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FACEBOOK PROVA QUE O RISCO COMPENSA NA VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DOS USUÁRIOS

As Big Techs assumem o risco das demandas judiciais ao violar os Direitos dos usuários.

Agenda 30/08/2022 às 19:14

O recente acordo celebrado pelo Facebook na demanda coletiva pela venda de dados durante o processo eleitoral norte americano prova que as Big Techs aproveitam-se das lacunas regulatórias para amplificar seus lucros e exercer a sua posição de domínio.

 

A Meta (controladora do Facebook), concordou em resolver o gigantesco processo de quebra de privacidade ligado ao escândalo da Cambridge Analytica, na última sexta feira.

Tanto o CEO da Meta, Mark Zuckerberg, como a ex-diretora de operações Sheryl Sandberg e o atual COO Javier Olivan foram intimados para prestar depoimento, ainda sobre o caso, no mês de setembro.

O escândalo da Cambridge Analytica eclodiu após a notícia de que a extinta consultoria usou indevidamente os dados de quase 90 milhões de usuários do Facebook para anúncios políticos direcionados durante a campanha do referendo do Brexit no Reino Unido e as eleições presidenciais dos EUA em 2016. A consultoria trabalhou na campanha presidencial de Donald Trump.

O escândalo levou Zuckerberg a testemunhar perante o Congresso sobre as políticas de privacidade do Facebook. Também levou a uma multa de US$ 5 bilhões da Comissão Federal de Comércio dos EUA, parte de um acordo entre o Facebook e a agência sobre uma investigação da FTC sobre o assunto. Sob o acordo com a FTC, o Facebook concordou em criar um comitê de privacidade independente, Zuckerberg foi obrigado a certificar o comportamento da empresa, e a rede social foi ordenada a construir mais proteções de privacidade em suas plataformas.

Tanto o Facebook quanto a Cambridge Analytica, que fechou em 2018, negaram qualquer irregularidade no transcorrer do processo.

O acordo celebrado, com o propósito de encerrar a ação coletiva movida por milhões usuários da plataforma devido às práticas da empresa no caso de compartilhamento de dados com a Cambridge Analytica, leva muitos a simples pergunta: O processo acabou em pizza? Os usuários com seus dados comercializados tem alguma chance nas demandas judiciais contra as big techs?

No caso desse processo, as duas partes apresentaram uma notificação conjunta na qual declaram que "a princípio chegaram a um acordo" e estavam pedindo um prazo de 60 dias para entregá-lo por escrito ao tribunal, ainda que os termos dessa minuta de acordo não tenham sido revelados.

O arquivamento de sexta-feira não forneceu detalhes financeiros ou outros sobre a liquidação do processo de privacidade, que foi arquivado em nome dos usuários do Facebook. A ação buscou o status de ação coletiva e pediu indenização aos autores da ação, bem como auxílio cautelar.

Os números na ação impressionam, nesse processo que teve início em 2018, onde os usuários do Facebook entraram com processo contra a empresa após vir à tona a revelação de que uma empresa britânica ligada à campanha presidencial de Donald Trump de 2016, a Cambridge Analytica, teve acesso a dados de 87 milhões de pessoas que utilizam a rede social. A acusação era de que os dados foram usados para influenciar os eleitores americanos a votar em Trump.

Os permanentes casos de enfrentamento dos usuários dos serviços das Big Techs são cada dia mais comuns, afinal elas se utilizam das lacunas regulatórias para exercer o seu poder.

Logo o papel do legislador sempre será de regrar sem desestimular a livre iniciativa, porém é preciso estabelecer parâmetros, não como propósito de criar custos e burocracias invariavelmente desnecessárias, mas regrar o avançar de forma isonômica, privilegiando a livre iniciativa mas protegendo a concorrência.

As Big Techs por escalarem em uma velocidade maior do que o regramento, e por encontrarem oportunidades justamente nos vácuos regulatórios, acabam se beneficiando disso, ao tal ponto que seus serviços geram novos conceitos e faz com que os modelos legais fiquem obsoletos, vejamos por exemplo o tratamento tributário das ligações por telefone via WhatsApp e outros mais e o mesmo tratamento por minuto das ligações telefônicas. Só isso já dá a dimensão da dificuldade do legislador em estabelecer novos parâmetros.

Logo as referências legais que protegem a livre concorrência ganham vital importância, pois sem a proteção dela o que vamos ver é um mundo dominado exclusivamente por poucas plataformas com todo o ônus que essa dependência traz.

Nesse momento Bruxelas parece estar madura para aplicar uma nova legislação rigorosa destinada aos gigantes do Vale do Silício, cujas ações desesperadas de pressão caíram sobre os ouvidos dos surdos na capital da UE.

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Tente imaginar como empresas como a ProtonMail, um serviço de e-mail seguro, fundado em 2014 e que nesse momento tem cerca de 50 milhões de usuários em todo o mundo, como poderia sonhar em concorrer com o Gmail, o gigante das comunicações de propriedade do Google, que tem mais de 1,5 bilhão de usuários, que além da escala tem todo um pacote de produtos e serviços conectados na plataforma da Alphabet (Grupo dono do Google)?

Serviços como o da ProtonMail só existe graças a benevolência dos gigantes do mercado que não olham uma empresa desse porte como concorrente.

Assim como a ProtonMail, muitas empresas em toda a Europa depositaram suas esperanças na Lei de Mercados Digitais(DMA), a primeira revisão das regras da UE que regem a concorrência na Internet em 20 anos. É uma das duas principais leis para o setor de tecnologia que estão sendo elaboradas em Bruxelas; o outro é a Lei de Serviços Digitais (DSA), que abrangerá áreas como privacidade e uso de dados.

Destinada a empresas com capitalização de mercado de mais de 75 bilhões de euros, a lei estabelecerá pela primeira vez as regras sobre como as grandes plataformas online devem competir no mercado da UE.

Como exemplo, isso poderia forçar o Google a dar aos usuários a capacidade de escolher outros provedores de e-mail ao comprar um novo smartphone ou a Apple para permitir que serviços concorrentes entrassem em sua loja de aplicativos.

Ao mesmo tempo também dará às autoridades maior poder de investigação e a capacidade de impor multas de até 20% do volume de negócios global por violações, ou mesmo em circunstâncias extremas, forçar os infratores a dividir suas empresas.

Destaco também, que durante décadas, as agências antitruste na Europa e nos EUA têm sido ineficazes e lentas demais para reagir. Embora a Comissão Europeia tenha intensificado suas medidas antitruste nos últimos anos, as multas que impôs são simplesmente consideradas o custo de fazer negócios.

Vejamos o caso das multas impostas por Margrethe Vestager, comissária de concorrência da UE, no valor de cerca de 10 bilhões de euros ao Google ao longo de uma década, mas os rivais dizem que isso pouco fez para abrir mercados. O Google continua a contestar todas as multas, mesmo depois que o Tribunal da UE em Luxemburgo decidiu que favoreceu seus próprios serviços em relação às ofertas concorrentes. A empresa recorreu do veredicto.

Agora, a UE está intensificando significativamente a sua guerra antitruste contra a Big Tech e eles têm colocado muita pressão sobre a lei para favorecê-los. De acordo com o Corporate Europe Observatory, um grupo independente em Bruxelas, a BIG Tech e funcionários da UE realizaram mais de 150 reuniões desde o final de 2019, nas quais participaram 103 organizações. Mas os esforços das empresas têm sido em grande parte em vão e agora estão focados em como poderiam cumprir a legislação em vez de descarrilá-la.

O Google tem sido o que mais se esforçou para tentar fazer com que a regulamentação se encaixasse em seus propósitos. De acordo com o Corporate Europe Observatory, foi a empresa que mais se reuniu com altos funcionários da Comissão Europeia e com os deputados.

As autoridades já têm uma lista de possíveis casos contra grandes empresas de tecnologia antes mesmo das regras entrarem em vigor em 2023. Facebook e Google provavelmente serão os primeiros a serem examinados, de acordo com pessoas com grande conhecimento do assunto. Bruxelas está se preparando para processar o Google por supostas práticas anticoncorrenciais e o acusa de abusar de sua poderosa posição para direcionar os usuários para seus próprios serviços, à frente dos de seus rivais, uma prática que o DMA deverá proibir.

O caso é semelhante a uma ação antitruste já apresentada pela Comissão Europeia sob a legislação existente da UE, argumentando que a gigante da tecnologia favorece seus próprios serviços de comparação de compras em relação aos dos rivais, em vez de oferecer os melhores resultados de pesquisa aos consumidores. O Google diz que já fez as mudanças necessárias em 2017 e recorreu de uma decisão judicial a favor das exigências da Comissão.

Na Europa, já se percebe que a atitude em relação à grande tecnologia mudou. Os organismos antitruste de cada Estado-Membro foram autorizados a agir contra eles antes mesmo que as leis entrem em vigor. Por exemplo, a autoridade de concorrência holandesa impôs uma série de multas à Apple em janeiro e fevereiro por não permitir que os criadores de aplicativos usassem um sistema de pagamento diferente do seu, que cobra 30% de comissões.

Na Alemanha, o cão de guarda da concorrência recebeu recentemente mais poderes para combater práticas abusivas e tomar medidas contra empresas que dominam um mercado específico. A entidade alemã já pode proibir empresas como Google e Facebook de dar tratamento preferencial a seus próprios serviços e produtos, mesmo antes da aprovação do DMA.

Os Países Baixos multaram a Apple por não permitir que os criadores usem um sistema de pagamento diferente do seu em sua loja de aplicativos Apple Store.

Além das fronteiras da União Europeia, a Grã-Bretanha também está criando um órgão para monitorar o domínio do mercado por parte das empresas de tecnologia, embora não seja provável que adquira poderes até muito tempo depois que as regras de Bruxelas entrarem em vigor.

Apesar de seus esforços para influenciar o WFD, o governo Biden é muito a favor do que Bruxelas está fazendo. Ele sinalizou que aplicará medidas mais rigorosas nos EUA que refletem as iniciativas de Bruxelas e colocou críticos da grande tecnologia em posições influentes, incluindo Lina Khan, a chefe da Comissão Federal de Comércio que ficou famosa por defender que a Amazônia deveria ser dividida.

O Congresso dos EUA também está debatendo uma nova legislação semelhante ao WFD. A lei de inovação e eleição online, introduzida pelo senador republicano Chuck Grassley e pela democrata Amy Klobuchar, tem o apoio de ambos os partidos, mas apenas começou sua jornada e poucos esperam que sejam feitos progressos antes das eleições legislativas em novembro.

No entanto, na Europa, as empresas de tecnologia têm a sensação de que a batalha já está perdida. Equipes jurídicas do Google, Apple e Amazon já estão estudando maneiras de aplicar as novas regras, como a criação de uma nova unidade de compliance.

Resta saber até que ponto essa legislação mudará a situação. Um sistema que levou a um grande progresso tecnológico muito rapidamente que às vezes teve consequências negativas e às vezes positivas pode não ser o mesmo novamente.

Essa guerra já tem vencedores declarados, as Big Techs, afinal a estrutura de capital e a permeabilidade longínqua dos seus produtos e serviços tornam o papel dos legisladores o de regrar sobre o leite derramada, mas é obvio sem isso seria ainda pior.

O acordo judicial celebrado pelo Facebook pode dar o exato tom do que tratamos, as Big Techs fazem jurisprudência depois de violentarem os direitos dos seus usuários, o que é possível graças ao seu gigantismo e as suas escandalosas margens de lucro.

Sobre o autor
Charles M. Machado

Charles M. Machado é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha. Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também é palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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