediante formalização de termo nos autos, com reconhecimento pelo cedente do direito pleiteado pelo cessionário. Reforma da decisão para adjudicar o bem ao cessionário.
(grifo nosso)
Assim sendo, para que seja efetivada a cessão de direitos hereditários pretendida pelas partes, deve ser observada a forma prescrita pela lei (escritura pública), sob pena de ineficácia do ato de transmissão.
1.2. Do objeto da cessão de direitos hereditários.
Conforme parágrafos 2º e 3 º do artigo 1.793 do Código Civil, é ineficaz a cessão, pretendida por qualquer dos co-herdeiros, de qualquer bem da herança considerado singularmente.
Tal vedação tem fundamento no princípio jurídico da saisine: com a morte do indivíduo, todos os seus bens (a universalidade da herança) são automaticamente transmitidos a seus herdeiros.
Cabe aqui elucidar que o patrimônio transferido é constituído por uma "massa jurídica", única e momentaneamente indivisível, chamada de monte hereditário.
Tal monte permanece único e indivisível até a efetivação da partilha entre todos os herdeiros e credores do falecido, realizada pelo juiz de direito nos autos do inventário ou pelo tabelião de notas em cartório [04].
Pendente a divisão entre os herdeiros e credores, cada qual possui uma fração do patrimônio a ser repartido, indeterminada até a efetiva partilha dos bens.
Assim sendo, não pode o herdeiro individualizar bens dentro da universalidade do monte hereditário, visando sua cessão a terceiros.
Essa é a regra geral elencada no artigo 1.793 do Código Civil, que determina a ineficácia da cessão do bem da herança apontado singularmente.
Não respeitado o dispositivo supra, a cessão do bem individualizado é equiparada a uma "promessa", com validade adstrita à chancela judicial.
Trazemos novamente à baila os ensinamentos do mestre Venosa [05]:
"Se, contudo, for efetuada a venda de bem certo e determinado da herança, sem prévia autorização judicial e antes de terminada a indivisibilidade com a partilha, essa disposição será ineficaz, na dicção legal. Essa ineficácia, na realidade é com relação à herança, mas poderá ter a função de promessa de venda...".
"Outra disposição para qual se chama atenção de plano é a do § 3º, que espanca dúvida anterior, permitindo que, mediante autorização judicial, possa ser alienado bem determinado do monte-mor, enquanto pendente a indivisibilidade".
(grifo nosso)
Nesses termos, repisa-se que a validade da cessão de bem singular do monte hereditário depende da chancela judicial (nos autos do inventário), sob pena de ineficácia do ato (e sua equiparação a uma simples promessa).
2. CONCLUSÃO.
Em termos finais, ressalta-se que o contrato de cessão de direitos hereditários realizado por instrumento particular, ou apontando um único bem do monte hereditário, confronta as disposições legais sobre o tema (no tocante à forma e ao objeto), não alcançando a eficácia pretendida pelas partes.
Tal eficácia está adstrita à chancela judicial, a ser efetivada nos autos do inventário do antigo proprietário do bem - oportunidade em que o juiz da causa, valendo-se do instrumento celebrado, incluirá o cessionário na partilha.
Como alternativa à abertura judicial do inventário, existe a possibilidade da partilha extrajudicial (realizada em cartório de notas), oportunidade em que os herdeiros, valendo-se do instrumento particular anteriormente celebrado, requererão a inclusão do cessionário na divisão dos bens.
Elucida-se que, em qualquer das hipóteses supra, até a efetiva partilha em favor dos beneficiários (herdeiros, credores e cessionários), os bens do monte hereditário continuarão indisponíveis, para todos os fins de direito.
Notas
01
Art. 80. Consideram-se imóveis para os efeitos legais:.. . II – o direito à sucessão aberta.02
Código Civil - Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.Art. 109. No negócio jurídico celebrado com a cláusula de não valer sem instrumento público, este é da substância do ato.
03
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2003. Página 40.04
Código de Processo Civil – "Art. 982. Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial; se todos forem capazes e concordes, poderá fazer-se o inventário e a partilha por escritura pública, a qual constituirá título hábil para o registro imobiliário".05
Ob. Cit. Página 41.