SUMÁRIO:INTRODUÇÃO, Capítulo I: LIDES SIMULADAS NA JUSTIÇA DO TRABALHO,, 1.1.Origem., 1.1.1. Premissas, 1.2. Realidade social do trabalhador brasileiro, 1.2.1. O ambiente do trabalhador na indústria, 1.2.2. Realidade socioeconômica, 1.2.3. A dimensão econômica do salário, 1.2.4. Como reagir?, 1.3. Natureza da Lide Simulada, 1.3.1. Gênero, 1.3.2. Espécie, 1.4. A experiência do Sindicato dos Metalúrgicos de Itatiba, 1.4.1. Justificativa, 1.4.2. A manifestação do problema na base representada, 1.4.3. A motivação das empresas,1.4.4. Desenvolvimento histórico e as possíveis soluções, 1.4.5. A forma como o Sindicato enfrenta o problema, Capítulo II: A RESCISÃO DO CONTRATO DE TRABALHO, 2.1. Comentário inicial, 2.1.1. Porque nasce a Lide Simulada, 2.2. Formalidades legais da rescisão do contrato de trabalho, 2.2.1. Conceito, 2.2.2. Modalidades de contrato de trabalho, 2.2.3. Estabilidade provisória, 2.2.4. Formalização da rescisão do contrato de trabalho, 2.2.4.a. Comunicação da dispensa, 2.2.4.b. Homologação da rescisão do contrato de trabalho, 2.3. A Justa Causa, 2.3.1. Comentário inicial, 2.3.2. Conceituação, 2.3.3. Elementos característicos da Justa Causa, 2.3.4. Sindicância interna, 2.3.5. Faltas graves enumeradas pela lei, 2.3.5.a. Ato de improbidade, 2.3.5.b. Incontinência de conduta ou mau procedimento, 2.3.5.c. Negociação habitual, 2.3.5.d. Condenação criminal, 2.3.5.e. Desídia, 2.3.5.f. Embriaguez, 2.3.5.g. Violação de segredo da empresa, 2.3.5.h. Ato de indisciplina ou insubordinação, 2.3.5.i. Abandono de emprego, 2.3.5.j. Ato lesivo da honra e da boa fama, 2.3.5.l. Ofensas físicas, 2.3.5.m. Prática de jogos de azar, 2.3.5.n. Atos atentatórios à segurança nacional, 2.3.5.o. Outros motivos de justa causa, 2.4. Demais causas de rescisão do contrato de trabalho, 2.4.1. Comentários iniciais, 2.4.2. Rescisão sem justa causa, 2.4.3. Pedido de demissão, 2.4.4. Motivo de força maior, 2.4.5. Falecimento do empregado, 2.4.6. Extinção antecipada do contrato a termo, 2.4.7. Extinção normal do contrato a termo, 2.4.8. Extinção da empresa/estabelecimento sem motivo de força maior, 2.4.9. Despedida indireta, 2.4.9.a. Assédio moral, 2.4.10. Culpa recíproca, 2.4.11. Aposentadoria compulsória, 2.4.12. Comentários sobre aposentadoria espontânea, Capítulo III: A CONVALESCÊNCIA DA PRÁTICA DA LIDE SIMULADA, 3.1. Comentário inicial, 3.1.1. Justificativa, 3.2. Remédio processual, 3.2.1. Comentário, 3.3. Considerações sobre o acordo na Justiça do Trabalho, 3.3.1. Comando legal, 3.3.2. Realidade fática, 3.4. Ação Rescisória, 3.4.1. Conceito, 3.4.2. Dolo processual, 3.4.3. Coação, 3.4.4. Capacidade processual, 3.4.5. Resumo, 3.4.5.a. Objetivo, 3.4.5.b. Competência, 3.4.5.c. Legitimação, 3.4.5.d. Pedido, 3.4.5.e. Fundamentos jurídicos, 3.4.5.f. Base legal, CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
INTRODUÇÃO
Cresce na imprensa especializada o debate sobre lides simuladas na Justiça do Trabalho. [01] A par dessas notícias e artigos, novos julgados se processam nos tribunais sobre o tema. Em geral, os julgados dão conta de lides onde há a colusão das partes que buscam vantagens através do processo. Há uma lide, mas as partes agem simuladamente a fim de obter a homologação da transação, que gera o efeito res judicata.
Há denúncias de Sindicatos [02] sobre empregadores que dispensam arbitrariamente empregados sem as formalidades legais, sob a alegação genérica de prática de falta grave, imputando-lhes a justa causa. Quando enfrentados, sugerem ao empregado buscar na Justiça do Trabalho a solução para recebimento de seus direitos.
No presente trabalho trataremos da Lide Simulada na Justiça do Trabalho, forma como iremos nos referir a um fenômeno conhecido no segmento das relações trabalhistas: o empregador demite sumária e informalmente um ou um grupo de trabalhadores, sob a alegação genérica de incidência em falta grave para assim "justificar" uma Dispensa por Justa Causa. Ocorre, no entanto, que, na sequência, esquiva-se do acerto rescisório sugerindo ao dispensado buscar solução na Justiça do Trabalho. Eventualmente, indica fazê-lo com a assistência de certo advogado.
O assunto ainda não recebe a atenção de doutrinadores, em especial. Em um primeiro momento vamos analisar o assunto sob o ponto de vista da expressão sociológica, em razão da sua natureza peculiar. A esta altura, utilizaremo-nos de informações de entidades que são referências no meio (DIEESE, IBGE). Também analisaremos a experiência do Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Itatiba e Região, através de uma entrevista com o Sr. José Avelino Pereira, ex-presidente daquele Sindicato e atual presidente da Central Brasileira dos Trabalhadores e Empreendedores – CBTE.
Na seqüência de nosso trabalho, iremos tratar das formas legais da Rescisão Contratual, com especial atenção para a Justa Causa, em abordagem prática, atenta à atualidade do tema, segundo a melhor doutrina e seguindo posições pacificadas por jurisprudência iterativa do Tribunal Superior do Trabalho, TST, mais alta corte trabalhista.
Finalmente trataremos da Ação Rescisória, que é o caminho que vislumbramos como remédio para toda essa degeneração que é a lide simulada no âmbito da Justiça do Trabalho.
CAPÍTULO I
LIDES SIMULADAS NA JUSTIÇA DO TRABALHO
1.1. ORIGEM
1.1.1. Premissas
Acredita-se que a espécie de lide simulada da qual tratamos já deva existir desde há tempos, de modo que não encontramos evidências precisas capazes de demarcar seu nascimento. O que é inegável, no entanto, é a constatação da grande incidência na prática a partir de meados dos anos 90 do século passado, cujo gerenciamento da economia pelo Estado notabilizou-se por práticas neoliberais, como, aliás, vem até hoje. Sob o pretexto de deixar o mercado auto gerir-se, o Estado abandonou funções que até então desempenhava (algumas vitais) delegando-as ao mercado (privatizações). A par disso, entretanto, iniciou-se um movimento de regramento tributário obstinado, o que vem se traduzindo em recordes sucessivos de arrecadação de impostos, ano após ano, o que fez a carga tributária crescer de 25,09% do PIB em 1.993 para 37,82% do PIB em 2.005, segundo dados publicados pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário [03]. Todo esse conjunto de movimentos combinados fez crescer o desemprego, aumentou a competitividade entre as empresas, reduziu renda e consumo, aumentou a informalidade econômica e, finalmente, produziu toda uma série de consequências desagradáveis. Uma delas foi o avanço sobre direitos sociais consagrados, na tentativa de aviltá-los, sob o eufemismo flexibilização de direitos trabalhistas, defendidos pelos tecnocratas de plantão. Direitos históricos, arduamente conquistados pelos trabalhadores, passaram a ser tratados como algo vergonhoso, assim, de um momento para o outro. Tratou-se de imputar-lhes a responsabilidade por algo que se convencionou chamar "custo Brasil", espécie de desgraça que impede o desenvolvimento, causa desemprego, onera a produção, etc, num exercício grosseiro de desviar a atenção da causa para os efeitos, pois da tributação excessiva ninguém se dá conta ou comenta.
O cenário em que se desenvolveu toda essa voluntariosa sucessão de equívocos contaminou a todos, cada qual a seu modo, de forma a gerar reações – todas, porém, afetadas pela nova "realidade".
Parte do empresariado, ao que parece, tendo à frente as pressões econômicas inesperadas (e mais essa idéia do "custo Brasil"), resolveu incorporar uma nova forma de dispensar seus empregados a um custo menor e de maneira simplificada. Para isso, fazendo-se passar por dificuldades financeiras, demite sumaria e informalmente empregados do emprego, sugerindo "buscar seus direitos". Utiliza-se, eventualmente, do expediente de alegar a prática de falta grave pelo empregado, o que por si só já é capaz de motivar uma reclamação trabalhista. E para afastar conclusões apressadas, verificamos que a prática não é exclusiva de pequenos empregadores, aos quais seria mais fácil imputar-lhes o costume. Utilizou-se do expediente, por exemplo, a rede varejista Wal-Mart. Pesquisa feita pelo Instituto Observatório Social, em estudo financiado pela AFL-CIO (maior central sindical norte americana), com o apoio das centrais sindicais brasileiras CUT, Força Sindical e USI, revelou a prática pela rede varejista da dispensa de funcionários sob a alegação de justa causa, forçando-os a buscar na Justiça Trabalhista acordo judicial para recebimento de suas verbas rescisórias, dentre outros problemas levantados (discriminação racial, assédio sexual, trabalho em dias de folga, não pagamento de horas extras, etc.). O fato foi noticiado por vários órgãos da imprensa: Valor Econômico (28/08/2000), Gazeta Mercantil (25/08/2000), Diário Popular (26/08/2000), Agora SP (26/08/2000), Folha de S. Paulo (26/08/2000) e Jornal da Cidade de Jundiaí (29/08/2000). Nas reportagens o vice-presidente do Sindicato dos Empregados no Comércio de São Paulo, Ricardo Patah, declara: "é excessivo o número de demissões por justa causa. A empresa usa a legislação trabalhista para buscar um acordo judicial e pagar uma indenização menor."
O episódio revela a presença da figura lide simulada em toda a sua exuberância, com todos os seus elementos – um contrato maculado pelo desrespeito à legislação trabalhista, com sonegação de direitos, além de outras práticas desprezíveis (discriminação racial, assédio sexual, etc.), e buscando a solução oferecida pelo acordo judicial – homologação com efeito de coisa julgada. E Wal-Mart não é pequeno empregador, ressalve-se [04].
1.2. REALIDADE SOCIAL DO TRABALHADOR BRASILEIRO
1.2.1. O ambiente do trabalhador na indústria
Vive o trabalhador um cotidiano duro e simples. Toda a gama de pressão que se pode atribuir a esse universo, no mais das vezes, é mera suposição. Ocorre que, em sua rotina simples, as fontes de pressão que realmente o afligem são poucas, porém duríssimas. Todas resumem-se ao aspecto financeiro, preocupação que se prolonga no sentido de manter aquela segurança relativa oferecida pelo emprego. Tem-se que, seu maior receio, é a perda de condições de prover a si e sua família, pouco importando a atualidade do vínculo. O que mais interessa é o emprego. Seja aqui ou acolá, em tal ou qual empregador. E aí, sim, nesse ambiente ameaçado por retrações econômicas eternas, está a fonte de suas preocupações. Em sua rotina simples, seus momentos de lazer resumem-se à TV, convívio com amigos e apego religioso [05].
1.2.2. Realidade socioeconômica
Ora, para começarmos a entender a gravidade de uma prática que coloca o trabalhador na posição de vítima, é que devemos dedicar certa atenção nas condições socioeconômicas do trabalhador brasileiro. Senão vejamos. Estudo sistemático do DIEESE [06], demonstra que em abril/2006 o "salário mínimo necessário" (de acordo com o preceito constitucional – CF, cap. II – Dos Direitos Sociais, art. 7º, inc. IV) deveria ser de R$ 1.536,96. Paralelamente, em outra pesquisa, o IBGE [07] informa que o salário médio nominal recebido por empregado da iniciativa privada na região metropolitana de São Paulo, em abril de 2.006, foi de R$ 1.090,60. Um tanto aquém, portanto, do que deveria ser o mínimo, segundo o levantamento do DIEESE. Somente a comparação dos dois valores já seria suficiente para concluir pelo descompasso entre lei e realidade, entre o que se pensa ser e o que, em realidade, é. Mas, ao conhecer outros dados sobre a realidade social de nosso país, o cenário se acinzenta. No mesmo estudo do DIEESE, tabela 7, vamos verificar que o tempo médio despendido na procura de novo trabalho (reemprego) é de 12 meses. O trabalhador gasta, em média, nada menos que 1 ano em busca de novo emprego.
Em outro levantamento do DIEESE [08], a análise dos pisos salariais negociados em 376 acordos e convenções coletivas firmados em 2.005, restou demonstrado que a metade dos pisos negociados situa-se entre 1 e 1,5 salário mínimo. E 81% de todos os pisos negociados estão na faixa de até 2 salários mínimos. E mais: cerca de 43 milhões de trabalhadores brasileiros – empregados e beneficiários da Previdência Social – têm renda em torno do salário mínimo. [09]
O emprego é a fonte de sustentação econômica do trabalhador. E a remuneração do trabalhador brasileiro, haja visto, é insuficiente para prover-lhe, a não ser do básico para a sua sobrevivência. Vejamos outro dado. Pesquisa patrocinada pela Associação Comercial de São Paulo [10] demonstra que, para 60% da população, a causa da inadimplência foi o desemprego. Desse universo, 81% quitou, ou pretende quitar, seus débitos com recursos oriundos da relação de emprego (salário, FGTS, férias, 13º salário, etc.), a demonstrar que o trabalhador brasileiro depende, exclusivamente, do salário para sobreviver. O desemprego, portanto, põe em risco a situação daquele cidadão que é alijado do emprego. Na pesquisa acima, 42% dos entrevistados informam ter alguém desempregado na família. Temos, então, que quase a metade da população, de uma cidade rica, como São Paulo, convive com o problema desemprego, em relação de intimidade. No restante de nosso país a situação não deve ser melhor.
O que pretendemos deixar consignado, de início, é a clara posição de desvantagem do trabalhador brasileiro, enquanto agente econômico, na conjuntura social do país. Vejamos isto.
Reconheçamos a realidade atual do trabalhador brasileiro: antes, cuidava-se de protegê-lo na relação jurídico-laboral, admitindo-se sua posição em desnível. Hoje nem isso. No passado, já na Exposição de Motivos da CLT (19/04/1.943) se anotava: "o Direito Social é, por definição, um complexo de normas e de instituições voltadas à proteção do trabalho dependente na atividade privada", como que lhe afirmar a vocação. Atualmente, o desemprego criado a partir de teses acadêmicas de doutorado, vem de profaná-lo, das mais variadas formas, inclusive por eufemismos ("flexibilização da CLT") festivamente brandidos na mídia. [11]
1.2.3. A dimensão econômica do salário
Posta a questão valorativa do salário, evoca-se, automaticamente, o Princípio do Justo Salário. Para reafirmá-lo, lembremos que o salário é instituto sério, não é apenas preço, como a tudo se acostumou atribuir a doutrina neoliberal. Amauri Mascaro Nascimento, analisando o desenvolvimento histórico dos princípio éticos do salário cita a "Rerum Novarum" de Leão XIII (1819): "Que o patrão e o trabalhador façam tantas e tais convenções que lhes aprouver, que eles entrem em acordo principalmente sobre a cifra do salário. Acima de sua livre vontade, há uma lei de justiça natural mais elevada e mais antiga, a saber, que o salário não deve ser insuficiente para fazer com que o trabalhador subsista sóbrio e honesto. Se, constrangido pela necessidade, ou impedido pelo temor de um mal maior, o trabalhador aceitar condições duras que ele não vê como recusar, por que lhe foram impostas pelo patrão, sofre uma violência contra a qual a justiça protesta (n. 34)" [12] (grifamos). Essa preocupação faz parte da dimensão econômica do salário, mas há a outra dimensão a ser compreendida, a social, como vimos tratando. Ambas as dimensões são relevantíssimas para se compreender a finalidade do salário, segundo reconhece o jurista, ao analisar a função alimentar do instituto, estabelecendo: "Não há economia sem empresas. Não há empresas sem trabalhadores. Não há trabalhadores sem salário para manter a sua vida." Esse é, segundo o autor, "o círculo integrativo do qual resulta a concepção socioeconômica do salário, que não são isoladas." [13]
1.2.4. Como reagir?
Ora, diante da clareza (e dureza) da realidade do trabalhador brasileiro é de se perguntar: pode o empregado despedido injustamente sob a forma da lide simulada negar-se a aderir ao acordo que lhe é proposto em juízo (na primeira audiência), deixando avançar o processo, para possibilitar a apuração de uma verdade mal disfarçada, latente, frente aos indícios de simulação? Com quais recursos irá ele enfrentar a "marcha processual"? Note-se: se para reempregar-se em situação normal o empregado já depende de 12 meses (um ano) à procura de novo emprego, o que será daquele que é colocado no desemprego, sem receber suas verbas regulares, premido pelas mais básicas necessidades – alimentar-se e aos seus, como? Como se movimentar por longos 12 meses à procura de novo emprego? Como suportar o desespero de sua família? Como explicar aos seus credores, entre eles o maior e mais faminto: o Estado (águal/luz/telefone/etc.)? Como sobreviver a uma situação das mais injustas, provocada maliciosamente por aquele que age com "dolo em detrimento da parte vencida" (art. 485, inc. III, CPC)?
1.3. NATUREZA DA LIDE SIMULADA
1.3.1. Gênero
O problema da lide simulada para ser compreendido também deve ser investigado em sua natureza – espécie, qualidade.
O gênero a que pertence a espécie de lide simulada que tratamos não é outro senão a fraude. Uma fraude a que se serve do Judiciário para legalizar benefícios ou objetivos que não seriam possíveis de realizar-se por outros meios. José Roberto Freire Pimenta [14] identifica três espécies nesse gênero, a saber: "tipo 1: a pura e simples busca, pelo empregador, da quitação geral pelo extinto contrato de trabalho. Tipo 2: casos de duplo patrocínio ou patrocínio infiel. Tipo 3: casos de verdadeira colusão do empregado com seu empregador para lesar terceiros". Todas são, não há margens de dúvidas, casos simulados, mas o caso enquadrado como Tipo 3 pelo magistrado, colusão entre empregado e empregador para lesar terceiros (fraude contra credores) está mais sujeito ao estudo pelo Direito Penal do que pela Justiça do Trabalho. Ressalvas, porém, são oponíveis, para aquelas classificadas como Tipo 2 pelo magistrado. Apesar dos traços de simulação, pode ocorrer que tenham nascidas como lide genuína ("conflito de interesses que surge a partir de uma pretensão resistida", na clássica definição de Carnelutti), mas encontraram solução – por acordo – em curso prévio ao término do processo, no entremeio dos atos processuais, embora dependente daquele para se encerrar. Pode ser que houve, inicialmente, uma pretensão resistida, mas logo vencida, tendo as partes chegado ao consenso em momento anterior a intervenção coercitiva/interpretativa do Estado-juiz, só dependendo dele, agora, para o encerramento do processo. Nesses casos, afasta-se a presença da intenção de fraudar a lei visando objetivos ilícitos. Mas, obviamente, pode haver entre esse tipo de lides, algumas que não se desenvolvam dessa forma...
1.3.2. Espécie
O que nos interessa, entretanto, é a espécie mais praticada, mais usual, e que cresce com a força de doença contagiosa: essa em que há apenas uma parte que se beneficia do processo, justamente aquela parte que já é privilegiada pelo poder econômico – o empregador que a patrocina. Em tudo, e sempre, é a elas que iremos nos referir.
1.4. A EXPERIÊNCIA DO SINDICATO DOS TRABALHADORES METALÚRGICOS DE ITATIBA/SP
1.4.1. Justificativa
Para enriquecer a compreensão da natureza e origem do problema abordado em nosso trabalho, buscamos conhecer a visão e experiência de quem vivencia-o cotidianamente. Pela importância do trabalho realizado à frente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Itatiba e Região, na qualidade de presidente e, atualmente, diretor, ouvimos o Sr. José Avelino Pereira, que também é fundador e presidente da Central Brasileira de Trabalhadores e Empreendedores – CBTE.
Sr. Avelino, durante muitos anos, conviveu com problemas de demissões injustamente provocadas por empregadores que visavam transformá-las em ações trabalhistas, em evidente prejuízo aos empregados. Frente à grande incidência do problema, proveu a entidade sindical com uma estrutura jurídica com o objetivo de prestar assistência aos empregados de sua base, em âmbito administrativo e judicial. Os diretores e advogados do sindicato passaram a intervir naquelas ocorrências (denunciadas pelos empregados) negociando junto às empresas formas de solução que não fossem tão prejudiciais aos empregados. Vários acordos foram realizados sob a homologação do órgão local do Ministério do Trabalho e Emprego (Subdelegacia Regional do Trabalho de Jundiaí), evitando-se ações trabalhistas que se alongariam no tempo, durante o qual, os empregados não teriam com o que sobreviver. Escolhemos ouvir o Sr. José Avelino Pereira, pelo reconhecimento e respeito que temos pelo seu trabalho em favor dos empregados alcançados pela tal prática.
1.4.2. A manifestação do problema na base representada
Quanto à dimensão do problema, declara que, em sua base, "30% das rescisões são pagas em juízo trabalhista. A intenção da empresa em prover o pagamento dessas verbas em juízo ocorre justamente em virtude da morosidade processual. Para a empresa é mais cômodo e garantido um pagamento em juízo, o qual pode ser parcelado (absurdamente) em inúmeras parcelas, dependendo do porte do acordo; e ainda se beneficiar com a demora para marcar a primeira audiência conciliatória." Outro fator que o sindicalista identifica é a carga tributária, "caótica" em sua visão, que onera demasiadamente as empresas.
1.4.3. A motivação das empresas
Informa que as empresas que praticam a lide simulada "alegam que os encargos trabalhistas e tributários são muito altos, impossibilitando-as de pagar verbas rescisórias no ato da rescisão; já outras, lançam mão dessa estratégia justamente para se beneficiar da lentidão do judiciário." Mas, em sua opinião, não é só isso. "Algumas têm o intento de obter vantagens próprias em detrimento do direito alheio, ganhando tempo para o pagamento das verbas rescisórias, formular acordos de menor valor, sonegar muitos direitos trabalhistas, tributários e previdenciários, os quais, mediante acordo homologado na justiça, não poderão mais ser reivindicados. E considerando-se a imensidão do número de processos no judiciário, a homologação de acordos é favorecida. Em contrapartida o trabalhador acaba aceitando, pois tem conhecimento de que um processo trabalhista, quando cai na execução, pode demorar de 4 a 20 anos, situação que não é interessante ao trabalhador, que se encontra desempregado e é pai de família."
1.4.4. Desenvolvimento histórico e as possíveis soluções
Para o sindicalista "é difícil apontar o momento em que surgiu o problema, mas podemos confirmar que houve um aumento proporcionalmente expressivo após a promulgação da Carta Magna." Segundo acredita, a partir do momento em que o trabalhador tomou conhecimento de seus novos direitos, passou a não mais aceitar "acordos ludibriosos na esfera administrativa." E, sem a assistência adequada de sindicatos profissionais, começaram a recorrer ao judiciário para a defesa daqueles novos interesses. A propositura de inúmeras ações trabalhistas dessa natureza agravou "a morosidade no judiciário", uma das causas que ensejam ao empregador recorrer à lide simulada. Para resolver o problema, argumenta que "a questão é a lentidão do processo trabalhista e a impunidade dos órgãos competentes face a má fé de algumas empresas. Acredito que essa situação só será aniquilada com a reforma do judiciário, a qual irá proporcionar maior celeridade nos processos, e a reforma tributária, que proporcionará encargos tributários condizentes com a condição das empresas. Minimizando esse último fator e regularizando o primeiro, acredito que aniquilaremos esse tipo de procedimento."
1.4.5. A forma como o sindicato enfrenta o problema
Sabendo da existência e realidade do problema, quando toma conhecimento, em particular, de demissões irregulares que possam ter esse perfil, busca solução junto à empresa, no sentido de estabelecer um acordo extrajudicial. "O sindicato não pode ignorar a existência do direito do trabalhador e, ao mesmo tempo, deve resguardá-lo da morosidade judiciária." E quando ocorre uma situação desse tipo, "nosso departamento jurídico, resguardado por orientação do Ministério do Trabalho, homologa a rescisão com uma ressalva de caráter emergencial proporcionando ao trabalhador única e exclusivamente a liberação dos depósitos fundiários e expedição de guias de seguro-desemprego." A ressalva refere-se às "verbas rescisórias e possíveis indenizações", que "poderão ser pleiteadas em juízo trabalhista. A partir daí o Jurídico propõe reclamatória requerendo o que o trabalhador tem direito, e oficia-se os órgãos competentes para averiguação de depósitos fundiários e pagamento de parcelas previdenciárias." [15]