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O direito internacional e as zonas costeiras

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Agenda 24/06/2007 às 00:00

Sumário:1. Introdução 2. Fronteiras e limites à jurisdição do Estado costeiro 2.1. Mar territorial 2.2. Plataforma continental 3. Exemplos de normas de direito internacional aplicáveis às zonas costeiras 3.1. Transporte marítimo 3.1.1. Direito de passagem inocente 3.1.2. Jurisdição do Estado da bandeira 3.1.3 A regulamentação do transporte marítimo como atividade comercial 3.2. Atividade portuária 3.2.1 Jurisdição e organização 3.2.2 Questões ambientais 3.2.3 Tratamento de estrangeiros 3.2.4 Procedimentos aduaneiros 4. Considerações Finais 5. Referências


RESUMO

            Este trabalho visa elaborar um programa de sistematização e pesquisa sobre a influência do Direito Internacional na regulamentação das zonas costeiras, de modo a contribuir, a partir do ponto de vista do Direito Internacional, para os estudos sobre Direito e Atividade Portuária. Para isso, apresenta-se, num primeiro momento, como o Direito Internacional contribui para a delimitação dos espaços sujeitos à jurisdição estatal e as competências que neles pode exercer o Estado costeiro. A principal referência para esta parte do artigo é a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, de 1982. Num segundo momento, são abordados exemplos de regimes jurídicos internacionais interferentes nas atividades peculiares das zonas costeiras, em especial o transporte marítimo e a atividade portuária.

Palavras-chave: Direito Internacional; Zonas Costeiras; Transporte Marítimo; Atividade Portuária.


ABSTRACT

            This work aims to present a research and systematization program on the influence of International Law over the rules about Coastal Zones. By that way it is meant to contribute to studies on the Law & Port Activity, from the viewpoint of International Law. The first part of the article concerns the delimitation of the spaces on Coastal Zones subject to State jurisdiction and the competences left to the Coastal State. The main reference to this initial step is the United Nations Convention on the Law of the Sea. A second part is dedicated to expose examples of juridical regimes intervening on peculiar activities of Coastal Zones, especially maritime transportation and port activity.

Keywords: International Law; Coastal Zones; Maritime Transportation; Port Activity.


1. Introdução

            Os estudos jurídicos sobre as zonas costeiras ainda são incipientes no Brasil. A explicação para esta pequena produção não é difícil de encontrar, dada a novidade da noção de zona costeira no Direito. Com efeito, o termo aparece em leis internas a partir da década de 1970. Nos EUA, por exemplo, o Coastal Zones Management Act data de 1972.[01] No âmbito internacional, ele emerge nos documentos relacionados às preocupações globais com o meio ambiente, no início da década de 1990. O regime próprio destes espaços ainda merece maior estudo e as correlações com regimes anteriores ainda precisam ser elaboradas. Nestes termos, podem ser mencionados os regimes aparecidos no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU), como o do Direito Internacional do Mar, o regime do sistema multilateral de comércio, institucionalizado na Organização Mundial do Comércio (OMC) e os vários regimes dos tratados ambientais desenvolvidos em diferentes foros, como a Organização Marítima Internacional (OMI).

            Esta observação não deve causar surpresa a um jusinternacionalista, posto que o caráter assistemático do Direito Internacional é uma marca conhecida do seu estágio atual de desenvolvimento. As iniciativas dos Estados seguem diversas agendas, nem sempre coincidentes, nem sempre conciliáveis. Nesta esteira, as normas jurídicas derivadas dessas iniciativas requerem dos juristas estudos objetivando sua sistematização doutrinária e a identificação de eventuais conflitos entre regimes.[02] Não se pode olvidar, igualmente, os problemas ligados à aplicação do Direito Internacional no Direito Interno dos Estados. No Brasil, os estudos sobre Direito Ambiental, Direito Marítimo, Direito Portuário, Direito Aduaneiro e Direito do Petróleo, nem sempre consideram em sua totalidade as implicações das normas internacionais relacionadas. Parece oportuno, nestes termos, elaborar um mapa dessa produção normativa para orientar o estudo de suas relações com outros regimes e com o ordenamento jurídico interno dos Estados.

            O objetivo deste trabalho é o de explicar como o Direito Internacional compõe e influencia o conjunto de normas aplicáveis nas zonas costeiras. Trata-se de uma colaboração para os estudos na área a partir do ponto de vista de um jusinternacionalista. É uma exposição sobre o papel do Direito Internacional nos estudos jurídicos sobre as zonas costeiras e suas atividades características, evidenciando as potenciais contribuições dos conhecimentos de Direito Internacional para a pesquisa na área da atividade portuária e seu entorno, a zona costeira.[03] Neste sentido, este artigo visa reunir um conjunto definível de normas aplicáveis a um espaço peculiar delimitável e extrair dessa associação um programa de pesquisa e sistematização de conhecimentos que se julga serem úteis para orientar uma série de atividades sociais relevantes desempenhadas nesses espaços.

            Ainda que não se tenha a pretensão de fundar uma disciplina autônoma, é preciso delimitar a investigação proposta. Uma alternativa para isto é justamente valer-se dos critérios utilizados para a divisão e a conformação de disciplinas jurídicas. Uma primeira possibilidade é derivada da origem das normas. É o caso da vetusta distinção entre direito natural e direito positivo. Outro critério comum é o do âmbito de validade territorial das normas, que separa o Direito Brasileiro do Direito Português, por exemplo. O âmbito de validade pessoal, também pode ser útil para este mister; foi assim que o Direito Romano separou o jus civile do jus gentium, por exemplo. Uma disciplina ainda pode ser fundada por aplicar-se a um conjunto determinável de relações sociais, caso do Direito do Consumidor, aplicável às relações de consumo, ou a um objeto específico, como ocorre com o Direito Ambiental. É de se observar que a soma desses critérios está na base das primeiras delimitações disciplinares do Direito Internacional Público, que se distinguia do Direito Interno por possuir diferentes fontes e sujeitos, além de se destinar a regrar relações de um tipo distinto (interestatais).[04]

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            Desse esboço é possível extrair os dois principais recortes que delimitam o campo do estudo sobre o qual incide o tema aqui escolhido. Sob o prisma das fontes, restringe-se às normas oriundas do Direito Internacional, quais sejam, os tratados, o costume e os princípios gerais de Direito, secundados pela doutrina e pela jurisprudência, devendo-se ainda considerar as decisões das organizações internacionais e os atos unilaterais dos Estados.[05] No que tange à perspectiva do espaço, limita-se às zonas costeiras, entendidas como o mar territorial e as faixas de terra que com ele possuem contato ou desenvolvem atividades relacionadas a essas áreas, incluindo os municípios que estejam a cinqüenta quilômetros das linhas de base do mar territorial. A definição utilizada no Brasil foi posta pelo Decreto n. º 5.300/2004. Seu artigo 3º estabelece os limites da zona costeira nos seguintes termos:

            Art. 3º. A zona costeira brasileira, considerada patrimônio nacional pela Constituição de 1988, corresponde ao espaço geográfico de interação do ar, do mar e da terra, incluindo seus recursos renováveis ou não, abrangendo uma faixa marítima e uma faixa terrestre, com os seguintes limites: I - faixa marítima: espaço que se estende por doze milhas náuticas, medido a partir das linhas de base, compreendendo, dessa forma, a totalidade do mar territorial; II - faixa terrestre: espaço compreendido pelos limites dos Municípios que sofrem influência direta dos fenômenos ocorrentes na zona costeira.[06]

            Vale anotar que os parâmetros utilizados mundialmente para delimitar a parte terrestre das zonas costeiras atribuem geralmente maior relevância aos possíveis impactos decorrentes da proximidade com o mar do que a limites geograficamente precisos.[07]

            A proposta que se apresenta é, quanto ao método, um estudo com preocupações dogmáticas. Com isto quer-se dizer que se volta à orientação da ação e à programação das decisões, assumindo um caráter não-especulativo. Por sua própria delimitação apoiada na especialidade de um conjunto de normas jurídicas, vincula-se também o método à consideração das normas como pontos de partida para a análise a ser empreendida. É uma abordagem normativista.

            A exposição das normas de Direito Internacional que afetam as zonas costeiras está dividida em dois momentos. Em primeiro lugar, cuidar-se-á da delimitação dos espaços e, conseqüentemente do alcance da jurisdição do Estado costeiro, de modo a identificar concretamente o impacto das normas internacionais sobre as zonas costeiras; em segundo lugar, tratar-se-á de apontar exemplos de atividades peculiarmente desenvolvidas nesses espaços e as normas internacionais sobre elas incidentes.


2. Fronteiras e limites à jurisdição do Estado costeiro

            A título introdutório, pode-se dizer que o território do Estado abrange, segundo o Direito Internacional, a porção terrestre, o mar territorial e o espaço aéreo sobrejacente. As zonas costeiras alcançam todos estes espaços, embora não abarquem toda a extensão da porção terrestre, restringindo-se a uma faixa de terra contada a partir da costa. Cabe afirmar, nesse sentido, que o espaço objeto desta investigação, a zona costeira, pertence ao Estado. Contudo, existem diferenças no que toca ao exercício da jurisdição, marcadamente, nos espaços marítimos.

            O Direito Internacional do Mar, formado a partir de noções costumeiras posteriormente codificadas, encontra na Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar, de Montego Bay, 1982, sua principal fonte. Pela agenda negociada para a IIIª Conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, processo pelo qual foi elaborada a Convenção, a codificação deveria abarcar todas as questões atinentes aos espaços marítimos.[08] A negociação demorou quase nove anos e o resultado final só pode ser obtido por votação, ante a relutância de alguns Estados com certas disposições contidas no texto.[09] Por força dessa oposição, a adesão mais ampla à Convenção só ocorreu depois de um novo acordo sobre a Autoridade e a Empresa, instituições criadas pelo tratado e cujas competências limitam a exploração pelos Estados dos fundos marinhos, reconhecidos como patrimônio comum da humanidade.[10] Atualmente, 153 países ratificaram a Convenção sobre Direito do Mar.[11] Importante papel teve também a jurisprudência internacional, ao decidir litígios sobre delimitação desses espaços e sobre os limites à jurisdição do Estado costeiro.[12]

            Em linhas bastante gerais, a jurisdição sobre os espaços marítimos decorre da jurisdição territorial ou da jurisdição sobre os recursos naturais.[13] No primeiro caso está o mar territorial, que pertence ao Estado costeiro. A zona econômica exclusiva é exemplo de delimitação apoiada na jurisdição sobre os recursos naturais encontráveis na área. As águas marinhas ainda compreendem a zona contígua ao mar territorial e o Alto-Mar, única área em que prevalece integralmente o princípio da liberdade dos mares. No que toca ao leito e ao subsolo marinho, a zona próxima à costa, onde estão os minérios exploráveis, petróleo inclusive, chamada de plataforma continental, pertence ao Estado costeiro. Ela confronta com os "fundos marinhos", os quais também compõem o patrimônio comum da humanidade e serão explorados apenas com autorização a ser deferida por uma "Empresa".[14] Destarte, estão dentro dos limites das zonas costeiras o mar territorial e parte da plataforma continental. Pelo critério empregado aqui, ambos os espaços recaem no escopo deste estudo.

            2.1. Mar territorial

            A história brasileira da delimitação do mar territorial parte das usuais três milhas, critério desenvolvido em superposição à regra do alcance do canhão, comum no século XIX, passando para seis e depois doze milhas durante a década de 1960.[15] A grande mudança foi a decisão de acompanhar as reivindicações de outros Estados latino-americanos, ao estender a duzentas milhas o seu mar territorial. Esta nova postura foi veiculada pelo Decreto-lei n. 1.098, de 1970, e teve como móveis principais as preocupações econômicas ligadas à pesca e à exploração dos recursos marinhos, inclusive do solo e subsolo, embora fatores diplomáticos, - em particular, a existência de um movimento latino-americano respaldando a tendência de ampliação -, de segurança e mesmo de política interna convergissem no mesmo sentido.[16]

            A estratégia dos países latino-americanos não ficou imune a reações. A principal delas foi a convocação da referida IIIª Conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar para alcançar o que nas duas primeiras foi impossível: o consenso sobre a extensão do mar territorial e uma definição dos direitos do Estado costeiro sobre as cento e oitenta e oito milhas a ele adjacentes.[17] A terceira Conferência foi mais bem sucedida, não obstante a impressionante extensão dos temas incluídos em seu programa de trabalho.[18] No que toca ao mar territorial, objeto de interesse neste ponto, a Convenção fixou o limite de doze milhas, consagrou a noção de zona contígua para uma faixa de até vinte e quatro milhas e criou o regime da zona econômica exclusiva, aplicável até o limite de duzentas milhas. O resultado foi bem recebido no Brasil, que assinou a Convenção na última sessão da Conferência. Segundo a avaliação de Castro, na prática, a aplicação do Decreto-lei 1.098 não seria significativamente alterada pela assinatura da Convenção.[19] Na seqüência, o tratado foi ratificado e promulgado (Decreto n. 99.165, de 12.03.1990).

            A Convenção permite aos Estados que fixem a extensão do seu mar territorial, limitando essa discricionariedade por dois fatores: um máximo de 12 milhas marítimas e o mar territorial de um Estado confrontante (artigos 3 e 15). Nesta esteira, o Brasil fixou seu mar territorial na extensão máxima permitida, por não encontrar à sua frente Estado cujo mar territorial alcance esse espaço de doze milhas marítimas. Para isso editou a Lei n. 8.617, de 4.1.1993, que dispôs sobre o mar territorial, a zona contígua, a zona econômica exclusiva e a plataforma continental brasileiros. O mar territorial é considerado bem da União, conforme o artigo 20, VI da Constituição Federal. Por conseguinte, a competência para julgar as infrações cometidas no mar territorial é da Justiça Federal, ex vi do artigo 109, IV, da CFRB.[20]

            O mar territorial deve ser calculado a partir de linhas de base, que têm por referência as linhas de baixa-mar ao longo da costa (art. 5). A possibilidade de traçar linhas retas, englobando saliências e rochedos, foi admitida pela jurisprudência internacional, no caso das Pescarias norueguesas. Naquela ocasião, o sistema de determinação do mar territorial norueguês baseava-se na fixação de linhas retas, evitando acompanhar precisamente as franjas e recortes da costa do país. Este sistema fora contestado pelo Reino Unido perante a CIJ, mas a decisão foi favorável à Noruega.A admissão das linhas de base reta impôs como condição de licitude desse sistema que não houvesse afastamento significativo da direção geral da costa.[21] Tal conceito foi reproduzido na Convenção, artigo 7.

            Constituindo-se em parte do território, a zona de doze milhas poderia ser equiparada às zonas terrestres, obedecendo ao princípio do Direito Internacional da jurisdição plena e exclusiva do Estado.[22] Porém, certas diferenças são encontradas no que toca ao mar territorial, decorrentes do direito de passagem inocente e da jurisdição do Estado da bandeira sobre incidentes a bordo do navio. Estas diferenças são exploradas adiante. Antes, porém, cumpre apresentar a regulamentação dos direitos sobre a plataforma continental.

            2.2. Plataforma continental

            Em linhas gerais, a plataforma constitui-se na prolongação natural da estrutura geológica que dá feição às porções continentais do globo. Sua extensão e profundidade são variáveis, calculando-se que possa ser encontrada em até 500 metros de profundidade. Boa parte do petróleo explorado pelo Brasil encontra-se na plataforma continental;[23] gás natural e produtos farmacológicos também podem ser dela extraídos. A possibilidade jurídica desta atividade é recente no Direito Internacional. Ela remonta à Declaração do Presidente estadunidense Truman, que a reivindicava para os EUA, e foi seguida por leis internas de diversos Estados.[24] Em poucos anos, uma das Convenções de Genebra dedicava-se à plataforma continental e codificava o costume na matéria, atribuindo ao Estado costeiro direitos soberanos para fins de exploração e aproveitamento dos recursos naturais (art. 2). O critério para definição da extensão da plataforma adotado por tal Convenção era baseado na profundidade da margem continental, reservando ao Estado direitos soberanos sobre "o leito do mar e o subsolo das regiões submarinas adjacentes às costas, mas situadas fora do mar territorial, até uma profundidade de 200 metros, ou, além deste limite, até o ponto em que a profundidade das águas sobrejacentes permita o aproveitamento dos recursos naturais das referidas regiões" (artigo 1.a).[25] A medida usada refletia o conhecimento e a tecnologia existentes à época da redação da Convenção, especialmente as conclusões da Associação Internacional de Oceanografia Física, que definiam a plataforma continental pela profundidade de 0 a 200 metros e o talude como a parte seguinte, de 200 a 2000 metros. Mais profundos são os fundos oceânicos (de 2000 a 6000 metros) e ainda é possível encontrar as fossas ou abismos, a mais de 10 mil metros de profundidade. A porção abrangida pelas regiões de profundidade inferior a 200 metros alcança 7,6% das superfícies submarinas.[26]

            O sistema não foi bem aceito nos anos seguintes, inclusive pelo desenvolvimento dos equipamentos de exploração e a conseqüente ampliação dos conhecimentos sobre a morfologia, os sedimentos e a composição da plataforma continental. Assim, na Convenção de 1982 uma soma de diversas regras criou um sistema complexo e repleto de particularidades para cumprir essa missão.[27]

            A Convenção repete no seu artigo 77 o dispositivo do artigo 2º da Convenção anterior, atribuindo ao Estado costeiro direitos soberanos sobre a plataforma continental para exploração e aproveitamento dos recursos naturais. A diferença está na definição da largura, cujos critérios variam. No geral vale a extensão natural, limitada a 350 milhas, mas reserva-se um limite mínimo de 200 milhas nos casos em que ela não seja tão larga. Ressalva-se que a simplificação que ora se faz exclui detalhes aplicáveis a situações particulares. É importante ainda registrar que os direitos sobre a plataforma continental independem de reivindicação específica do Estado, de obrigação de repartição ou de apresentação de algum plano de aproveitamento desses recursos, de acordo com o art. 77.3. O mesmo não ocorre com a zona econômica exclusiva, segundo o artigo 62.2.[28]

            Sobre a plataforma continental são encontradas ainda espécies que somente se locomovem em contato com o solo, caso de algumas espécies de lagostas. Tais recursos pertencem ao Estado costeiro, de acordo com a Convenção, artigo 77.4. Antes dela, porém, houve controvérsia sobre o tema, inclusive na famosa "guerra da lagosta", incidente diplomático que opôs Brasil e França no início da década de 1960.[29] A instalação de quaisquer mecanismos ou plataformas também depende de autorização do Estado costeiro.[30]

            Problema distinto, a delimitação das projeções "laterais" da plataforma continental deve ser feita sob critérios ainda não totalmente definidos. A brasileira, por exemplo, confronta com a uruguaia, ao Sul, e a da Guiana Francesa, ao Norte. O problema colocou-se nos casos da Plataforma Continental do Mar do Norte, em que Dinamarca e Holanda pretendiam obter uma divisão desse espaço a partir do princípio da eqüidistância, constante do artigo 6 da Convenção de Genebra sobre Plataforma Continental. A Alemanha contestava esta pretensão, afirmando que o dispositivo não lhe era oponível, por não ter ratificado a Convenção e requeria uma divisão em bases eqüitativas. A CIJ deu razão à Alemanha.[31] Depois deste caso, a jurisprudência foi confirmada em diversas disputas semelhantes.[32] Todavia, a Convenção de 1982 não trouxe critérios adicionais para a delimitação, embora tenha criado uma Comissão para esse fim (anexo II).[33] Sabe-se que ainda hoje há consideráveis delimitações ainda não efetuadas, apesar dos trabalhos da Comissão, de laudos arbitrais e decisões da CIJ sobre o assunto.

            Diante do que foi dito até aqui, pode-se perceber que o Direito Internacional delimita o espaço das zonas costeiras atribuído aos Estados e põe limites ao exercício da sua jurisdição e de seus direitos sobre os espaços marítimos. Estas questões pertencem, pois, ao programa de pesquisa e sistematização aqui proposto. Doravante, cumpre apontar quais atividades sociais são desenvolvidas nestas áreas que sofrem influência de regras internacionais.

Sobre o autor
André Lipp Pinto Basto Lupi

Doutor em Direito (USP), com estágio doutoral no IUHEI (Genebra). Mestre em Direito pela UFSC e Bacharel pela mesma instituição. Professor do Programa de Doutorado da Univali. Sócio de Menezes Niebuhr Advogados Associados.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LUPI, André Lipp Pinto Basto. O direito internacional e as zonas costeiras. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1453, 24 jun. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9959. Acesso em: 23 nov. 2024.

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