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Compreendendo a ADI 3396, a consequência de seu julgamento sobre a advocacia pública ou como não cair em clickbait

Agenda 15/07/2022 às 18:15

Houve uma disseminação de notícias e postagens em redes sociais dando a entender que, a partir da ADI 3396, o Estatuto da Advocacia não seria mais aplicável aos advogados públicos.

1. INTRODUÇÃO

Na tarde do dia 23 de junho de 2022, o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento da ADI 3396, proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. O fato foi seguido de notícias e postagens em redes sociais que deram a entender que, a partir deste julgamento, a Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia) não seria mais aplicável aos advogados públicos.

O objeto da ADI é o art. 4º da Lei nº 9.527, de 10 de dezembro de 1997, que altera dispositivos do Regime Jurídico dos Servidores Civis Federais, leis que concederam reajustes a servidores federais, a lei que trata do Tribunal Marítimo e exclui a aplicação de artigos do Estatuto da Advocacia aos advogados que trabalham na Administração Pública de todos os entes da Federação.

Ao final houve pedido de liminar para afastar a aplicação do mencionado artigo 4º.

Se você quer compreender melhor o que de fato foi julgado e não cair em clickbait, estratégia de marketing digital que tem potencial enorme de gerar informação deformada ou incompleta, é só seguir este breve artigo.

2. CLICKBAIT ATÉ NO MUNDO JURÍDICO

Clickbait pode ser traduzido literalmente como isca de clique ou em também como caça-clique. É uma tática utilizada na internet, geralmente com títulos chamativos, para obter o máximo de cliques em materiais de áudio, texto e vídeo, às vezes divulgando notícias completamente falsas, imprecisas ou que não atendem exatamente as expectativas de quem acessou o conteúdo.

De acordo com o wikipedia caça-clique[1] (adaptação ao português de clickbait[2]) é um termo que se refere a conteúdo da internet que é destinado à geração de receita de publicidade on-line, normalmente às custas da qualidade e da precisão da informação, por meio de manchetes sensacionalistas e/ou imagens em miniatura chamativas para atrair cliques e incentivar o compartilhamento do material pelas redes sociais. Manchetes caça-cliques costumam prover somente o mínimo necessário para deixar o leitor curioso, mas não o suficiente para satisfazer essa curiosidade sem clicar no conteúdo vinculado.[3][4][5][1].

A gigantesca quantidade de informações disponíveis na internet dificulta a captura da atenção de um internauta a ponto de gerar um clique, o que leva alguns a se render a tal tática.

É nesse contexto que analisaremos o teor da ADI 3396 diante de algumas postagens em redes sociais e notícias que divulgaram com todas as letras ou deram a entender que o Estatuto da Advocacia não seria mais aplicável aos advogados públicos.

No entanto, não foi essa a decisão.

3. ADVOCACIA PÚBLICA PROVIMENTO Nº 114/2006 DO CONSELHO FEDERAL DA OAB

Antes da análise da ADI 3396, é recomendável que se saiba quem exerce a advocacia pública. Para isso, vejamos o que diz o Provimento nº 114/ de 10/10/2006 do Conselho Federal da OAB, em seus arts. 1º e 2º a seguir expostos:

Art. 1º A advocacia pública é exercida por advogado inscrito na OAB, que ocupe cargo ou emprego público ou de direção de órgão jurídico público, em atividade de representação judicial, de consultoria ou de orientação judicial e defesa dos necessitados.

Art. 2º Exercem atividades de advocacia pública, sujeitos ao presente provimento e ao regime legal a que estejam submetidos:

I - os membros da Advocacia-Geral da União, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, da Procuradoria-Geral Federal, da Consultoria-Geral da União e da Procuradoria-Geral do Banco Central do Brasil;

II - os membros das Defensorias Públicas da União, dos Estados e do Distrito Federal;

III - os membros das Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das respectivas entidades autárquicas e fundacionais;

IV - os membros das Procuradorias e Consultorias Jurídicas junto aos órgãos legislativos federais, estaduais, distrital e municipais;

V - aqueles que sejam estáveis em cargo de advogado, por força do art. 19 do ADCT.

O rol acima transcrito pode ser encarado como exemplificativo e não taxativo, tendo em vista que o art. 1º do mesmo Provimento afirma que exercem a advocacia pública os advogados que ocupam cargo ou emprego público.

Os advogados das empresas públicas e sociedades de economia mista, muito embora não estejam expressamente citados no art. 2º do Provimento nº 114/2006, também são advogados públicos.

Isto porque as empresas públicas e sociedades de economia mista fazem parte da Administração Pública indireta, assim como as autarquias e fundações.

4. COMPREENDENDO A ADI 3396

Visando uma melhor compreensão do julgamento da ADI 3396, vejamos o dispositivo impugnado e sobre quais dispositivos o mesmo incidia:

Lei nº 9.527/97

Art. 4º As disposições constantes do Capítulo V, Título I, da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, não se aplicam à Administração Pública direta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como às autarquias, às fundações instituídas pelo Poder Público, às empresas públicas e às sociedades de economia mista.

Lei nº 8.906/94

CAPÍTULO V

Do Advogado Empregado

Art. 18. A relação de emprego, na qualidade de advogado, não retira a isenção técnica nem reduz a independência profissional inerentes à advocacia.

§ 1º O advogado empregado não está obrigado à prestação de serviços profissionais de interesse pessoal dos empregadores, fora da relação de emprego. (Incluído pela Lei nº 14.365, de 2022)

§ 2º As atividades do advogado empregado poderão ser realizadas, a critério do empregador, em qualquer um dos seguintes regimes: (Incluído pela Lei nº 14.365, de 2022)

I - exclusivamente presencial: modalidade na qual o advogado empregado, desde o início da contratação, realizará o trabalho nas dependências ou locais indicados pelo empregador; (Incluído pela Lei nº 14.365, de 2022)

II - não presencial, teletrabalho ou trabalho a distância: modalidade na qual, desde o início da contratação, o trabalho será preponderantemente realizado fora das dependências do empregador, observado que o comparecimento nas dependências de forma não permanente, variável ou para participação em reuniões ou em eventos presenciais não descaracterizará o regime não presencial; (Incluído pela Lei nº 14.365, de 2022)

III - misto: modalidade na qual as atividades do advogado poderão ser presenciais, no estabelecimento do contratante ou onde este indicar, ou não presenciais, conforme as condições definidas pelo empregador em seu regulamento empresarial, independentemente de preponderância ou não. (Incluído pela Lei nº 14.365, de 2022)

§ 3º Na vigência da relação de emprego, as partes poderão pactuar, por acordo individual simples, a alteração de um regime para outro. (Incluído pela Lei nº 14.365, de 2022)

Art. 19. O salário mínimo profissional do advogado será fixado em sentença normativa, salvo se ajustado em acordo ou convenção coletiva de trabalho.

Art. 20. A jornada de trabalho do advogado empregado, quando prestar serviço para empresas, não poderá exceder a duração diária de 8 (oito) horas contínuas e a de 40 (quarenta) horas semanais. (Redação dada pela Lei nº 14.365, de 2022)

§ 1º Para efeitos deste artigo, considera-se como período de trabalho o tempo em que o advogado estiver à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, no seu escritório ou em atividades externas, sendo-lhe reembolsadas as despesas feitas com transporte, hospedagem e alimentação.

§ 2º As horas trabalhadas que excederem a jornada normal são remuneradas por um adicional não inferior a cem por cento sobre o valor da hora normal, mesmo havendo contrato escrito.

§ 3º As horas trabalhadas no período das vinte horas de um dia até as cinco horas do dia seguinte são remuneradas como noturnas, acrescidas do adicional de vinte e cinco por cento.

Art. 21. Nas causas em que for parte o empregador, ou pessoa por este representada, os honorários de sucumbência são devidos aos advogados empregados.

Parágrafo único. Os honorários de sucumbência, percebidos por advogado empregado de sociedade de advogados são partilhados entre ele e a empregadora, na forma estabelecida em acordo.

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O Conselho Federal da OAB ingressou com a ADI 3396 contra o art. 4° da Lei 9.527/98, que diz que os arts. 18 a 21 da Lei nº 8.906/94 (capítulo V do estatuto que trata dos advogados empregados) não se aplicam à administração pública direta e indireta de todos as esferas da federação.

A OAB defendeu que este dispositivo viola o caput do art. 5º (princípio da isonomia) e a regra prevista no § 1º[2] do art. 173 da Constituição Federal de 1988 (uso do regime próprio das empresas privadas nas estatais).

O STF julgou parcialmente procedente a ADI concluindo, em resumo, que os artigos do estatuto da OAB que tratam de advogado empregado não se aplicam aos advogados públicos estatutários (procuradores dos estados, procuradores de autarquia, etc), mas se aplicam aos advogados empregados públicos de empresa pública, sociedade de economia mista e subsidiária não monopolística.

Agora passemos à análise da ADI e as consequências de seu julgamento.

5. HISTÓRICO RELATADO NA ADI 3396 MEDIDA PROVISÓRIA 1522 E AS ADIS 1588 E 1552

Ao detalhar o cabimento da ADI, a OAB historiou as ações de controle de constitucionalidade anteriores em combate ao art. 4° da Lei 9.527/98, que foi incluído nesta lei por força da MP 1522, com a mesma redação atual.

Contra essa MP foram ajuizadas duas ADIs: a que foi movida pelo Conselho Federal da OAB recebeu o nº 1588, enquanto a ajuizada pela Confederação Nacional das Profissões Liberais foi numerada como 1552.

Todavia, tendo em vista que o § 1º do art. 173 da Constituição Federal foi alterado pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998, o STF entendeu por extinguir ambas as ADIs.

O Conselho Federal da OAB, então, aditou a inicial e ingressou com Agravo Regimental, contudo não obteve êxito na manutenção da ADI 1588.

Nesse contexto, a inconstitucionalidade persistiu, pois, além da alteração constitucional não ter sido substancial, incluindo a alegação da violação de um novo dispositivo (caput do art. 5º da CF), a extinção sem julgamento do mérito não impedia o ajuizamento de nova ADI justamente o que a OAB optou por fazer.

6. VIOLAÇÃO AO ART. 173 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Visando reforçar sua tese de que o dispositivo combatido (art. 4° da Lei 9.527/98) se mantinha inconstitucional o Conselho Federal da OAB lembrou que na ADI 1552 foi concedida uma medida cautelar, justamente por conta da violação ao § 1º do art. 173 da CF/88.

Para tanto transcreveu a ementa da decisão, que reproduzimos abaixo:

ADI 1552 MC/DF-DISTRITO FEDERAL MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Relator: Min. CARLOS VELLOSO

"EMENTA: CONSTITUCIONAL ADVOGADO-EMPREGADO. ADVOGADOS. EMPRESAS PÚBLICAS E SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA. Medida Provisória 1.522-2, de 1996, artigo 3. Lei 8.906 94, arts. 18 a 21. CE, art. 173. § 1º. I- As empresas públicas, as sociedades de economia mista e outras entidades que explorem atividade econômica em sentido estrito, sem monopólio, estão sujeitas ao regime próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias. C.F., art. 173, § 1°. II. - Suspensão parcial da eficácia das expressões "às empresas públicas e às sociedades de economia mista", sem redução do texto, mediante a aplicação da técnica da interpretação conforme: não aplicabilidade às empresas públicas e às sociedades de economia mista que explorem atividade econômica, em sentido estrito, sem monopólio. III. - Cautelar deferida."

Em suma, o Ministro Relator entendeu que as empresas públicas, as sociedades de economia mista e quaisquer outras entidades que explorem atividade econômica, sem monopólio, são concorrentes das empresas privadas e, por isso, devem se sujeitar à mesma legislação trabalhistas destas.

7. VIOLAÇÃO AO CAPUT DO ART. 5º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Aqui o Conselho Federal da OAB defende que o dispositivo combatido viola o princípio da isonomia[3] ao deixar de aplicar os arts. 18 a 21 do Estatuto da OAB aos advogados empregados das empresas públicas e sociedades de economia mista, e advogados empregados da Administração Direta, autarquia e fundações instituídas pelo poder público.

Tanto estes quantos os advogados privados exerceriam o mesmo trabalho, não podendo haver tratamento diferenciado tão somente por terem empregadores diferentes.

8. JULGAMENTO DA ADI 3396

8.1. MANIFESTAÇÕES DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, DO CONGRESSO NACIONAL, DA ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO E PROCURADORIA GERAL DA UNIÃO

O Ministro Relator adotou o procedimento abreviado previsto no art. 12[4] da Lei nº 9.868/99 e determinou que fossem ouvidos a Presidência da República e o Congresso Nacional.

O Consultor-Geral da União, endereçando-se ao Advogado-Geral da União, que adotou os argumentos detalhados por meio de parecer jurídico daquela Consultoria, assim resumiu a manifestação contrária ao pedido do Conselho Federal da OAB:

2. As Informações AGU/LM 05/2005 e o Parecer CONJUR/057/2005 MTE/CJ, mostram, porém, com superioridade, que tal regra não ofende à igualdade porque não são iguais os que se pretende igualar nem é redutível a empresa ou fundação pública, assim como autarquia a ou a economia mista, a um regime único de disciplina eis que têm elas tantas e tamanhas diferenças que è desarrazoado e porventura inviável constitucionalmente simplesmente equipará-las sem qualquer critério como propõe a Autora.

3. Pelo contrário, além de ter o intérprete de realizar juízo acerca da extensão e abrangência dos arts. 18 a 21 L. 8.906/94 - o que logicamente exclui a avaliação da inconstitucionalidade por via da ADIN eis que é indireta a ofensa e descabida assim a ação - no que diz respeito ao advogado público, da administração direta e indireta, o regime da Lei nº 8.906/94 sofre evidente limitação - apesar do disposto nos seus arts. 3º, § 1º e 4º caput que têm de ser entendidos com esse moderador-quando se cuida da aplicação do estatuto da advocacia ao servidor público advogado. O estatuto do advogado público em rigor é o da sua lei de regência e é a ela que se refere a relação profissional dele com a instituição a que serve, pena de existirem, por exemplo, dois regimes disciplinares, dois regimes regulatórios ou de direitos e vantagens, ou de desempenho profissional, exceto apenas quando a própria lei funcional nela dispuser ou remeter à lei profissional.

4. Por isso, por trás da redação do art. 4º da Lei nº 9.527/97 que é posterior à Lei nº 8.906/94, está a idéia fundamental de que os advogados públicos não estão sujeitos às regras da Lei nº 8.906/94, exceto no que a lei própria o remeter, ou não dispuser em contrário, ou não resultar do regime funcional próprio do servidor advogado.

Já, o Congresso Nacional, por meio de sua Advocacia Geral, também se manifesta contrariamente aos pedidos da ADI3396.

Quanto à alegada violação ao § 1º do art. 173 da CF/88, o Congresso Nacional defendeu a aplicação de interpretação conforme a Constituição, nos seguintes termos: ... sem redução de texto, no sentido de não aplicabilidade tão-somente às empresas públicas e às sociedade de economia mista, sem monopólio, que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, do dispositivo contido no artigo 4º da Lei nº 9.527, de 1997, pois tais instituições estão sujeitas ao regime próprio das empresas privadas, por força de dispositivo constitucional. , sem redução de texto, para que o art. 4º da Lei nº Lei nº 9.527/97 não seja aplicado tão-somente às empresas públicas e às sociedade de economia mista, sem monopólio, que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, já que estas estão sujeitas ao regime próprio das empresas privadas, por força de dispositivo constitucional.

Já, quanto à violação ao caput do art. 5º da CF/88, o Congresso Nacional afirma que os advogados que ocupam cargo públicos são regidos por um regime próprio, que no caso da União é a Lei nº 8112, de 1990, conhecido como Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Federais, diverso do que se aplica às empresas públicas e sociedades de economia mista, que normalmente são regidas pela CLT.

Em seguida conclui que se fosse permitido aplicar aos advogados que ocupam cargos públicos os direitos previstos nos art. 19 a 21 do Estatuto da OAB, possibilitaria a aplicação de inúmeras outras legislações que regem outras profissões a profissionais, como os médicos, por exemplo, que também ocupam cargos público, o que violaria o caput do art. 5º da CF/88.

Conclui a manifestação dizendo que não estão presentes os requisitos para a concessão da cautelar requerida, pois a inicial não apontaria, em momento algum, qual seria o fumus boni iuris e o periculum in mora a justificar tal pedido.

Em seguida o Ministro Relator solicitou a manifestação da Procuradoria Geral da República, que pediu à Advocacia-Geral da União fosse ouvida previamente, o que foi deferido.

Instada a se manifestar, a AGU defendeu a rejeição dos pedidos da ADI, afirmando que entre os advogados empregados da Administração Pública e os da iniciativa privada existem diferenças insuperáveis, o que demonstraria a adequação do dispositivo legal combatido na ADI.

E se não são iguais, segue a análise da AGU, o art. 4º da Lei nº 9.527/97 veio justamente dar tratamento desigual aos desiguais, prestigiando o caput do ar. 5º da CF/88.

No que se refere ao segundo dispositivo constitucional apontado como violado (Art. 173, § 1º, II da CF/88), a AGU afirma que há uma interpretação equivocada de que o mesmo disciplinaria o regime jurídico dos advogados públicos, por dois motivos: o primeiro seria que o dispositivo constitucional disciplina a exploração de atividade econômica pelo Estado e a proteção do princípio da livre concorrência; o segundo seria de que nem nas empresas que exploram atividade econômica não se aplica aos seus empregados exatamente o mesmo regime da iniciativa privada, haja vista que para os empregados públicos também se aplicam as regras do art. 37 da CF/88.

Por fim, defende uma interpretação conforme para se decidir que o Capítulo V, Título I do Estatuto da OAB seja aplicado somente às empresas públicas e sociedades de economia mista que explorem atividade econômica sem monopólio.

8.2. PEDIDOS DE AMICUS CURIAE

Houve 12 pedidos de amicus curiae, dos quais 11 foram feitos por entidades que defendem os interesses de advogados e um pedido feito por pessoa física.

Quanto ao pedido feito por pessoa física houve uma negativa inicial, que foi combatida por meio de agravo regimental, que ao ser julgado manteve a decisão inicial, vedando a participação individual na condição de amicus.

Para melhor compreensão das razões que ensejaram a Corte a negar a participação de pessoa física na qualidade de Amicus Curiae vale a leitura do inteiro teor do acórdão[5] que julgou o agravo regimental, que não se reproduz aqui por fugir do objeto principal desta análise.

Quanto aos pedidos apresentados pelas entidades houve deferimento pelo relator e a apresentação das respectivas manifestações em defesa da procedência dos pedidos da ADI.

8.3. DECISÃO

Não houve julgamento da cautelar requerida e no dia 22/06/22 iniciou-se o julgamento do mérito da ADI.

O Ministro Nunes Marques (Relator), votou pelo conhecimento da ação e julgou parcialmente procedente o pedido formulado, para dar interpretação conforme ao art. 4º da Lei federal nº 9.527/1997, excluindo de seu alcance apenas os advogados empregados públicos de empresa pública, sociedade de economia mista e suas subsidiárias, não monopolísticas, os quais, no entanto, assim como todos os servidores e empregados públicos em geral, também estão sujeitos ao teto remuneratório do serviço público (CF, art. 37, XI), quanto ao total da sua remuneração (salários mais vantagens e honorários advocatícios), com exceção daqueles vinculados à empresa pública, sociedade de economia mista ou subsidiária que não receba recursos do ente central para pagamento de pessoal ou custeio nem exerça sua atividade em regime monopolístico, conforme o disposto no art. 37, § 9º, da Constituição Federal, na redação dada pela Emenda de n. 19/1998, tudo conforme se vê na primeira certidão de julgamento disponível no site do STF, já que ainda não foi publicado o acórdão do julgamento.

Em resumo, aos advogados empregados públicos de empresa pública, sociedade de economia mista e suas subsidiárias, não monopolísticas, devem ser aplicados os arts. 19 a 21 do Estatuto da OAB, pois, nas palavras o Relator: Esses advogados devem se submeter aos mesmos ônus e bônus do setor para não desequilibrar a concorrência.

O julgamento foi suspenso e retomado no dia seguinte, quando a divergência foi apresentada no voto no Ministro Gilmar Mendes, no que foi seguido pelos Ministros Alexandre de Moraes e Dias Toffoli.

Já os Ministros André Mendonça, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Ricardo Lewandowski e as Ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber seguiram o relator. 

Ao final, ao voto vencedor acrescentou-se a sugestão feita pelo Ministro André Mendonça, no sentido de que a incidência dos arts. 18 a 21 não afasta o princípio da vinculação ao edital a que estão submetidos os advogados contratados até o momento por empresa pública e sociedades de economia mista mediante concurso público.

Até a data em que foi escrito este artigo ainda não havia sido publicado o Acórdão do julgamento.

8.4. CONSEQUÊNCIAS DO JULGAMENTO

O art. 4º da Lei federal nº 9.527/1997 excluiu a obrigatoriedade de aplicação de todos os direitos previstos nos arts. 19 a 21 do Estatuto da OAB aos advogados públicos de todos os entes da Federação, incluídos aí advogados das empresas públicas e de sociedades de economia mista.

Parte dos direitos previstos nestes artigos do Estatuto, como a remuneração, a forma de realização do trabalho, os honorários sucumbenciais, já eram previstos nas legislações que regem algumas das carreiras de advogados públicos, o que não afetava tão fortemente estes profissionais.

Ocorre que, nem todos os advogados públicos têm previstos nas leis que tratam de suas carreiras, por exemplo, o direito ao trabalho não presencial ou ao misto ou receber honorários de sucumbência.

Muito embora o Estatuto da OAB preveja[6] que os direitos nele previstos se aplicam de forma igual aos advogados privados e públicos e os honorários advocatícios também estejam em seus arts 22 a 26, muitos advogados públicos não tinham tal direito.

A discussão quanto ao direito aos honorários advocatícios para os advogados públicos encerrou-se com o novo Código de Processo Civil, que previu em seu art. 85, § 19º[7].

Como alguns direitos previstos nos art. 19 a 21 do Estatuto da OAB passaram a ser previstos nas leis que regem as carreiras dos advogados públicos ou em leis como o CPC, a consequência mais evidente é dar tratamento isonômico aos advogados das empresas privadas e advogados empregados públicos de empresa pública, sociedade de economia mista e suas subsidiárias, não monopolísticas, haja vista que, embora os segundos sejam advogados públicos, também trabalham em pessoas jurídicas de direito privado.

8.5. A INADEQUAÇÃO DA INFORMAÇÃO PROVOCADA PELO CLICKBAIT

Tão logo foi concluído o julgamento da ADI 3396, algumas postagens nas redes sociais e sites de notícias afirmaram expressamente que o STF decidira que o Estatuto da OAB não se aplicava aos Advogados Públicos.

Por toda a análise feita no presente artigo percebe-se que o STF decidiu apenas que os arts. 19 a 21 do Estatuto da advocacia se aplicam aos advogados empregados públicos de empresa pública, sociedade de economia mista e suas subsidiárias, não monopolísticas públicos.

No entanto, a leitura apressada das postagens ou somente dos títulos levam o leitor a uma conclusão equivocada no sentido de que todo o Estatuto não se aplicaria à advocacia pública, que, na verdade, todos os demais direitos e deveres previstos no Estatuto da OAB, tais como as prerrogativas; as incompatibilidades e impedimentos; as infrações e sanções disciplinares, eram e continuam sendo plenamente aplicáveis a todos os advogados públicos.

9. CONCLUSÃO

Examinando-se as peças que compõem a ADI 3396, conclui-se que o Conselho Federal da OAB visou combater dispositivo legal que vedava expressamente a aplicação dos direitos previstos nos arts. 18 a 21 da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da OAB) aos advogados públicos.

Dentre os advogados públicos estão os que ocupam cargos na Administração Direta e Indireta de todos os entes da Federação, bem como os advogados empregados das empresas públicas e sociedades de economia mista, conforme se vê no Provimento nº 114/2006 do Conselho Federal da OAB.

Após 17 (dezessete) anos, sem apreciar a medida cautelar requerida, o STF deu ao art. 4º da Lei federal nº 9.527/1997 interpretação conforme para manter a aplicação dos arts. 18 a 21 do Estatuto da OAB apenas os advogados empregados públicos de empresa pública, sociedade de economia mista e suas subsidiárias, não monopolísticas; para dizer que, assim como todos os servidores e empregados públicos em geral, também estão sujeitos ao teto remuneratório do serviço público (CF, art. 37, XI), quanto ao total da sua remuneração (salários mais vantagens e honorários advocatícios), com exceção daqueles vinculados a empresa pública, sociedade de economia mista ou subsidiária que não receba recursos do ente central para pagamento de pessoal ou custeio nem exerça sua atividade em regime monopolístico, conforme o disposto no art. 37, § 9º, da Constituição Federal, na redação dada pela Emenda de n. 19/1998; e para afirmar que a incidência dos arts. 18 a 21 não afasta o princípio da vinculação ao edital a que estão submetidos os advogados contratados até o momento por empresa pública e sociedades de economia mista mediante concurso público.

Por fim, a leitura desavisada de recentes notícias e postagens sobre o julgamento da ADI 3396, em razão da utilização da técnica do clickbait, levam à conclusão equivocada de que o Estatuto da Advocacia não se aplicaria aos advogados públicas. Contudo, viu-se que, exceto a não aplicação dos arts. 19 a 21 daquele diploma legal a parte dos advogados públicos, todos os demais direitos e deveres aplicavam-se e continuam se aplicando aos advogados públicos ocupantes de cargos ou empregos públicos.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOURA, Fábio Oliveira. Compreendendo a ADI 3396, a consequência de seu julgamento sobre a advocacia pública ou como não cair em clickbait. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6953, 15 jul. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/99045. Acesso em: 23 nov. 2024.

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