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Ponderação de interesses:

acesso ao emprego público x garantia de proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa consistente numa indenização

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Agenda 08/05/2007 às 00:00

6. A Relação Jurídica entre a Administração Pública e o empregado público

            6.1 Empregados públicos

            Empregos públicos são núcleos de encargos de trabalho permanentes a serem preenchidos por agentes contratados para desempenhá-los, sob relação trabalhista. De acordo com o art. 61, § 1º, II, "a", da CF/88, os empregos permanentes na Administração Direta ou em autarquia somente podem ser criados por Lei.

            Nas pessoas de Direito Público (União, Estados, Municípios, Distrito Federal, autarquias e fundações de Direito Público), há servidores titulares de cargos e ocupantes de empregos. Todavia, nas Pessoas Jurídicas de Direito Privado da Administração Indireta (empresas públicas e sociedades de economia mista e fundações governamentais de Direito Privado), existem tão-somente empregos públicos.

            O regime dos trabalhadores de sociedade de economia mista, de empresas públicas e de fundações de Direito Privado, instituídas pelo Poder Público, será necessariamente o da Consolidação das Leis do Trabalho, e jamais o estatutário (aplicável apenas aos ocupantes de cargos públicos). Com efeito, a CF/88 (art. 173, § 1º, II) possui expressa disposição estabelecendo o regime trabalhista para os servidores das entidades estatais que exploram atividades econômicas.

            Embora os empregados públicos sujeitem-se as normas previstas na CLT, sofrem influências advindas da natureza governamental da contratante.

            De fato, não obstante a relação entre o Poder Público e seus empregados ser contratual e basicamente regida pelas normas celetistas, está sujeita a disposições constitucionais que, por dizerem respeito a quaisquer servidores públicos, introduzem particularidades no regime trabalhista aplicável aos empregados do Poder Público.

            6.2 Derrogação das normas de Direito Privado às entidades da Administração Indireta

            Com relação aos servidores públicos das entidades da Administração Indireta, há várias normas constitucionais que dispõem sobre o assunto. O artigo 173, § 1º, II (na redação dada pela Emenda Constitucional nº 19/98), impõe a sujeição às normas trabalhistas aos empregados das empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços.

            Todavia, a própria Constituição, no capítulo concernente à Administração Pública (art. 37), derroga parcialmente a legislação trabalhista, ao dispor normas que se aplicam a todos os servidores da Administração Pública Direta ou Indireta, merecendo destaque: a exigência de concurso público para ingresso; proibição de acumulação de cargos, empregos e funções (com as exceções previstas na própria Constituição).

            Além disso, as entidades da Administração Indireta estão sujeitas à restrição do art. 169, § 1º (redação da Emenda Constitucional nº 19/98), segundo o qual, conforme Di Pietro (2006, p. 446):

            [...] a concessão de vantagem ou aumento de remuneração, a criação de cargos, empregos e funções ou alteração de estrutura de carreiras, bem como a admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, pelos órgãos da administração direta ou indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo poder público, só poderão ser feitas: I- se houver autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias, ressalvadas as empresas públicas e as sociedades de economia mista.

            De acordo com Di Pietro (2006: p. 417), quando o Estado cria uma Pessoa Jurídica Privada, ela aparece com praticamente todas as características indicadas para as Pessoas Públicas: elas são criadas e extintas pelo Poder Público; o seu fim principal não é o lucro; elas não podem afastar-se dos fins para os quais foram instituídas; elas sujeitam-se a controle positivo do Estado; e recebem, às vezes, algumas prerrogativas autoritárias. Então, segundo a autora, é compreensível que assim seja: se o Estado necessita de uma Pessoa Jurídica para exercer determinada atividade, ele a coloca no mundo jurídico e dele retira quando lhe pareça conveniente ao interesse coletivo. Ele verifica os fins que ela deve perseguir, sem os quais não se justificaria a sua existência. Para obrigá-la a cumprir seus fins, o Estado exerce sobre a Pessoa Jurídica o controle estabelecido em lei. E, ainda, para que ela atinja a esses fins, o Estado lhe outorga, na medida em que sejam necessários, determinados privilégios próprios do Poder Público.

            A Administração Pública ao instituir, com autorização da lei, empresas públicas, sociedades de economia mista ou fundações de direito privado, está se socorrendo de meios de atuação próprios do Direito Privado. Isso porque foi o regime jurídico de Direito Privado que levou o Poder Público a adotar esse tipo de entidade para poder atuar com maior liberdade do que a Administração Pública Direta.

            Entretanto, tais pessoas jurídicas de direito privado nunca se sujeitam inteiramente ao Direito Privado, pois o seu regime jurídico é híbrido, porque, sob muitos aspectos, elas se submetem à vontade do ente estatal, que as criou, para atingir determinado fim de interesse público.

            Sendo o interesse público indisponível e sempre predominante sobre o particular, a adoção pura e simples do regime jurídico privado seria inaceitável, porque retiraria das entidades da Administração Indireta determinadas prerrogativas que lhes são reconhecidas precisamente para permitir a consecução de seus fins; do mesmo modo que, ao lhes permitir atuar com autonomia de vontade, própria do Direito Privado, suprimir-se-iam as restrições legais que o Direito Público impõe e que constituem a garantia fundamental da moralidade administrativa e do respeito aos direitos dos administrados. As normas de Direito Público, que derrogam parcialmente o Direito Privado, têm por objetivo assegurar o equilíbrio entre a posição de supremacia da Administração e a liberdade de atuação que caracteriza as Pessoas Jurídicas de Direito Privado. Melhor dizendo, a Administração Pública confere às suas Pessoas Jurídicas Privadas os meios de atuação do Direito Privado, considerados mais adequados para a execução de determinadas atividades; mas, simultaneamente, as submete, em parte, ao regime administrativo, na medida considerada essencial para a consecução daqueles mesmos fins (DI PIETRO, 2006: p. 418-419).

            Assim, em todas as Pessoas de Direito Privado criadas pelo Estado existe a derrogação parcial do Direito Privado pelas normas de Direito Público.


7. Ponderação de Interesses entre o Acesso ao Emprego Público e a Proteção contra a Despedida Arbitrária ou Sem Justa Causa

            7.1 O novo Direito Constitucional

            O novo Direito Constitucional ou Neoconstitucionalismo desenvolveu-se na Europa, ao longo da segunda metade do século XX, e, no Brasil, após a Constituição de 1988. O ambiente filosófico em que ele floresceu foi o do pós-positivismo, tendo como principais mudanças de paradigma, no plano teórico, o reconhecimento de força normativa à Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e a elaboração das diferentes categorias da nova interpretação constitucional (BARROSO in SOUZA NETO; SARMENTO, 2007: p. 249).

            A constitucionalização do Direito importa em aplicação dos valores dispostos nos princípios e regras da Constituição por todo o sistema jurídico, especialmente pela via do controle constitucional das normas, em suas diversas formas (controle difuso e o controle concentrado) para conformar o seu sentido e o alcance.

            A constitucionalização, o aumento da demanda por justiça por parte da sociedade brasileira, a ascensão institucional do Poder Judiciário provocaram uma imensa judicialização das relações políticas e sociais. Tal fato potencializa a importância do debate, na teoria constitucional, acerca do equilíbrio que deve haver entre supremacia constitucional, interpretação judicial da Constituição e processo político majoritário. As circunstâncias brasileiras, na quadra atual, reforçam o papel do Supremo Tribunal Federal, inclusive em razão da crise de legitimidade por que passam o Legislativo e o Executivo, não apenas como fenômeno conjuntural, mas como crônica disfunção institucional (BARROSO in SOUZA NETO; SARMENTO, 2007: p. 249).

            7.2 A nova interpretação constitucional

            A nova interpretação constitucional está ligada ao desenvolvimento de novas fórmulas de realização da vontade da Constituição, sendo que não é desprezado o método tradicional de aplicação das regras jurídicas referente a subsunção dos fatos a norma, bem como dos métodos tradicionais da hermenêutica: gramatical, histórico, sistemático e teleológico. Pelo contrário, tais métodos continuam sendo importantes na busca da solução de casos concretos.

            Todavia, nem sempre suficientes. Mesmo no quadro da dogmática jurídica tradicional, já haviam sido sistematizados diversos princípios específicos de interpretações constitucionais aptos a superar as limitações das interpretações jurídicas convencionais, concebidas, sobretudo, em função da legislação infraconstitucional, e mais especialmente do Direito Civil (BARROSO, 2005: p. 81-82).

            Segundo Barroso (2005, p. 81-82), a grande virada na interpretação constitucional ocorreu a partir da difusão de uma constatação que, além de singela, sequer era original: não é verdadeira a crença de que as normas jurídicas em geral – e as constitucionais em particular – tragam sempre em si um sentido único e objetivo; caberia ao intérprete uma atividade de mera revelação do conteúdo preexistente na norma, sem desempenhar qualquer papel criativo na sua concretização.

            De fato, a técnica legislativa, ao longo do século XX, passou a utilizar, crescentemente, cláusulas abertas ou conceitos indeterminados, como dano moral, justa indenização, ordem pública, melhor interesse do menor, boa-fé. Por essa fórmula, o ordenamento jurídico passou a transferir parte da competência decisória do legislador para o intérprete. A Lei fornece parâmetros, mas somente à luz do caso concreto, dos elementos subjetivos e objetivos a ele relacionados, tal como apreendidos pelo aplicador do Direito, será possível a determinação da vontade legal. O juiz, portanto, passou a exercer uma função claramente integradora da norma e complementando-a com sua própria valoração (BARROSO, 2005: p. 82).

            A ascensão dos princípios sobreveio à seqüência histórica, cuja carga axiológica e dimensão ética conquistaram, finalmente, eficácia jurídica e aplicabilidade direta e imediata. Princípios e regras passaram a desfrutar do mesmo status de norma jurídica, sem embargo de serem distintos no conteúdo, na estrutura normativa e na aplicação (BARROSO, 2005: p. 82).

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            Para Barroso, de maneira geral, ‘regras’ são relatos objetivos, descritivos de determinadas condutas e aplicáveis a um conjunto delimitado de situações. Ocorrendo a hipótese prevista no seu relato, a regra deve incidir, pelo mecanismo tradicional da subsunção: enquadram-se os fatos na previsão abstrata e produz-se uma conclusão. A aplicação de uma regra se opera na modalidade tudo ou nada: ou ela regula a matéria em sua inteireza ou é descumprida. Na hipótese do conflito entre duas regras, só uma será válida e irá prevalecer (2005, p. 82).

            Já ‘princípios’, segundo Alexy in Souza Neto e Sarmento (2007, p. 295), são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas reais existentes. Por isso, são mandados de otimização, caracterizados pelo fato de que podem ser cumpridos em diferentes graus e que a medida de seu cumprimento não só depende das possibilidades reais, mas também das jurídicas. Barroso (2005, p. 84) acrescenta: em uma ordem democrática, princípios com freqüência entram em tensão dialética, apontando direções diversas, por concessões recíprocas. Sua aplicação, portanto, não será no esquema tudo ou nada, mas graduada à vista das circunstâncias representadas por outras normas ou por situações de fato.

            Princípios e direitos previstos na Constituição entram muitas vezes em linha de colisão, por abrigarem valores contrapostos e igualmente relevantes, por exemplo: livre iniciativa e proteção do consumidor; direito de propriedade e função social da propriedade; segurança pública e liberdades individuais; direitos da personalidade e liberdade de expressão. O que caracteriza esse tipo de situação jurídica é a ausência de uma solução em tese para o conflito, fornecida abstratamente pelas normas jurídicas aplicáveis (BARROSO, 2005: p. 84).

            Na aplicação dos princípios, o intérprete irá determinar, in concreto, quais são as condutas aptas a realizá-los adequadamente. Nos casos de colisão de princípios ou de direitos fundamentais, caberá a ele fazer as valorações adequadas, de modo a preservar o máximo da cada um dos valores em conflito, realizando escolhas acerca de qual interesse deverá circunstancialmente prevalecer. Um intérprete que faz valorações e escolhas, não desempenha apenas uma função de conhecimento, mas exerce uma certa discricionariedade. Todavia, suas decisões, para que não sejam arbitrárias, deverão ser racionais, argumentativas e fundamentadas.

            Assim sendo, a moderna interpretação constitucional diferencia-se da tradicional em razão de que a norma em abstrato não possui primazia; sendo que o problema passa a ser resolvido pela aplicação técnica de subsunção dos fatos com a norma, bem como pela ponderação de interesses na aplicação dos princípios constitucionais. O intérprete terá de se servir dos elementos da teoria da argumentação, para explicar a solução constitucionalmente adequada para a questão que lhe foi posta.

            7.3 A ponderação de interesses

            O pluralismo de idéias existente na sociedade projeta-se na Constituição, que acolhe, através dos seus princípios, valores e interesses dos mais diversos matizes. Tais princípios, vistos no decorrer deste estudo, entram, às vezes, em tensão na solução de casos concretos. Tal como observou Karl Engish apud Sarmento (2003, p. 97), a contradição principiológica é um fenômeno inevitável, na medida em que constitui reflexo natural das "desarmonias que surgem numa ordem jurídica pelo fato de, na constituição desta, tomarem parte diferentes idéias fundamentais entre as quais se pode estabelecer conflito".

            Segundo Barcellos in Barroso (2003, p. 55), a ponderação pode ser descrita como uma técnica de decisão própria para casos difíceis (do inglês hard cases), em relação aos quais o raciocínio tradicional da subsunção não é adequado. A estrutura geral da subsunção pode ser descrita da seguinte forma: premissa maior – enunciado normativo – incidindo sobre a premissa menor – fatos –, produzindo, como conseqüência, a aplicação da norma ao caso concreto. O que ocorre comumente nos caso difíceis, porém, é que convivem, postulando aplicação, diversas premissas maiores igualmente válidas e de mesma hierarquia; estas, todavia, indicam soluções normativas diversas e muitas vezes contraditórias. A subsunção não tem instrumentos para produzir uma conclusão que seja de considerar todos os elementos normativos pertinentes; sua lógica tentará isolar uma única norma para o caso. Dessa maneira, a ponderação de interesses consiste no método utilizado para a resolução desses conflitos constitucionais.

            Quando se interpreta a Constituição, não é possível simplesmente escolher uma norma em detrimento das demais: o princípio da unidade, pelo qual todas as disposições constitucionais têm a mesma hierarquia e devem ser interpretadas de forma harmônica, não admite tal solução. Situação semelhante ocorre com muitas normas infraconstitucionais que, refletindo os conflitos internos da Constituição, encontram suporte lógico e axiológico em algumas normas constitucionais, mas parecem afrontar outras. Também aqui a verificação da constitucionalidade dessas normas infraconstitucionais não poderá ser resolvida por uma mera subsunção (BARCELLOS in BARROSO, 2003: p. 55-56).

            Tal técnica caracteriza-se pela sua preocupação com a análise do caso concreto em que ocorreu o conflito, porquanto as situações fáticas do problema enfrentado necessitam de uma atribuição do ‘peso específico’ a cada princípio em confronto, sendo, por conseqüência, imprescindíveis à definição do resultado da ponderação.

            A relevância conferida às dimensões fáticas do problema concreto, porém, não pode jamais implicar na desconsideração do dado normativo, que também se revela absolutamente vital para a resolução das tensões entre princípios constitucionais. Afinal, a Constituição é, antes de tudo, norma jurídica, e desprezar a sua força normativa é desproteger o cidadão da sua garantia jurídica mais fundamental, como afirmou Barroso apud Sarmento (2003, p. 97-98): "em matéria constitucional, é importante que se diga, o apego ao texto positivado não importa em reduzir o direito à norma, mas, ao contrário, em elevá-lo à condição de norma, pois ele tem sido menos do que isso".

            Dessarte, os principais casos de aplicação da ponderação de interesses são aqueles nos quais se identificam confrontos de razões, de interesses, de valores ou de bens acolhidos por normas constitucionais. A razão da ponderação de interesses é solucionar esses conflitos normativos da maneira menos perturbadora para o sistema como um todo, de modo que as normas em oposição continuem a conviver, sem a negação de qualquer delas, ainda que em determinado caso concreto elas possam ser aplicadas em intensidades diferentes.

            7.4 A identificação do conflito principiológico

            Segundo Sarmento (2003, p. 99), a ponderação de interesses só se torna necessária quando, de fato, estiver caracterizada a colisão entre pelo menos dois princípios constitucionais incidentes sobre um caso concreto. Assim, a primeira tarefa que se impõe ao intérprete, diante de uma possível ponderação, é a de proceder à interpretação dos cânones envolvidos, para verificar se eles efetivamente se confrontam na resolução do caso, ou se, ao contrário, é possível harmonizá-los.

            Nessa tarefa, estará o exegeta dando cumprimento ao princípio da unidade da Constituição, que lhe demanda o esforço de buscar a conciliação entre normas constitucionais aparentemente conflitantes, evitando as antinomias e colisões. Isso porque a Constituição não representa um aglomerado de normas isoladas, mas um sistema orgânico, no qual cada parte tem de ser compreendida à luz das demais. Como ressaltou Canotilho apud Sarmento (2003, p. 99-100), "o princípio da unidade obriga o intérprete a considerar a constituição em sua globalidade e a procurar harmonizar os espaços de tensão entre as normas constitucionais a concretizar".

            Daí porque o exegeta deve buscar a definição do campo normativo de cada princípio em conflito, para verificar se a hipótese está realmente contida no âmbito de tutela de mais de um deles.

            No campo dos direitos fundamentais, esta demarcação corresponde à identificação dos "limites imanentes" de cada direito. Tais limites, que representam a fronteira externa dos direitos fundamentais, podem estar definidos expressamente na Constituição, ou dela decorrerem implicitamente, sendo, nesse caso, inferidos da análise da proteção outorgada pela ‘Lei Maior’ a outros direitos e valores da mesma estatura. De qualquer forma, a fixação dos limites imanentes é anterior à resolução dos conflitos, pois só se caracterizará o conflito se a situação concreta se contiver no interior dos limites imanentes de mais de uma norma constitucional (SARMENTO, 2003: p. 100).

            É certo que a estrutura aberta e flexível dos princípios, que não possuem um campo de incidência rigidamente delimitado, torna por vezes muito árdua, senão impossível, a tarefa de estabelecer a priori as fronteiras dos seus âmbitos normativos com seus congêneres. Por isso, a análise do caso concreto revela-se freqüentemente essencial para a verificação da existência ou não do conflito entre os princípios constitucionais em jogo. Em muitos casos, o trabalho do intérprete se estancará nesta fase, diante da constatação de que não se está presente diante de uma verdadeira tensão principiológica (SARMENTO, 2003: p. 102).

            Entretanto, se na interpretação dos princípios envolvidos no caso em concreto resultar a constatação de uma efetiva colisão, deve-se passar à segunda fase do processo, que envolve a ponderação propriamente dita entre os interesses em disputa. O exegeta ao constatar que determinada hipótese fática é de fato tutelada por dois princípios constitucionais divergentes deverá, à luz das circunstâncias concretas, impor restrições recíprocas sobre os interesses protegidos pelos princípios em disputa, objetivando a acomodação de ambos, onde essa restrição a cada interesse seja a mínima e indispensável convivência de ambos.

            Simplificadamente, é possível descrever a estrutura da ponderação como um processo em três etapas. Na primeira fase, são identificados os comandos normativos ou as normas relevantes em conflito. Observa-se que, algumas vezes, o conflito se estabelece mais claramente não entre disposições constantes do ordenamento jurídico, mas entre interesses que se opõem, quando, então, será preciso verificar se esses interesses podem ser reconduzidos a normas jurídicas. No caso de normas infraconstitucionais cuja constitucionalidade esteja em disputa por força da incidência de normas constitucionais diversas, que aparentemente indicam conclusões contraditórias, o processo se desenvolve de forma semelhante: todos os elementos devem ser identificados – os que postulam a constitucionalidade da norma e os que sugerem sua inconstitucionalidade – para que se possa passar à segunda fase. Ainda na primeira fase, as diversas indicações normativas devem ser agrupadas em função da solução que estejam sugerindo. Ou seja: informações que indicam a mesma solução devem formar um conjunto de argumentos. O propósito desse agrupamento é facilitar o trabalho posterior de comparação entre os elementos normativos em jogo (BARCELLOS in BARROSO, 2003: p. 57).

            Na segunda fase cabe examinar as circunstâncias concretas do caso e suas repercussões sobre os elementos normativos; daí se dizer que a ponderação depende substancialmente do caso concreto e de suas particularidades. A importância que se deverá atribuir a cada um dos elementos normativos indicados na primeira fase depende em boa medida dos fatos. No próximo tópico se estará examinando as duas modalidades de ponderação principais: a levada a cabo em abstrato, a partir da consideração de casos hipotéticos ou situações ocorridas no passado e por meio da qual a doutrina pode sugerir parâmetros racionais ou situações ocorridas no passado e por meio da qual a doutrina pode sugerir parâmetros racionais para a ponderação; e a concreta, desenvolvida pelo aplicador diante de um caso novo e particular. De todo modo, sublinhe-se que também a ponderação em abstrato é construída com base em fatos (BARCELLOS in BARROSO, 2003: p. 58).

            Na terceira fase – a fase de decisão – estará se examinando conjuntamente os diferentes grupos de normas e a repercussão dos fatos sobre eles, a fim de apurar os pesos que devem ser atribuídos aos diferentes elementos em disputa. Diante da distribuição de pesos – esse é o diferencial da ponderação – será possível definir, afinal, o grupo de normas que deve prevalecer. Em seguida, é preciso ainda decidir quão intensamente esse grupo de normas – e a solução por ele indicada – deve prevalecer em detrimento dos demais, ou seja: sendo possível graduar a intensidade da solução escolhida, será necessário avaliar qual deve ser o grau apropriado ao caso (ÁVILA apud BARCELLOS in BARROSO, 2003: p. 58). O princípio da proporcionalidade, e em especial uma de suas derivações: a vedação do excesso, serão instrumentos importantes nesse ponto (BARCELLOS in BARROSO, 2003: p. 58-59).

            Assim, verifica-se que o processo da ponderação de interesses confere ao órgão jurisdicional um poder muito mais amplo do que o usual. Ora, desde a identificação das normas aplicadas ao caso, passando pela seleção dos fatos relevantes, até a escolha geral de pesos e a conclusão, todas as etapas exigem avaliações de caráter subjetivo, que poderão variar em função das circunstâncias pessoais do intérprete e de outras tantas influências sociais.

            7.5 O princípio da proporcionalidade e a ponderação de interesses

            O princípio da proporcionalidade é essencial para a realização da ponderação de interesses constitucionais, pois o raciocínio que lhe é inerente, em suas três fases subseqüentes, é exatamente aquele que se deve utilizar na ponderação. Na verdade, ponderação e proporcionalidade pressupõem-se reciprocamente, representando duas facetas de uma mesma moeda (SARMENTO, 2003: p. 96).

            Segundo Guerra Filho apud Sarmento (2003, p. 96), o princípio da proporcionalidade permite fazer o sopesamento (abwägung, balancing) dos princípios e direitos fundamentais, bem como dos interesses e bens jurídicos em que se expressam, quando se encontrem em estado de contradição, solucionando-a de forma que maximize o respeito de todos os envolvidos no conflito.

            O princípio se caracteriza pelo fato de presumir a existência de relação adequada entre um ou vários fins determinados e os meios com quem são levados a cabo. Há violação do princípio da proporcionalidade, com ocorrência de arbítrio, toda vez que os meios destinados a realizar um fim não são por si mesmos apropriados e ou quando a desproporção entre meios e fim é particularmente evidente, ou seja, manifesta (Müller, 1978: p.218).

            O princípio da proporcionalidade é direito positivo em nosso ordenamento constitucional. Embora não haja sido ainda formulado como "norma jurídica global", flui do espírito que anima em toda sua extensão e profundidade o parágrafo 2º do art. 5º, o qual abrange a parte não-escrita ou não expressa dos direito e garantias da Constituição, a saber, aqueles direitos e garantias cujo fundamento decorre da natureza do regime, da essência impostergável do Estado de Direito e dos princípios que este consagra e que fazem inviolável a unidade da Constituição (BONAVIDE, 2007: 436).

            Com efeito, na ponderação, a restrição imposta a cada interesse em jogo, num caso de conflito entre os princípios constitucionais, só se justificará na medida em que: a) mostrar-se apta a garantir a sobrevivência do interesse contraposto; b) não houver solução menos gravosa; c) o benefício logrado com a restrição a um interesse compensar o grau de sacrifício imposto ao interesse antagônico. Assim, a ponderação de interesses se refere a um método de interpretação pautado pelo princípio da proporcionalidade (SARMENTO, 2003: p. 96).

            7.6 O uso da ponderação de interesses na colisão do princípio de acesso ao emprego público versus garantia de proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa consistente numa indenização

            Como se infere dos estudos acima, a decisão do STF, de considerar inconstitucional a extinção do contrato de trabalho pela aposentadoria voluntária do empregado público, traz um conflito entre o princípio de acesso ao emprego público e o direito à proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa consistente numa indenização.

            Esse conflito acontece porque, ao considerar a não extinção do contrato de trabalho do empregado público aposentado voluntariamente, há uma permissão para acumulação de proventos da aposentadoria do Regime Geral da Previdência Social e da remuneração do emprego público, além de propiciar que o empregado público fique ad eternum no emprego público (pois não há aposentadoria obrigatória para os empregados públicos).

            Diante disso, para Barcellos e Barroso in Grau e Guerra Filho (2001, p. 134), deve-se aplicar, a essa colisão de princípios, a ponderação de valores, interesses, bens ou normas constantes em uma técnica de decisão jurídica utilizável nos casos difíceis, que envolvem a aplicação de princípios (ou, excepcionalmente, de regras) que se encontram em linha de colisão, apontando soluções diversas e contraditórias para a questão.

            O acesso aos cargos públicos e empregos públicos é um direito fundamental de primeira dimensão, expressivo da cidadania e manifestação do princípio da igualdade jurídica, que deve ser abrangente e universal para que todos possam participar da Administração Pública.

            A razoabilidade e a proporcionalidade indicam que, na colisão do princípio supracitado com a garantia contra a despedida arbitrária ou sem justa causa consistente numa indenização, deve-se ponderar que a melhor interpretação que preserve ambos os princípios, sem que isso prejudique os seus conteúdos mínimos, é a de que, nos casos de aposentadoria voluntária dos empregados da iniciativa privada, não extingue o contrato de trabalho (valorização do princípio da proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa) e, nos casos de aposentadoria voluntária dos empregados públicos, o contrato de trabalho deve ser extinto (privilegiando o princípio de acesso ao emprego público, ao possibilitar a outros trabalhadores a ocupação do emprego do aposentado).

            O intérprete constitucional, sabedor de que os princípios constitucionais jamais devem ser eliminados mutuamente, ainda quando em colisão ou contradição, cuida de conciliá-los, com maior ênfase do que aquelas dedicadas às regras, que são declaradas inconstitucionais, em geral, com a pronúncia de nulidade (FREITAS in GRAU; GUERRA FILHO, 2001: p. 246-248).

            A proporcionalidade também se manifesta como um mandamento de ponderação ou sopesamento (Abwägungsgebot). Vale destacar que, em sua "Teoria Pós-Moderna do Direito", K. H. Ladeur considera a utilização recorrente da ponderação (Abwägung) a característica mais saliente do paradigma jurídico na atualidade, uma vez que permite oferecer soluções adequadas a cada caso em particular (GUERRA FILHO, 1999: p. 66).

            Nota-se, ainda, que os ditames da iniciativa privada não podem ser utilizados em sua totalidade nas empresas públicas e empresas de economia mista, pois sofrem incidência de princípios de ordem pública, como já exposto. Ademais, segundo Lima (2005, p. 2007), as estatais estão sujeitas às regras da licitação (art. 173, III); do concurso público (art. 37, II), ao controle de contas pelos Tribunais de Contas (art. 71, III); seus empregados sujeitam-se à proibição de acumular cargos e empregos (art. 37, XVII); seus servidores sujeitam-se a peculato e corrupção (arts. 312 e 317 do Código Penal); sujeitam-se às regras da improbidade administrativa (art. 37, § 4º da CF e Lei 8.429/92) etc. Portanto, seus empregados sofrem a incidência de todas as regras de Direito Público restritivas, e isso os diferenciam dos trabalhadores da iniciativa privada.

            A Administração Pública confere às suas Pessoas Jurídicas Privadas os meios de atuação do Direito Privado, considerados mais adequados para a execução de determinadas atividades; mas, simultaneamente, as submete, em parte, ao regime administrativo, na medida considerada essencial para a consecução daqueles mesmos fins. Ou seja, em todas as pessoas de Direito Privado, criadas pelo Estado, existe um traço comum: a derrogação parcial do direito privado por normas de Direito Público (DI PIETRO, 2006: p. 419).

            Além disso, o acesso ao emprego público permite uma oxigenação nos quadros da Administração Pública, bem como um incremento no mercado de trabalho, haja vista a grande participação do Poder Público no mercado de trabalho atual (em razão do pequeno crescimento da economia brasileira). [01]

            Ressalta-se que a interpretação constitucional é processo tópico-sistemático, de maneira que resulta impositivo, no exame dos casos, alcançar solução de equilíbrio entre o formalismo e o pragmatismo, evitando-se soluções unilaterais e rígidas. O intérprete constitucional deve ser o guardião, por excelência, de uma visão proporcional dos elementos constitutiva da ‘Carta Maior’, não entendida a proporcionalidade apenas como adequação meio/fim. Proporcionalidade significa, sobremodo, que estamos obrigados a sacrificar o mínimo para preservar o máximo de direitos (FREITAS in GRAU; GUERRA FILHO, 2001: p. 246-248).

            E mais, a nova interpretação constitucional assenta-se em um modelo de princípios, aplicáveis mediante ponderação, cabendo ao intérprete proceder a interação entre o fato e norma e realizar escolhas fundamentadas, dentro das possibilidades e limites oferecidos pelo sistema jurídico, visando à solução justa do caso concreto (BARCELLOS in BARROSO, 2003: p. 376).

            Logo, a solução mais acertada ao presente caso concreto é restringir o mínimo aos princípios conflitantes e preservando os diversos interesses em jogo. Dessa forma, ao considerar a extinção do contrato de trabalho apenas nos casos de aposentadoria voluntária do empregado público e não nos casos dos empregados da iniciativa privada, estarão preservados os dois princípios em conflito, sem que nenhum deles seja descartado, haja vista a razoabilidade e proporcionalidade da medida.

            Destaca-se, também, que é vedado acumulação remunerada de cargos, funções ou empregos tanto na Administração Direta e Indireta ou fundacional e, reciprocamente, entre elas, conforme dispõem os incisos XVI e XVII do art. 37, ressalvadas certas hipóteses expressamente arroladas, desde que haja compatibilidade de horários e respeitado o teto de remuneração, a saber: a de dois cargos de professor; a de um cargo de professor com outro técnico ou científico; e a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas. (Entre esses cargos técnicos ou científicos acumuláveis com cargo de professor, incluem-se, por expressa dicção constitucional, um cargo de magistrado, conforme prevê do art. 95, parágrafo único, I, e um cargo da carreira do Ministério Público, a teor do art. 128, § 5º, II, "d") (BANDEIRA DE MELLO, 2006: p. 271).

            Nesse sentido, verifica-se que a Suprema Corte já decidiu em diversos julgados [02] sobre a impossibilidade de acumulação de remuneração e proventos, garantindo a restrição a que determinadas pessoas tenham uma remuneração muito elevada.

            Todavia, incorreu em equívoco o STF no julgamento da ADIn 1770-4, ao entender que a manutenção do empregado público, após a concessão da aposentadoria voluntária pela Previdência Social, não acarretaria acumulação de remuneração com proventos, pois, a conclusão é em sentido contrário: com a permanência no emprego público, após a aposentadoria voluntária, o empregado receberá a remuneração do respectivo emprego e os proventos do INSS.

            Desse modo, a extinção do contrato de trabalho do empregado público preservará o acesso das pessoas aos empregos públicos e impedirá acumulação de remuneração do emprego com os proventos da aposentadoria do Regime Geral da Previdência. E mais, possibilitará o acesso ao emprego público a todos os cidadãos e impedirá que ocorra a utilização deste emprego em caráter perpétuo, já que existe apenas a aposentadoria obrigatória para os servidores estatutários (art. 40, § 1º, II da CF/88).

            Assim, a melhor exegese dos conflitos em debate é a de que a aposentadoria voluntária extingue apenas o contrato de trabalho do empregado público e não o contrato de trabalho dos trabalhadores da iniciativa privada em geral.

            Salienta-se, por fim, que a jurisprudência da Suprema Corte, produzida a partir da Constituição de 1988, tem progressivamente se servido da teoria dos princípios, da ponderação de valores e da argumentação. O princípio da razoabilidade funciona como a justa medida de aplicação de qualquer norma, tanto na ponderação feita entre princípios quanto na dosagem dos efeitos das regras (BARCELLOS in BARROSO, 2003: p. 377).

            Nesse sentido, apresenta-se a decisão da Corte Constitucional sobre a resolução de conflitos principiológicos através da ponderação de interesses, in verbis:

            Meio ambiente. Direito à preservação de sua integridade (cf, art. 225). Prerrogativa qualificada por seu caráter de metaindividualidade. Direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão) que consagra o postulado da solidariedade. Necessidade de impedir que a transgressão a esse direito faça irromper, no seio da coletividade, conflitos intergeneracionais. Espaços territoriais especialmente protegidos (cf, art. 225, § 1º, III). Alteração e supressão do regime jurídico a eles pertinente. Medidas sujeitas ao princípio constitucional da reserva de lei. Supressão de vegetação em área de preservação permanente. Possibilidade de a Administração Pública, cumpridas as exigências legais, autorizar, licenciar ou permitir obras e/ou atividades nos espaços territoriais protegidos, desde que respeitada, quanto a estes, a integridade dos atributos justificadores do regime de proteção especial. Relações entre economia (cf, art. 3º, II, c/c o art. 170, vi) e ecologia (cf, art. 225). Colisão de direitos fundamentais. Critérios de superação desse estado de tensão entre valores constitucionais relevantes. Os direitos básicos da pessoa humana e as sucessivas gerações (fases ou dimensões) de direitos (RTJ 164/158, 160-161). A questão da precedência do direito à preservação do meio ambiente: uma limitação constitucional explícita à atividade econômica (cf, art. 170, VI). Decisão não referendada. Conseqüente indeferimento do pedido de medida cautelar. a preservação da integridade do meio ambiente: expressão constitucional de um direito fundamental que assiste à generalidade das pessoas (BRASIL, 2005a). (grifou-se)

            7.7 Possibilidade de modificação de entendimento do STF

            Diante dos argumentos sustentados nos tópicos anteriores, verifica-se passível de modificação a posição do STF quanto à extinção do contrato de trabalho pela aposentadoria voluntária do empregado público, pois, caso isso não ocorra, o emprego público se tornará quase vitalício, já que não existe a aposentadoria obrigatória aos 70 anos para os empregados públicos (como dos servidores públicos estatutários, art. 40, § 1º, II da CF/88), dificultando o acesso ao emprego público e permitindo acumulação de proventos (da Previdência Social) e remuneração (do emprego público).

            Registre-se, ainda, que o fato do STF ter declarado a inconstitucionalidade do § 1º do art. 453 da CLT (que afirmava que o contrato de trabalho do empregado público era extinto com a aposentadoria voluntária) não impede que seja declarada a extinção do contrato do empregado público pela aposentadoria voluntária. Isso ocorre porque a continuação no emprego pelo empregado público, após a aposentadoria voluntária, viola o princípio do acesso ao emprego público, que deve prevalecer sobre a garantia de proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa.

            Além disso, o STF, recentemente, modificou seu entendimento em outro tema que diz respeito à competência para o julgamento da ação de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente de trabalho, quando no julgamento de 22/03/2005 [03] (Ementa 1: RE-AgR 441038) decidiu que a competência era da Justiça Estadual e, posteriormente, no julgamento de 29/06/2005 [04] (Ementa 2, pág. 47: CC 7204/MG), decidiu que era competência da Justiça do Trabalho.

            Abaixo, os julgados supracitados da Corte Suprema:

            CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA JUDICANTE EM RAZÃO DA MATÉRIA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E PATRIMONIAIS DECORRENTES DE ACIDENTE DO TRABALHO, PROPOSTA PELO EMPREGADO EM FACE DE SEU (EX-) EMPREGADOR. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. ART. 114 DA MAGNA CARTA. REDAÇÃO ANTERIOR E POSTERIOR À EMENDA CONSTITUCIONAL Nº. 45/04. EVOLUÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PROCESSOS EM CURSO NA JUSTIÇA COMUM DOS ESTADOS. IMPERATIVO DE POLÍTICA JUDICIÁRIA.

Numa primeira interpretação do inciso I do art. 109 da Carta de Outubro, o Supremo Tribunal Federal entendeu que as ações de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente do trabalho, ainda que movidas pelo empregado contra seu (ex-) empregador, eram da competência da Justiça comum dos Estados-Membros. 2. Revisando a matéria, porém, o Plenário concluiu que a Lei Republicana de 1988 conferiu tal competência à Justiça do Trabalho. Seja porque o art. 114, já em sua redação originária, assim deixava transparecer, seja porque aquela primeira interpretação do mencionado inciso I do art. 109 estava, em boa verdade, influenciada pela jurisprudência que se firmou na Corte sob a égide das Constituições anteriores. 3. Nada obstante, como imperativo de política judiciária—haja vista o significativo número de ações que já tramitaram e ainda tramitam nas instâncias ordinárias, bem como o relevante interesse social em causa --, o Plenário decidiu, por maioria, que o marco temporal da competência da Justiça trabalhista é o advento da EC 45/04. Emenda que explicitou a competência da Justiça Laboral na matéria em apreço. 4. A nova orientação alcança os processos em trâmite pela Justiça comum estadual, desde que pendentes de julgamento de mérito. É dizer: as ações que tramitam perante a Justiça comum dos Estados, com sentença de mérito anterior à promulgação da EC 45/04, lá continuam até o trânsito em julgado e correspondente execução. Quanto àquelas cujo mérito ainda não foi apreciado, hão de ser remetidas à Justiça do Trabalho, no estado em que se encontram, com total aproveitamento dos atos praticados até então. A medida se impõe, em razão das características que distinguem a Justiça comum estadual e a Justiça do Trabalho, cujos sistemas recursais, órgãos e instâncias não guardam exata correlação. 5. O Supremo Tribunal Federal, guardião-mor da Constituição Republicana, pode e deve, em prol da segurança jurídica, atribuir eficácia prospectiva às suas decisões, com a delimitação precisa dos respectivos efeitos, toda vez que proceder a revisões de jurisprudência definidora de competência ex ratione materiae. O escopo é preservar os jurisdicionados de alterações jurisprudenciais que ocorram sem mudança formal do Magno Texto. 6. Aplicação do precedente consubstanciado no julgamento do Inquérito 687, Sessão Plenária de 25.08.99, ocasião em que foi cancelada a Súmula 394 do STF, por incompatível com a Constituição de 1988, ressalvadas as decisões proferidas na vigência do verbete. 7. Conflito de competência que se resolve, no caso, com o retorno dos autos ao Tribunal Superior do Trabalho. (grifou-se)

            ACIDENTE DO TRABALHO - INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E/OU MORAIS - AÇÃO AJUIZADA EM FACE DO EMPREGADOR, COM FUNDAMENTO NO DIREITO COMUM - MATÉRIA QUE, NÃO OBSTANTE A SUPERVENIÊNCIA DA EC 45/2004, AINDA PERMANECE NA ESFERA DE COMPETÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO LOCAL - RECURSO IMPROVIDO. - Compete à Justiça dos Estados-membros e do Distrito Federal, e não à Justiça do Trabalho, o julgamento das ações de indenização por danos materiais e/ou morais resultantes de acidente do trabalho, ainda que fundadas no direito comum e ajuizadas em face do empregador. - Não obstante a superveniência da EC 45/2004, subsiste íntegra, na esfera de competência material do Poder Judiciário local, a atribuição para processar e julgar as causas acidentárias, qualquer que seja a condição ostentada pela parte passiva (INSS ou empregador), mesmo que a pretensão jurídica nelas deduzida encontre fundamento no direito comum. Inaplicabilidade da Súmula 736/STF. Precedente: RE 438.639/MG, Rel. p/ o acórdão Min. CEZAR PELUSO (Pleno). (grifou-se)

Sobre o autor
Luiz Allende-Toha de Lima Bastos

procurador federal, pós-graduando em Direito do Trabalho, chefe do Contencioso Judicial da Procuradoria Federal Especializada do INSS de Florianópolis (SC)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BASTOS, Luiz Allende-Toha Lima. Ponderação de interesses:: acesso ao emprego público x garantia de proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa consistente numa indenização. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1406, 8 mai. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9847. Acesso em: 5 nov. 2024.

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