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A lide simulada na Justiça do Trabalho

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Agenda 25/05/2007 às 00:00

CAPÍTULO III

A CONVALESCÊNCIA DA PRÁTICA DA LIDE SIMULADA

3.1. COMENTÁRIO INICIAL

3.1.1. Justificativa

Conforme comentamos nas linhas introdutórias do presente trabalho, os julgados que se processam em nossos tribunais, pertinentes ao assunto, se fundamentam na segunda parte do inciso III do artigo 485 do CPC, dando conta de colusão, conluio entre as partes, para se referir a lides simuladas. Porém, trataremos com mais detalhe de uma situação específica: qual a vantagem que obtém o empregado com a lide simulada? Nada. Não há benefícios para esta parte, só malefícios.

Maior atenção ao caso, no entanto, nos indica que, na verdade, o que envolve uma lide simulada da natureza que estudamos está presa a dois elementos específicos – dolo e coação.

Neste capítulo passaremos a investigar o aspecto da formalidade, de sorte que, ao final, pretendemos deixar demonstrada a forte presença do dolo processual que inspira o empregador ao iniciar o caminho em busca de seus resultados ilegítimos, aliado à coação, com a qual se utiliza para manipular a vontade do empregado. Também a forma como poderemos reverter o vício, restabelecendo seu caminho natural em busca da solução, agora de forma mais equilibrada, em paridade de armas, como se diz, que retrate a justiça em sua forma o tanto mais simples possível.

3.2. REMÉDIO PROCESSUAL

3.2.1. Comentário

Nesse ponto do nosso trabalho cabe uma breve reflexão sobre o problema que vimos estudando, esse mal, essa excrescência, que se refere lide simulada na justiça do trabalho. Configurando-se como uma doença (na 2ª acepção do Aurélio, vício, defeito) incrustada em nosso meio, utilizaremo-nos, só aqui e brevemente, em contraponto, o termo remédio – tomando-o emprestado da doutrina – para ressaltar o enfoque sob o qual deva ser enfrentado o problema. Ingênua, pueril, é a idéia de que tal problema tenha solução. Não tem.

Entendemos que uma lide dessa natureza deva ser desconstituída, devendo o processo seguir – retornar ao seu curso, e, por isso, empregamos a terminologia remédio, a designar essa nova fase do processo, eis que a medida é curativa, e, não, preventiva. Só se pode agir nessa fase, após sua manifestação fática. A prevenção do problema é algo que não está disponível, pois depende de intrincados fatores, o mais visível o cultural. E este, como se sabe, pertence à sociedade, cabendo à ela a escolha do que lhe é saudável e o não. A ela cabe debelar – ou não – o que lhe produza os efeitos negativos. Porém, se a sociedade tomar o conhecimento de que os males provocados pela lide simulada dessa espécie são graves, e que todos poderão ser atingidos, mesmo que indiretamente, talvez haja razão para dedicar atenção ao assunto. Se não, vejamos. A proliferação da prática de uma tal lide pode levar ao esvaziamento, propriamente dito, do Direito do Trabalho. Os direitos do trabalhador, que vão incorporando-se a seu crédito durante a relação de emprego, são rarefeitos no "acordo", pouco sobrando daquilo que não virou fumaça. Ora, é de se questionar: existe forma mais vil e eficaz de desprezo à ordem jurídica trabalhista e ao Direito do Trabalho?

Não há a solução definitiva. Cabe-nos, com humildade, reconhecer a existência do problema e estudar as formas de remediá-lo, procurando debelar a sua nocividade. O caminho que visualizamos é o da ação rescisória, pois a falta de elementos processuais que validam uma sentença trânsita em julgado, como é o caso do acordo homologado pela Justiça do Trabalho, para esse tipo de procedimento, a justificam.

O dolo processual, saliente no inciso III do artigo 485 do CPC não dá margens a devaneios: se não houvesse a intenção do empregador em obter as sedutoras vantagens do processo, teria ele, antes, seguido os preceitos imperativos do artigo 477 da CLT, válidos para qualquer tipo de rescisão de contrato com mais de 1 ano de idade. São normas de ordem pública; não há de se imaginar que o registro em carteira de trabalho, o aviso prévio, os direitos que nascem da relação de emprego, etc., são normas dispositivas... São a essência, por assim dizer, do Direito do Trabalho, o qual incumbe à Justiça Trabalhista tutelar.

3.3. CONSIDERAÇÕES SOBRE O ACORDO NA JUSTIÇA DO TRABALHO

3.3.1. Comando legal

O acordo homologado judicialmente produz efeito de coisa julgada, res iudicata, dele não cabendo qualquer recurso (art. 831, § único, CLT). E nem poderia ser diferente, pois se as partes chegaram a consenso, encerrado está o processo, para nada mais se demandar acerca das pretensões que o motivaram. Em que pesem as diferenças técnicas ou conceituais sobre os termos conciliação e transação, o certo é que, em sede trabalhista, produzem o mesmo efeito. "A conciliação é, em última análise, uma transação. A diferença estrutural que se registra entre elas está em que a transação é um ato jurídico entabulado e acertado pelas partes, fora ou dentro do juízo, mas da exclusiva iniciativa das partes, enquanto a conciliação é um ato processual da iniciativa do juiz, seguindo-se o acordo de vontades, mas como conseqüência do poder de iniciativa do magistrado". [56] Assim, pouco importa se as partes transigiram antes – ou após encerrada a fase instrutória. Se já chegam ao processo em composição amigável ou aceitam as propostas de conciliação do juiz, o resultado será o mesmo: o acordo homologado pelo juiz, cujo termo valerá como "decisão irrecorrível", na expressão legal.

Assim se entende porque, mesmo a transação que venha pronta ao processo, só irá se consumar após a apreciação do juiz, o que deve ser feito em audiência, após certificar-se (pessoalmente) sobre as intenções das partes. A nosso ver, não figuram entre as competências da Justiça do Trabalho (artigos 650 a 653 da CLT) a prestação de atos de jurisdição voluntária, embora haja os que assim pensam. [57]

Vigora na Justiça do Trabalho o princípio da conciliação, residente no artigo 764 da CLT, que em seu parágrafo primeiro o declara obrigatório. É de notar, no entanto, que o caráter obrigatório põe em risco o processo, que poderá ser declarado nulo caso não observado. Todavia, os "bons ofícios e persuasão" do juiz devem se manifestar por todo o desenrolar do feito, iniciando-se no momento primeiro em que toma contato com as partes, na audência. O artigo 846 prescreve que o juiz, na abertura da audiência, deve tentar convencer as partes à conciliação (acordo). Francisco Antônio de Oliveira observa que, "na prática, propõe-se a conciliatória antes da defesa, com bons resultados, vez que após a defesa os ânimos poderão acirrar-se. Evidentemente, o juiz deverá ler a inicial e a defesa para que haja acordo e não capitulação do trabalhador." [58] O acordo deve ser de livre aceite pelo empregado, daí a preocupação de o juiz dar-lhe a entender os termos da defesa, ponderando as suas possibilidades. O que deve ser afastado, assim entendemos, é a impressão de que o empregado está sendo levado obrigatoriamente a aceitar um acordo. Afinal, como percebe Saad, "o que é obrigatório não é a conciliação, mas a sua tentativa." [59]

E o acordo não pode ser algo flagrantemente oportunista, lesivo ao empregado, a tudo desproporcional. Não se pode aceitar, por exemplo, que da composição das verbas rescisórias devidas, o valor do acordo venha a representar uma mísera parcela daquelas. Se entre as verbas rescisórias existem aquelas de natureza incontroversas, não se pode aconselhar, ou permitir, ao empregado a renúncia das mesmas, para não ferir o princípio da irrenunciabilidade de direitos. Ademais, como ensina Dorval Lacerda: "transação é um ato jurídico pela qual as partes, fazendo-se concessões recíprocas, extinguem obrigações litigiosas ou duvidosas" [60] Jamais, portanto, verbas incontroversas. Muito embora a lei permita a renúncia de direitos na transação (eis que expressão máxima de liberdade da vontade), não nos parece de bom alvitre aconselhá-los, mesmo que pela via da conciliação. Sobre esse aspecto em particular, Francisco Antônio de Oliveira, orienta no sentido de que "o que pode e deve o juiz é tomar cautela para que não se faça um acordo prejudicial ao trabalhador, em que este venha a transigir sobre verbas em que não exista a res dubia" [61], o que equivale a dizer o que vimos insistindo, embora por outras palavras, mas com a mesma preocupação: verbas incontroversas não devem ser suprimidas no acordo.

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O caráter obrigatório da proposta de conciliação não se esgota no artigo 846. Encerrada a instrução, e antes que o juiz proceda ao julgamento, deve renovar a proposta: art. 850, CLT. Nota-se que a preocupação legal é com o breve encerramento do processo, com certeza na intenção de favorecer o empregado com a celeridade processual. Preocupação, no entanto, que não pode mimetizar-se em supressão de direitos do empregado.

Para completar o presente tópico, não custa lembrar que o Enunciado 259 do TST assim prescreve: "Só por rescisória é atacável o termo de conciliação previsto no parágrafo único do art. 831 da Consolidação das Leis do Trabalho."

3.3.2. Realidade fática

Tem-se que, em realidade, o juiz é pressionado em busca do acordo a todo custo. Não só pelo comando legal, como temos visto, mas por outros motivos de natureza diversa, mas nem por isso menos importantes ou significativos. Bem ao contrário. Têm os juizes contra si o aspecto material, representado pelo extraordinário número de processos que ingressam diariamente nas Varas do Trabalho: 6.300 novos processos por dia. [62]. Esse volume de trabalho, convenhamos, quase impossibilita o trabalho de julgar dos juizes.

A par dessa realidade, há o aspecto social: o juiz é quem vivencia com maior intensidade a situação do trabalhador: à sua frente, diariamente, passam os atores desse drama social chamado desemprego. Diz-se que o Judiciário é o único poder da República que tem o contato direto com o povo. É a isso que se referem.

Da soma desses fatores é que devemos extrair uma idéia de como a Justiça do Trabalho, inicialmente, administra os seus atos em relação ao processo que se põe à sua apreciação. É óbvio que o acordo interessa também ao Judiciário, mas desde que cumpra os objetivos de justiça social. Tênue e frágil é essa demarcação imaginária: difícil separá-los, impossível se não tentar.

3.4. AÇÃO RESCISÓRIA

3.4.1. Conceito

Genericamente, ação é o direito público subjetivo de invocar-se a jurisdição do Estado, para a solução de um conflito de interesses, em âmbito processual. O conflito de interesses, em sede processual, é aquele que decorre da clássica definição de Carnelutti, "conflito de interesses qualificado pela pretensão resistida de uma das partes em conflito" [63], capaz de estabelecer a lide, pois ninguém está a falar em outro tipo de interesses. Na espécie, a ação rescisória adquire características próprias, tendo em vista a sua finalidade precípua. Manuel Antônio Teixeira Filho, em sua obra fundamental, estabelece o seguinte conceito: "é aquela por meio da qual se pede a desconstituição, da coisa julgada, nos casos previstos em lei, podendo haver novo julgamento da causa." [64] Do conceito, extrai a essência da ação rescisória, alinhando os seus elementos peculiares: pedido (a jurisdição deve ser provocada, pois de ofício não pode agir), desconstituição (visa desconstituir a coisa julgada que adquiriu qualidade de sentença irrecorrível), coisa julgada (a coisa julgada adquire eficácia, que não mais pode ser mudada, art. 467, CPC), nos casos previstos em lei (art. 485, incisos I a IX do CPC) e podendo haver novo julgamento (quando assim for necessário, e desde que solicitado, art. 488, I, CPC).

3.4.2. Dolo processual

A causa de rescindibilidade da sentença de mérito proferida nos autos de uma tal lide simulada é o dolo processual. O problema que temos analisado ao longo de nosso trabalho amolda-se, ipsis verbis, ao que enuncia a lei, de forma que a solução encontra-se ali consignada: "a sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando resultar de dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida..." (teor da 1ª. parte do inciso III do artigo 485 do CPC). A existência do dolo, como vimos de demonstrar, se manifesta em toda a sua exuberância, inclusive de maneira objetiva, como a que não deixar margens de dúvida de sua manifestação. Manoel Antônio Teixeira Filho expressa-se sobre essa causa nos seguintes termos: "derivante do latim dolus (artifício, esperteza, velhacada), o termo dolo indica, na terminologia jurídica, toda sorte de ardil, de artifício, de manha, de maquinação, que uma pessoa coloca em prática com o escopo de induzir outrem à realização de um ato jurídico, em detrimento deste e em benefício daquela ou de terceiro." [65] Pois bem. O que mais seja a atitude do empregador que dispensa o empregado sob alegação genérica de falta grave, sumária e informalmente, visando a abertura de um processo trabalhista para, dali a sabe-se quanto tempo, comparecer à audiência e oferecer quantia qualquer ao empregado, que não seja o dolo processual acomodado nas palavras do brilhante jurista? Está agindo de boa-fé e com lealdade aquele empregador que procura se valer de prazo extravagante para cumprir uma obrigação líquida, incontroversa, e, do mais ao melhor, obter a vantagem de uma sentença prontamente trânsita em julgado?

A estratégia usada pelo empregador na busca de seus intentos benéficos é de uma simplicidade constrangedora. Não menos cruel é a sua tática que, sobretudo eficaz, é capaz de imobilizar completamente a reação do empregado.

Prossegue o eminente jurista: "no plano específico do processo, o dolo consiste no emprego de meios astuciosos ou ardilosos, por um dos litigantes, atentórios ao dever de lealdade e boa-fé, com o objetivo de impedir ou de dificultar a atuação do adversário." Ao que, arrematando, cita Emílio Betti: "em particular, o comportamento contrário à boa-fé deve ter colocado o adversário na impossibilidade de defender-se e impedido o juiz de conhecer a realidade das coisas, de maneira a determinar uma decisão fundamentalmente diversa daquela que presumivelmente se teria conseguido sem o mesmo comportamento." [66] (grifamos).

Referir-se à boa-fé e lealdade, como faz a lei (art. 14, II, CPC), é por necessidade de que o processo se desenvolva por regras justas, facilitando reconhecer a razão a um dos interesses em conflito, objeto da lide. Boa-fé e lealdade, no entanto, são qualidades que resultam de valores pessoais, subjetivos, difíceis de mensuração pela lei. Silvio Rodrigues se manifesta sobre o princípio da boa-fé nos seguintes termos: "a boa-fé é um conceito ético, moldado nas idéias de proceder com correção, com dignidade, pautando sua atitude pelos princípios da honestidade, da boa intenção e no propósito de ninguém prejudicar." [67] O que se pode fazer é separá-lo em seus efeitos, em objetivos e subjetivos. Em seus efeitos objetivos, podemos constatar o desprezo pelo princípio, ao ver revelado o dolo do empregador que promove uma tal lide, como já o fizemos em determinada passagem do nosso trabalho, mas nunca é demais ressaltar.

Senão vejamos. Aquele empregador, ao promover a lide, não seguiu o que imperativamente determina a lei para os casos de demissão de empregado, quaisquer que sejam as causas, sobremaneira a justa causa: não esboçou atendimento ao art. 477 da CLT. Ora, a falta de vestígios dessa ordem só pode estar a confirmar a materialidade da sua intenção, sua "esperteza", a "velhacada", enfim. Da sua má-fé objetiva se faz o objeto, materializa-se seu dolo, não mais teórico, é prático e consistente. Como não reconhecer suas más intenções ao provocar os dolorosos e irreparáveis prejuízos causados ao trabalhador e seus familiares, com o objetivo mesquinho de obter vantagens processuais? Nada mais é capaz de comprovar o dolo processual, materialmente exposto, do que a exuberância dessas evidências.

3.4.3. Coação

A coação, elemento sutil e não menos maléfico, sempre estará presente no ato entabulado pelo empregador, pois é o reforço necessário com que conta para ver realizados os seus intentos. Somente não irá expressar-se se não fizer efeito, o que poderá ser verificado pela reação do empregado ao se negar a participar do acordo. Paradoxalmente, aí, apesar da presença do dolo (que é constante, eis que expressa-se objetivamente pelas razões que propugnamos), não haverá a coação. Apesar da tentativa, no entanto, não logrou produzir efeitos no ânimo e no comportamento objetivo do empregado. Nesses casos, quando o empregado recusa-se ao acordo, o processo segue seu curso, ocorrendo o desenvolvimento normal do mesmo. Daí não cogitar-se de remédio processual, ao menos daquele de que tratamos.

Mas quando realiza-se a lide simulada, temos que a coação produziu o seu efeito, ou seja, em conjunto com o dolo, temos aí a presença do vício de consentimento que garante ao empregador auferir os resultados visados na promoção do feito. E a coação também poderá vir a se manifestar de maneira objetiva, e não apenas subjetivamente. É o que acontece quando o empregador, na máxima intenção de garantir que os resultados se produzam, indica advogado de sua confiança para assistir ao empregado no acordo preparado. Esse fato, objetivo, comprova a coação exercida sobre o empregado, na medida que o induz a aceitar uma suposta salvação, algo articulado para incutir confiança no abalado ânimo do empregado, que se encontra desesperado frente ao problema em que se vê, abruptamente, envolvido. O patrão, compadecido, apresenta-lhe uma "tábua-da-salvação".

O empregado – entre o momento da sua demissão arbitrária até a ocasião da audiência, em que lhe será posta uma solução – nada recebe dos direitos que lhe são devidos pelo contrato de trabalho extinto. Seu estado de ânimo deteriora-se gradativamente neste interregno, constrangido pelas necessidades imperiosas que passam a dominá-lo. Teme, apavora-se, pelas conseqüências que a situação lhe reserva (e a família, os filhos, como provê-los? A pressão dos credores, aluguel, contas...). Ademais, teme ficar marcado por um processo trabalhista que sequer deu causa. Tem-se, assim, o temor instalado em seu ânimo. Será maior ou menor a depender da pessoa, suas convicções pessoais, fé religiosa, etc. Mas realizou-se a coação pelo empregador, pois a situação criada tem o potencial de produzir os efeitos esperados. O empregado irá comparecer à audiência com ânimo de aceitar o que quer que seja para livrar-se, instantaneamente, de suas agruras.

Após essas constatações de ordem prática, vejamos como a doutrina trata da coação. Segundo Maria Helena Diniz, para configurar-se a coação moral é necessária a ocorrência dos seguintes requisitos: "(a) a coação deve ser a causa determinante do negócio jurídico... , (b) a coação deve incutir à vítima um temor justificado... , (c) o temor deve dizer respeito a um dano iminente... , (d) o dano deve ser considerável ou grave... (e) o dano pode atingir pessoa não pertencente à família da vítima... " [68] Todos os requisitos apontados pela autora estão latentes no caso em estudo, de forma precisa. A coação é a determinante do negócio jurídico visado pelo empregador, pois é claro o nexo de causalidade entre o dolo inicial e o resultado esperado. O temor incutido no ânimo do trabalhador é real, na medida em que é da relação de emprego que retira sua fonte de sustento. Alijado desse patamar mínimo, o temor se afigura em autêntico desespero, capaz de alterar-lhe a vontade, incapacitando-o de reagir com serenidade aos desígnios impostos pelo empregador. E acontece exatamente da forma como ensina Silvio Rodrigues, a quem a autora se refere: "a ameaça não precisa realizar-se imediatamente, basta que provoque, desde logo, no espírito da vítima, um temor de intensidade suficiente para conduzi-la a praticar o negócio jurídico." [69] Ora, o dano é considerável: o trabalhador abre mão de direitos legítimos, quiçá de natureza incontroversa, apenas para ter algo à disposição, que só a rapidez da conciliação (do acordo entabulado) é capaz de oferecer. E esse dano pode atingir, como atinge, não só o trabalhador e sua família, mas toda a comunidade à sua volta, direta (eventuais credores) e indiretamente (o esvaziamento do Direito do Trabalho, questão bem mais séria e delicada).

Das causas que são apresentadas como possíveis excludentes da coação, em realidade mais servem para reafirmá-la do que a excluí-la. Enumera a autora, segundo a dicção legal: "(a) ameaça do exercício normal de um direito... , e, (b) simples temor reverencial... " Ora, vejamos. O patrão não está apenas a ameaçar o exercício normal de um direito. A uma porque não se trata de simples ameaça, e, sim, de um ato dolosamente praticado. A outra, porque não está exercendo direito algum, ao contrário, está avançando, atropelando, o direito do empregado de receber suas verbas rescisórias no modo legal. E nem remotamente se há de falar em temor reverencial, pois não estamos tratando de relações familiares ou similares.

Como temos visto, o principal elemento a viciar o negócio é o dolo, mas não só. Forte e robusta é a presença da coação. O empregador, para realizar seus intentos inconfessos, necessita coagir o empregado a aceitar o encaminhamento, o que faz omitindo-se a cumprir o pagamento das verbas rescisórias na forma legal, só o fazendo por ocasião da primeira audiência, sabe-se lá quando, na forma de acordo. Daí reputar-se como importante o elemento coação, como forma de subjugar o empregado modificando-lhe a vontade, minando suas resistências físicas e morais ao extremo. Forma ardilosa, maliciosa, de aniquilar as possíveis reações do empregado que já não poderá raciocinar com a lógica, mas com a necessidade, urgente e emergencial, de sobrevivência física. Coação, em sua forma crua, maturada brandamente. Essa é a realidade da coação empregada na produção da lide simulada na Justiça do Trabalho.

Este, portanto, é o elemento capaz de fundamentar a invalidade da transação - e que se acomoda com perfeição ao artigo 485, inciso VIII, do CPC - que, juntamente com o dolo (inciso III do mesmo artigo), são capazes de levar à rescisão o acordo do qual tratamos. [70]

3.4.4. Capacidade processual

O que temos visto em sede de jurisprudência sobre as lides simuladas na Justiça do Trabalho, é a pretensão rescindenda motivar-se em colusão, o que legitima o Ministério Público do Trabalho a atuar como parte, com fulcro no art. 82, III, combinado com o art. 487, III, b, CPC. De fato, sendo o "guardião" da lei, cabe-lhe manifestar-se quando a mesma estiver sendo hostilizada. Isto é comum nos casos de simulação de lides com a finalidade de fraudar credores, enfim, naquelas outras formas de lides simuladas como vimos anteriormente. Mas, no caso em questão, a capacidade processual é do próprio empregado, vítima daquela sentença viciada, pelas motivações espúrias em que se processou. Nesse particular, cabe refletir sobre o papel que cabe aos sindicatos.

De plano, alinhamo-nos com a lição de Manoel Antônio Teixeira Filho, que bem distingue a posição do sindicato entre substituto e representante processual, ao comentar a dicção do inc. II do art. 8º da Constituição Federal. Substituto processual "é algo extraordinário (daí falar-se em legitimação anômala), razão por que agride o senso ordinário presumir-se que o referido preceito constitucional aluda, ainda que implicitamente, a esse fenômeno invulgar." [71] O sindicato só pode defender os interesses do trabalhador como representante processual (art. 839, CLT), como assistente processual (art. 50, CPC) e como prestador de assistência judiciária gratuita (Lei 5.584/70, art. 14). Como representante processual, requer autorização prévia para postular em juízo. Como substituto processual, no entanto, poderia agir o sindicato com a liberdade de autorização, substituindo o interessado. Anota o autor: "a possibilidade de agir na qualidade de substituto processual dos integrantes da categoria constitui velho anseio dos sindicatos brasileiros." [72] Com efeito, é o que sobressai da notícia publicada na imprensa em 16/03/2005: "Reforma Sindical Vai Aumentar Custos, diz Indústria" [73], referindo-se às manifestações sobre a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 369, que trata da "reforma sindical". Na reportagem do jornal, entre outros, manifesta-se Armando Monteiro Neto, presidente da Confederação Nacional da Indústria: "a figura da substituição processual vai estimular mais conflitos, criar mais passivos e desvalorizar as empresas brasileiras. Poderá até afugentar investimentos no país, quando o investidor estrangeiro tomar conhecimento de que um sindicato pode, independentemente de quem represente, acionar uma empresa sobre qualquer assunto." A despeito do discurso viciado, podemos constatar que há, de fato, o risco da utilização irresponsável do instituto, dado a facilidade que a falta de autorização prévia do empregado a possibilita. O empregado, ou grupo de trabalhadores, poderá acionar a Justiça do Trabalho através do sindicato apenas por uma denúncia, pois estarão substituídos pelo mesmo. Difere da representação processual, pois aqui há a necessidade de autorização, o que equivale a se indispor diretamente com o empregador, o que nem sempre é recomendável ou isento de riscos.

Na substituição processual o substituto assume legitimidade ativa. Pode enfrentar diretamente o empregador, sem colocar em risco a identidade do trabalhador, que estará protegido pela engenhosidade do sindicato. Este poderá postular em nome dos empregados da empresa tal, ou os operários do setor produtivo, etc. Seria um novo caminho para realizar reivindicações (até aqui apresentadas diretamente às empresas, negociadas, etc.), para apreciação da Justiça do Trabalho. É isso que temem os empresários – o surgimento descontrolado de processos, aumentando o passivo judicial trabalhista. É possível, na medida em que os sindicatos passem a utilizar-se do instituto como instrumento qualificado de reivindicação.

Por ora, no entanto, só podemos imaginar o sindicato atuando como representante processual, caso assim deseje o empregado vítima de uma lide simulada. A parte legítima, para figurar como autor é o empregado. Aliás, sindicatos verdadeiros, aqueles que realmente representem seus interessados (e aqui o exemplo do Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Itatiba), têm condição de atuarem como representantes processuais de empregados vítimas da tal lide simulada na Justiça do Trabalho, postulando reverterem os efeitos maléficos desses acordos viciados. Para tanto, é necessário que orientem seus representados e tomem a frente na iniciativa que se faz urgente. Do mesmo modo, evidente, incumbe a estes comunicar os órgãos administrativos para as providências de prevenção cabíveis (fiscalizações que visem inibir o descumprimento da lei, desrespeito às normas de higiene e segurança do trabalho, etc).

3.4.5. Resumo

Para restar claras as nossas proposições, delineamos a seguir o resumo do procedimento.

3.4.5.a. Objetivo:

a)desconstituir sentença homologatória de transação que deu fim à ação trabalhista proposta pelo empregado para receber parte de seus créditos rescisórios a título de acordo;

b)volta da ação ao seu curso normal para apreciação efetiva do mérito da causa;

c)valores pagos a título de acordo na ação rescindenda serão compensados como antecipação de execução.

3.4.5.b. Competência:

Tribunal Regional do Trabalho (competência originária) em primeira instância, e Tribunal Superior do Trabalho, em instância recursal.

3.4.5.c. Legitimação:

- ativa: empregado dispensado irregularmente;

- passiva: empregador que promoveu a dispensa.

3.4.5.d. Pedido:

- principal: rescisória de sentença homologatória do acordo;

- acessório: novo julgamento, art. 488, inciso I, CPC.

3.4.5.e. Fundamentos Jurídicos:

- dolo: art. 145, Código Civil;

- coação: art. Art.151, Código Civil.

3.4.5.f. Base Legal:

- dolo: art. 485, inciso III, CPC;

- coação: art. 485, inciso VIII, CPC.

Sobre o autor
Cristovão Donizetti Heffner

Advogado em Vinhedo (SP). Pós-graduado em Direito Material e Processual do Trabalho.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HEFFNER, Cristovão Donizetti. A lide simulada na Justiça do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1423, 25 mai. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9927. Acesso em: 23 dez. 2024.

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