O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul TJRS uniformizou o entendimento defendido pelo advogado Dr. Adivan Zanchet, patrono de mais 3.500 clientes em casos de responsabilidade civil ambiental, no sentido de que a responsabilidade do poder público em casos de omissão por alagamentos ou inundação é objetiva.
Indenização por alagamento ou inundação
O saneamento é um assunto de interesse local, mas de responsabilidade de todos os entes da Federação, ensinamento trazido pela Constituição Federal em seu artigo 23, inciso IX:
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico;
É cediço que os moradores que residem em áreas que costumeiramente alagam sofrem devido aos prejuízos enfrentados, tanto pela perda de móveis, quanto problemas de saúde.
Para esses prejudicados, a jurisprudência uniformizada do TJRS determina o pagamento de indenização:
INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. TURMAS RECURSAIS DA FAZENDA PÚBLICA REUNIDAS. RESPONSABILIDADE CIVIL, EM CASO DE OMISSÃO ESTATAL, POR DANOS DECORRENTES DE ALAGAMENTOS E INUNDAÇÕES. DIVERGÊNCIA ENTRE AS TURMAS FAZENDÁRIAS SOBRE SER OBJETIVA OU SUBJETIVA A RESPONSABILIDADE ESTATAL NA HIPÓTESE. ACOLHIMENTO DO INCIDENTE E UNIFORMIZAÇÃO DO ENTENDIMENTO, COM A EDIÇÃO DE ENUNCIADO NOS SEGUINTES TERMOS: "A RESPONSABILIDADE CIVIL ESTATAL, NOS CASOS DE OMISSÃO, GENÉRICA OU ESPECÍFICA, EM HIPÓTESE DE ALAGAMENTOS E INUNDAÇÕES, É OBJETIVA, RESSALVADA A PROVA, PELO ENTE PÚBLICO, DE ROMPIMENTO DO NEXO CAUSAL ENTRE A OMISSÃO E O DANO EXPERIMENTADO PELO PARTICULAR". INCIDENTE CONHECIDO E UNIFORMIZADO O ENTENDIMENTO, POR MAIORIA, COM EDIÇÃO DE ENUNCIADO.
Caracterização de omissão do poder público em casos de alagamento
Existem muitas possibilidades de se fazer a prova por danos decorrentes de alagamentos, sendo a melhor delas um estudo técnico ambiental realizado por um especialista da área.
Cumpre destacar que para uma das correntes doutrinárias, a responsabilidade civil do Estado por omissão é gerada necessariamente, pela prova de falta do serviço (faute du service).
Para tanto, exige-se a necessária demonstração de culpa da Administração na prestação do serviço, seja pelo serviço não funcionar, funcionar mal ou tardiamente.[1]
Desse modo, cabe ao particular fazer a prova, caracterizando-se o ilícito quando configurado a possibilidade de o Estado impedir o dano.
Já uma segunda corrente doutrinária defende que a responsabilidade civil do Estado por omissão em casos de alagamento decorre do descumprimento de um dever jurídico de agir.
Para tal corrente, defendida, exemplificativamente, por Yussef Said Cahali[2] e Juarez Freitas[3], não haveria distinção entre a responsabilidade civil extracontratual do Estado em casos comissivos ou omissivos, aplicando-se a ambos o § 6.º do art. 37 da Constituição Federal.
A jurisprudência, inclusive do Supremo Tribunal Federal - STF, vem se direcionando à adoção da teoria do risco administrativo para a questão da responsabilidade em caso de omissão por alagamentos, inclusive no caso de omissão genérica.
Assim, o deslocamento da teoria subjetiva para a objetiva transfere a obrigação da vítima ter que comprovar a culpa administrativa pela falta do serviço para o dever de o ente estatal evidenciar motivos justificáveis e excludentes do nexo causal entre os deveres omitidos e os danos sofridos.
Vale mencionar no que concerne a alagamentos e inundações, e em casos de desastres naturais em geral, ganha destaque a existência do conhecimento dos riscos, da previsibilidade dos riscos, da capacidade e competência do ente estatal em questão para adotar medidas preventivas a fim de evitá-lo.
Previsibilidade e prova das inundações ou alagamentos
A previsibilidade do evento há de ser vista, por exemplo, na visão de José Joaquim Gomes Canotilho[4], como um desdobramento do direito à proteção do ambiente, que importa em que o ente estatal tem deveres de proteção que se traduzem em ser razoável exigir da Administração Pública a adoção de medidas que evitassem tais danos.
Ocorre que na grande maioria dos casos de enchentes, os fatos são causados por obras mal planejadas pelo próprio poder público, ou então pela omissão na limpeza e fiscalização de medidas necessárias para uma boa manutenção no sistema de tubulação, sendo assim os fundamentos restam evidentes para caracterizar a responsabilidade do poder público.
Além disso, outra questão importante e que faz relação com as provas, diz respeito às dificuldades em comprovar o nexo causal, ou seja, não é nada simples para a parte Autora demonstrar que os danos ocorrem pela péssima infraestrutura do sistema de saneamento, o qual é de responsabilidade do Município e que na grande maioria dos casos tem contrato firmado com Companhia Saneadora de Esgoto.
Outro ponto importante faz alusão ao caso fortuito e força maior, o que gera a descaracterização da responsabilidade do poder público nos casos, porém, tal fundamento não encontra sentido na esfera da responsabilidade civil ambiental, já que eventos climáticos deixaram de ser atípicos, sendo encargo do ente público até mesmo prever tais acontecimentos.
Jurisprudência sobre responsabilidade em casos de alagamentos e inundações
No Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, há importantes precedentes sobre indenizações em casos de alagamentos e inundações:
RESPONSABILIDADE CIVIL. REPARAÇÃO DE DANOS. ALAGAMENTO DE RESIDÊNCIAS. MUNICÍPIO DE SÃO LEOPOLDO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA CONFIGURADA. DANOS MATERIAIS NÃO COMPROVADOS. OCORRÊNCIA DE DANO MORAL. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. PARCIAL PROVIMENTO.
1. Trata-se de ação indenizatória por danos materiais e morais em face do Município de São Leopoldo, em razão do alagamento da residência da parte autora, decorrente do transbordamento do Rio do Sinos. Fato ocorrido em agosto de 2013.
2. A responsabilidade civil dos demandados é objetiva, nos termos do artigo 37, §6º, da Constituição Federal e art. 43 do Código Civil, respondendo pelos danos que seus agentes derem causa, cabendo à parte contrária a prova dos fatos, o nexo de causalidade e o dano Teoria do Risco Administrativo.
3. Precedentes do STF e desta 3ª Turma Recursal da Fazenda Pública, art. 37, §6º, da CF e art. 43 do Código Civil, no sentido de que a responsabilidade do Estado é objetiva, ainda que se trate de omissão.
4. Caso dos autos, em que a omissão dos réus caracteriza-se pela ausência de obras aptas e evitar, de fato, o transbordamento do Rio dos Sinos, que causa a inundação e alagamentos nas residências.
5. Ausência de caso fortuito. Define o Código Civil, no art. 393 que: O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.
O ponto nodal do conceito de caso fortuito é a inevitabilidade, o evento assume tal proporção que não se consegue evitar. No caso dos autos o evento é totalmente evitável, haja vista as constantes inundações ocorridas no Município de São Leopoldo. Evento que somente ocorre pela omissão do réu em atividades que lhe são próprias e estão ao seu alcance, mas mesmo assim não foram realizadas. Inocorrência de força maior ou caso fortuito.
6. Danos materiais não suficientemente comprovados. Quanto a este pedido, improcedência mantida. 7. Danos morais configurados. Fixação do valor sopesando-se: punição ao ofensor, evitando-se a mantença da omissão; condições sociais econômicas da parte lesada e repercussão do dano. Isto sem representar vantagem exagerada ou enriquecimento indevido. Quantia de R$ 8.000,00 (oito mil) reais que atende os requisitos mencionados.
(Recurso Cível, Nº 71008207193, Terceira Turma Recursal da Fazenda Pública, Turmas Recursais, Relator: Alan Tadeu Soares Delabary Junior, Julgado em: 28-03-2019)
Em que pese as diversas tentativas dos entes públicos em tentar descaracterizar as suas responsabilidades, o que se vê, é uma jurisprudência já pacificada, no sentido de coibir novos acontecimentos que prejudiquem comunidades atingidas por eventos climáticos que poderiam ser evitados se não fosse a omissão do próprio Poder Público.
Conclusão
Diante o exposto e da jurisprudência pacífica, resta a caracterização da responsabilidade objetiva do Poder Público em casos de alagamento ou inundações, o que somente pode ser afastado mediante prova inequívoca em contrária, sob pena de ser condenado a pagar pelos danos ambientais individuais sofridos pelos moradores.
[1] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 996-997.
[2] CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do Estado. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2014.
[3] FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: direito ao futuro. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2012.
[4] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. O direito ao ambiente como direito subjetivo. Estudos sobre direitos fundamentais. Coimbra: Coimbra Ed., 2004, p. 188.