Como mencionado em estudo anterior, o mercado imobiliário atualmente passa por crise na venda de imóveis novos, especialmente para aqueles que ainda estão na planta.
As grandes incorporadoras, além de reduzir o número de novos empreendimentos, fizerem leilões ou feirões como preferem chamar, a fim de tentar se livrar de imóveis encalhados ou em estoque, propiciando descontos a partir de 10% a até 50% do preço de tabela da própria incorporadora, atraindo centenas de pessoas interessadas.
Mesmo com o mercado imobiliário sofrendo queda nas vendas, o número de pessoas que busca auxílio no Poder Judiciário quando o assunto é a rescisão do negócio continua crescendo, mas isso não era algo difícil de imaginar, como alguns podem vir a pensar.
Vale afirmar que rescisão ou distrato de compromisso de venda e compra de imóvel na planta sempre existiu. A diferença é que, quando o mercado está em baixa – como agora, por exemplo –, há mais pessoas procurando se desfazer da compra como uma saída para enfrentar momentos de crise, seja ela generalizada no mercado ou pessoal do próprio adquirente, como, por exemplo, desemprego; doença; aumento expressivo das parcelas por conta da correção monetária do INCC; projeto pessoal do comprador em outro negócio ou mesmo simples desinteresse na continuidade da aquisição do imóvel.
Cumpre registrar, por oportuno, que a LEI não exige motivo para o comprador buscar seus direitos no Poder Judiciário.
Qualquer comprador – mesmo inadimplente – pode ingressar com ação de rescisão para obter a correta restituição dos valores pagos, desde que não tenha assinado o contrato de financiamento ou recebido as chaves do imóvel, onde, neste segundo caso, embora a rescisão ainda seja possível (desde que o comprador não tenha financiado o preço do imóvel), sofrerá uma retenção inevitavelmente superior aos usualmente determinado por nossos Juízes e Desembargadores.
E é com base nessa referência que o presente tema trata do entendimento contemporâneo praticado pelos Desembargadores da temida 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Diz-se com razão por “temida”, pois a 6ª Câmara, para quem milita na área, é conhecida por apresentar julgados consistentes e com muita propriedade quando o assunto é a rescisão ou o distrato do compromisso de venda e compra de imóvel na planta.
Provavelmente um dos Desembargadores que apresenta maior histórico em julgamentos dessa natureza é o Dr. Vito Guglielmi, há anos lotado no quadro de julgadores da 6ª Câmara.
Em que pese referido julgador ter entendimento crítico sobre a rescisão ou distrato de compromisso de venda e compra de imóvel na planta por ato do comprador, apresenta como poucos os critérios objetivos que o Poder Judiciário do Estado de São Paulo normalmente utiliza para determinar ao consumidor uma restituição de 90% (noventa por cento) sobre os valores pagos a título de parcelas, sempre à vista e nunca de forma parcelada.
Ademais, os Desembargadores da 6ª Câmara têm enraizado em suas mentes o fato de que o compromisso de venda e compra de imóvel na planta revela nítida proteção ao adquirente, amparado pelo Código de Defesa do Consumidor, especialmente quando há tempos o Judiciário nacional vem admitindo a resolução até pelo simples inadimplemento do comprador por insuportabilidade do contrato, por exemplo.
Nas palavras do Desembargador Vito Guglielmi, “sobre o dever de restituir não há o que questionar. Mas o percentual a ser restituído deve ser variável, e isso somente o caso concreto pode explicitar.”
Verdade incontroversa: o Judiciário deve sempre analisar cada situação antes de emitir a decisão final, determinando à incorporadora/construtora a restituição dos valores pagos ao comprador, cujo percentual varia entre 90% (regra!); 85% ou 80%. Se o comprador que pretende a rescisão já recebeu as chaves – mas não financiou o preço do imóvel – estará fatalmente sujeito a uma retenção maior.
A 6ª Câmara de Direito Privado do TJSP aponta de forma didática QUATRO situações consideradas para a restituição dos valores ao comprador.
1ª situação: atraso na entrega do empreendimento por culpa exclusiva da vendedora:
Se a rescisão do contrato é pleiteada perante o Poder Judiciário pelo comprador, mas por culpa exclusiva da incorporadora, que, por exemplo, não conseguiu concluir ou entregar o empreendimento dentro do prazo limite a que se comprometeu em contrato, a restituição deve ser integral e sem nenhuma retenção, sob pena de se premiar o inadimplemento da parte descumpridora, no caso a incorporadora/construtora.
Nessa situação, o adquirente tem o direito à restituição total de tudo o que pagou, à vista, com correção monetária retroativa, isto é, desde cada pagamento feito e juros de 1% ao mês como determina o Código Civil e o Código de Processo Civil.
2ª situação: o adquirente não mais consegue continuar a compra e imediatamente pleiteia a rescisão do negócio:
Esse cenário é o que mais ocorre na prática, ou seja, o comprador, antevendo que não mais poderá seguir com o pagamento das parcelas, comunica a vendedora dessa impossibilidade e imediatamente a informa que pretende rescindir o negócio.
Havendo acordo, as partes celebram um distrato amigável. Não havendo, o comprador imediatamente procura o Poder Judiciário para a correta devolução de grande parte dos valores pagos, à vista, com correção monetária retroativa, isto é, desde cada pagamento feito e juros de 1% ao mês.
3ª situação: o adquirente está em mora e somente passado muito tempo é que toma a iniciativa de procurar o Poder Judiciário:
Essa terceira hipótese não é a recomendada, mas também acontece na prática. Nesse cenário, o comprador simplesmente cessa o pagamento das parcelas, comunicando ou não isso à vendedora e nada mais faz, isto é, não solicita o distrato e nem procura o Judiciário.
Somente após muitos meses – ou passado mais de ano! – é que o comprador decide recorrer ao Poder Judiciário para pleitear a devolução dos valores pagos. No entendimento da 6ª Câmara, pela inércia do adquirente, estará sujeito a um percentual maior de retenção em benefício da incorporadora/construtora.
4ª situação: quando o comprador, inadimplente há tempos, nada faz e a incorporadora é quem o aciona perante o Poder Judiciário:
Essa última hipótese é a mais difícil de ocorrer. Nesse cenário, é a incorporadora quem normalmente notifica o adquirente, instando-o a retomar o pagamento das parcelas sob pena de rescisão automática do negócio, sujeitando-se aos termos expressos do contrato, que poderá ou não prever alguma restituição.
Vale informar, a título meramente informativo, que mesmo o contrato de compromisso de venda e compra de imóvel não prever nada sobre a efetiva restituição de parte dos valores pagos, ainda assim o Judiciário observa eventual lesão ao consumidor e determina à vendedora proceder com a devolução de parte considerável das importâncias, cujo percentual normalmente varia nesse cenário entre 70% a 90%, dependendo do caso concreto.
A essa quarta possibilidade acrescentam-se ainda mais duas situações determinantes para o comprador: a) o imóvel ter sido ou não ocupado e b) se ocupado, por quanto tempo.
Considerações dos Desembargadores:
No entendimento dos Desembargadores da 6ª Câmara: “a referência nessa ordem não foi aleatória. Objetiva, claramente, demonstrar a gradação que a restituição deve ter em função desses elementos. A jurisprudência, por sinal, tem admitido a retenção de 10% a 30%, conforme as várias hipóteses. A leitura dessa matéria, todavia, é algo diversa. A insuportabilidade do contrato pode decorrer de culpa do adquirente quando menos, em atentar para obrigação que assumiu ou, efetivamente em razão da imprevisão, de que cuida o artigo 477 do Código Civil (antigo 1092 do diploma revogado). E bem da onerosidade excessiva, de que cuida seu artigo 478.”
Para a 6ª Câmara, o adquirente que não colaborou para o inadimplemento no pagamento das parcelas, suspendendo o pagamento quando do vencimento dos prazos contratuais para entrega da obra, notificando, de imediato, sua intenção em não mais prosseguir no contrato, não pode ser tratado como aquele que, simplesmente, deixa de pagar e, quando instado, toma alguma iniciativa.
No entendimento do Desembargador Vito Guglielmi: “Quem deixa de pagar e não diz porque o faz quebra a expectativa de recebimento do credor e pode causar outros prejuízos que não exclusivamente aqueles decorrentes da falta do valor devido.”
Daí que, nessas hipóteses e bem quando a mora é do construtor, incorporador, do loteador, do vendedor, etc. a restituição deve ser integral, sem qualquer retenção. Não tendo dado causa seja ao atraso seja à mora, não pode o comprador ser por isso punido.
Quando pela insuportabilidade no pagamento das parcelas do contrato o comprador acaba por colocar-se em mora, por culpa sua, esse raciocínio já não pode ser aplicado, evidentemente, pois causou, com o inadimplemento, prejuízo ao credor (vendedor), não só pelo não pagamento, mas pelo conjunto de consequências que aí decorrem da inércia.
No entendimento da 6ª Câmara, o comprador inadimplente, pode comprometer todo o empreendimento. Pode causar prejuízo a todos os participantes. Ou pode gerar um custo financeiro para o credor, que haverá de suportar aquela parcela para a continuidade do empreendimento. Óbvio, não se desconhece, que essa prova demandaria debate amplo e específico, nem sempre possível ou de interesse das partes.
Seja como for o caso concreto, fato é que alguma consequência para o descumprimento há de ser fixada ao comprador, pena de incentivo ao inadimplemento, o que o Direito não admite. Ademais, sem ciência do intento de rescindir, não pode a incorporadora/construtora comercializar o imóvel no mercado, por exemplo.
Entendimento emanado do Superior Tribunal de Justiça já conduzia esse raciocínio, a saber:
“Promessa de compra e venda. Extinção do contrato. Comprador inadimplente. A orientação que terminou prevalecendo na Segunda Seção, depois de inicial controvérsia, é no sentido de que o promissário comprador que se torna inadimplente em razão da insuportabilidade do contrato assim como pretendido executar pela promitente vendedora tem o direito de promover a extinção da avença e de receber a restituição de parte substancial do que pagou, retendo a construtora uma parcela a título de indenização pelo rompimento do contrato. Esta quantia a ficar retida varia de caso para caso: ordinariamente tem sido estipulada entre 10% e 20%, para cobertura das despesas com publicidade e corretagem, podendo ser majorada quando o imóvel vem a ser ocupado pelo comprador. Não há razão para que tudo ou quase tudo do que foi pago fique com a vendedora, uma vez que por força do desfazimento do negócio ela fica com o imóvel, normalmente valorizado, construído também com o aporte do comprador. Precedente. Recurso conhecido e provido em parte” (STJ Resp. n. 476.775-MG 4ª T Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar j. 20.05.2003).”
Para o Poder Judiciário, em regra, sem que a incorporadora/construtora prove dano maior o que, em tese, se admite, a retenção dos valores pagos é usualmente limitada em 10% sobre os valores efetivamente pagos pelo comprador e nunca, jamais, sobre o preço total do negócio.
Portanto, o percentual de retenção de 10% é o que normalmente se admite pelo Judiciário em favor da incorporadora/construtora como prefixação das perdas e danos pela rescisão do negócio, podendo existir variação desse percentual conforme o caso analisado.