Processo nº 1037XXX-XX.2014.8.26.0224
Um casal que havia adquirido um imóvel da incorporadora COMTINFER no empreendimento Residencial Doraly I, localizado na Cidade de Guarulhos, no Estado de São Paulo, viu-se obrigado a ingressar com uma ação de rescisão contratual na Justiça, após tentativa sem sucesso em obter o distrato amigável perante a incorporadora, que simplesmente argumentava que seu contrato era irretratável e irrevogável, motivo pelo qual devolveria apenas uma parte dos valores pagos em Contrato, como mera liberalidade.
Mote da situação: No momento da aquisição do imóvel na planta, nas dependências de um estande de vendas com a marca COMTINFER, foi combinado por escrito que a incorporadora concluiria e entregaria o empreendimento até junho de 2013, sendo certo que esse prazo (por ela estabelecido!) fora ultrapassado, especialmente porque somente veio obter o auto de conclusão de obra ou “habite-se” perante a Prefeitura em março de 2014, superando, inclusive, a cláusula de tolerância existente no contrato.
A sentença de primeira instância julgou a ação procedente, condenando a incorporadora na restituição integral dos valores pagos pelos compradores, incluindo as comissões de corretagem e taxa SATI, além de aplicar à incorporadora o pagamento de indenização por danos morais arbitrados pelo Juiz no valor de R$ 10.000,00 para o casal.
Inconformada com a correta e justa condenação de primeira instância, a incorporadora entendeu por bem recorrer.
Nas razões de apelação, a incorporadora aplicou uma tese difícil de compreensão e sem o menor sentido. Basicamente afirmou que o imóvel estava pronto para ocupação desde janeiro de 2014 e que os compradores é que foram lentos demais na obtenção do financiamento para pagamento do saldo devedor. Ora, se a incorporadora somente obteve o “habite-se” em março de 2014, não haveria mesmo a menor possibilidade do adquirente logra êxito na liberação de um financiamento antes não só do “habite-se”, mas também da matrícula individualizada e para isso o comprador depende exclusivamente de ato da própria incorporadora.
A tese recursal da incorporadora, evidentemente, restou rechaçada pelos Desembargadores da 5ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em julgamento datado de 18 de dezembro de 2015.
Sobre a ocorrência de atraso na conclusão do empreendimento, assim se posicionou o Desembargador Relator Fábio Podestá:
- “Por oportuno, assim, a transcrição dos seguintes trechos da r. sentença recorrida:
- Ficou incontroverso, porque admitido na contestação, que a ré não entregou no prazo previsto em contrato (junho e 2013) o imóvel adquirido pelos autores, mesmo já superado o prazo de tolerância.
- Afinal, veja-se que ela reconheceu o atraso na entrega da obra, tanto que ofereceu aos adquirentes a possibilidade de rescindir o contrato e o habite-se foi obtido somente em março de 2014.
- A tese da ré no sentido de que desde janeiro de 2014 o imóvel aguarda que ela obtenha a liberação do financiamento, a ensejar a aplicação da exceção do contrato não cumprido, não procede porquanto, ao que se vê, o habite-se, que como se sabe é imprescindível para qualquer financiamento, somente foi obtido em 31 de março de 2014.
- Logo, não pode a requerida se valer da alegação de que a mora foi dos requerentes por não terem obtido o financiamento para término do pagamento do imóvel.”
Sobre a necessidade de devolução integral de todos os valores pagos pelos compradores:
- “Neste diapasão, uma vez chancelada a culpa da requerida pela rescisão do contrato, tendo em vista que não cumpriu com o prazo de entrega convencionado, em cotejo ao instrumento respectivo, procede o pleito de devolução integral das parcelas pagas pelos autores”
Sobre a ILEGALIDADE na cobrança de valores destinados ao pagamento de supostas comissões de corretagem e taxa denominada SATI:
- “Por outro lado, merece acolhimento a pretensão de devolução do valor pago a título de comissão de corretagem e da SATI.
- Isto porque, falar em contrato de corretagem, a justificar o pagamento de tal comissão por parte do comprador, é fechar os olhos à realidade.
- É notório que quem contrata o “corretor/vendedor”, no caso, é a própria incorporadora/construtora, sem que haja possibilidade de escolha ou qualquer aproximação por atuação própria do corretor, este o principal objeto do contrato de corretagem.
- Em verdade, o consumidor se limita a procurar o estande de vendas da ré, local em que se depara com o corretor, que atua como verdadeiro vendedor da ré e, por isso, deve ser por ela remunerado, e não pelo consumidor. Se nenhum serviço presta o corretor/vendedor aos consumidores compradores, mas exclusivamente no interesse e sob as ordens do vendedor, afigura-se abusiva a cláusula que obriga o consumidor a pagar comissão de corretagem, eis que a atuação do corretor dá-se, no caso, no interesse exclusivo do fornecedor.
- Sendo assim, levando-se em conta o valor comprovadamente pago pelos autores (R$1.750,00 corretagem e SATI), conclui-se que eles devem ser ressarcidos em relação a tal pagamento.”
Sobre a necessidade de imposição à incorporadora no pagamento de indenização por danos morais:
- “No caso, os autores criaram a justa expectativa de ver entregue seu imóvel, expectativa essa que acabou frustrada pela desídia da requerida, de tal modo que inegável o prejuízo moral por eles sofrido.
- Com efeito, os transtornos e as angústias experimentados pelos autores fugiram à normalidade e interferiram consideravelmente no comportamento psicológico, causando-lhes desequilíbrio.
- Desta forma, necessário reconhecer que os fatos ocorridos extrapolaram o conceito de mero dissabor ou aborrecimento cotidiano, motivo pelo qual devem ser indenizados.
- Apurada a existência do dano moral, impõe-se sua quantificação, a qual terá por parâmetros a extensão do dano, as condições econômicas das partes, a intensidade da culpa e o caráter sancionador dessa indenização.
- Deve também o juiz pautar-se pela equidade, agindo com equilíbrio, pois a indenização não tem o objetivo de enriquecer a vítima mas não deve ser irrisória para o responsável pelo dano
- Desta maneira, razoável a sua fixação no montante de R$ 10.000,00, valor que se aproxima de 15 salários mínimos e se revela adequado e condigno ao ocorrido.
- O referido valor não estabelece perigoso precedente que possa transmudar uma pretensão legítima de reparação de dor moral em enriquecimento injustificado, e, por outro lado, impele as apelantes, sendo assim apenadas, a serem mais diligentes, evitando que se repita o quadro retratado nestes autos.”
Ao final, a 5ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo manteve integralmente a decisão de primeira instância, registrando a correta condenação da incorporadora COMTINFER na restituição à vista de todos os valores pagos pelos compradores a título de parcelas do Contrato, bem como comissão de corretagem e taxa SATI, acrescidos de correção monetária desde cada um dos pagamentos (correção retroativa) e juros de 1% a.m., além da indenização por danos morais de R$ 10.000,00.
Fonte: Tribunal de Justiça de São Paulo e Mercadante Advocacia (especialista em Direito Imobiliário e Rescisão de Contratos de Promessa de Venda e Compra de imóvel na planta)
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* O texto apresentado tem caráter meramente didático, informativo e ilustrativo, não representando consultoria ou parecer de qualquer espécie ou natureza do escritório Mercadante Advocacia. O tema comentado é público e os atos processuais praticados foram publicados na imprensa oficial.