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Crime de maus-tratos aos animais e a Lei nº 14.064/2020

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Agenda 02/06/2022 às 13:34

7. CASO SANSÃO

Sansão é um cão da raça pitbull que teve as suas patas traseiras dilaceradas por um vizinho, pois pulou o muro e brigou com o cão do agressor. Consequentemente o algoz dilacerou as patas de Sansão com uma foice e para executar a violência, amordaçou o cão com arame farpado.

A história do pitbull teve forte repercussão nas redes sociais após a publicação de seu tutor em seu perfil no aplicativo Instagram relatando o ocorrido, e mostrando o estado em que localizou o animal.

Posteriormente procriou-se diversas manifestações a favor de normas mais rígidas contra atos impiedosos a animais e inspirou a criação da lei contra os maus-tratos, em especial quando tratar-se de cães e gatos.

Vale memorar que não foi a primeira vez que o agressor do crime praticou esse tipo de barbaridade. Precedentemente, Zeus, genitor de Sansão, teve a sua coluna partida ao meio com ataque desferido por facão e infelizmente não resistiu aos ferimentos e veio a óbito.

Além das barbáries cometidas contra Zeus e Sansão, houve maus-tratos a outros 12 (doze) animais. As vítimas são 03 (três) cães, 03 (três) gatos e 06 (seis) galinhas, uma delas, inclusive, não resistiu.

Embora tenha sido possível substituir apenas uma das duas patas de Sansão, uma vez que tais foram amputadas em áreas distintivas, o cão tem feito progresso.

Atualmente, Sansão recupera-se bem e retornou a andar com o auxílio de uma prótese que foi doada pela organização não governamental (ONG) Patas para Você. O artefato foi criado sob medida em Denver, no Colorado, Estados Unidos.

Vale ressaltar que no dia 28 de setembro do vigente ano, Sansão submeteu-se a mais uma intervenção cirúrgica em decorrência de um dos membros decepados, pois uma ponta de osso que crescia a cada dia o feria constantemente, causando fortes dores. A cirurgia foi um sucesso o guerreiro encontra-se em plena recuperação.


8. A LEI SANSÃO

A Lei Sansão atende o clamor da sociedade que a longo prazo se revolta com o sofrimento de animais, que assim como o Sansão, foram e são submetidos a sessões de crueldade, seja nas ruas e até mesmo em lares que deviam protegê-los.

É oriunda do projeto de lei n.º 1.095/2019, originado do Deputado Fred Costa. Vale memorar que a inciativa se deu quando ocorreu o brutal assassinato da cadela vira-lata alcunhada Manchinha nas imediações de uma loja Carrefour situada em Osasco/SP.

Insurgente com este caso ocorrido no ano de 2018, o Deputado propôs o supramencionado projeto de lei para alterar o art. 32 da Lei de Crimes Ambientais com o escopo de aumentar a pena preconizada no exposto artigo.

Nesse ínterim, a tramitação do projeto de lei sofreu uma emenda no sentido de que o aumento de pena fosse aplicável meramente quando a vítima fosse cão ou gato.

De outro lado, a emenda aumentou a pena para reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, multa e proibição da guarda.

No decurso da tramitação do projeto de lei também ocorreu a agressão brutal contra o cão Sansão e que igualmente causou comoção nacional. O horrendo fato acabou exercendo grande pressão para a aprovação e sanção do projeto de lei.

Venturosamente em 29 de setembro de 2020, o Presidente da República sancionou a Lei n.º 14.064 para aumentar as penas cominadas ao crime de maus-tratos quando tratar-se de cão e gato.

A referida lei alterou a Lei de Crimes Ambientais para acrescentar um parágrafo ao artigo 32. O predito parágrafo trouxe um tipo qualificado, alterando as penas mínima e máxima do tipo fundamental que sucederam a ser de 2 (dois) e 5 (cinco) anos, respectivamente, com multa e proibição de guarda.

A alteração estabelece uma proteção discernida para cães e gatos, em detrimento dos demais animais. Tanto a pena mais gravosa como a proibição de guarda são aplicáveis meramente quando cães ou gatos forem agredidos. Para os demais animais nada modificou.

A necessidade de criar-se um item exclusivo para cães e gatos é em razão de que estes são os animais domésticos mais comuns e principais vítimas deste tipo de crime.

Entendeu o legislador que ambos os animais por serem pacíficos e residirem continuadamente com o ser humano, são os que mais padecem com os maus-tratos.

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Não obstante, os demais animais não deixaram de receber proteção legal, embora as penas previstas sejam de menor potencial ofensivo.

Exemplifica o delegado de polícia do Estado de São Paulo Mauro Argachoff:

A título de exemplo tratemos de uma situação hipotética de dosimetria de pena, onde um cachorro e um cavalo sofram mutilação. O autor do crime contra o cão estará sujeito, devido à alteração legislativa, a pena variando entre dois a cinco anos de reclusão, multa e perda da guarda do animal, se a tiver. Já com relação ao agressor do cavalo a legislação é bem mais benevolente, sujeitando-o a uma pena de detenção de três meses a um ano e multa.

Segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), presentemente os lares brasileiros possuem mais cães e gatos, do que crianças, e como consequência disto, lastimosamente, muitas vezes, os animais vem sofrendo maus-tratos.

Por serem animais de estimação subordinados aos seus possuidores, são os mais sacrificados por situações de abandono, sendo deixados sem proteção e rejeitados como se não fossem importantes. Vale ressaltar que abandonar animais de estimação também é um ato cruel.

Com a novel redação já em vigor, quando o crime for contra cães e gatos este não será crime de menor potencial ofensivo.

Doravante, admite-se a prisão em flagrante do agressor, sem aplicabilidade de fiança, não cabendo mais a aplicação dos institutos da transação e da suspensão condicional do processo.

Outra novidade é que constitui antecedente criminal e pode ocasionar a prisão do condenado desde que não seja caso de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

Preconiza o artigo 32, da Lei n.º 9.605:

Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:

§ 1º-A. Quando se tratar de cão ou gato, a pena para as condutas descritas no caput deste artigo será de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, multa e proibição da guarda. (Incluído pela Lei n.º 14.064, de 2020).

Insta salientar que quanto aos animais domésticos, domesticados, nativos e exóticos, são estes:

Animais domésticos são os que vivem normalmente com o homem, do qual inclusive dependem. Exemplifique-se: cachorros e gatos, porcos, bois etc. E, animais domesticados são os que vivem em estado selvagem mas vêm a adaptar-se à vida em companhia dos seres humanos. Animais nativos são os originários do meio ambiente brasileiro e, animais exóticos são os oriundos de lugar diverso àquele em que se localiza, in casu, externamente ao território brasileiro (PRADO, 2019).

Cabe ressaltar que a penalidade de proibição da guarda foi examinada, concluindo-se que se refere não meramente à guarda do animal especificamente maltratado, mas à de qualquer outro animal.

Tal proibição por ordem judicial deverá ser cumprida pelo infrator e caso seja descumprida configurará crime contra a administração da justiça de desobediência a decisão judicial sobre perda ou suspensão de direito. A inobservância da ordem judicial de proibição da guarda configurará novo ilícito.

Tendo em vista que a pena máxima cominada pela Lei Sansão é superior a 2 (dois) anos, o crime de maus-tratos não poderá ser arbitrado pelo Juizado Especial Criminal, mas sim, por vara criminal (ou especializada, se aplicável) da primeira instância da Justiça Estadual, nos moldes do artigo 61 da Lei n.º 9.099 de 1995.

O objeto precípuo da lei foi apartar os maus-tratos contra cães e gatos do sistema dos Juizados Especiais Criminais, o qual é norteado pela simplicidade, conciliação e informalidade, para que os autores desses crimes não tenham acesso a benesses como a transação penal e a composição civil dos danos, pois tal conduta deixa de ser considerada crime de menor potencial ofensivo, além de evitar a aplicação da suspensão condicional do processo, a qual pode ser aplicada a crimes de médio potencial ofensivo, todavia, exigindo que a pena mínima atribuída ao tipo seja de um ano.

Vale frisar que o fato do aludido crime deixar de ser considerado de menor potencial ofensivo, propicia a polícia a chegar mais rápido à ocorrência.

Logo, o agressor será investigado e não mais absolvido após a assinatura do termo circunstanciado, como ocorria precedentemente.

Presentemente, aquele que maltratar cães e gatos passará a ter registro de antecedente criminal e, havendo flagrante, o agressor será levado a prisão. Há, ainda, agravante de um sexto a um terço da pena se o crime ocasionar o óbito do animal.

Destaca-se que não poderá ser lavrado o Termo Circunstanciado de Ocorrência (TOC) para o assentamento do fato típico relativo ao preconizado na Lei Sansão. Não poderá ser aplicada a regra de que a prisão em flagrante e imposição de fiança apenas possam ocorrer caso o agente do crime se denegue a acatar o seu compromisso de comparecer ao Juizado Especial Criminal em horário e dia deliberados, sendo assentida a prisão em flagrante do agente nos termos do Código Penal Brasileiro.

Cumpre ressaltar que os animais habitando em locais inadequados e fartos de sujeira, acorrentados ou encarcerados em espaços muito pequenos sem comida e água, machucados ou dilacerados também são alguns exemplos de maus-tratos que se enquadram na Lei. A legislação abrange animais domésticos ou domesticados, silvestres, exóticos ou nativos.

Além da violência contra os animais, existem outras ações que podem ser classificadas como maus-tratos. São elas: abandono; agressões físicas, como: espancamento, mutilação, envenenamento; manter o animal preso a correntes ou cordas; manter o animal em locais não-arejados – sem ventilação ou entrada de luz; manter o animal trancado em locais pequenos e sem o menor cuidado com a higiene; manter o animal desprotegido contra o sol, chuva ou frio; não alimentar o animal de forma adequada e diariamente; não levar o animal doente ou ferido a um veterinário; submeter o animal a tarefas exaustivas ou além de suas forças; utilizar animais em espetáculos que possam submetê-los a pânico ou estresse; capturar animais silvestres. (SALLES, 2014, p.1).


9. O ABANDONO DE ANIMAIS

Ao decidir ter um animal de estimação, a pessoa deve ter o discernimento de que se trata de uma relação para toda a existência do bicho.

Tarefas como e.g.; alimentar, zelar pela higiene e assegurar o bem-estar do animal estão entre os deveres de quem pretender ser tutor de um animal. A ausência dessa consciência, muita das vezes resulta em abandono, que é caracterizado maus-tratos.

O tamanho dos pets, bem como o tamanho da residência dos guardiões, impasses com barulho, problemas de cunho financeiros, são algumas das diversas justificativas pelo abandono.

Umas das formas mais usuais e cruéis abrande no abandono daqueles seres indefesos em locais ermos, reiteradamente amarrados, amordaçados e, por vezes, enterrados vivos.

Infelizmente o abandono de animais sempre existiu. Nos centros urbanos, nas rodovias bem como em estabelecimentos privados, por exemplo, é possível avistar diversos animais abandonados, sendo os vira-latas a esmagadora maioria.

Cumpre ressaltar que o abandono está contido na noção do que é maus-tratos sendo o ato de abandonar o animal quando ele está enfermo, ferido, dilacerado, idoso, lesado etc.

É importante destacar que o abandono de animais constitui crime ambiental perpetrado pelo seu protetor, pois este estaria abstendo-se de desempenhar a guarda responsável, assim transgredindo o art. 225 da CF e o art. 32 da Lei n.º 9.605/98 e, deste modo, infringindo a dignidade animal.

Insta salientar que em tempos de pandemia, diversas famílias abandonaram os seus animais de estimação por receio de que eles pudessem também ser transmissores do coronavírus.

Contudo, em estudo desenvolvido na Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), foi descartada tal possibilidade e apontado que os seres humanos sim, são capazes de transmitir o COVID-19 para os seus animais.

Logo, em caso de pessoas infectadas é recomendável o distanciamento não apenas de humanos, bem como também dos cães e gatos.

Além do sofrimento a que são sujeitados, os animais abandonados caracterizam para a saúde pública uma série de problemas, uma vez que podem transmitir doenças como a raiva (vírus mortal transmitido pela saliva de animais infectados), esporotricose (infecção por fungo), leishmaniose (infecção por parasitas) e leptospirose (doença bacteriana transmitida pela urina de animais).

Referente a repercussão ambiental, os animais que residem nas ruas são considerados fontes de proliferação de doenças por meio da eliminação de excreções, e quando estes vêm a óbito, as suas carcaças são constantemente abandonadas em locais inoportunos. Ademais, podem ser predadores de animais atinentes à fauna silvestre passíveis de extinção.

Posto isto, é considerado abandono não apenas o perpetrado na ordem material, qual seja a fome e/ou a falta de higiene; mas também emocional, caracterizado pela ausência de cuidado e atenção, posto que nessas situações enquadra-se nos maus-tratos tipificados ao teor do art. 32 da Lei n.º 9.605/1998.

A título de exemplo, vale memorar o ocorrido no Estado do Mato Grosso do Sul, quando uma pessoa foi condenada por ter abandonado o animal deixando-o sem alimentação bem como sem o devido tratamento veterinário do qual necessitava, restando assim caracterizado o tipo penal descrito no art. 32, caput, da Lei de Crimes Ambientais:

APELO DEFENSIVO – ARTIGO 32, CAPUT, DA LEI Nº 9.505/98 – PLEITO ABSOLUTÓRIO. AÇÃO QUE NÃO CARACTERIZA MAUS TRATOS. TESE INACOLHIDA. – RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. As provas dos autos demonstraram que o apelante mudou-se deixando em abandono animal que necessitava de tratamento veterinário, além de não suprir necessidades básicas de alimentação e higiene. Referida conduta amolda-se à conduta típica prevista no art. 32, caput da Lei 9.605/98. Ademais, apesar de revogado desde 1991 o Decreto-Lei nº 24.645, de julho de 1934, ainda serve de parâmetro para definir a caracterização de maus tratos aos animais e, a conduta aqui verificada amolda-se ao que prevê os incisos II e V, art. 3º, d DL em referência.

(TJ-MS – APR: 00032859820138120110 MS 0003285-98.2013.8.12.0110, Relator: Juiz José Eduardo Neder Meneghelli, Data de Julgamento: 08/07/2020, 1ª Câmara Criminal, Data de Publicação: 13/07/2020).

Sobre a autora
Rebecca Mara Oliveira da Hora

Rebecca da Hora é Bacharel em Direito. Especialista em Direito e Processo Penal. Especialista em Direito Penal. Especialista em Segurança Pública e Investigação Criminal.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Monografia apresentada ao Instituto Damásio de Direito IDD da Faculdade IBMEC SP, como exigência parcial para obtenção do título de Especialista em Direito Penal.

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