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A incompetência da Justiça do Trabalho para conhecer de demanda promovida pelo defensor público dativo

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Agenda 10/05/2007 às 00:00

O artigo analisa a função e a natureza do defensor público dativo diante da nova competência da Justiça do Trabalho, concluindo pela incompetência desta para conhecer tal tipo de demanda.

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Aspectos gerais sobre a ampliação da competência da Justiça do Trabalho. 3 A natureza jurídica da função de defensor público dativo. 4 A incompetência da Justiça do Trabalho para conhecer da pretensão cobrança de honorários advocatícios do defensor público dativo. 5 Conclusão. 6 Referências.


1 INTRODUÇÃO

Com o advento da EC n.º 45, de 08 de dezembro de 2004, ampliou-se a competência material da Justiça do Trabalho, ocasionando o surgimento de novas demandas no Poder Judiciário laboral.

No exercício de nosso mister, constatou-se uma inusitada demanda ajuizada na Justiça do Trabalho, em que figurava como autor um suposto defensor público dativo, nomeado como tal em feitos da competência da Justiça Estadual (Vara Criminal), pleiteando o pagamento de honorários advocatícios pela sua atuação.

Assim, buscar-se-á no presente artigo, expor alguns argumentos sobre a função de defensor público dativo e sua natureza jurídica em confronto com a nova competência da Justiça do Trabalho, para afinal expor conclusões atinentes à incompetência do Poder Judiciário especializado para conhecer deste tipo de demanda.


2 ASPECTOS GERAIS SOBRE A AMPLIAÇÃO DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO

A EC n.° 45/2004, quiçá, teve como maior objetivo, aumentar a competência da Justiça do Trabalho, sem se olvidar do controle externo do Poder Judiciário.

Sabe-se que tradicionalmente a Justiça do Trabalho tinha apenas competência para conhecer das ações decorrentes da relação empregatícia. Por efeito, via de regra, no pólo ativo da demanda observava-se um empregado e no pólo passivo um empregador [01]. Como exceção, apreciava demandas de avulsos [02] e de pequenos empreiteiros [03], cujos são, respectivamente, trabalhadores eventuais e autônomos.

Porém, este sistema mantido desde a Constituição de 1934, era por demais contraditório. Ora, como a Justiça do Trabalho somente poderia equacionar as relações de emprego. Seu nome, portanto, era algo equivocado.

Ademais, existiam vários empecilhos em não se elastecer a competência da Justiça do Trabalho. Há situações similares a de um empregado, que ficavam desprotegidas e desamparadas de um Juízo especializado em direito do trabalho. Isto ocorria, verbi gratia, com o laboralista autônomo. Cumpria, praticamente, com todos os permissivos fáticos-jurídicos configuradores da relação de emprego, tirante a subordinação, mas, mesmo assim, deveria aforar sua demanda na Justiça Comum Estadual, onde a ação transcorria com maior lentidão e, como dito, sem um Órgão especializado na matéria.

A par disso, a EC n.° 45/2004 houve por bem alterar a redação do art. 114 da Constituição, dividindo-o em nove incisos, in verbis:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

I as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

II as ações que envolvam exercício do direito de greve; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

III as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

IV os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

V os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

VI as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

VII as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

VIII a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

IX outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).(notas inclusas)

A redação antiga do art. 114 da Constituição, antes da EC n.° 45/2004, era contemplada da seguinte sorte, in verbis:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas.

Pelo novel inciso I do art. 114 da Constituição a Justiça do Trabalho passou a ter competência para equacionar todas as questões decorrentes da relação de trabalho, expressão esta, muito mais ampla, do que a representada pela relação de emprego.

Nesse norte, disparam Grijalbo Fernandes Coutinho e Marcos Neves Fava, in verbis:

De plano, a competência da Justiça do Trabalho estendeu-se do julgamento das lides decorrentes dos contratos de empregado para a decisão de todas as que derivem das relações de trabalho. [...] Qualquer litígio que decorra do trabalho humano tem, agora, sua solução submetida à apreciação desse ramo do judiciário, promovido, enfim, de ‘justiça do emprego’ a Justiça do Trabalho. [04]

O prof. Amauri Mascaro Nascimento, ao comentar acerca da nova competência do Judiciário Especializado Laboral, relata, ipsis litteris:

A alteração da competência constitucional material da Justiça do Trabalho pela Reforma do Poder Judiciário quanto aos tipos de vínculos de trabalho que podem ser submetidos à sua apreciação reside num ponto: a competência que era para dissídios entre trabalhadores e empregadores, passa a ser para ações oriundas da relação de trabalho, ao se limitando mais a questões de trabalho contra empregadores, mas de todo prestador pessoa física contra todo tomador do trabalho da pessoa física, o que abrangerá prestações de serviços autônomos, serviços eventuais e outros tipos, mudança que vai exigir algum tempo para que possa ser devidamente assimilada.

[...]

Entendemos que houve primeiro uma inversão.O que só podia ser julgado em caráter excepcional mediante lei autorizante, passou a não mais depender de uma lei atributiva de competência.Segundo, uma ampliação, porque enquanto antes só podiam ser julgadas, como regra geral, questões entre trabalhadores e empregadores, agora podem ser decididas todas as questões de relação de trabalho, mesmo aquelas cujo pólo passivo do vínculo não venha a ser empregador. E por outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei, o que nos parece viável entender é que, diante da ampliação do quadro a competência para toda relação de trabalho e tendo em vista a amplitude desse quadro, poderá o legislador, a seu critério, ampliar, ainda mais, a competência do Judiciário Trabalhista, por exemplo, no futuro para previdência complementar ou oficial. [05]

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Já Cláudio Armando Couce de Menezes e Leornardo Dias Borges, ressaltaram, in verbis:

A Reforma do Poder Judiciário, conquanto tenha trazido alguns pontos que foram prejudiciais para a magistratura como um todo, não há como negar que a Justiça do Trabalho foi a mais prestigiada. A começar pelo acréscimo do número de Ministros do Tribunal Superior do Trabalho, o término da discussão acerca da competência para processar e julgar hábeas corpus, a manutenção do chamado poder normativo, entre tantas outras questões. Mas o destaque mesmo fica por conta do aumento da competência material da Justiça do Trabalho. Inúmeras matérias que até então eram da competência da Justiça Estadual, como as ações que envolviam a representação sindical, as ações que versavam sobre a relação de trabalho e matérias a ela conexas, agora fazem parte da Justiça do Trabalho. Questões processadas na Justiça Federal comum passam para a Justiça do Trabalho, como as execuções fiscais trabalhistas, seus mandados de segurança e as ações declaratórias de negação do débito. [06]

Sobremais, Cláudio Mascarenhas Brandão, ensina, ipsis litteris:

Por isso, pode-se concluir que a Justiça Especializada deixa de ser a ‘justiça do trabalho’ na adjetivação que tradicionalmente se lhe dava, no sentido de corresponder à justiça que envolve o labor de natureza subordinada, para significar, desta feita, a ‘justiça dos trabalhos’, isto é, das variadas formas de trabalho independentemente do direito material aplicável.

[...]

Estariam aí incluídas as atividades executadas por trabalhadores das mais variadas espécies: além daquela de natureza subordinada, que já era tradicionalmente submetida ao crivo de apreciação desse ramo do judiciário, ter-se-ão, agora, as diversas outras modalidades que ficaram afastadas, a exemplo daquela realizada pelo trabalhador autônomo; pelo trabalhador eventual; pelo trabalhador que executa serviço de natureza gratuita (na hipótese de lesão à integridade física, por exemplo); pelo estagiário (da qual advém efeitos patrimoniais ou não em virtude dos quais pode possuir uma demanda em face do tomador dos seus serviços – expressão utilizada para identificar a pessoa que obtém o resultado da atividade por ele executada), como o seguro para cobertura de acidentes pessoais que por lei está a cargo da pessoa jurídica que o contrata. [07]

Como se não bastasse, o entendimento de que a Justiça do Trabalho, diante da nova competência constitucional, pode conhecer de ações atinentes à relação de trabalho é, também, divulgado por Edilton Meireles [08], Francisco Rossal de Araújo [09], entre outros.

Saliente-se, por fim, as conclusões do ministro do TST, João Oreste Dalazen, in verbis:

Sintomático desse manifesto intuito do legislador é também o fato de que, diferentemente da redação anterior o art. 114, a atual não repia a referência a dissídio entre trabalhadores e empregadores. O silêncio eloqüente acerca dos sujeitos em que se pode configurar um dissídio advindo da relação de trabalho também sinaliza, iniludivelmente, que se ojbetivou mesmo a expansão dos domínios da Justiça do Trabalho, de maneira a inscrever em sua esfera muitos outros litígios derivantes de relação de trabalho, em sentido lato, em que não haja vínculo empregatício. [10] (grifos do autor).

Desse jaez, induvidosamente, a Justiça do Trabalho, após a EC n.° 45/2004, passou a ter competência para processar e julgar demandas decorrente da relação de trabalho.


3 A NATUREZA JURÍDICA DA FUNÇÃO DE DEFENSOR PÚBLICO DATIVO

A fim de esclarecer a situação objeto desta simplória pesquisa, necessário traçar linhas gerais acerca da temática agente público. Referido termo é utilizado em sentido amplo, para englobar "...o conjunto de pessoas que, a qualquer título, exercem uma função pública como prepostos do Estado." [11] Por ser crivado em sentido lato, enseja sua divisão em três espécies [12], a saber:

a) agentes políticos: correspondem aqueles agentes investidos por intermédio de eleição para cumprir um mandato;

b) agentes particulares colaboradores: representam os particulares no exercício de funções especiais e públicas; trata-se do exercício de um verdadeiro munus público. Não tem qualquer vínculo de emprego com a Administração Pública [13]. Na maioria dos casos exercem funções transitórias. Podem ser remunerados ou não. Seria o caso dos jurados, dos mesários e secretários eleitorais, dos cartórios extrajudiciais, DOS DEFENSORES DATIVOS etc.; e,

c) servidores públicos: é a categoria de maior número. São as pessoas jurídicas que prestam serviços ao Poder Público com vínculo empregatício [14]. Tem as seguintes características [15]: c1) profissionalidade: exercem efetiva profissão, formando uma categoria de trabalhadores; c2) definitividade: no sentido de permanência; e, c3) relação jurídica de trabalho: quando ingressa no serviço público, o ato é representado pela admissão, enquanto quando se desliga o ato é evidenciado pela perda (exoneração ou demissão). Esta categoria pode adotar o regime estatutário, o celetista ou o especial (Constituição, inciso IX do art. 37).

Como se percebeu, a atividade cumprida pelo defensor público dativo enquadra-se na classificação da precitada letra "b", por compreender o exercício de um munus público, sendo o obreiro um agente particular colaborador. Diante da putativa ausência de defensor público, o laboralista concede seus préstimos, provisoriamente, para o exercício desta função pública relevante. Não tem, assim, qualquer relação de emprego ou de trabalho com o Estado, ao contrário do defensor público efetivo, devidamente aprovado em concurso público, que é típico servidor público.


4 A INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO PARA CONHECER DA PRETENSÃO DE COBRANÇA DE HONORÁRIOS DO DEFENSOR PÚBLICO DATIVO

Não tem a Justiça do Trabalho competência para conhecer deste tipo de relação (ação, promovida por defensor público, de cobrança de verba honorária), ainda que se pugnasse pela ampliação da competência laboral após a EC n.º 45/2004, sendo este o entendimento de Cláudio Mascarenhas Brandão, ao comentar sobre a nova competência laboral após a EC n.° 45/2004, in verbis:

Neste rol, no entanto, não se inclui os agentes políticos, já que este não mantém com o Estado uma relação ‘de natureza profissional, mas de natureza política. Exercem munus público. Vale dizer, o que os qualifica para o exercício das correspondentes funções não é a habilitação profissional, a aptidão técnica, mas a qualidade de cidadãos, membros da civitas e, por isto, candidatos possíveis à condução dos destinos da Sociedade.’

O MESMO SE DIGA DOS ‘REQUISITADOS PRA PRESTAÇÃO DE ATIVIDADE PÚBLICA, QUAIS OS JURADOS, MEMBROS DA MESA RECEPTORA OU APURADORA DE VOTOS QUANDO DAS ELEIÇÕES, RECRUTADOS PARA O SERVIÇO MILITAR OBRIGATÓRIO, ETC. ESTES AGENTES EXERCEM UM MUNUS PÚBLICO’, ALÉM DOS ‘DELEGADOS DE FUNÇÃO OU OFÍCIO PÚBLICO, QUAIS OS TITULARES DE SERVENTIAS DA JUSTIÇA NÃO OFICIALIZADAS’. DESTAQUE-SE QUE, DENTRE OS ‘REQUISITADOS’ PELO PODER PÚBLICO, PODEM SER INCLUÍDOS OS MEMBROS DE COMISSÕES (DE LICITAÇÃO, DE CONCURSO, ETC.), MEMBROS DE CONSELHOS (DA CRIANÇA E ADOLESCENTES, DA REPÚBLICA, ETC.), O INTERVENTOR NAS LIQUIDAÇÕES EXTRAJUDICIAIS, OS OCUPANTES DE FUNÇÕES HONORÍFICAS E OS AUXILIARES DA JUSTIÇA (PERITO, DEPOSITÁRIO, ADMINISTRADOR, CONCILIADOR, SÍNDICO DA MASSA FALIDA, COMISSÁRIO NA CONCORDATA, JURADOS, JUÍZES TEMPORADOS, ETC.). [16](grifo nosso)

Induvidosamente, portanto, aflora-se patente à incompetência desta Justiça Especializada para conhecer da presente pretensão.

O defensor público dativo, como visto, é um agente colaborador do Estado. Seu vínculo é meramente administrativo. Eventuais honorários devidos devem ser perseguidos junto à Justiça Comum Estadual. A figura do defensor é similar a do jurado ou mesário da Justiça Eleitoral, que, também, são agentes colaboradores. Não se cogita de ação trabalhista aforada por jurado ou mesário junto à Justiça do Trabalho pugnando o recebimento de eventual valor devido. O mesmo raciocínio vale para o defensor público dativo. Frise-se: as relações são administrativas e refogem da competência da Especializada.

Ademais, o art. 114 da Constituição, com redação alterada pela EC n.º 45/2004, delineou a competência do Poder Judiciário Laboral [17], tendo o seu inciso IX contemplado, in verbis:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

omissis

IX – outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei;

Como informa Carlos Henrique Bezerra Leite [18], a competência material pode ser dividida em três subespécies (material original, material derivada e executória). A que nos interessa, por ora, é a competência material derivada, ou seja, aquela que encontra sustentáculo no inciso IX do art. 114 da CR. Para reconhecê-la mister ato normativo expresso, dispondo que a Justiça Laboral é competente, sendo vedado qualquer tipo de presunção, conforme se denota da expressão "na forma da lei", constante do dispositivo constitucional aludido. Verbi gratia, poderia ser citado, o caso dos avulsos, que não são empregados, mas mantém relação de trabalho, tendo a CLT no caput e no § 3° do art. 643, dito, textualmente, que o Poder Judiciário do Trabalho é o competente para conhecer deste tipo de demanda, cumprindo, deste modo, com os requisitos exigidos.

Trata-se, desse molde, de uma norma "aberta" de competência. Permite que a Justiça do Trabalho conheça de novas demandas, aumentando, portanto, a sua competência. Todavia, para isto ocorrer, como já dito, mister a presença de um ato normativo específico assim prevendo, como foi o ocorrido com os avulsos e os pequenos empreiteiros. In casu, isto não foi verificado. Noutro falar: INEXISTE QUALQUER LEI CONFERINDO AO JUDICIÁRIO LABORAL COMPETÊNCIA PARA AÇÃO TRABALHISTA DE DEFENSOR DATIVO EM FACE DO ESTADO.

Existem vários critérios para definir-se a competência, surgindo daí várias espécies da mesma. Entre elas, encontra-se a competência em relação à matéria, conceituada e discorrida por Carlos Henrique Bezerra Leite, in verbis:

A competência em razão da matéria no processo do trabalho é delineada em virtude da natureza da relação jurídica material deduzida em juízo.

Tem-se entendido que a determinação da competência material da Justiça do Trabalho é fixada em decorrência da causa de pedir e do pedido.

Assim, se o autor da demanda aduz que a relação material é regida pela CLT e formula pedidos de natureza trabalhista, só há um órgão do Poder Judiciário pátrio que tem competência para processar e julgar tal demanda: a Justiça do Trabalho." [19]

O sempre mencionado ministro do TST, João Oreste Dalazen, com extrema maestria e feliz síntese, conceituou a competência material, ipsis litteris:

...o que dita a competência material da Justiça do Trabalho é a qualidade jurídica ostentada pelos sujeitos do conflito intersubjetivo de interesses: empregado e empregador.... [20]

Não se olvide que as nomeações de dativos ou ad hoc impossibilitam o reconhecimento de vínculo de emprego, consoante destaca a OJ n.° 164 da SBDI-1 do colendo TST - cuja pode ser manejada por analogia (CLT, art. 8°) para os casos de defensores públicos dativos - in verbis:

164. Oficial de justiça ad hoc. Inexistência de vínculo empregatício.

Não se caracteriza o vínculo empregatício na nomeação para o exercício das funções de oficial de justiça "ad hoc", ainda que feita de forma reiterada, pois exaure-se a cada cumprimento de mandado. (grifo no original).

Amparado esta tese, encontra-se, outrossim, o posicionamento TST que tem rechaçado a competência da Justiça do Trabalho para conhecer de demanda de cobrança de honorários advocatícios, como se observa dos arestos infra, in verbis:

EMENTA MANDADO DE SEGURANÇA. CONTRATO DE HONORÁRIOS DVOCATÍCIOS. COBRANÇA. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO.

A cobrança de honorários advocatícios, na hipótese vertente, não se amolda ao disposto nos Enunciados nºs 219 e 329 da Corte, ou seja, de honorários decorrentes da sucumbência quando há a assistência sindical, mas sim de própria execução de contrato de honorários. Trata-se, assim, de execução de contrato civil celebrado entre o advogado e seu cliente. E ainda mais agravada, dado inexistir nos autos referido contrato, mas sim mera ata da Assembléia Geral que autorizou a proposição de Reclamação Plúrima e aprovação de 10% sobre a condenação a título de honorários para a assessoria jurídica do Sindicato. O artigo 24 da Lei nº 8906/94, assim, não tem o condão de ampliar a competência da Justiça do Trabalho, estabelecida no artigo 114 da Constituição Federal, revelando-se mero comando emergente nas hipóteses de cumprimento da sentença exeqüenda. Recurso provido para, declarando a incompetência da Justiça do Trabalho e anulando os atos decisórios praticados, remeter os autos a uma das Varas Cíveis da Circunscrição Judiciária de Salvador/BA.

DECISÃO

Por unanimidade, dar provimento ao Recurso Ordinário para declarar a incompetência da Justiça do Trabalho, anulando, em conseqüência, todos os atos decisórios proferidos nestes autos. [21] (destaques no original)

EMENTA MANDADO DE SEGURANÇA - INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO - POSTULAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS PELO PRÓPRIO CAUSÍDICO. Tendo em vista que não se trata de discussão acerca de serem devidos, ou não, os honorários advocatícios, nos termos das Súmulas nºs 219 e 329 do TST, mas, sim, de cobrança dos honorários pelo causídico, em nome próprio, tem-se que a Justiça do Trabalho apresenta-se incompetente, porquanto não se trata de controvérsia decorrente da relação de trabalho, nos termos do que preconiza o art. 114 da Constituição Federal de 1988. Recurso ordinário a que se nega provimento, embora por fundamento diverso.

DECISÃO

Por unanimidade, negar provimento ao recurso ordinário. [22] (estaques no original)

EMENTA MANDADO DE SEGURANÇA. COBRANÇA DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CONTRATO DE NATUREZA CIVIL. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. 1. Não se vislumbra violência a direito líquido e certo em ato de juiz que declara a incompetência da Justiça do Trabalho para dirimir controvérsia oriunda de contrato civil entre profissional liberal e seu cliente. 2. Recurso ordinário conhecido, mas a que se nega provimento.

DECISÃO

Por unanimidade, negar provimento ao Recurso Ordinário. [23] (estaques no original)

Por sua vez, o STJ, equacionando conflito de competência, deixou assentado que em casos como o apresentado, compete ao Juízo de direito apreciar a demanda, e não a Justiça do Trabalho, como se denota do aresto infra, ipsis litteris:

Ementa CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. EXECUÇÃO FUNDADA NO ARTIGO 585, II, CPC. COBRANÇA DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS ARBITRADOS EM FAVOR DO DEFENSOR DATIVO EM PROCESSO CRIMINAL QUE TEVE CURSO PERANTE A JUSTIÇA FEDERAL COM A ABSOLVIÇÃO DO RÉU. HIPÓTESE QUE NÃO SE ENQUADRA NA COMPETÊNCIA PREVISTA NO ARTIGO 575, IV, CPC. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE DIREITO SUSCITADO.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do conflito e declarar competente a 19ª Vara Cível de Comércio e Família de Belém - PA, a suscitada. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Ruy Rosado de Aguiar, Ari Pargendler,

Carlos Alberto Menezes Direito, Nilson Naves, Eduardo Ribeiro, Waldemar Zveiter e Barros Monteiro. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Aldir Passarinho Júnior. [24] (destaques no original).

Induvidosamente, portanto, aflora-se patente à incompetência da Justiça Especializada Laboral para conhecer deste tipo de pretensão.

A relação posta em Juízo é tipicamente administrativa, não correspondendo a uma relação de trabalho, nem mesmo no sentido amplo. O defensor público dativo não é empregado do Estado. Mas, também, não é autônomo ou eventual. Em verdade, não manteve qualquer contato com o Estado; foi apenas e supostamente nomeado para exercer a função de defensor público dativo, nomeação esta decorrente de um ato administrativo praticado por um juiz de direito.

Não está aqui negando a amplitude dos termos do inciso I do art. 114 do Texto da Constitucional, porquanto, efetivamente ele menciona que este Judiciário Especializado é competente para conhecer das lides decorrentes da relação de trabalho. Visa-se, apenas, emprestar ao sobredito preceptivo, interpretação conforme a Constituição. Ora, em tese, a relação do servidor público estatutário é considerada como relação de trabalho (afirmação lançada por argumento), porém, o STF considerou que a sua natureza administrativa impede o deslocamento de lides desta natureza para a Justiça do Trabalho, como se vê de trecho do voto do ministro Nelson Jobim, ao julgar a ADI n.° 3.395 aforada pela AJUFE – Associação dos Juízes Federais do Brasil, in verbis:

[...] A NÃO INCLUSÃO DO ENUNCIADO ACRESCIDO PELO SF EM NADA ALTERA A PROPOSIÇÃO JURÍDICA CONSTIDA NA REGRA. [...] NÃO HÁ QUE SE ENTENDER QUE A JUSTIÇA TRABALHISTA, A PARTIR DO TEXTO PROMULGADO, POSSA ANALISAR QUESTÕES RELATIVAS AOS SERVIDORES PÚBLICOS. ESSAS DEMANDAS VINCULADAS A QUESTÕES FUNCIONAIS A ELES PERTINENTES, REGIDOS QUE SÃO PELA LEI 8112/90 E PELO DIREITO ADMINISTRATIVO, SÃO DIVERSAS DOS CONTRATOS DE TRABALHO REGIDOS PELA CLT. [...] EM FACE DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE E AUSÊNCIA DE PREJUÍZO, CONCEDO A LIMINAR, COM EFEITO ''EX TUNC''. DOU INTERPRETAÇÃO CONFORME AO INC. I DO ART. 114 DA CF, NA REDAÇÃO DA EC Nº 45/04. SUSPENDO, AD REFERENDUM, TODA E QUALQUER INTERPRETAÇÃO DADA AO INC. I DO ART. 114 DA CF, NA REDAÇÃO DADA PELA EC 45/04, QUE INCLUA, NA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO, A ‘...APRECIAÇÃO. .. DE CAUSAS QUE... SEJAM INSTAURADAS ENTRE O PODER PÚBLICO E SEUS SERVIDORES, A ELE VINCULADOS POR TÍPICA RELAÇÃO DE ORDEM ESTATUTÁRIA OU DE CARÁTER JURÍDICO-ADMINISTRATIVO. [25] (destaques nossos)

Campeada liminar, foi referendada pela excelsa Corte, nos seguintes termos:

Decisão: O Tribunal, por maioria, rejeitou a questão preliminar de legitimidade das requerentes suscitada pelo Senhor Ministro Marco Aurélio. Prosseguindo, o Tribunal, também por maioria, vencido o Senhor Ministro Marco Aurélio, referendou a liminar concedida, nos termos do voto do Relator. Votou a Presidente, Ministra Ellen Gracie (Vice-Presidente no exercício da Presidência). Ausentes, justificadamente, os Senhores Ministros Gilmar Mendes e Eros Grau. Falou pelo amicus curiae, Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho-ANAMATRA, o Dr. Alberto Pavie Ribeiro. Plenário, 05.04.2006.

Portanto, pela mencionada decisão da ADI n.° 3.395, é vedada qualquer interpretação que permita a competência da Justiça do Trabalho para apreciar questões decorrentes de relação estatuária ou jurídica-administrativa, enquadrando neste último caso a situação do defensor público dativo.

Por corolário, ainda que se fosse considerada a relação posta em Juízo como de trabalho, denota-se sua natureza administrativa, frustrando-se, portanto, o direcionamento da demanda à Justiça Laboral.

Além disso, não se pode ampliar, demasiadamente, a competência constitucional da Justiça do Trabalho. Até porquanto esta nova roupagem visou, em verdade, facilitar aqueles trabalhadores mais humildes (socialmente e financeiramente), que se aproximavam da figura do empregado, mas que não tinham a prerrogativa de ter uma Justiça célere ao dispor. Neste sentido é a doutrina de Carlos Henrique Bezerra Leite, in verbis:

Uma advertência final: a ampliação da competência da Justiça do Trabalho para as demandas oriundas da relação de trabalho – não de emprego – deve estar centrada no fator ‘trabalho e pela sua afinidade com a relação de emprego, pois a mens legis possui, a nosso ver, forte conotação de inclusão social daqueles trabalhadores – não empregados – que, de fato, estão situação econômicas e sociais que exijam um rápido e efetivo acesso à Justiça. [26]

No caso concreto, a relação do defensor público dativo não se aproxima da relação de emprego. Na maioria das vezes, o Estado (numa visão de Poder Executivo) – suposto tomador dos serviços – nem tem ciência da nomeação e nem participa da escolha. Além disto, o defensor público dativo não é um típico hipossuficiente. Muito ao revés, trata-se de profissional extremamente qualificado, que exerce a função de advogado.

A questão é tão relevante, que tramita no STF reclamação contra decisão que firmou competência da Justiça do Trabalho para conhecer destas demandas de defensores dativos, tendo como relator, o Min. Sepúlveda Pertence, que indeferiu a liminar pleiteada, contado, porém, com parecer do Procurador Geral da República [27].

Sobre o autor
Bruno Gomes Borges da Fonseca

procurador do Trabalho, lotado na Procuradoria Regional da 23ª Região, ex-procurador do Estado do Espírito Santo, pós-graduado em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Estado do Espírito Santo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FONSECA, Bruno Gomes Borges. A incompetência da Justiça do Trabalho para conhecer de demanda promovida pelo defensor público dativo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1408, 10 mai. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9860. Acesso em: 24 nov. 2024.

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