3. Efetivação da Soberania e Concretização Objetiva do Direito e da Realidade Jurídica
A soberania constitui-se, por excelência, no elemento abstrato (fundamental) de formação do Estado, que se cristaliza, em última instância, através do sincero e mais íntimo desejo do conjunto de nacionais (povo) em conceber uma comunidade (Nação) territorial onde a vontade individual ceda (necessária e obrigatoriamente) espaço para a imposição da vontade coletiva, por intermédio da caracterização de um sinérgico poder criativo chamado de Poder Constituinte (em essência, uma acepção teórica originária) e de sua normatização consequente, ou seja, o Direito em sua concepção efetiva.
Não é por outra razão, portanto, que o conceito próprio e específico de Poder Constituinte, na qualidade de poder originário e institucionalizante, é comumente sintetizado como a expressão máxima da soberania nacional, em uma evidente (e correta) alusão ao objetivo último desta modalidade suprema de exteriorização teórica do poder político que reside exatamente em transformar a Nação dotando-a de uma organização político-jurídica fundamental (Constituição) em um efetivo Estado8, dotado de Poderes Constitucionais (em uma acepção teórica desdobrada) com respectivas competências complementares legislativa, executiva e judiciária, que são garantidas, no plano concreto e efetivo, pelas Forças Armadas (na qualidade de garantidoras derradeiras da Soberania Nacional).
A soberania, por efeito consequente, caracteriza (sinérgica e derradeiramente) o Estado, atribuindo-lhe um Direito interno ou, em outras palavras, dotando-o de instrumentos de regulação inerentes à vida de seus diversos integrantes, em princípio de forma legítima (consensual), ainda que, em sua ação prática, de modo compulsório [9].
Todavia, como a soberania também se constitui, em última análise, em uma abstração, o Direito estatal que dela deriva, para realmente valer, de maneira genérica e obrigatória, necessita de algum tipo de elemento concreto que tenha a capacidade de viabilizar, sob o ponto de vista efetivo, a indispensável concreção do chamado poder de império (poder sobre todas as coisas no território estatal) e do denominado poder de dominação (poder sobre todas as pessoas no território estatal), inerentes ao poder político-jurídico (acepção teórica) derivado da soberania (acepção abstrata). Este elemento de efetivação traduz-se pela sinérgica existência de uma força coercitiva (de imposição) que, quando necessária, se transmuda em uma força coativa (de obediência) , de natureza múltipla (política, econômica, militar e/ou psicossocial), uma vez que traduz as expressões exteriorizantes do Poder Nacional , mas que, de modo derradeiro, perfaz-se por meio de uma inexorável existência de capacidade política em seu sentido amplo, incluindo a acepção concreta correspondente à Força Nacional.
Desta feita, forçoso concluir que a soberania (e o Direito dela decorrente), embora inicial e presumivelmente estabelecida por consenso, somente se efetiva, de modo amplo e pleno, com o necessário respaldo em uma capacidade de força efetiva, nas mãos do Estado, que seja facilmente perceptível pelos diversos indivíduos que compõem a comunidade social, transformando a inicial abstração da soberania em uma acepção concreta e, consequentemente, a percepção ficcional do Direito em uma realidade universal, visível e reconhecível perceptível [10].
A lei deve ter autoridade sobre os homens e não os homens sobre a lei. (PAUSÂNIAS, Geógrafo grego - 4 a.C./65 d.C.)
Assim, de modo objetivo, é possível analisar didaticamente a anatomia da soberania, desvendando os seus variados graus de exteriorização (desde o sentido mais abstrato até o mais concreto) e, sobretudo, caracterizando conceitualmente os vocábulos poder (como elemento teórico de exteriorização da soberania abstrata, em que a mesma é revestida de autoridade, faculdade e possibilidade de ação, forjando a sua concepção teórica) e força (na qualidade de elemento efetivo de concreção do poder, em que o mesmo é dotado de vigor e robustez em termos práticos, forjando a concepção da soberania em termos efetivos).
Destarte, é exatamente neste contexto que se enquadra a concepção clássica de que o Estado é o verdadeiro e principal (senão único) detentor do monopólio do uso (legítimo) da violência, permitindo dotar a positividade de seus regramentos de plena e necessária efetividade, ou, em outras palavras, transformando o direito positivo (legislado) em direito efetivo (aplicado).
4. Estados Fortes e Estados Fracos
Se o Estado é forte, esmaga-nos. Se ele é fraco, nós perecemos. (PAUL VALÉRY)
Muito embora a doutrina tradicional não comente, pelo menos de modo mais detalhado, a questão da força imperativa do Estado, optando, muitas vezes, por simplesmente ignorar a moderna tendência política de se classificarem os Estados contemporâneos em Estados Fortes e em Estados Fracos, é cediço reconhecer a extrema importância quanto ao enfrentamento desta questão que, de um modo muito especial, também se encontra associada à formação da concepção técnico-jurídica da democracia material.
Nesse diapasão, vale registrar, inicialmente, que a noção mais elementar de Estado Forte encontra-se irremediavelmente associada ao conceito amplo de Estado de legalidade, no exato sentido não só da efetiva constatação da presença de um sólido poder político, mas também da sinérgica disposição de utilizá-lo, de acordo com os ditames da ordem jurídico-política estabelecidos e, particularmente, em favor de sua completa concretização.
Como toda democracia material (substantiva) necessariamente caracteriza-se pelo binômio associativo da legitimidade/legalidade, incluindo, através deste último atributo, a ideia da força imperativa estatal , é lícito (e razoável) concluir que todo verdadeiro Estado Democrático de Direito constitui-se inexoravelmente em um Estado Forte, não obstante nem todo Estado reputado forte traduzir, necessariamente, um regime político genuinamente democrático, considerando a ausência de insuperável compromisso deste tipo de Estado com a questão ampla da legitimidade.
Diagrama 9: Democracia Formal e Material
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Diagrama 10: Estados Fortes e Estados Fracos
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4.1. Princípio da Autoridade, Autoritarismo e Ausência de Autoridade
Para um melhor entendimento dos conceitos de Estado forte e Estado fraco, resta obrigatório deduzir que o princípio da autoridade não possui qualquer correspondência com a noção conceitual de autoritarismo e, muito menos, com a simples ideia de ausência de autoridade.
Em essência, o denominado princípio da autoridade é consequência natural da plena legitimidade do regime político democrático na construção de uma ordem jurídico-política, bem como de sua sinérgica aplicação rigorosamente de acordo com as regras previamente estabelecidas, forjando, em última análise, a própria concepção do Estado Democrático Material, que associa, dentre outros, no princípio da autoridade, a natureza nitidamente vinculativa do binômio poder-dever.
O autoritarismo, neste contexto analítico, corresponde apenas a um viés estritamente legalista do Estado, caracterizando, em sua tradução ampla, o que comumente ocorre, em diferentes graus, nos Estados Fortes rotulados como democracias formais legalistas, Estados autoritários e Estados totalitários.
Finalmente, a acepção técnico-jurídica da ausência (parcial ou total) de autoridade, por sua vez, traduz-se pela falta de capacidade e/ou determinação política para impor a ordem jurídico-política estabelecida legitimamente (como no caso das democracias formais fundadas na legitimidade) ou imposta pela força (como na hipótese dos Estados autoritários e totalitários instáveis ou protegidos), caracterizando os chamados Estados Fracos.
Diagrama 11: Princípio da Autoridade, Autoritarismo e Ausência de Autoridade
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5. Conclusões
Conforme expressamente registrado, o Direito, transcendendo sua noção, conceituação e finalidade social, constitui-se em uma inexorável e singela realidade ficcional, posto que, reconhecidamente, é desprovido de qualquer efetividade inerente ao mundo fático, sendo certo afirmar que o Direito somente se transmuda em uma realidade efetiva na presença de indispensáveis elementos de concreção.
Neste sentido, embora o Estado não seja o único elemento de concreção do Direito é, sem dúvida, a sua principal geratriz de produção e efetivação, o que é realizado através de seu elemento componente (fundamental) chamado soberania.
A soberania, por sua vez, constitui-se no elemento abstrato de formação do Estado, que se cristaliza através do sincero e mais íntimo desejo do conjunto de nacionais (povo) em conceber uma comunidade (Nação) territorial onde a vontade individual necessariamente acabe por ceder espaço para a imposição da vontade coletiva, por intermédio da caracterização última de um sinérgico Poder Constituinte, criador do próprio Estado e, particularmente, normatizador de um direito dotado do necessário atributo de efetividade.
Por efeito, a soberania não exprime apenas um valor jurídico, mas, igualmente, um valor político e, mais do que isto, um verdadeiro valor político-patrimonial. A necessidade de ordem nas sociedades, por si só, justifica a existência da soberania, como fator abstrato de concreção do denominado Estado-Nação. E se por um lado ela designa o poder que é exercido no seio da comunidade política, de modo a garantir a sua integridade e a dos indivíduos que a compõem, por outro, designa o caráter desta comunidade política entendida como instituição jurídica, porque se faz sentir a necessidade de atribuir a este corpo político prerrogativas e obrigações.
Desta feita, forçoso concluir que a soberania (e o Direito dela decorrente), embora inicial e presumivelmente estabelecida por consenso, somente se efetiva, de modo amplo e pleno, com o necessário respaldo em uma capacidade de força efetiva, nas mãos do Estado, que seja facilmente perceptível pelos diversos indivíduos que compõem a comunidade social, transformando a inicial abstração da soberania em uma acepção concreta e, consequentemente, a percepção ficcional do Direito em uma realidade universal, visível e reconhecível (perceptível).