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Ponderação de interesses:

acesso ao emprego público x garantia de proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa consistente numa indenização

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O texto estuda a extinção do contrato de trabalho pela aposentadoria voluntária do empregado público, conciliando o princípio do acesso ao emprego público e a garantia de proteção contra a despedida arbitrária.

Sumário: 1. Introdução. 2. Acesso ao emprego público. 2.1 O princípio da acessibilidade ao cargo público ou emprego público no direito. 2.2 O princípio de acesso ao cargo emprego público na Constituição da República de 1988. 3. Garantia contra a despedida arbitrária 4. Unidade da Constituição. 5. Decisão do STF na ADIn sobre a extinção do contrato de trabalho do empregado público pela aposentadoria voluntária. 6. A relação jurídica entre a administração pública e o empregado público. 6.1 Empregados públicos. 6.2 Derrogação das normas de direito privado às entidades da administração indireta. 7. Ponderação de interesses entre o acesso ao emprego público e a proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa. 7.1 O novo direito constitucional. 7.2 A nova interpretação constitucional. 7.3 A ponderação de interesses. 7.4 A identificação do conflito principiológico. 7.5 O princípio da proporcionalidade e a ponderação de interesses. 7.6 O uso da ponderação de interesses na colisão do princípio de acesso ao emprego público versus garantia de proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa consistente numa indenização. 7.7 Possibilidade de modificação de entendimento do STF. 8. Conclusão. 9. Referências Bibliográficas.


1. Introdução

"Nada é impossível de mudar.
Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente:
não aceiteis o que é de hábito como coisa natural,
pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada,
de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada,
nada deve parecer natural, nada deve parecer impossível de mudar".

Bertolt Brecht

            O presente texto refere-se à questão debatida constantemente na Justiça do Trabalho acerca da extinção do contrato de trabalho pela aposentadoria espontânea do empregado público. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu contrariamente ao Tribunal Superior do Trabalho (TST), entendendo que a aposentadoria espontânea não se encontra elencada dentre as causas motivadoras da rescisão do contrato de trabalho.

            A decisão do STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.770-4 (Relator o Ministro Joaquim Barbosa), a respeito da não extinção do contrato de trabalho do empregado público pela aposentadoria voluntária e declaração da inconstitucionalidade do § 1º do art. 453 da CLT, baseia-se nos fundamentos da proibição de cumulação de vencimentos e proventos e na violação da garantia contra a despedida arbitrária ou sem justa causa consistente numa indenização.

            O objetivo geral deste trabalho é discutir a extinção do contrato de trabalho pela aposentadoria voluntária do empregado público. Os objetivos específicos são: a) analisar o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn 1770-4), em que o Supremo Tribunal Federal decidiu pela não extinção do contrato de trabalho pela aposentadoria voluntária do empregado público; b) realizar uma interpretação que possibilite a conciliação entre o princípio do acesso ao emprego público e a garantia de proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa mediante uma indenização, utilizando a técnica de ponderação de interesses.


2. Acesso ao Emprego Público

            2.1 O princípio da acessibilidade ao cargo público e emprego público no Direito

            O princípio da acessibilidade aos cargos e empregos públicos é contemporâneo ao constitucionalismo positivo moderno. A natureza conferida ao princípio da acessibilidade aos cargos públicos no Estado, enquanto direito fundamental expressivo da cidadania (inclusive considerado Direito Político fundamental) e manifestação do princípio da igualdade jurídica, consagrou-se, de maneira definitiva e universal, na Declaração dos Direitos do Homem, proclamada pela ONU em 1948, cujo art. 21 estabelece:

            Art. 21º: § 1º Toda pessoa tem o direito de parte na direção dos negócios públicos de seu país, seja por intermédio de representantes livremente escolhidos.

            § 2º Toda pessoa tem o direito de aceder, nas condições de igualdade, às funções públicas de seu país.

            § 3º A vontade do povo é o fundamento da autoridade dos poderes públicos; esta vontade deve ser expressa por eleições honestas que devem ter lugar, periodicamente, com sufrágio universal igual e voto secreto ou de acordo com um processo equivalente que assegure a liberdade do voto

(ROCHA, 1999: p. 151).

            Duas notas merecem relevância na fórmula que inclui, expressamente, o princípio da acessibilidade a cargos e empregos públicos como sendo fundamentais entre aquelas de primeira geração elencadas na Declaração acima mencionada: a primeira refere-se ao direito de aceder a cargos públicos como manifestação do princípio da igualdade jurídica de todos; em seu conteúdo, tem-se a imprescindível supressão de legitimidade de qualquer critério de escolha dos candidatos por fatores externos à sua qualificação pessoal, considerados aqui os elementos internos, tais como: o merecimento em face de sua capacitação pessoal e os seus ‘talentos’. Ou seja, tem-se como legítima a escolha do candidato ao provimento de cargos públicos por condição pessoal, e não por condições sociais, econômicas etc (ROCHA, 1999: p. 151).

            A segunda diz respeito à disputa pela vaga na Administração Pública, que deverá ser oferecida de forma igualitária, observando a qualificação pessoal do candidato. E mais, a acessibilidade igual nas "funções públicas de seu país" demonstra uma preocupação de cidadania, sendo considerado um direito fundamental decorrente do desdobramento do Direito Político, de idêntica natureza, de participar da gestão da coisa pública como membro da Administração Pública (ROCHA, 1999: p. 151).

            Logo, o alcance dado às "funções públicas de seu país" (expressão declarada nos Direitos do Homem de 1948) não é extensivo aos não-cidadãos de um Estado, pois a formação da vontade nacional se faz pelo desempenho dos seus agentes titulares de cargos públicos e ela é direito-dever do cidadão e não dos estrangeiros.

            Assim, mostra-se essencial o compromisso do cidadão com a coisa pública de seu Estado e deste com o Direito Fundamental daquele de possibilitar a sua participação na Administração Pública.

            2.2 O princípio de acesso ao cargo e emprego público na Constituição Federal de 1988

            Por ‘acessibilidade’, entende-se o conjunto de normas e princípios que regulam o ingresso de pessoas interessadas no serviço público. Os parâmetros que regem o acesso ao serviço público acarretam vinculação aos órgãos administrativos, de modo que não pode a Administração Pública criar dificuldades maiores nem abrir ensanchas de facilidades fora das regras que compõem o sistema. Trata-se, então, de verdadeiro Direito subjetivo: o direito de acesso aos cargos, empregos e funções públicas, observadas as normas aplicáveis em cada tipo de provimento (CARVALHO FILHO, 2004: p. 523).

            A Constituição Federal de 1988, em sua redação inicial, manteve a mesma estrutura antes adotada, estabelecendo, no inciso I do art. 37, que "os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em Lei". A inovação dada foi a extensão do princípio para os empregos e funções públicas, sendo que, na sua promulgação, o termo ‘emprego’ era previsto para as entidades da Administração Pública Indireta e as expressões ‘cargos e funções públicas’ para as pessoas da Administração Pública Direta.

            A Emenda Constitucional nº 19/98 alterou o art. 37, I, da Constituição Federal, e ampliou o princípio da acessibilidade também aos estrangeiros. O texto anterior limitava o acesso aos cargos e funções públicas apenas aos brasileiros; essa rigidez criou dificuldades em situações em que se tornava necessário o recrutamento de professores, técnicos e profissionais estrangeiros. Em razão disso, o Constituinte derivado modificou a Constituição.

            Todavia, o art.12, § 3º, da Constituição Federal dispõe que são privativos de brasileiros natos os cargos de presidente e vice-presidente da República, de presidente da Câmara dos Deputados, de presidente do Senado Federal, de ministro do Supremo Tribunal Federal, da carreira diplomática e de oficial das Forças Armadas. A Constituição exige, ainda, para os cargos públicos políticos, aqueles cujo provimento se dão a partir de eleição, a nacionalidade brasileira (art. 14, § 3º, I).

            Excepciona-se, no sistema constitucional vigente, a submissão aos requisitos infraconstitucionais, quanto à nacionalidade, para os portugueses com residência permanente no Brasil, aos quais "serão atribuídos os direitos inerentes aos brasileiros, [...] se houver reciprocidade em favor dos brasileiros" (art. 12, § 1º). Entendeu-se, desde a promulgação da Lei Fundamental de 1988 (com alteração promovida pela Emenda Constitucional nº. 3/93), que contempla a hipótese que a nacionalidade estrangeira não impede os portugueses de acederem a cargo público, desde que comprovem o cumprimento das condições constitucionais estabelecidas e aquelas que também os brasileiros têm de demonstrar quanto ao cargo no qual se apresentem como candidatos ao provimento. Não se tem modificação na interpretação e na aplicação dessa norma pela reforma veiculada pela Emenda Constitucional nº. 19/98 (ROCHA, 1999: p. 158).

            O artigo 37, II, da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional nº. 19, preceitua que:

            [...] a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.

            Dessarte, é necessário concurso para ingressar no serviço público (lato sensu). O concurso de ingresso é o procedimento administrativo posto à disposição da Administração Pública Direta, autárquica, fundacional ou empresarial, de qualquer nível do governo, para a seleção do futuro melhor titular de cargo ou emprego público, necessário à execução de serviços sob sua respectiva responsabilidade. Três são os fundamentos que legitimam a exigência do concurso de ingresso de pessoal na Administração Pública Direta, autárquica, fundacional e empresarial, de qualquer nível de governo: principiológico, constitucional e legal. Embora outros possam servir de suporte para a obrigatória realização desse certame, é nos princípios da igualdade e moralidade administrativa que está o mais relevante dos seus fundamentos (GASPARINI in MOTTA, 2005: p. 20-21).

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3. Garantia contra a despedida arbitrária ou sem justa causa consistente numa indenização compensatória

            Entre os direitos do trabalhador, a Constituição Federal de 1988, no art. 7º, I, assegura:

            a relação de emprego protegida contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;

            Vê-se que o direito à estabilidade no emprego cedeu lugar, a partir de 1988, a uma proteção contra despedida arbitrária ou sem justa causa, consistente numa indenização compensatória, entre outros direitos, a serem disciplinados em Lei Complementar.

            O art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADTC) previu, até que fosse promulgada a Lei Complementar a que se refere o art. 7º da Constituição, uma indenização a ser paga ao empregado no caso de dispensa arbitrária ou sem justa causa, devendo ser considerada, para este efeito, toda ruptura contratual que não se fundar em falta grave ou em motivos técnicos ou de ordem econômico-financeira, consoante disposto nos arts. 482 e 165 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

            Portanto, no estágio atual da nossa legislação, o trabalhador de empresa privada não é destinatário de tutela quanto à ocupação, sendo a dispensa um direito potestativo do empregador, salvo se, à época da promulgação da Constituição Federal (5 de outubro de 1988), o empregado já fosse amparado pela estabilidade prevista no art. 492 da CLT (BARROS, 2005: p. 920).

            O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da cautelar da ADIn 1721 (que discute a possibilidade de extinção do contrato de trabalho pela aposentadoria voluntária), consignou expressamente a garantia de proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa mediante uma indenização compensatória, nos seguintes termos:

            Ação Direta de Inconstitucionalidade. Art. 3.º da MP n.º 1.596-14/97 (convertida na Lei n.º 9.528/97), na parte em que incluiu § 2.º no art. 453 da CLT. Alegada ofensa à Constituição.

            O direito à estabilidade no emprego cedeu lugar, com a Constituição de 1988 (art. 7.º, I), a uma proteção contra despedida arbitrária ou sem justa causa, consistente em uma indenização compensatória, entre outros direitos, a serem estipulados em lei complementar. A eficácia do dispositivo não ficou condicionada à edição da referida lei, posto haver sido estabelecida, no art. 10 do ADCT, uma multa a ser aplicada de pronto até a promulgação do referido diploma normativo (art. 10 do ADCT), havendo-se de considerar arbitrária e sem justa causa, para tal efeito, toda despedida que não se fundar em falta grave ou em motivos técnicos ou de ordem econômico-financeira, a teor do disposto nos arts. 482 e 165 da CLT. O diploma normativo impugnado, todavia, ao dispor que a aposentadoria concedida a empregado que não tiver completado 35 anos de serviço (aposentadoria proporcional por tempo de serviço) importa extinção do vínculo empregatício — efeito que o instituto até então não produzia —, na verdade, outra coisa não fez senão criar modalidade de despedida arbitrária ou sem justa causa, sem indenização, o que não poderia ter feito sem ofensa ao dispositivo constitucional sob enfoque. Presença dos requisitos de relevância do fundamento do pedido e da conveniência de pronta suspensão da eficácia do dispositivo impugnado. Cautelar deferida. (ADI-MC 1721 / DF - DISTRITO FEDERAL- MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Relator: Ministro Ilmar Galvão. Julgamento 19/12/1997. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJ 11-04-2003.

EMENTA VOL. 02106-01 PP- 00088)

            Dessa forma, entendeu a Suprema Corte que haveria ofensa ao dispositivo constitucional que garante uma proteção contra despedida arbitrária ou sem justa causa, consistente em uma indenização compensatória, entre outros direitos, a serem estabelecidos em Lei Complementar (art. 7º, I e art. 10 do ADCT), na hipótese de consideração de extinção do contrato de trabalho pela aposentadoria voluntária do empregado da iniciativa privada sem o pagamento da indenização pela despedida sem justa causa.

            Diante disso, o STF concluiu que não há rescisão contratual do empregado que tem deferido a sua aposentadoria voluntária, fazendo jus a uma indenização pela despedida imotivada.


4. Unidade da Constituição

            A Unidade da Constituição é um princípio interpretativo que significa que o direito constitucional deve ser interpretado de forma a evitar contradições entre as suas normas e, sobretudo, entre os princípios jurídico-políticos constitucionalmente estruturantes.

            Um ordenamento jurídico só pode ser concebido como um conjunto de normas. Vale dizer que é condição da existência de uma ordem jurídica a concorrência de normas. Não obstante, a pluralidade de normas jurídicas que abrange esse ordenamento constitui uma unidade, quer porque suas normas nascem de mesma fonte (ordenamento simples), quer porque suas normas, ainda que nascidas de fontes distintas tenham o mesmo fundamento de validade (ordenamento complexo) (BOBBIO, 1999: p. 48-49).

            Toda Constituição deve ser compreendida como uma unidade e como um sistema que privilegia determinados valores sociais. A Constituição é, portanto, a fonte máxima de produção de todo o Direito e último fundamento de validade das normas jurídicas, que confere unidade de caráter sistemático ao ordenamento jurídico. Mas ela própria representa uma unidade normativa, enquanto ordem unitária da vida política e social da ossatura estatal. Isso implica em afirmar que toda Constituição deve ser compreendida como uma unidade e como um sistema que privilegia determinados valores (PIOVESAN, 2002: p. 25).

            Essa unidade normativa pressupõe a inexistência de hierarquia normativa ou formal entre as normas constitucionais, sem qualquer distinção entre normas materiais ou formais ou entre normas-princípios e normas-regras, uma vez que as normas constitucionais são frutos de uma vontade unitária e gerada simultaneamente (BARROSO, 1996: p. 187).

            A unidade normativa da Constituição é importante, na medida em que o descumprimento de uma norma constitucional põe em perigo a própria unidade do texto magno. Logo, a garantia da supremacia de uma norma constitucional proporciona a garantia da própria Constituição. Assim, toda e qualquer exegese da Carta Magna deve levar em consideração o princípio da unidade normativa (CUNHA JÚNIOR, 2006: p. 32-33).

            O princípio da unidade obriga o intérprete a considerar a constituição na sua globalidade e a harmonizar os espaços de tensão existentes entre as normas constitucionais a concretizar. Assim, em face do princípio da unidade, todas as disposições constitucionais têm a mesma hierarquia e devem ser interpretadas de forma harmônica.


5. Decisão do STF na ADIn 1770-4 sobre a extinção do contrato de trabalho do empregado público pela aposentadoria voluntária

            O presente tema foi objeto de análise pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADIn 1770-4 sobre a constitucionalidade do § 1º do art. 453 da CLT (acrescentado pela Lei 9528/1997), que previa a readmissão do empregado público aposentado voluntariamente.

            Dispunha o art. 453 da CLT, verbatim:

            § 1º Na aposentadoria espontânea de empregados das empresas públicas e sociedades de economia mista é permitida sua readmissão desde que atendidos aos requisitos constantes do art. 37, inciso XVI, da Constituição, e condicionada à prestação de concurso público.

            A respeito, pronunciou-se o STF nos seguintes termos:

            AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. READMISSÃO DE EMPREGADOS DE EMPRESAS PÚBLICAS E SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA. ACUMULAÇÃO DE PROVENTOS E VENCIMENTOS. EXTINÇÃO DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO POR APOSENTADORIA ESPONTÂNEA. NÃO-CONHECIMENTO. INCONSTITUCIONALIDADE.

            Lei 9.528/1997, que dá nova redação ao § 1º do art. 453 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT -, prevendo a possibilidade de readmissão de empregado de empresa pública e sociedade de economia mista aposentado espontaneamente. Art. 11 da mesma lei, que estabelece regra de transição. Não se conhece de ação direta de inconstitucionalidade na parte que impugna dispositivos cujos efeitos já se exauriram no tempo, no caso, o art. 11 e parágrafos. É inconstitucional o § 1º do art. 453 da CLT, com a redação dada pela Lei 9.528/1997, quer porque permite, como regra, a acumulação de proventos e vencimentos – vedada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal –, quer porque se funda na idéia de que a aposentadoria espontânea rompe o vínculo empregatício.

            Pedido não conhecido quanto ao art. 11, e parágrafos, da Lei nº. 9.528/1997. Ação conhecida quanto ao § 1º do art. 453 da Consolidação das Leis do Trabalho, na redação dada pelo art. 3º da mesma Lei 9.528/1997, para declarar sua inconstitucionalidade.

(ADIn 1770-4, TRIBUNAL PLENO, 11/10/2006)

            Relatou o Ministro JOAQUIM BARBOSA na mencionada ADIn como fundamentos para a decisão:

            "(...)

            O raciocínio do ministro Moreira Alves parece-me isento de críticas. Ao menos desde o julgamento do RE 163.204 (rel. Min. Carlos Velloso), a Corte tem decidido, já depois do advento da Constituição de 1988, que é vedada a acumulação de proventos de aposentadoria com vencimentos, a não ser nos casos excepcionalmente previstos no art. 37, XVI e XVII, da Carta. É preciso lembrar que a rationale em que se baseou o Pleno partiu do pressuposto de que a vedação de acumulação também se aplica aos empregados de empresas públicas e sociedades de economia mista – daí por que a explícita referência, na ementa do julgado, ao inciso XVII do art. 37. Vale lembrar que o entendimento do Tribunal foi confirmado com o advento da Emenda Constitucional nº 20, que taxativamente vedou o tipo de acumulação ora em questão ao acrescentar o § 10 ao art. 40 da Carta de 1988, sem contar os reiterados pronunciamentos da Casa no mesmo sentido (cf., v.g., RE 463.028, rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma; AI 484.756-AgR, rel. Min. Carlos Velloso, Segunda Turma; ADI 1.328, rel. Min. Ellen Gracie; RE 141.376, rel. Min. Néri da Silveira, Segunda Turma, e RE 197.699, rel. Min. Marco Aurélio). Supremo Tribunal Federal Mantido incólume, o dispositivo impugnado cria a possibilidade de acumulação de proventos e vencimentos. Voltemos a ele:

            "§ 2º Na aposentadoria espontânea de empregados das empresas públicas e sociedades de economia mista é permitida sua readmissão desde que atendidos aos requisitos constantes do art. 37, inciso XVI, da Constituição, e condicionada à prestação de concurso público."

            A inconstitucionalidade do dispositivo está em permitir, como regra, a readmissão do empregado aposentado espontaneamente, de modo a possibilitar a acumulação de proventos e vencimentos. Na verdade, segundo a orientação desta Corte, acumulação dessa índole somente pode ser vedada, e não permitida. Ainda que o próprio dispositivo estabeleça que a readmissão está condicionada ao preenchimento dos requisitos do inciso XVI do art. 37, isso não valida a norma, porque o inciso XVI somente atua no campo da exceção, e não no da regra. A regra continua sendo a vedação ao acúmulo de proventos e vencimentos, o que é flagrantemente contrariado pela primeira parte do § 1º do art. 453.

            De outro lado, é curioso notar que a norma impugnada apenas se refere ao inciso XVI do art. 37 – que veda a acumulação de cargos públicos –, e não ao inciso XVII do mesmo artigo – que Supremo Tribunal Federal estende a proibição de acumulação a entidades como empresas públicas e sociedades de economia mista.

            Ademais, mesmo a referência ao art. 37, XVI, é inútil, porque tal disposição faz parte da própria Constituição, que obviamente se sobrepõe à CLT. Na pouco freqüente situação de um aposentado ser readmitido como professor ou profissional de saúde empregado de empresa pública e sociedade de economia mista, os incisos XVI e XVII do art. 37, por si sós, independentemente do § 1º do art. 453, já lhe trarão proteção.

            Há, portanto, inconstitucionalidade na norma atacada, por permitir algo que esta Corte tem entendido que a Constituição veda: a acumulação de proventos com vencimentos.

            Evidentemente, esse juízo de inconstitucionalidade não atinge a situação dos servidores amparados pelo art. 11 da Emenda Constitucional nº 20, a qual permite, desde que observados certos critérios, a acumulação de proventos e vencimentos. Também se pode vislumbrar inconstitucionalidade no § 1º do art. 453, se se considerar, como considerou esta Corte no julgamento da ADI 1.721 (rel. Min. Ilmar Galvão), que a aposentadoria espontânea não rompe o vínculo empregatício.

            Na dicção da maioria da Corte naquele julgado, o § 2º do art. 453 da CLT – aplicado aos empregados da iniciativa privada – funda-se na idéia de que a aposentadoria espontânea rompe o vínculo empregatício, o que seria vedado pela Constituição de 1988, dado seu efeito de despedida arbitrária ou sem justa causa, sem indenização.

            Levando-se em conta também essa perspectiva, haveria inconstitucionalidade no § 1º do art. 453 da CLT, porquanto fundado nas mesmas premissas em que elaborado o § 2º do mesmo dispositivo: o de que a aposentadoria espontânea do empregado, no caso, de empresa pública ou sociedade de economia mista gera o rompimento do vínculo empregatício, o que traz como conseqüência a despedida arbitrária ou sem justa causa, não tendo o empregado nenhum direito à indenização.

            Por essas razões, voto no sentido de confirmar o julgamento liminar, para não conhecer do pedido quanto ao art. 11, e parágrafos, da Lei 9.528/1997 e, conhecendo da ação quanto ao § 1º do art. 453 da CLT, na redação dada pelo art. 3º da mesma Lei 9.528/1997, declarar sua inconstitucionalidade. (grifou-se)

            Denota-se, pois, do voto condutor do julgamento da ADIn 1770-4, os fundamentos adotados para a inconstitucionalidade do § 1º do art. 453 da CLT (que permitia a recondução de empregado público por novo concurso e explicitava que a aposentadoria voluntária era uma forma de extinção do contrato de trabalho) foram os seguintes:

            a)proibição de acumulação de vencimentos com proventos (artigos 37, XVI e XVII da CF/88);

            b)violação da garantia contra a despedida arbitrária ou sem justa causa sem o pagamento da indenização ao empregado (art. 7, I, e art. 10 da ADCT da CF/88);

            Todavia, conforme será demonstrado nos próximos tópicos, a interpretação mais coerente desses artigos com os dispositivos constitucionais deve ser outra.

            No caso dos empregados públicos, a interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal deve ser diferente daquela dada para os empregados da iniciativa privada (ADIn 1721-3), que concluiu pela impossibilidade de rescisão contratual do emprego pela aposentadoria voluntária. Isso porque deve prevalecer o princípio de acesso aos cargos e empregos públicos (art. 37, I e II da CF/88) frente à garantia a uma indenização nas hipóteses de despedidas arbitrárias e sem justa causa (art. 7, I, CF/88 e art. 10 do ADCT).

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Sobre o autor
Luiz Allende-Toha de Lima Bastos

procurador federal, pós-graduando em Direito do Trabalho, chefe do Contencioso Judicial da Procuradoria Federal Especializada do INSS de Florianópolis (SC)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BASTOS, Luiz Allende-Toha Lima. Ponderação de interesses:: acesso ao emprego público x garantia de proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa consistente numa indenização. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1406, 8 mai. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9847. Acesso em: 22 dez. 2024.

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