3) VEDAÇÕES AOS MAGISTRADOS
"Art.95. (...)
Parágrafo único. Aos juízes é vedado: 06
(...)
IV – receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei;
V – exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração."
Em relação ao anterior texto parágrafo único do artigo 95 da Constituição Federal, a EC 45/2004 acrescentou duas novas vedações dirigidas aos juízes.
A primeira delas resulta num desdobramento ampliativo do já contido no inciso II ("receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo") para alcançar, também, outros auxílios ou contribuições de pessoas físicas ou jurídicas, embora ressalvando exceções que deverão ser previstas em lei (provavelmente no próprio Estatuto da Magistratura, embora o indicativo constitucional não tenha exigido norma de tal envergadura, a partir das premissas descritas no caput do artigo 93). Na verdade, o que pretendeu impedir a Constituição é o "patrocínio" dissimulado, mediante contribuição ou auxílio, descaracterizado de exercício de atividade não-vedada, sobretudo no caso de consultoria jurídica dissimulada.
Não se vislumbra, com isso, o impedimento ao apoio à atividade de magistério admitida pela própria Constituição, nem mesmo o percebimento por produção literária, desde que para isso não haja o apoio ostensivo ou dissimulado de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, dissociadas do fim da atividade empreendida.
Sendo claro: o juiz pode perceber por palestras decorrentes da atividade de magistério ou pela produção literária, mas a contribuição ou auxílio, como patrocínio dissimulado, resta vedada por descaracterizar a finalidade do apoio, e ainda por estabelecer um indevido vínculo de interesses entre o magistrado e seu financiador. Essa, frise-se, é a figura proibida no pólo ativo do pagamento; vedado o financiador, veda-se o auxílio ou contribuição com tal característica, impede-se, pretende a Constituição, o vício.
Com relação à segunda vedação ora inscrita na Carta Política vigente, a denominada "quarentena" para advogar, cabe perceber que a norma aprovada difere de muitas das propostas que circularam no Congresso Nacional com finalidade similar.
Discutiu-se muito o tempo de afastamento obrigatório antes do exercício da Advocacia e a abrangência, se a envolver a jurisdição ou apenas o Juízo ou Tribunal de que afastado o magistrado.
A leitura do texto aprovado, contudo, notadamente quando se confronta com aqueles propostos e que não vingaram, deixa margem a dúvidas, notadamente no caso de juízes oriundos de Comarcas com vários Juízos ou no caso de integrantes de Tribunais.
A AMB – Associação dos Magistrados Brasileiros, por exemplo, defendeu dispositivo que asseverava que "O magistrado aposentado não poderá exercer o procuratório judicial na mesma unidade federativa em que atuava, antes de decorridos dois anos de sua aposentadoria", diferindo, pois, a vedação ampla do exercício de advocacia (que envolve tanto a consultoria como a procuradoria jurídica) para a mera prática de atividade direta no foro, propunha prazo menor de quarentena, ao instante em que, doutro lado, ampliava a vedação do exercício, naquele período, para toda a unidade federativa em que atuava, e não apenas, como agora, apenas para o Juízo ou Tribunal em que por último exercera a atividade jurisdicional.
Note-se: o dispositivo aprovado e inserido na Constituição é claro: a vedação de exercício é apenas perante o Juízo ou Tribunal de que se afastou o magistrado por aposentadoria ou exoneração.
Por isso, nas Comarcas com diversos Juízos, o impedimento é da atividade apenas naquela Vara ou Juizado onde por último funcionou, e não nos demais. Com relação aos integrantes dos Tribunais, o impedimento é da atividade na Corte apenas, e não nos órgãos à mesma vinculados, como os Juízos e Juizados, ou mesmo perante outros Tribunais inferiores, quando o impedimento aplicar-se a Ministro aposentado de Tribunal Superior ou do Supremo Tribunal Federal.
O direcionamento da norma, pois, de impedir a influência no exercício da atividade advocatícia posterior ao desligamento da Magistratura, mostrar-se-á pouco eficiente já que deveras restrito, e praticamente apenas poderá alcançar aqueles juízes que se aposentam ou exoneram-se nas Comarcas de Juízo único, vez que impedidos estarão de exercer a advocacia na localidade, pelos três anos seguintes.
Como impedir, contudo, que o trânsito pelos corredores dos Fóruns e Tribunais não resulte em influência, se o agora advogado fora antes juiz do Juízo diverso onde detenha causa em tramitação ou no Tribunal em que por vezes possa ter funcionado como Convocado ou, mesmo, numa situação inversa, em que tenha tido jurisdição como integrante de Tribunal Superior ou do STF?
A resposta não existirá.
O impedimento legal, pois, acabou por se caracterizar em quebra da isonomia, já que um magistrado que tenha por último funcionado em Juízo único terá seu impedimento consagrado por toda aquela Comarca, enquanto outro, apenas porque já estabelecida outra Vara ou Juizado, poderá advogar na localidade onde detinha função jurisdicional, já que seu impedimento se restringirá a funcionar no mesmo Juizado ou Vara em que tenha por último funcionado. Para um, o exílio, talvez, do local de sua residência, tendo que advogar, nos três anos seguintes, em Comarcas diversas; para o outro, a persistência de tudo como antes, vedado apenas funcionar na mesma Vara ou Juizado em que tenha por último exercido sua atividade jurisdicional.
Mas não é só.
Outro problema se verifica quando o afastamento se dá por exoneração. Como fica aquele juiz que, não vislumbrando vocação para o exercício da atividade jurisdicional, prefere abdicar, exonerar-se do cargo, para envolver-se na disputa forense própria da advocacia? Resta punido porque, um dia, preferiu envolver-se com a Magistratura? Por vezes, sem nem conseguir o tempo necessário para que se possa caracterizar alguma capacidade de influência, ficará impedido de exercer a advocacia no Juízo ou Tribunal de que se tenha afastado. O resultado, novamente, será o exílio provável, ou a dificuldade de restabelecer condições para sustento, notadamente entre os magistrados mais novos e mais suscetíveis de decepcionarem-se com os rigores exigidos para o exercício do cargo.
Melhor seria, pois, que a vedação fosse, como no caso de certos cargos administrativos (e o exemplo mais claro é o do exercício de atividade de diretoria do Banco Central do Brasil), que a vedação fosse por tempo certo, a partir do desligamento, em qualquer lugar; a vedação estaria limitada, então, a "exercer a advocacia antes de decorrido um ano do afastamento do cargo por aposentadoria", não sendo necessária qualquer implemento remuneratório porque já percebedor dos proventos.
No entanto, a opção do constituinte derivado, como posta, resultará apenas nisso: seja o afastamento por aposentadoria ou por exoneração, nos três anos seguintes: o Ministro do Supremo Tribunal Federal não poderá exercer a advocacia apenas perante o próprio STF; o Ministro de Tribunal Superior, apenas perante a respectiva Corte Superior; o Desembargador, apenas perante o respectivo Tribunal Regional ou Tribunal de Justiça; o Juiz de primeiro grau, apenas perante o respectivo Juizado ou perante a Vara em que tenha por último funcionado. E nada mais.
Se alguma influência puder ser exercida, assim continuará, noutro Tribunal ou no Juízo que funcione ao lado... Mas assim reza a norma constitucional inscrita, apenas assim deve ser entendida a vedação estabelecida.
4) ADMINISTRAÇÃO FINANCEIRA
"Art. 98. (...)
§ 1º (...)
§ 2ºAs custas e emolumentos serão destinados exclusivamente ao custeio dos serviços afetos às atividades específicas da Justiça."
"Art. 99. (...)
§ 1º (...)
§ 2º (...)
§ 3º Se os órgãos referidos no § 2º não encaminharem as respectivas propostas orçamentárias dentro do prazo estabelecido na lei de diretrizes orçamentárias, o Poder Executivo considerará, para fins de consolidação da proposta orçamentária anual, os valores aprovados na lei orçamentária vigente, ajustados de acordo com os limites estipulados na forma do § 1º deste artigo.
§ 4º Se as propostas orçamentárias de que trata este artigo forem encaminhadas em desacordo com os limites estipulados na forma do § 1º, o Poder Executivo procederá aos ajustes necessários para fins de consolidação da proposta orçamentária anual.
§ 5º Durante a execução orçamentária do exercício, não poderá haver a realização de despesas ou a assunção de obrigações que extrapolem os limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, exceto se previamente autorizadas, mediante a abertura de créditos suplementares ou especiais." (NR)
Novamente, o legislador constituinte cometeu um deslize técnico ao inserir o parágrafo 2º do artigo 98, por diversidade temática, quando muito mais próprio seria que se traduzisse como parágrafo do artigo 99 seguinte, que exatamente dispõe sobre a gestão administrativa e financeira do Poder Judiciário.
Afora esse particular, contudo, emerge importantíssima a inovação contida no artigo 98, § 2º, da Constituição, eis que enuncia como recurso orçamentário do Poder Judiciário os valores alusivos a custas e emolumentos recolhidos de processos judiciais.
Com efeito, os valores recolhidos em retribuição à movimentação da máquina judiciária acabavam no caixa único do Tesouro, impedindo que se pudesse usar os recursos financeiros em prol da modernização administrativa.
Doravante, contudo, a receita orçamentária implementada ao longo do exercício financeiro permitirá, como crédito suplementar, estabelecer metas administrativas mais seguras e nem sempre admitidas pelo percebimento em parcelas encaminhadas pelo Tesouro (os denominados duodécimos orçamentários), ao instante em que deverá estabelecer, para o juiz, também a prática de melhor examinar as condições para eventual dispensa de recolhimento daqueles que sejam efetivamente hipossuficientes, desprezando meras declarações de pobreza que se mostrem contrárias a outras evidências de ganhos remuneratórios da parte que postula o benefício da gratuidade judiciária.
Quanto às inovações contidas no artigo 99 constitucional, o parágrafo 3º veio estabelecer o efeito para a falta de oportuno encaminhamento da proposta orçamentária pelo Poder Judiciário. Agora, ausente a proposta, poderá o Poder Executivo, baseado no orçamento vigente, estabelecer os mesmos valores para o exercício financeiro seguinte, limitado apenas pelo que dispuser a lei de diretrizes orçamentárias. Com isso, deverão os Presidentes dos Tribunais responsáveis pelo encaminhamento da proposta orçamentária diligenciar e zelar pela adequada formulação orçamentária, não apenas quanto ao modo e valores, como agora também ao tempo de remessa ao Poder Executivo, incumbido da consolidação e remessa final ao exame do Poder Legislativo.
Também nessa linha, e por isso agora a exigência de maior cuidado na formulação da proposta orçamentária, poderá o Poder Executivo, segundo o parágrafo 4º do artigo 99 da Constituição, desde logo adequar a proposta judiciária aos limites da lei de diretrizes orçamentárias, sem mais a necessidade de devolução da proposta para adequação, casos em que conflitos se estabeleciam enquanto o ajuste não se definia.
Contudo, ao instante em que pretendeu dinamizar a formulação orçamentária para exame oportuno pelo Poder Legislativo, a inovação constitucional estabeleceu um outro problema: e se o Poder Executivo, vislumbrando equivoco na observância do limite orçamentário, adequar a proposta vinda do Poder Judiciário, sem, em verdade, reparar o vício? Poderá o Poder Judiciário insistir perante o Poder Legislativo com a proposta anterior, ou este readequar a proposta aos valores originalmente encaminhados pelos Tribunais competentes?
Estaria, nesse aspecto, uma afronta ao princípio da separação dos Poderes, e assim afrontaria a Emenda Constitucional, nesse aspecto, o artigo 60, § 4º, III, da Constituição?
Penso que a resposta à indagação de possível afronta a cláusula pétrea constitucional pela Emenda da Reforma do Judiciário depende do modo como se responda as anteriores questões, e ainda caminha pelo exame dos critérios de aprovação do Orçamento.
Ora, toda a disciplina orçamentária vem descrita nos artigos 165 a 169 da Constituição Federal, situando-se num plano comum a todos os Poderes do Estado e ainda àquel’outros assim não qualificados, embora equiparados, como o Ministério Público.
A Constituição estabeleceu, desde sempre, que ao Poder Executivo competiria o encaminhamento da lei de diretrizes orçamentárias e do próprio orçamento anual, cumprindo-lhe consolidar as propostas para o devido exame parlamentar, inclusive referente aos demais Poderes (artigo 165, I e II, e § 5º, I). Doutro lado, reservou ao Poder Legislativo a premissa de exame e depuração final da proposta orçamentária, inclusive admitindo, sobre certas regras financeiras, a apresentação de emendas e assim a alteração da proposta inicial encaminhada pelo Poder Executivo (artigo 166 e §§). Ao Poder Judiciário, a participação na formulação orçamentária restou restrita à indicação das verbas de seu interesse, mas como não há, no artigo 165 e seguintes qualquer ressalva ao contido no artigo 99, resulta que a autonomia financeira do Poder Judiciário é na indicação dos recursos necessários e na gestão daqueles aprovados, mas não na formulação de proposta autônoma, dissociada dos demais Poderes estatais, inclusive porque, repita-se, reservou a Constituição a iniciativa ao Poder Executivo e a deliberação ao Poder Legislativo.
Por isso, não há quebra da separação de Poderes quando a própria Constituição não entregara, ao Poder Judiciário, a atividade de encaminhamento da proposta orçamentária nem de deliberação acerca dos recursos financeiros disponíveis ou necessários, mas tão-somente a gestão daqueles aprovados no Orçamento que lhe é peculiar, parte integrante do Orçamento da União ou dos Estados, conforme o caso.
Inexiste, pois, qualquer afronta da Emenda ao contido no artigo 60, § 4º, da Constituição Federal.
No concernente às indagações remanescentes, ao distanciar-se o Poder Executivo das prerrogativas que lhe são próprias, passando de consolidador da proposta orçamentária a criador de diretrizes ou de normas orçamentárias para o Poder Judiciário, a afronta de tal ato será ao artigo 99, caput, da Constituição, e poderão sempre os Tribunais provocar a afronta perante o próprio Poder Judiciário para a preservação de sua autonomia administrativa e financeira assim aviltada.
Isso, logicamente, sem prejuízo do trabalho junto aos parlamentares para a readequação orçamentária, já que o Poder Legislativo é a casa competente para a deliberação final acerca do Orçamento, podendo, por emendas, corrigir os vícios dos atos do Poder Executivo.
De todo modo, a norma veio, sem dúvida, a partir de ocorrências lamentáveis em que as estruturas administrativas de certos Tribunais pareciam desconhecer as normas financeiras para elaboração de proposta orçamentária, tumultuando, por vezes, os procedimentos para o encaminhamento da lei de diretrizes ou do orçamento anual pelo Poder Executivo ao Poder Legislativo.
Agora, muito provavelmente os Tribunais aprimorarão suas assessorias financeiras e orçamentárias, estabelecendo corpo de servidores especializados em planejamento e orçamento, de modo a participar o Poder Judiciário da formulação da lei de diretrizes orçamentárias e assim permitir a devida adequação do orçamento anual às suas necessidades, enunciando, como assevera o artigo 99 da Constituição, toda a capacidade de administração financeira própria da autonomia e do autogoverno que lhe fora confiado pelo constituinte.