ARTIGO DIREITO INTERNACIONAL
Sabe-se que a herança compartilhada entre os dois países -Rússia e Ucrânia- remonta há mais de mil anos, a uma época em que Kiev, hoje capital da Ucrânia, estava no centro do primeiro Estado Eslavo, a Rússia de Kiev, berço tanto da Ucrânia quanto da Rússia. Em 988, Vladimir I, o monarca pagão de Novgorod e grão-príncipe de Kiev, aceitou a fé cristã ortodoxa e foi batizado na cidade de Quersoneso, na Crimeia. Aludindo a esse momento histórico, o líder russo Vladimir Putin declarou recentemente: "Russos e ucranianos são um só povo, um único todo".
No entanto, nos últimos dez séculos, a Ucrânia foi repetidamente invadida por potências rivais.
Guerreiros mongóis do leste conquistaram a Rússia de Kiev no século 13. No século 16, exércitos poloneses e lituanos invadiram o oeste. No século 17, a guerra entre a República das Duas Nações (Polônia e Lituânia) e o Czarado da Rússia deixou as terras para o leste do rio Dniepre sob controle imperial russo. O leste ficou conhecido como a 'Margem Esquerda' da Ucrânia, enquanto as terras a oeste do Dniepre, ou 'Margem Direita', ficaram a mando da Polônia. Mais de um século depois, em 1793, a Margem Direita (ocidental) da Ucrânia foi anexada pelo Império Russo. Ao longo dos anos que se seguiram, uma política conhecida como russificação proibiu o uso e o estudo da língua ucraniana, e os habitantes foram pressionadas a se converter à fé ortodoxa russa. (CONANT, 2022)
Essa história conturbada criou divisões duradouras. Como o leste da Ucrânia ficou sob o domínio russo muito mais cedo do que o oeste da Ucrânia, os habitantes do leste têm laços mais fortes com a Rússia e têm sido mais propensas a apoiar líderes russos. A Ucrânia do Oeste, ao contrário, passou séculos sob constantes mudanças de controle por potências europeias como a Polônia e o Império Austro-Húngaro, uma das razões pelas quais os ucranianos no ocidente tendem a apoiar mais políticos ocidentais.
Em linhas gerais, a população oriental tende a falar a língua russa e praticar a religião ortodoxa, enquanto no ocidente se fala mais ucraniano e a população é mais católica. Com o colapso da União Soviética em 1991, a Ucrânia tornou-se uma nação independente, mas unir o país provou ser uma tarefa difícil. Por um lado, o senso de nacionalismo ucraniano não é tão profundo no leste como é no oeste, diz o ex-embaixador na Ucrânia Steven Pifer.
A grande fome na Ucrânia
Em uma boa parte do governo da Ucrânia, ela pertenceu a outros países, mas eles tinham sua própria língua e sua própria cultura. Os Russos, todavia, tratavam a Ucrânia com desdenho, chamando-a de pequena Rússia, porém, tinham interesses nas terras ucranianas desde os tempos medievais, também chamas de Terras negras. Os russos chamavam a língua ucraniana de dialeto russo, em 1917 ano da revolução russa e ucraniana apenas um quinto da população de Kiev falava ucraniano.
A República Ucraniana foi criada apenas em 1918, que iria aproveitar a independência para propagar a cultura ucraniana, contudo foi por água abaixo quando ocorreu com a guerra civil, essa guerra civil vai ser um marco, pois vai ser a primeira vez que o exército dos bolcheviques vai de fato ser confrontados à força de resistência ucraniana, a guerra acaba com a vitória dos bolcheviques e a Ucrânia continua sendo um anexo da URSS, que abraçou a Ucrânia. Assim, em 1929, Stalin interferiu diretamente no país, afirmando que A unificação das pequenas e minúsculas fazendas de família em grandes fazendas coletivas, é para nós o único caminho.
Os kulaks, que eram qualquer família que tinha terras, eram considerados inimigos soviéticos, assim, eram obrigados a entregar tudo o que tinham e se tornarem assalariados, e em troca da mão de obra eram pagos com um pouco de comida, eles trabalhavam em dias específicos, assim recebiam ainda menos comida.
Houve diversas revoltas, principalmente pelos camponeses, que era a classe que lutava pelos direitos ucranianos, e que foram as mais afetadas. Assim, o governo criou formas políticas de tentar acabar com eles, jogando propagandas e colocando a população contra eles. Um dos principais problemas é que para Stalin qualquer pessoa que tinha apenas um cavalo ou uma vaca era um kulak, os ataques a essa classe foi chamado de deskulakização e mais de 100 mil dessas pessoas foram enviadas para trabalho forçado no GULANS, que eram as fazendas compartilhadas. Assim a fome já evidente foi se agravando causando A grande fome, também chamada de Holodomor, que em ucraniano significa morte por fome.
Em agosto de 1932 a União Soviética aprovou uma lei em que qualquer pessoa que saqueasse os GULANS ou também chamadas de fazendas coletivas, eram penalizadas em até 10 anos de prisão ou morte, e esses saques poderiam ser qualquer migalha de comida. No mesmo ano, foi imposta uma meta de requisição de grãos, que era basicamente a permissão que o estado tinha para confiscar de qualquer camponês qualquer comida ou propriedade que poderia ser vendida. Assim, ocorreram buscas nas casas das pessoas, apoiadores do governo invadiam as propriedades e torturavam as pessoas para entregassem a pouca comida que restava.
Em novembro de 1932, foram impostas as chamadas listas negras, assim qualquer Ucraniano que tinha o seu nome naquela lista não podia comercializar grãos, farinha, pão. E qualquer um deles que eram vistos em posse de alimentos seria punido. E as fazendas coletivas que se encontravam naquelas listas tinham uma porcentagem de recolhimento ainda maior, tornando impossível a alimentação dos ucranianos que ali trabalhavam.
A última decisão tomada foi o isolamento dos ucranianos dentro do território da grande fome, a Ucrânia estava em uma situação em que estava prestes a ser apagada. O regime stalinista declarava que a fome não existia e recusava ajuda de qualquer ONG ou órgãos do exterior. Na primavera de 1933, as pessoas que nasceram naquele ano tinham uma expectativa de vida de no máximo 8 anos, houve casos de canibalismo. Em média 3,9 milhões de ucranianos morreram, vários registros foram ocultados, e os jornalistas que publicaram algo sobre a fome na ucrânia era terrivelmente perseguido e atacados.
Crimeia e suas questões
A Crimeia é uma península que atualmente pertence a Rússia, quando a cerca de 2 anos o presidente russo Vladmir Putin afirmou que era um território Russo. Em 1954 o presidente da União soviética doou para a Ucrânia a península acima mencionada, porém a população da Criméia em sua maioria era russa.
Em 1991, com a extinção da União Soviética, e Ucrânia passa a ter medo de perder territórios, a Rússia passa a querer pegar esses mesmos territórios e os países ocidentais temiam a Ucrânia, uma vez que ela tinha posse do terceiro maior arsenal nuclear do mundo. Em 1994, o presidente russo e o presidente americano assinam o memorando de Budapeste, assim, a Ucrânia iria se desfazer do seu arsenal nuclear, desde que tenha o seu território resguardado pelas outras nações.
A Crimeia é uma região importante pois ela tem o mar negro, dando acesso a navegação pelo mediterrâneo. E para a comercialização da Rússia, é muito importante ter o porto de Sebastopol, que fica localizado na Crimeia. Também tem na Crimeia uma grande exportação de gás e de petróleo. E lá fica localizado o estreito que liga o mar negro ao mar de Azov. A grande parte dessa população ucraniana apoia a Rússia, uma vez que a maioria da população ucraniana tem origem russa.
Em novembro de 2013, o presidente ucraniano Viktor Yanukovych desistiu de assinar um acordo de livre comércio com a união europeia e buscou uma aproximação comercial maior com a Rússia, pois ele defendia a população ucraniana com origem russa. Assim, uma serie de pessoas foram manifestar contra o presidente, pedindo a deposição de Viktor ou que o presidente voltasse atrás e assinasse o acordo. O presidente reagiu de forma brutal, e ao invés de buscar acordo através da diplomacia, matou dezenas de pessoas que lutavam pela aproximação da Ucrânia com a união europeia.
Tendo isso em vista, em fevereiro de 2014, ele foi julgado e o parlamento de Kiev tirou ele do poder. Assim, teve uma revolta na Criméia, pois ele representava os descendentes russos, e o parlamento da Crimeia declarou a independência, para posteriormente ser anexada ao território russo. O governo de Kiev enviou tropas e fechou os aeroportos após essa declaração de independência.
Assim, com o apoio do parlamento, o governo russo resolve entrar, enviando tropas para defender a população de origem russa. Os EUA e UE impõe sanções a Rússia, uma vez que eles tinham assinado o memorando de Budapeste lá atrás. A Crimeia é uma região que pertencia originalmente a Rússia. Porém, como o governo de Stalin eliminou cerca de 10 milhões ucranianos, o que é a grande parte da população de fato ucraniana. E com essa baixa demográfica, os russos migraram até a Ucrânia, observa-se então que a maioria da população ucraniana é de origem russa.
No dia 16 de março de 2015, houve um plebiscito, onde a população da Crimeia votou se queria ou não fazer parte da Rússia, 95% pedem a anexação à Rússia. Porém, alguns anos antes tinha sido feito um plebiscito e apenas 45% da população queria ser anexada a Rússia. Tendo isso em vista, a ONU não reconheceu a votação, afirmando que tinha havido fraude ali. Assim, os Estados Unidos e a União Europeia também não reconhecem a eleição. Vladmir Putin desconsidera totalmente o não reconhecimento das partes, e declara que a Crimeia é sim um território russo.
Visão ocidental sobre a questão
Em um conflito há sempre duas ou mais narrativas, e hoje, em um mundo cada vez mais globalizado, a guerra também se firma na batalha das informações, em qual dos lados irá possuir um maior Soft Power. Entre a Ucrânia e a Rússia as tentativas de controlar as narrativas partem dos dois lados do conflito, o que contribui para um cenário parcial e inacabado.
Vastas são as diferenças entre esses dois países a assimetria regional, populacional, militar e etc. Sobre o poderio militar a o que se dizer que a Rússia em 2021 gastou quase US$ 45,8 bilhões (R$ 229,5 bilhões) e a Ucrânia apenas US$ 4,7 bilhões (R$ 23,5 bilhões), segundo dados do The Military Balance 2022. Em questões nucleares, segundo o Instituto Nacional da Paz, a Rússia possui mais de 6 mil ogivas nucleares e a Ucrânia devido ao Memorando de Budapest após a queda da União Soviética (1994) aceitou desnuclearizar o país. De acordo com o Frazier e Snyder a economia emocional nos faz sempre torcer para o time mais fraco, estaria então a visão ocidental interligada a isso?
Analisaremos alguns fatos históricos que contribuem para a construção da visão ocidental e sua grande influência.
A Ucrânia encontra-se em uma posição delicada entre o ocidente e o oriente, os fatores que contribuem para isso são as diversas divisões internas da mesma.
Nos últimos séculos a Ucrânia foi repetidamente invadida por potências rivais, guerreiros mongóis (século 13), exércitos poloneses e lituanos (século 16 e 17), A guerra das República das duas nações e o Czarado que em sua finalidade deixou as terras leste do rio Dniepre sobre o controle do império Russo, após este acontecimento o leste passou a ser conhecido como Margem esquerda da Ucrânia e o Oeste Margem Direita que ficou a mando da Polônia e em 1793 a Margem direita (ocidental) foi anexada pelo império Russo dando início ao processo de russificação.
Essa divisão territorial, tem por consequência que o Leste da Ucrânia esteve sob domínio da Rússia por muito mais tempo se comparado ao Oeste, então o Leste tem em si mais familiaridade e laços com a Rússia e estão mais tendenciosos a apoiar estes líderes Russos.
O Oeste passou pelo controle de potências Europeias como a Polônia e o Império Austro Húngaro, e por isso dentem a se identificar mais com o lado ocidental.
Um potencial influenciador para a visão atual ocidental sobre este conflito está a Guerra Fria, que tinham por um lado a URSS e do outro os EUA. Este conflito foi iniciado logo após a 2º Guerra Mundial (1939-1945), onde se teve uma rivalidade entre os soviéticos e americanos. Foi um conflito ideológico onde o lado americano visava conter o avanço do comunismo e a influência soviética, dividindo-se então por meio de dois blocos, um sobre a influência americana e outro a influência soviética, onde se teve na verdade uma disputa pelo poder das duas potências mundiais, tendo uma polarização de ideais (socialismo e capitalismo), onde se queria mostrar qual era a maior força hegemônica.
Em 1970 a economia soviética entra em crise por estar em um atraso tecnológico e econômico se comparado as grandes potências mundiais. Além disso, o envolvimento do país na guerra do Afeganistão e o acidente nuclear em Chernobyl (1986) contribuíram para o fim da URSS, e assim que a URSS foi dissolvida isso marcou o fim da guerra fria e a URSS foi desmembrada em estados menores, sendo a Rússia o maior deles.
Como se sabe, é sempre o vencedor de uma guerra que conta e conduz os fatos da história, e com os EUA sendo uma das maiores potenciais mundiais não só em poder bélico, mas também em Soft Power, é um dos principais condutores da visão ocidental e principal polarizador das informações.
A narrativa ocidental crê que a Rússia deve buscar uma maior cooperação com o Ocidente, buscando sua modernização e integração na globalização. A Rússia perdeu em si o seu papel de grande potência após o final da URSS e, como afirmado por Vladimir Putin, sua ideia de que a Ucrânia e a Rússia são o mesmo povo coloca em ameaça os EUA e seus interesses. Como afirmado por Joe Biden (presidente dos EUA), Vladimir Putin, presidente russo, tem ambições para além da Ucrânia e quer restabelecer a União Soviética, a Rússia é colocada em si como o vilão, criando uma guerra desproporcional entre dois lados não igualitários onde um teria muita mais força que o outro, a Ucrânia seria então a vítima, Putin é o agressor. Ele escolheu essa guerra. E agora vão enfrentar as consequências (Joe Biden, 2022).
Visão Russa sobre a crise diplomática
A Rússia já foi uma grande potência mundial podendo disputar o poderio militar com a maior potência mundial atual, os EUA, na Guerra fria, porém após a queda da URSS que levou ao final a Guerra Fria, a Rússia tem perdido sua influência. No período da guerra fria em 1949 em um contexto de bipolaridade e guerra ideológica foi criada a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), com o intuito de garantir a segurança dos seus países membros e conter a expansão do socialismo na Europa ocidental e aumentar a influência capitalista.
Os países membros da OTAN fornecem parte do contingente militar em apoio ao outro, ou seja, qualquer ataque armado contra os países que fazem parte da aliança seria um ataque aos demais integrantes. Esta organização se iniciou com apenas 12 países, que eram a Bélgica, França, Noruega, Canadá, Islândia, Países Baixos, Dinamarca, Portugal, Itália, Estados Unidos, Luxemburgo e Reino Unido. No entanto, mesmo após a dissolução da URSS, a OTAN continuou a existir, porém com outros intuitos a fim de atender a interesses políticos de seus países membros.
A OTAN quando criada representava uma ameaça a Rússia, e após a dissolução da URSS deveria então não mais apresentar, mas não foi isto que ocorreu. Países que fazem fronteira com a Rússia passaram a aderir a OTAN; Polônia, Romênia, Estônia, Lituânia etc, e atualmente são cerca de 30 países que compõe a OTAN, tornando-se uma ameaça para Rússia no momento em que as grandes potências que fazem parte da OTAN podem montar bases militares em seus países membros. Sendo os EUA um desses países, a Rússia se sentiu ameaça, já que havia negociações para a então Ucrânia também fazer parte desses países que compõe a OTAN e visto que a relação entre a Rússia e o EUA não são pacíficas devido aos seus conflitos históricos anteriormente, a Rússia se viu impelida a agir.
Com este sendo um dos argumentos para uma guerra pelo lado da Rússia, a outra narrativa usada por eles, principalmente pelo presidente russo, é que os Russos estão apenas executando uma missão de desmilitarização e desnazificação com o intuito de proteger o seu povo das ameaças militares neonazista da Ucrânia.
Na Ucrânia existem grupos de extrema direita que estão envolvidos na luta contra os separatistas russos e tais grupos estão envolvidos com genocídios na região de Donbass. A sua influência é tão grande que estes grupos acabam por influenciar as forças armadas, ministérios e parlamentos. Houve sim uma tentativa de tentar conter estes grupos pelo governo da Ucrânia, mas ela não tem se mostrado eficaz. Este discurso do atual presidente Putin tem como intuito mobilizar o povo russo a sua causa. No entanto, tais tentativas não estão se mostrando tão eficazes, já que em 27/02/2022 a polícia Rússia prende mais de 5.500 pessoas pelo protesto contra a guerra e a favor da paz.
Como retalia, Putin passou a censurar a imprensa com sanções até mesmo decretando prisão. Como retalia, vários jornais Russo falaram que não vão mais cobrir a guerra o que acaba deixando o povo russo sem informações e à mercê de qualquer narrativa a ales apresentada sem a análise de todos os lados da história.
Porém, no mundo da globalização em que as informações ganham um grande público e as notícias são difundidas principalmente pelos meios de comunicação, a narrativa que vem ganhando uma maior força é a da Ucrânia, onde o presidente utiliza as redes sociais para mobilizar o povo e transmitir informações da situação de calamidade que a Ucrânia se encontra atualmente, ele que está contando a história e criando a narrativa mais popular. Não é só mais a Ucrânia x Rússia, e sim diversos países que se comoveram com a situação deste país e contribuem da forma que podem, sem intervenções militares e sim com boicotes a Rússia, uma estratégia em si ocidental de criar um sentimento anti-Putin na Rússia.
Mesmo com todo esse esforço da Ucrânia e do ocidente de controlar as narrativas, a estratégia de Putin de deixar os russos fragilizados quanto a informação sendo os mesmos facilmente manipulados tem se provado eficaz visto que desde sua invasão na Ucrânia o número de apoiadores ao governo de Putin subiu para 83%.
Intervenção Internacional no Conflito
No que concerne a atuação da Sociedade Internacional mediante ao conflito russo-ucraniano, deve-se, em primeiro momento, ter em mente que tal intervenção não pode ser resumida apenas em conflito armado, haja vista que existem outras formas de intervenção no âmbito internacional.
Entretanto, antes de sustentar a afirmação supracitada, é de suma importância estabelecer as diferenças entre Comunidade Internacional e Sociedade Internacional, pois os dois conceitos carregam valor semântico distintos.
De acordo com Ferdinand Tönnies,
a comunidade seria uma forma de união baseada no afeto e na emoção dos membros, capaz de criar um vínculo natural e espontâneo (essencial) entre eles; a sociedade, por sua vez, corresponderia ao produto da vontade racional ou instrumental dos associados, nascida de uma decisão voluntária dos mesmos. (apud MAZZUOLI, 2015, p. 63).
Nesse sentido, entende-se que as relações do Direito Internacional Público estão mais bem relacionadas com o conceito de Sociedade Internacional, já que tais vínculos são mais instrumentais do que emotivos. Se fosse uma comunidade internacional, qualquer país interviria em conflitos sem querer nenhuma vantagem em troca, o que não é o que acontece tendo-se em vista o que aponta Tönnies.
Voltando-se o enfoque para o que foi exposto anteriormente, percebe-se que a atuação internacional para mediar o conflito não foi baseado em intervenção armamentista, afinal, para executar tal ação, seria necessário a aprovação do Conselho de Segurança da ONU.
Este órgão internacional tem como uma de suas funções a manutenção da paz e segurança internacional. Tendo em vista que a Rússia tem o poder de veto dentro deste conselho, seria impossível que houvesse intervenção armada dos demais países para cessar o conflito russo-ucraniano.
Concomitante à afirmação exposta acima, tem-se o argumento do especialista em Nações Unidas do grupo de reflexão International Crisis Group, Richard Gowan:
O Conselho de Segurança nunca resolveria essa crise, isso se deve ao poder de veto da Rússia, além do simples fato de que o presidente Putin não se importa com a opinião internacional ou a diplomacia...
Contudo, mesmo que a intervenção armada não fosse possível, a sociedade internacional ainda tem recursos que podem se materializar em consequências mais coercitivas e pacíficas do que uma guerra propriamente dita.
Tais recursos são, principalmente, o Hard Power e o Soft Power. Os dois conceitos têm basicamente o mesmo fim poder de convencimento, persuasão e interferência para se fazer com que o outro acate aos seus desejos -, mas intermediados por ações diferentes brandas ou severas. O cientista político Joseph Nye é um dos grandes intelectuais que conceitua estes dois tipos de poder.
O Soft Power pauta-se em instrumentos mais brandos de intervenção em relações diplomáticas, como o uso da cultura, negócios e educação.
Em contrapartida, o Hard Power pressupõe uma atuação com o intermédio de mecanismos mais severos, como as sanções econômicas, poder econômico e extensão territorial.
Portanto, percebe-se que a atuação internacional para a busca de solucionar o conflito não se baseia na atuação direta e armamentista, mas sim no uso de soft e hard power, bem como o envio de equipamentos e suprimentos para os combatentes, sobretudo ucranianos, tendo em vista que o mundo ocidental considera a Ucrânia puramente como vítima do conflito, interpretando a Rússia como sendo unicamente má. Ou seja, de maneira sintetizada, tem-se uma interpretação maniqueísta do conflito.
Violação da Integridade Territorial
Antes de discorrer a respeito do princípio da não violação da integridade territorial, é necessário compreender o conceito de soberania segundo Napoleão Miranda, o qual a estabelece como sendo
o poder de mando em última instância numa sociedade política; ela pretende ser a racionalização jurídica do poder, no sentido de transformação da força, ou capacidade de coerção, em poder legítimo, (isto é) do poder de fato em poder de direito. (MIRANDA, 2004).
Nesse sentido, a soberania territorial concerne o poder jurídico e legítimo que cada Estado tem em relação ao seu território, de modo que qualquer intervenção não legitimada de outro Estado em relação ao território do outro se caracterize como uma violação do territorial sobre o qual um país tem soberania.
Um dos motivos para que a Rússia invadisse a Ucrânia é porque esta estava cada vez mais perto de fazer parte da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAM). No momento em que a Ucrânia aceitasse participar desta aliança militar, a Rússia estaria ameaçada, porque teria como vizinho um país que serviria de armazém de armas e tropas sobretudo dos Estados Unidos da América, que é o país mais influente da OTAM.
A invasão russa não só violou o princípio da integridade territorial ucraniana, mas também resultou na morte de quase 2000 civis ucranianos e cerca de 2600 feridos desde 24 de fevereiro de 2022 até 13 de abril do mesmo ano, afirma a Organização das Nações Unidas (ONU). Outrossim, segundo dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), apenas 50 dias de conflito foram suficientes para ocasionar no refúgio de 4,7 milhões de ucranianos - sendo 90% apenas de mulheres e crianças , principalmente para a Polônia, Moldávia e Romênia.
Referências
Guerra na Ucrânia deixa mais de 4,7 milhões de refugiados em 50 dias. Uol Notícias, 2022. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/afp/2022/04/14/guerra-na-ucrania-deixa-mais-de-47-milhoes-de-refugiados-em-50-dias.htm. Acesso em: 14 de abril de 2022.
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 9ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.
MIRANDA, Napoleão. Globalização, Soberania Nacional e Direito Internacional. Revista CEJ, Brasília, n. 27, p. 86-94, out./dez. 2004.
OLIVEIRA, Ingrid. Pelo menos 1.932 civis morreram desde o início da guerra na Ucrânia, diz ONU. CNN Brasil. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/pelo-menos-1-932-civis-morreram-desde-o-inicio-da-guerra-na-ucrania-diz-onu/. Acesso em: 13 de abril de 2022.
Os limites da ONU para impedir uma invasão como a da Rússia. Uol Notícias, 2022. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/afp/2022/02/24/os-limites-da-onu-para-impedir-uma-invasao-como-a-da-russia.htm?cmpid=copiaecola. Acesso em: 09 de abril 2022.
https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/guerra-entre-russia-e-ucrania-e-marcada-por-assimetria-militar-entre-os-paises/
https://www.nationalgeographicbrasil.com/historia/2022/02/russia-e-ucrania-a-complicada-historia-que-conecta-e-divide-os-dois-paises
https://super.abril.com.br/comportamento/por-que-sempre-torcemos-pelo-time-mais-fraco/
https://www.poder360.com.br/europa-em-guerra/putin-quer-restabelecer-a-uniao-sovietica-diz-biden/
https://www.politize.com.br/guerra-fria/
https://brasilescola.uol.com.br/historiag/guerra-fria.htm
https://www.infoescola.com/geografia/otan/
https://brasilescola.uol.com.br/geografia/a-importancia-estrategica-crimeia.htm
https://www.infoescola.com/historia/holodomor/
https://mundoeducacao.uol.com.br/historiageral/holodomor.htm