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Juiz concede liminar na ação da OAB/SP contra racionamento

Agenda 01/04/2001 às 00:00

O juiz federal Alexandre Cassettari concedeu, parcialmente, liminar na ação civil pública movida pela OAB/SP contra a medida provisória do racionamento de eletricidade.

6ª VARA CÍVEL - SEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO.

PROCESSO N° 2001.61.00.14014-9

Trata-se de Ação Civil Pública proposta pela Secção de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil contra a União Federal e a Agência Nacional de Energia Elétrica -ANEEL, e em pedido de aditamento à inicial ampliou o pólo passivo da ação com a inclusão da Eletropaulo Metropolitana, Companhia Paulista de Força e Luz, Empresa Bandeirantes de Energia S/A -EBE, Elektro Eletricidade e Serviços S/A, Empresa Elétrica Bragantina S/A, CPEE - Companhia Paulista de Energia Elétrica, Caiuá Serviços de Eletricidade S/A, CNEE - Companhia Nacional de Energia Elétrica, EEVP -Empresa de Eletricidade Vale Paranapanema S/A, CSPE -Companhia Sul Paulista de Energia, Companhia Jaguari de Energia, CLFM -Companhia Luz e Força de Mooca, CLFSC -Companhia Luz e Força Santa Cruz com pedidos de antecipação de tutela e medidas cautelares em liminar objetivando impedir as concessionárias rés de procederem a suspensão do fornecimento de energia elétrica nos termos da Medida Provisória nº 2147-1/01 e suas alterações ou reedições e da Resolução nº 04/01 e de impedir a cobrança, nas faturas de serviço de fornecimento de energia elétrica, de valores que não sejam as respectivas tarifas e tributos legalmente instituídos (a sobretaxa). No aditamento foi limitado o pedido aos consumidores do Estado de São Paulo, tendo em vista que a autora tem atuação somente neste Estado.

A ação visa a tutela de interesses coletivos e individuais homogêneos dos consumidores de energia elétrica em face das medidas tomadas para a contenção de seu consumo em decorrência da notória crise energética que ataca o país.

Tais medidas são as constantes da Medida Provisória no2147/00 e da Resolução nº 04/01 , que posteriormente foram condensadas na Medida Provisória nº 2148-1/01 , ou seja, esta tem como texto todos os artigos da Medida Provisória nº 2147/01 e da Resolução nº 04/01, com pouca alteração.

Alega o autor que se trata de relação de consumo e que as ações das rés violam o princípio da legalidade e do devido processo legal; que a paralisação do fornecimento do serviço fere o princípio da continuidade do serviço público; que não há caracterização de força maior para excluir a responsabilidade do fornecedor; e que a sobretarifa tem natureza de multa.

Esta ação foi distribuída ao juízo da 2a Vara Cível e enviado à esta 6a Vara por prevenção em decorrência da conexão existente com a Ação Civil Publica, processo n° 2001.61.00.014014-9). Tais ações têm a mesma causa de pedir e pedidos parcialmente idênticos.

Estas ações devem ser julgadas pelo mesmo juízo para evitar contradições, mas devem ter andamento individualizado. Embora a decisão lá proferida tem eficácia em toda Ia Subseção Judiciária, necessário se faz analisar os pedidos liminares aqui feitos por se tratar, na verdade, de ação autônoma. Devem ter andamento conjunto, mas decisões individualizadas.

Em decorrência de terem a mesma causa de pedir, entendo desnecessária a prévia oitiva das pessoas jurídicas de direito público nos termos do artigo 2° da Lei nº 8437/92, pois estas manifestações já foram prestadas no processo conexo e, são satisfatórias para o presente caso.

A ANEEL alegou que o pedido é de declaração de inconstitucionalidade por via transversa; que não há "periculum in mora" no caso; que a liminar requerida é satisfativa; que não há verossimilhança nas alegações; que há perigo na eventual concessão do pedido, pois poderá causar a paralisação do fornecimento para toda a população. Aduz que as medidas tomadas tiveram como fundamento o Princípio da Supremacia do interesse público sobre o privado; que a falta de energia decorreu parte da falta de investimento no setor por falta de recursos e parte pela falta de chuvas que é fenômeno natural; que a medida tomada não fere a isonomia; que a revogação de parte do Código do Consumidor é legal e constitucional; que as sobretarifas são .matérias administrativas discricionárias e referentes ao mérito administrativo, não podendo o Poder Judiciário adentrar na questão; e que não se caracteriza descontinuidade do serviço sua interrupção em situação de emergência motivada por razões de ordem pública.

A União Federal alegou que as empresas industriais e comerciais não integram a relação de consumo pois a energia elétrica é um insumo; que não houve omissão do governo no gerenciamento do setor energético; que o Poder Judiciário ao suspender ações do Poder Executivo está agindo contra a lei; que os efeitos de eventual liminar deve restringir-se ao território de competência do julgador; que não cabe Ação Civil Pública com feição de Adin; que é impossível a concessão de liminares satisfativas contra o Poder Público; que o corte e a sobretarifa atendem o Princípio da Isonomia; que não há dupla punição com a aplicação das duas medidas pois não têm essa natureza jurídica; e que deve prevalecer o interesse público sobre o privado.


Os pedidos liminares são obrigações de não fazer e o pedido final é condenação em obrigação de não fazer e de dar- indenizar prejuízos. Assim, embora a insurgência tenha como causa de pedir a inconstitucionalidade das Medidas Provisórias e da Resolução, o pedido não é este e, a eventual declaração de inconstitucionalidade neste caso será somente incidental, não fazendo esta matéria coisa julgada material. Não há, portanto, que se falar em ação civil pública com efeito de ação direita de inconstitucionalidade em decorrência do seu limite subjetivo ser "erga omnes".

A legitimidade da Ordem dos Advogados do Brasil para a defesa dos interesses individuais homogêneos e coletivos dos consumidores de energia elétrica em ação civil pública se verifica no artigo 5° da Lei nº7347/85 c/c o artigo 44inciso I da Lei nº 8906/94.

Correta está também a nomeação dos réus litisconsortes passivos necessários. As obrigações de fazer requeridas nesta ação são de responsabilidade das empresas concessionárias prestadoras de serviço de fornecimento de energia elétrica por delegação da União Federal e da ANEEL. Além disso, o artigo 24 da Medida Provisória nº 2148-1/0l determina a citação da União como poder concedente e da ANEEL como agência reguladora nas ações que versem sobre a matéria em causa.

Ante a participação da União Federal e da ANEEL como co-rés, clara está a competência da Justiça Federal e, nos termos dos artigos 2° e 16 da Lei nº 7347/85, bem como da caracterização exposta na inicial de dano regional, clara está que a competência no presente caso é da Justiça Federal desta capital, subseção judiciária de São Paulo.

Não há que se falar que o pedido de liminar satisfativa é inviável, pois o pedido liminar pode ter natureza jurídica de medida cautelar ou de tutela antecipada. A ação civil pública admite as duas hipóteses de pedido liminar e a presente ação tem pedidos com natureza de medidas cautelares e de tutela antecipada. Com efeito, liminares satisfativas nada mais são do que li minares com natureza de tutela antecipada.

No mérito, vislumbro os requisitos para concessão parcial das medidas liminares requeridas. Em primeiro lugar, como já apontado acima, urge esclarecer que não visa a presente demanda atacar a norma em tese. Na verdade há insurgência contra seus comandos concretos e respectivos atos praticados pelos réus. Não há mera expectativa de violação dos direitos invocados, mas sim efetiva violação.

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Inegavelmente trata-se de litígio referente a relação de consumo EM DEFESA DAS PESSOAS FISICAS E JURlDICAS CONSUMIDORAS e, assim, são aplicáveis as normas do Código do Consumidor. Não há que se dizer que as pessoas jurídicas comerciais e industriais não são amparadas pelo Código do Consumidor, pois o seu artigo 2º é claro ao estatuir que é consumidor toda pessoa física ou jurídica destinatárias final do serviço. Mesmo que se exija a hipossuficiência ou vulnerabilidade do consumidor pessoa jurídica para caracterizar a relação de consumo, é inegável que, entre as concessionárias e as várias pessoas jurídicas com atividade industrial e comercial, há a vulnerabilidade e hipossuficiência desta últimas na relação negocial envolvendo a prestação de serviço de fornecimento de energia elétrica.

Inócuo o artigo 25 da Medida Provisória n° 2148-1/01 revogar, para o caso em pauta, os artigos 12, 14,22 e 42 do código ora em apreço.

Os artigos derrogados veiculam a responsabilidade objetiva do fornecedor pelo fato do serviço, a exigência da continuidade dos serviços públicos essenciais e a proibição da exposição do consumidor a constrangimento, ameaça ou ridículo na cobrança de débitos.

O fato dos artigos do CDC terem sido revogados expressa e excepcionalmente (regra de exceção), não retira a necessária aplicabilidade de seus comandos no caso, pois estas normas são meras explicitações de normas e princípios constitucionais que regem as relações de consumo. As normas revogadas não veiculavam simples regras elaboradas por opção do legislador ordinário, mas sim exigências feitas pela Constituição Federal referentes à relação de consumo. Com efeito, os preceitos revogados são estruturais de toda a relação jurídica de consumo e, a admissão de sua revogação é o mesmo que abolir qualquer proteção legal aos consumidores.

Os serviços de fornecimento de energia elétrica são públicos e essenciais. Esta constatação se faz diante da leitura do artigo 21, inciso XII, alínea "b" da Constituição Federal que assevera claramente ser de competência da União a exploração, diretamente ou mediante concessão, dos serviços e instalações de energia elétrica. A determinação expressa feita pela Constituição Federal da competência da União para exploração do serviço, em interpretação sistemática e teleológica da norma, erige este serviço a um grau de maior importância dentro de nossa sociedade, o que garante sua categorização como SERVIÇO PÚBLICO ESSENCIAL.

Como serviço de competência direta ou por delegação da União é inquestionável a aplicação do artigo 37, §6° da Constituição Federal, ou seja, independentemente da revogação dos artigos 12 e 14 do CDC, a responsabilidade das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadores de serviço público independem da configuração de sua culpa. Como estamos diante da prestação do serviço público essencial de fornecimento de energia elétrica, a União, a ANEEL e as concessionárias são objetivamente responsáveis pelos danos causados aos consumidores desse serviço.

A revogação da proibição da exposição do consumidor a constrangimento, ameaça ou ridículo na cobrança de débitos é absurda e fere cláusula pétrea. Supressão dessa norma estrutural de toda a relação jurídica de consumo, como já dito, é o mesmo que abolir qualquer proteção legal aos consumidores. O artigo 5°, inciso XXXII, bem como o artigo 170, inciso V, ambos da Constituição Federal, mesmo que interpretados em sua eficácia mínima, rechaçam qualquer ato tendente a abolir a proteção especifica ao consumidor, ainda mais norma diretamente relacionada com a dignidade da pessoa humana, cuja proteção é princípio fundamental de nossa Lei Maior (artigo 1°, inciso III). Assim, mais uma vez, independentemente da revogação do artigo 42 do CDC, não pennite nosso sistema constitucional que a União, a ANEEL ou as concessionárias do serviço exponham os consumidores a constrangimento, ameaça ou ridículo.

Inadmissível, igualmente, a tentativa de retirar a característica da continuidade dos serviços públicos com a revogação do artigo 22 do CDC. Isto porque, como anunciado acima, estamos diante de um serviço público essencial. A Constituição Federal, ao elencar este serviço como de competência da União, está determinando que este serviço deva tratado como utilidade que o Estado assume como própria por ser considerada socialmente imprescindível, necessária e básica.

Neste sentido, sua prestação está sujeita ao regime jurídico-administrativo e, assim, delimitada pelos Princípios de Direito Público reportados aos serviços públicos, dentre os quais, importante aqui ressaltar, o Princípio da Continuidade e o da Modicidade das Tarifas Públicas. Portanto, a própria natureza jurídica deste serviço de fornecimento de energia elétrica o sujeita à exigência da continuidade, melhor explicando, veda a possibilidade de sua interrupção. De nada adianta a Medida Provisória revogar o CDC neste ponto.

Não é demais lembrar que, em relação aos serviços públicos, o artigo 175, parágrafo único, inciso IV da Constituição Federal explicita a obrigatoriedade de manter serviço adequado e que o artigo 6° da Lei de Concessões e Permissões estabelece que serviço público adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança,...

Por estes motivos, a determinação feita pela Medida Provisória e a ação das concessionárias de suspensão do fornecimento de energia elétrica se os consumidores não reduzirem o seu consumo em 20% são flagrantemente inconstitucionais.

Além disso, a suspensão do fornecimento feito pela concessionária tem óbvio propósito de coagir as pessoas a reduzirem o consumo de energia elétrica e, assim, são na verdade, atos administrativos delegados de aplicação de penalidade diante do descumprimento da determinação. Contudo, o artigo 5°, inciso L V da Constituição Federal veda a possibilidade de aplicação de penalidades sem o devido processo legal, ou seja, sem que exista um processo de apuração dos fatos, em que sejam garantidos o contraditório e a ampla defesa.

Mesmo que as inconstitucionalidades acima não existissem, urge observar, ainda, que os critérios utilizados para determinarem a redução forçada de consumo de energia e, consequentemente, determinarem quem são os infratores da obrigação para aplicação da sanção, ferem o Princípio da isonomia, estatuído no artigo 5°, "caput" da Constituição Federal. Na verdade, fere o senso de isonomia avaliado pelo mínimo bom senso.

Ora, a meta foi estabeleci da com a utilização de um percentual redutor do consumo médio verificado em três meses do ano anterior , iniciando o programa no mês de junho/2001 que será apurado pela média de consumo verifica nos meses de maio, junho e julho do ano de 2000. A verificação será feita em relação ao imóvel receptor em nome do mesmo consumidor nos dois anos.

A obrigação é a mesma para todos, independentemente de condições pessoais elementares. É correto exigir que pessoas que sempre fizeram controle e economia dos gastos de energia tenham que reduzir o seu consumo em percentual igual aos que sempre foram perdulários? É óbvio que não. Quem já fazia contenção dos gastos não deve reduzir mais ainda seu gasto no mesmo percentual que os outros e, além disso, esta pessoa certamente terá mais dificuldade nesta redução e necessitará sacrificar utilização de energia em pontos mais essenciais. É justo que residências com o mesmo número de residentes e com gastos de energia muito diversa sejam obrigadas a reduzir o consumo no mesmo percentual? Mais uma vez é óbvio que não. Em princípio, todos deveriam ter direito ao mesmo consumo e, assim, seria mais justo a aferição "per capita" do consumo.

Estas e muitas outras questões poderiam ser formuladas em relação a esta mal elaborada medida. A ausência de fundamentos elementares de justiça e isonomia estão patentes na exigência das metas e na aplicação da sanção de suspensão do fornecimento do serviço. Os critérios aleatórios tratam os desiguais igualmente sem lhes dar prévio direito de defesa.

Não se diga que as situações especiais serão convenientemente revistas pelas concessionárias como previsto, pois estas revisões utilizarão como base de análise estes critérios o que, por si só, já denota ausência de isonomia.

Em relação à chamada sobretarifa, mais uma vez não há como sustentar sua compatibilidade com a Constituição Federal.

A tarifa ou preço público visa a remuneração dos serviços públicos prestados. No caso, como se trata de remuneração de serviço público essencial há necessidade de sua sujeição aos Princípios do Direito Público. Assim, é inegável a aplicabilidade do Princípio da Modicidade das Tarifas.

Decorre deste Princípio que as tarifas, como remuneração do serviço, devem ser compostas pelo seu custo acrescido de razoável lucro da pessoa jurídica exploradora da atividade, sempre sujeitas à fiscalização e prévia autorização do poder concedente para aumentos. Obrigatoriamente deve existir uma equivalência entre o que é pago como tarifa e a justa remuneração do concessionário, bem como deve ser mantido o equilíbrio econômico- financeiro existente na formalização do contrato de concessão.

Mesmo que as tarifas sejam diferenciadas em função do consumo, esta diferenciação tem que atender a todos estes pressupostos.

Como se trata de serviço qualificado de público essencial, ante sua maior importância para o conjunto social, é inadmissível que se exijam pagamentos que onerem excessivamente ou até marginalizem seus membros.

No caso em tela, o artigo 15 da MP nº 2148-1/01 exige um acréscimo de 50% do valor total do serviço para o consumo superior a 200KWh e um acréscimo de 200% para o consumo superior a 500KWh do valor total do serviço.

Em superficial análise do texto deste artigo verifica-se que não se trata de criação de tarifa diferenciada, pois não há a progressividade no valor devido pelos que consomem acima de 200KWh e sim um mero aumento percentual do valor total do que seria a remuneração devida do serviço recebido.

Com bem esclarecido pelo autor, este aumento do valor a ser pago não tem correspondência com o justo custo do serviço prestado, não se fundamenta na manutenção do equilíbrio econômico contratual e nem será destinada ás concessionárias. Diante disso, bem como à luz da interpretação sistemática da norma atacada, nítido fica que este valor excedente tem natureza jurídica de multa infracional. O objetivo dessa cobrança extraordinária é, obviamente, o de coagir as pessoas a reduzirem o consumo de energia elétrica.

Contudo, além do meio de cobrança desta penalidade estar eivada de ilegalidade ante o desvio de finalidade da exigência que na verdade é administrativa, o artigo 50, inciso L V da Constituição Federal, assim como no caso do corte, veda a possibilidade de aplicação de penalidades sem o devido processo legal, ou seja, sem que exista um processo de apuração dos fatos, com o contraditório e ampla defesa.

Mesmo que não se considerem tais inconstitucionalidades, vislumbra-se também violação ao Princípio da Isonomia, tendo em vista que os critérios utilizados para determinarem quem deve pagar o valor excedente e, consequentemente, determinarem os infratores da obrigação para aplicação da sanção, ferem este Princípio estatuído no artigo 50, "caput" da Constituição Federal.

O adicional acrescido às tarifas incide sobre o imóvel receptor da energia. Este critério é vago e genérico tendo em vista se tratar de uma penalidade. É correto que imóveis onde residem diferente número de pessoas sejam analisados da mesma forma? Não, todos têm que ser tratados da mesma forma, com isonomia.

Mesmo que não se admita a natureza de multa da exigência supra exposta, ainda assim, esta seria ilegal e inconstitucional. Estamos diante de uma prestação pecuniária compulsória, em moeda e instituída por lei (Medida Provisória), ou seja, estamos diante de um tributo.

Embora muito bem argumentado pelo autor, não se trata de uma taxa pois o valor acrescido à tarifa não tem como fundamento a utilização do serviço público prestado. Na verdade, esse valor acrescido não remunera o serviço público pois, como já esclarecido, esta remuneração é feita pela tarifa.

Este percentual incidente sobre o valor da tarifa tem natureza de imposto, vez que é uma obrigação que tem como fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal. Este imposto, nos termos do artigo 155, §3° da Constituição Federal só pode ser o lCMS.

Contudo, como é cediço, o ICMS é de competência tributária dos Estados e a Medida Provisória que o instituiu é ato do Poder Executivo Federal, legislando em nome da União. Não sendo da competência tributária da União mas sim dos Estados Membros não poderia a primeira ter instituído esta espécie de adicional de lCMS, nem mesmo utilizando sua competência residual, visto que o artigo 154, inciso I da CF ressalva os impostos cujo fato gerador já esteja definido na mesma.

O único instituto constitucional que a União poderia ter criado no caso seria o empréstimo compulsório para investimento público de caráter urgente e relevante interesse nacional previsto no artigo 148, inciso II da Constituição Federal. Contudo este tributo só pode ser criado por Lei Complementar e as Medidas Provisórias têm força de lei ordinária.

Como se observa, sob todos os prismas, a chamada sobretarifa está eivada de flagrantes inconstitucionalidades.

Em relação a invocação por parte da ANEEL e da União Federal de que não houve omissão da União na administração da política energética e de que a crise energética decorre do fato natural da falta de chuvas, para excluir sua responsabilidade sobre os eventuais danos aos consumidores dos serviços, inegável sua fragilidade.

Como já esclarecido, a responsabilidade das rés pelos eventuais danos causados aos destinatários do serviço é objetiva, ou seja, independentemente da existência de culpa na atuação das mesmas a responsabilidade permanece, bastando a prova do dano e da relação de causalidade com ação ou omissão do fornecedor.

Assim, a invocação de que não houve falha na atuação administrativa de gestão em relação às instalações e serviços de energia elétrica não são relevantes pois, tal alegação, se verdadeira, excluiria a culpa do agente e, como está claro, esta responsabilidade independe de culpa.

A invocação do fato natural "ausência de chuva suficiente" visa exclusão da relação de causalidade. Como fato extintivo que é, cabe a quem alega provar que a crise energética tem como única causa este fato. Nesta análise preliminar da ação, embora amplamente sustentado pelas pessoas jurídicas de direito publico a ocorrência deste fato extintivo, não vislumbro provas suficientes de que esta é a única causa da crise.

Pelo que observo, a ausência de chuvas suficientes pode até ser considerada concausa, mas não causa exclusiva. Ora, não pode a ausência de chuvas ser considerada imprevisível, pois qualquer análise de mediana razoabilidade levaria à conclusão de que, num país onde 87, 5% (fl.227) da fonte energética vem das hidroelétricas, variações maiores das chuvas poderá afetar a geração e o fornecimento. Obviamente esta premissa referente à relação de causalidade pode ser ilidida por prova contrária a ser feita.

Nem se alegue que estamos diante de um esgotamento dos meios naturais, pois as hidroelétricas não são as únicas fontes geradoras de energia elétrica. Como é notório a energia pode ser gerada também em termelétricas oriundas do carvão, petróleo e nuclear, razão pela qual bastaria uma maior atitude preventiva da União Federal para aumentar a geração de energia por este meios.

A invocação do Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Interesse Privado para motivar as ações atacadas não merecem acolhida. Tanto a ANEEL quanto a União Federal foram incisivas e até agressivas ao dizerem que a suspensão das medidas tomadas irá prejudicar a população total em favor de alguns.

Contudo, urge esclarecer que a Supremacia do Interesse Público sobre o Privado deve ficar dentro dos moldes traçados na Constituição Federal. A prevalência do que é público sobre o que é privado vai até o limite do que determinada sociedade considera sacrificável dentro do patrimônio privado individual e, essa verificação só pode ser feita com a leitura do texto da Constituição Federal.

Não basta a análise isolada do Poder Executivo para que se defina até onde o interesse privado da população pode ser sacrificado, ainda mais quando este interesse dito privado tem relevância pública pois o serviço de fornecimento de energia elétrica é público essencial, assim considerado pela Constituição Federal.

Como já demonstrado, as medidas adotadas para provocar a redução do consumo são flagrantemente inconstitucionais e tendem a abalar o Estado Democrático de Direito que rege nosso país, pelo que não podem prevalecer.

Importante ficar claro que o fim visado pelas medidas adotadas é bom e benéfico à coletividade. Este magistrado não é contra a contenção do consumo da energia elétrica. Contudo, não pode ser admitida a criação de um regime de exceção com violação clara de nossa Lei Maior.

NEM SEMPRE os fins justificam os meios.

Por fim, como bem esclareceu a União Federal, o Poder Judiciário deve se sujeitar à lei e à Constituição Federal, suas decisões não podem externar somente sua opinião política para o julgamento das ações. Exatamente por isso, entendo que não há como serem mantidas as medidas de contenção de energia adotadas. Tais medidas são flagrantemente inconstitucionais e ferem os direitos mais elementares da população.

Usando este mesmo raciocínio, amplio a conclusão e digo que, tanto o Poder Judiciário quanto o Poder Executivo devem se sujeitar à lei, ou melhor, TUDO E TODOS DEVEM SE SUJEITAR AOS DITAMES CONSTITUCIONAIS.

Presentes, portanto, a verossimilhança ou "fumus boni juris" nas alegações da autora. Entendo que não devo fazer, neste momento, análise da questionável constitucionalidade do artigo 16 da Lei nº 7347/85, pelo que esta decisão terá efeito "erga omnes" nos limites da competência territorial deste juízo, ou seja, terá efeito nesta 1ª Subseção Judiciária da 3ª Região, mais especificamente nos municípios de SÃO PAULO, CAIEIRAS, CARAPICUIBA, COTIA, EMBU, EMBU-GUAÇU, FRANCISCO MORATO, FRANCO DA ROCHA, ITAPECERICA DA SERRA. ITAPEV1, JANDIRA, JUQUITBA, MAUÁ, OSASCO, PIRAPORA DO BOM JESUS, RIBEIRAO PIRES, SANTANA DE PARNAÍBA, SANTO ANDRÉ, SÃO CAETANO DO SUL, SÃO LOURENÇO DA SERRA, T ABOÃO DA SERRA e VARGEM GRANDE PAULISTA.

A ampla abrangência dos danos que poderão ser causados e a relevância social das obrigações de fazer e não fazer a serem determinadas, nos termos do artigo 11 da Lei nº 7347/85, demonstram o cabimento da fixação de multa diária no valor de R$100.000,00 (cem mil reais) para cada uma das rés que descumprir a determinação judicial.


ANTE O EXPOSTO, em decorrência do pedido menos amplo desta ação em relação ao da ação conexa, DEFIRO PARCIALMENTE A ANTECIPAÇÃO DE TUTELA E AS MEDIDAS CAUTELARES DETERMINANDO QUE:

1-As rés concessionárias abstenham-se de proceder a suspensão do fornecimento de energia elétrica nos termos expostos na Medida Provisória nº 2148-1/01 e reedições posteriores e Resolução nº 04/01;

2-As rés concessionárias abstenham-se de cobrar valores adicionais às normais tarifas estabelecidas em Resolução ANEEL (a chamada sobretarifa) nos termos estipulados na Medida Provisória nº 2148-1/01 e reedições posteriores e Resolução nº 04/01;

Fixo, para o caso de descumprimento de qualquer das determinações acima, nos termos do artigo 11 da Lei nº 7347/85, multa diária no valor de R$100.000,00 (cem mil reais).

Nos termos do artigo 16 da Lei nº 7347/85, esta decisão tem efeito "erga omnes" nos limites da competência territorial deste juízo, ou seja, terá efeito nesta 1ª Subseção Judiciária da 3ª Região, mais especificamente nos municípios de SÃO PAULO, CAIEIRAS, CARAPICUIBA, COTIA, EMBU, EMBU-GUAÇU, FRANCISCO MORATO, FRANCO DA ROCHA, ITAPECERICA DA SERRA, ITAPEVI, JANDIRA, JUQUITIBA, MAUÁ, OSASCO, PIRAPORA DO BOM JESUS, RIBEIRÃO PIRES, SANTANA DE PARNAÍBA, SANTO ANDRÉ, SÃO CAETANO DO SUL, SÃO LOURENÇO DA SERRA, TABOÃO DA SERRA e VARGEM GRANDE PAULISTA.

Traslade-se cópias das manifestações da União Federal e da ANEEL feitas nos autos do processo nº 2001.61.00.014585-8 para estes autos.

Intime-se. Oficie-se para cumprimento, por mandado às rés com endereço nesta subseção e por carta A .R. às demais rés.

Intime-se o Ministério Público Federal para se manifestar nesta ação em decorrência da determinação do artigo 5°, § 1° da Lei nº 7347/85.

Cite-se as rés para resposta.

São Paulo, 05 de junho de 2001.

Alexandre Cassettari

juiz federal substituto
Sobre o autor
Alexandre Cassettari

juiz federal substituto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASSETTARI, Alexandre. Juiz concede liminar na ação da OAB/SP contra racionamento . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 50, 1 abr. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/jurisprudencia/16421. Acesso em: 6 nov. 2024.

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