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A Emenda Constitucional 125 e o novo filtro do recurso especial

Agenda 19/07/2022 às 14:40

Há uma irracionalidade no manejo do recurso especial por parte dos advogados. A EC 125 tenta colocar um pouco de razão nisso.

Introdução

Em 14 de julho de 2022, o Congresso Nacional promulgou a Emenda Constitucional 125, que altera o art. 105 da Constituição Federal para instituir no recurso especial o requisito da relevância das questões de direito federal infraconstitucional, com o seguinte teor:

Art. 1º O art. 105 da Constituição Federal passa a vigorar com as seguintes alterações:

"Art. 105. ......................................................................................................

§ 1º ...............................................................................................................

§ 2º No recurso especial, o recorrente deve demonstrar a relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que a admissão do recurso seja examinada pelo Tribunal, o qual somente pode dele não conhecer com base nesse motivo pela manifestação de 2/3 (dois terços) dos membros do órgão competente para o julgamento.

§ 3º Haverá a relevância de que trata o § 2º deste artigo nos seguintes casos:

I - ações penais;

II - ações de improbidade administrativa;

III - ações cujo valor da causa ultrapasse 500 (quinhentos) salários mínimos;

IV - ações que possam gerar inelegibilidade;

V - hipóteses em que o acórdão recorrido contrariar jurisprudência dominante o Superior Tribunal de Justiça;

VI - outras hipóteses previstas em lei."(NR)

Art. 2º A relevância de que trata o § 2º do art. 105 da Constituição Federal será exigida nos recursos especiais interpostos após a entrada em vigor desta Emenda Constitucional, ocasião em que a parte poderá atualizar o valor da causa para os fins de que trata o inciso III do § 3º do referido artigo.

Art. 3º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação.

Na prática, a EC 125 cria uma espécie de filtro -  mais um - na admissibilidade do Recurso Especial, como veremos a seguir.

I. Do Recurso Especial.

I.1. Recursos excepcionais.

Os recursos extraordinário e especial são considerados recursos excepcionais, porque não integram o sistema normal do duplo grau de jurisdição.

De natureza constitucional, têm a função de garantir a efetividade e a uniformidade de interpretação do direito objetivo em âmbito nacional. Não se prestam a reexaminar o desacerto da matéria fática, mas apenas questões de direito, consubstanciado na violação de norma constitucional ou da legislação federal, não servindo para corrigir eventual injustiça da decisão, mas assegurar a correta aplicação, no caso em julgamento, da Constituição ou da lei federal. Assim sendo, não se trata de um terceiro grau de jurisdição, eis que tais recursos não possibilitam o mero reexame da matéria já decidida.

Por serem excepcionais, esses recursos são técnicos e de fundamentação vinculada, ou seja, não basta a mera sucumbência para que esses recursos sejam admitidos, mas sim que se enquadre nas situações específicas previstas na Constituição Federal. Eles têm como principais características:

i) exigem o esgotamento das instâncias ordinárias (STF, súmula 281 e STJ, súmula 207);

ii) não se prestam ao reexame de provas (STF, súmula 279 e STJ, súmula 7);

iii) não visam corrigir injustiças da decisão recorrida;

iv) têm fundamentos específicos previstos na CRFB; e

v) não têm efeito suspensivo.

Os recursos excepcionais cabem contra acórdãos proferidos no julgamento de apelação, embargos infringentes e agravo de instrumento (STJ, súmula 86), em processos de conhecimento ou execução, de jurisdição contenciosa ou voluntária.

Exige-se, para autorizar o conhecimento do recurso, que a matéria tenha sido prequestionada, ou seja, que sobre ela tenha havido discussão anterior no processo. A falta de prequestionamento da matéria alegada no recurso implica na sua inadmissibilidade. Para suprir eventual ausência de prequestionamento, a parte deverá oferecer, antes, embargos de declaração (STF, súmula 356 e STJ, súmula 98).

Os recursos extraordinário e especial devem ser interpostos por petição escrita, endereçadas ao presidente do tribunal recorrido (o tribunal onde proferido o acórdão recorrido), devendo conter:

i) a exposição do fato e do direito;

ii) a demonstração do cabimento do recurso interposto e

iii) a razões do pedido de reforma da decisão recorrida.

Entendendo-se que a decisão do tribunal viola, ao mesmo tempo, dispositivo constitucional e de lei federal, deve-se interpor, simultaneamente, o Recurso Extraordinário e o Recurso Especial, sob pena de preclusão.

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Recebido o recurso, dar-se-á vista à parte contrária para apresentar as contrarrazões e, após, os autos seguirão ao Presidente ou Vice-presidente do tribunal, que fará o juízo de admissibilidade, em decisão que deve ser fundamentada (STJ, súmula 123). Caso o recurso não seja admitido, a parte poderá interpor um recurso de agravo. Se for admitido, serão remetidos para o tribunal superior competente. Se forem interpostos e admitidos os dois recursos, os autos serão remetidos primeiramente ao STJ para apreciação e julgamento do recurso especial. Depois do julgamento no STJ, os autos seguirão para o STF, para julgamento do recurso extraordinário.  

1.2. Em relação especificamente ao Recurso Especial.

Recurso especial é o recurso próprio para o STJ, nas hipóteses previstas no art. 105, III, da CF, cuja finalidade é garantir o controle da legalidade das decisões dos tribunais estaduais e da Justiça Federal e propiciar interpretação uniforme do direito federal.

O STJ tem competência para julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:

i) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;

ii) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal;

iii) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.

Note-se que o recurso especial somente terá cabimento quando a decisão que se pretende recorrer emanar de um tribunal, seja ele federal ou estadual. Decisão que não seja emanada de um tribunal não comporta o recurso especial. Assim, por exemplo, não cabe recurso especial contra decisão do juizado especial que julga o recurso inominado, pois tal decisão é proferida por um Colégio Recursal, compostos por juízes de 1º grau, que não se constitui num tribunal.   

As hipóteses de cabimento do recurso especial estão previstas taxativamente na CF, art. 105, III, a, b e c. São elas:

a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência: contrariar é dar interpretação incorreta ou equivocada ao texto da lei; negar vigência é deixa de aplicar o comando legal. Ocorrendo uma dessas situações, é cabível o recurso. É preciso observar, todavia, que a não enseja o recurso especial por negativa de vigência a decisão que deu razoável interpretação à lei, ainda que não a melhor (STF, súmula 400).

b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal: A lei federal deve prevalecer sobre os atos do governo local (estadual ou municipal). Assim, se o acórdão julga válido o ato contra a lei federal, cabe o recurso especial. Não caberá, se o ato for julgado inválido.

c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal: a hipótese em questão é de divergência jurisprudencial. Admite-se o recurso especial quando houver divergência de tribunais sobre interpretação da legislação federal. Procura-se, com isso, obter uma uniformidade na interpretação da lei. É necessário, para tanto, que a divergência seja atual (STJ, súmula 83). Não cabe, se a discussão for sobre lei estadual ou municipal. Também não cabe se a divergência se der no âmbito de um mesmo tribunal (STJ, súmula 13).

II. Dos filtros até então aplicados ao Recurso Especial.

O Recurso Especial, enquanto recurso excepcional, já tem um filtro natural que é da sua própria essência: ele tem fundamentação vinculada às hipóteses constitucionais de cabimento, só admitido nas suas estreitas ocorrências. E é por essa razão que ele está sujeito ao juízo de admissibilidade realizado pelo Presidente ou Vice-Presidente do tribunal recorrido, nos termos do art. 1.030 do Código de Processo Civil. Não sendo caso de submissão às hipóteses autorizadoras, o seguimento do recurso será negado.

O segundo filtro veio da própria jurisprudência do STJ, com as súmulas 05 e 07. Vejamos:

Súmula 5. A simples interpretação de cláusula contratual não enseja recurso especial.

Súmula 7. A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.

No Recurso Especial, pelas estreitas hipóteses de cabimento examinadas acima, só se examinam questões de direito: ele não se presta para analisar matéria fática, que refoge da sua própria natureza excepcional. Por essa razão, ele não é cabível quando o que se pretende é o reexame dos fatos e das provas dos autos. E pela mesma razão, não se justifica o reexame de cláusula contratuais. Cingindo-se o recurso à discussão de matéria fática, seu seguimento será negado no juízo de admissibilidade.

III. A EC 125 e a questão de relevância o novo filtro.

A promulgação da EC 125, alterando o art. 105 da Constituição Federal, criou um novo filtro a dificultar ainda mais a admissibilidade do Recurso Especial, adicionando os §§ 2º e 3º àquele dispositivo constitucional.

Dispõe o novel § 2º que, no recurso especial, o recorrente deve demonstrar a relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que a admissão do recurso seja examinada pelo Tribunal, o qual somente pode dele não conhecer com base nesse motivo pela manifestação de 2/3 (dois terços) dos membros do órgão competente para o julgamento.

A relevância, ora exigida, assemelha-se à repercussão geral, do Recurso Extraordinário, e à transcendência, do Recurso de Revista. Na prática, o que se está dizendo é que não é qualquer Recurso Especial que merece a atenção do STJ, mas apenas aqueles que possuem essa relevância das questões de direito federal discutidas. Assim, mesmo que o Especial reúna condições constitucionais de admissibilidade e não infrinja as súmulas 05 e 07, ele somente será julgado se a matéria impugnada oferecer a tal da relevância. Isso significa dizer que, a partir de agora, somente interesses difusos e coletivos serão objetos do Recurso Especial, assim como já ocorre com o Extraordinário. Meros interesses pessoais e individuais estão totalmente fora de questão, não apresentando relevância e não comportando o exame pelo STJ.

Vale destacar que a inadmissão do Especial pela ausência de relevância exige decisão colegiada, não podendo se dar, pois, por decisão monocrática do relator, sendo necessário, ainda, que 2/3 (dois terços) dos membros do órgão competente para o julgamento se manifestem pelo não conhecimento do Recurso.

No entanto, por força do novel § 3º, sempre haverá relevância nos seguintes casos: 

i) ações penais porque o bem jurídico em discussão é a liberdade, de importância ímpar, não podendo sofrer limitação recursal.

ii) ações de improbidade administrativa porque a improbidade afeta toda a sociedade, ultrapassando o mero interesse individual.

iii) ações cujo valor da causa ultrapasse 500 (quinhentos) salários mínimos para que o STJ possa exercer o controle dobre as causas de valor elevado principalmente sobre dano moral como já proclamava sua jurisprudência.

iv) ações que possam gerar inelegibilidade por se tratar de questão política.

v) hipóteses em que o acórdão recorrido contrariar jurisprudência dominante o Superior Tribunal de Justiça por força do art. 927 do CPC.

vi) outras hipóteses previstas em lei.

Mas é de se ressaltar que somente será exigida a questão de relevância para Recursos Especiais ajuizados depois de 14 de julho de 2022, podendo a parte recorrente atualizar o valor originário da causa para fins do inciso III.

Conclusão.

O que já era difícil, vai ficar ainda pior. O Recurso Especial é um recurso previsto para não subir: a ordem sempre foi ser barrado na admissão. E nem podia ser diferente, porque não é todo recurso que merece a atenção do STJ. Afinal, com apenas 33 ministros, não é possível conhecer e julgar todos os Recursos Especiais interpostos em todos os cantos do País. E nem é para isso que ele serve. Há, de fato, uma irracionalidade no manejo do Especial por parte dos advogados. O que a EC 125 fez, agora, é tentar colocar um pouco de razão nisso. Vai dificultar o acesso ao STJ? Com certeza que sim. Mas, porque um divórcio ou uma ação de alimentos, ou uma indenização de responsabilidade civil de acidente de trânsito tem que ser julgado por aquele Tribunal?

Bibliografia.

SALES, Fernando Augusto De Vita Borges. Novo CPC comentado: artigo por artigo. São Paulo: Rideel, 2015.

_____. Súmulas do STJ em matéria processual civil comentadas. Araçariguama: Rumo Legal, 2016.

_____. Manual de direito processual civil. São Paulo: Rideel, 2016.

_____. Manual de prática processual civil. Leme: JH Mizuno, 2020.

Sobre o autor
Fernando Augusto Sales

Advogado em São Paulo. Mestre em Direito. Professor da Universidade Paulista - UNIP, da Faculdade São Bernardo - FASB e do Complexo de Ensino Andreucci Proordem. Autor dos livros: Direito do Trabalho de A a Z, pela Editora Saraiva; Súmulas do TST comentadas, pela Editora LTr; Manual de Processo do trabalho; Novo CPC Comentado; Manual de Direito Processual Civil; Estudo comparativo do CPC de 1973 com o CPC de 2015; Comentários à Lei do Mandado de Segurança e Ética para concursos e OAB, pela Editora Rideel; Direito Ambiental Empresarial; Direito Empresarial Contemporâneo e Súmulas do STJ em Matéria Processual Civil Comentadas em Face do Novo CPC, pela editora Rumo Legal; Código Civil comentado [em 3 vols], Manual de Direito do Consumidor, Direitos da pessoa com câncer, Direito Digital e as relações privadas na internet, Manual da LGPD, Manual de Prática Processual Civil; Desconsideração da Personalidade Jurídica da Sociedade Limitada nas Relações de Consumo, Juizados Especiais Cíveis: comentários à legislação; Manual de Prática Processual Trabalhista e Nova Lei de Falência e Recuperação, pela editora JH Mizuno.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SALES, Fernando Augusto. A Emenda Constitucional 125 e o novo filtro do recurso especial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6957, 19 jul. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/99206. Acesso em: 23 nov. 2024.

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