PROCESSO nº 0016599-88.2014.5.16.0022 (RO)
RECORRENTE: VR
RECORRIDO: JLS
RELATOR: GERSON DE OLIVEIRA COSTA FILHO
EMENTA
RECURSO ORDINÁRIO. AÇÃO DE COBRANÇA DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS CONTRATUAIS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. ART. 114, CF/88. É a Justiça do Trabalho competente para apreciar e julgar as ações de cobrança de honorários advocatícios. Pelo disposto no art. 114. da CF/88, a Justiça do Trabalho tem competência para processar e julgar as controvérsias decorrentes da relação de trabalho, inclusive aquelas ações em que se persegue o pagamento de honorários advocatícios em razão da prestação de serviços pelo advogado. Recurso ordinário conhecido e provido.
RELATÓRIO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Ordinário oriundos da 7ª Vara do Trabalho de São Luís, em que são partes VR (recorrente) e JLS (recorrido).
Trata-se de Recurso Ordinário interposto por VR,contra a sentença proferida pela Juíza da 7ª Vara do Trabalho de São Luís, nos autos da ação de execução de cobrança de honorários advocatícios ajuizada em desfavor de JLS, que declarou a incompetência da Justiça do Trabalho para apreciar a lide entre cliente e advogado em ação de cobrança de honorários e determinou a remessa dos autos a uma das Varas da Justiça Estadual desta capital; custas dispensadas (sentença ID 79221d3).
Inconformado, o autor apresentou Recurso Ordinário (ID 7735366) aduzindo que a relação havida entre o recorrente e o recorrido tem natureza de trabalho, conforme entende este E. Tribunal Regional do Trabalho da 16ª Região.
Assevera que o art. 114. da CF/88 ampliou a competência da Justiça do Trabalho passando com isso a processar e julgar ações que versem sobre relação de trabalho e não só relação de emprego.
Embasa sua pretensão no referido artigo e na jurisprudência, alegando que os honorários contratuais do advogado tem natureza alimentar, pois advém de uma relação de trabalho, não podendo o labor do advogado no processo trabalhista ser entendido diferente do trabalho em processo de outra esfera da justiça.
Alega ainda que o executado contratou seu advogado, ora exequente/recorrente, para o exercício de um trabalho, que consiste na defesa de seus interesses processuais.
Requer, por fim, o provimento do apelo para ser declarada a competência da Justiça do Trabalho para julgar a ação de cobrança de honorários e determinar a citação do executado nos termos do art. 585. do CPC de 1973 para pagar os honorários contratuais.
Contrarrazões ausentes, conforme certidão ID 07645d5.
É o relatório.
FUNDAMENTAÇÃO
ADMISSIBILIDADE
Conheço do Recurso Ordinário, eis que preenchidos os pressupostos de admissibilidade.
MÉRITO
Competência da Justiça do Trabalho para cobrança de honorários advocatícios
Cinge-se a controvérsia dos autos acerca da competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar ação de cobrança de honorários advocatícios.
Inicialmente, é necessário tecer algumas considerações acerca deste tema para melhor compreensão da lide.
O art. 114. da Constituição Federal de 1988, com as mudanças introduzidas pela EC/45 de 2004, trouxe profundas mudanças na competência da Justiça do Trabalho para julgar ações decorrentes da relação de trabalho, devendo-se entender a amplitude do termo "relação de trabalho" para fins de análise da competência desta Justiça Especializada.
O termo relação de trabalho é bem mais abrangente que o termo relação de emprego, sendo esta uma espécie daquela, e se configura quando preenchidos os requisitos dos arts. 2º e 3º da CLT, com a realização do trabalho por pessoa física, com pessoalidade, subordinação, não-eventualidade, e onerosidade. Já a relação de trabalho, mais genérica, se refere a todo e qualquer trabalho que possua como objeto o emprego de energia humana para sua realização em proveito de um destinatário.
Nas lições de Alice Monteiro de Barros em (Curso de direito do Trabalho.6.ed. rev. e ampl. São Paulo: LTr, 2010, p. 220-221): Tanto a relação de trabalho quanto a relação de emprego são modalidades de relação jurídica, isto é, de situação da vida social disciplinada pelo Direito, mediante a atribuição a uma pessoa (em sentido jurídico) de um direito subjetivo e a correspondente imposição a outra de um dever ou de uma sujeição (...) A relação de emprego tem natureza contratual exatamente porque é gerada pelo contrato de trabalho...
Arnaldo Sussekind (Da Relação de Trabalho. Fonte: LTr 74-03/263 2010) ensina que o conceito de relação de trabalho é tão amplo, abrangendo todo contrato de atividade, que o fundamento da sua conceituação é a pessoa do trabalhador, qualquer que seja a modalidade do serviço prestado.
Enfim, a relação de emprego é espécie do gênero relação de trabalho, sendo ambas de competência da Justiça do Trabalho, cabendo a cada uma a aplicação da legislação pertinente à solução de seus litígios.
Dentro desse contexto cabe verificar se a Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar ação de cobrança de honorários ajuizada pelos advogados autônomos em face de seus clientes. Para tanto, faz-se necessário compreender a natureza jurídica desta relação advogado/cliente.
Há diversas teses que defendem que a referida natureza jurídica pode ser a de uma relação de consumo, de relação de natureza civil e, finalmente, uma relação de trabalho, sendo esta última aquela que atrai a competência da Justiça Laboral para julgamento da demanda.
No que diz respeito à tese que defende ser uma relação de consumo, é importante perceber que a advocacia goza de munus público atribuído pela Constituição Federal, no seu art. 133, considerando-se o advogado indispensável à administração da Justiça, não se podendo enquadrar tal atividade dentre aquelas fornecidas no mercado de consumo. Assim, não é sequer permitido aos advogados se utilizarem de propagandas ou anúncios com a finalidade de oferecerem seus serviços. Visa-se, nesse caso, não uma satisfação do tomador de serviços, mas sim a defesa de direitos do cliente patrocinado.
Ressalte-se que o contrato de honorários envolve trabalho humano prestado pessoalmente, não se podendo comparar o referido trabalho a uma mercadoria. É o que se denota do Estatuto da OAB e também da Constituição da Organização Internacional do Trabalho, OIT, que em seu Anexo, item I, "a" assim determina:
Anexo Constituição OIT, I, "a": A Conferência reafirma os princípios fundamentais sobre os quais repousa a Organização, principalmente os seguintes:
a) o trabalho não é uma mercadoria;
Fica claro, portanto, que não se pode falar que entre advogado autônomo e seu cliente há uma relação de consumo.
Quanto à tese de que se trata de relação civil, esta toma por base os ditames da súmula 363 do STJ, que assim estabelece: Compete à Justiça Estadual processar e julgar a ação de cobrança ajuizada por profissional liberal contra cliente.
Entretanto, tal entendimento vai de encontro aos ditames constitucionais promovidos pelo art. 114. da CF/88 que ampliou a competência da Justiça do Trabalho sendo esta Justiça encarregada de preservar os valores sociais do trabalho e da dignidade da pessoa humana do trabalhador (Mauro Shiavi, Manual de Direito Processual do Trabalho, 3. Ed. São Paulo: LTr, 2010, p. 181).
Interessante registrar o posicionamento do Desembargador Francisco Meton Marques de Lima acerca do tema disciplinado na aludida Súmula 363 do STJ (Lima,Francisco Gerson Marques. Lima, Francisco Meton de. Moreira, Sandra Helena Lima. Repensando a doutrina trabalhista: o neoliberalismo em contraponto ao neoliberalismo. São Paulo: LTr, 2009. p.26):
O Superior Tribunal de Justiça, no exercício da sua competência de julgar os conflitos entre órgãos jurisdicionais subordinados a tribunais diferentes, segue a mesma linha desintegradora da vontade constitucional, quando decide os conflitos de competência, a exemplo da súmula 363, que declara, em afronta ao texto expresso do inciso I do art. 114. da Constituição, a competência da Justiça Comum para processar e julgar ações envolvendo a relação de trabalho dos profissionais liberais, como se o trabalho destes tivesse natureza empresarial ou integrasse a rede de relação de consumo. Isto decorre da mais absoluta desinformação sobre o significado de trabalho pessoal do qual as pessoas tiram seu sustento e o da família.
(Lima, Francisco Gerson Marques. Lima, Francisco Meton de. Moreira, Sandra Helena Lima. Repensando a doutrina trabalhista: o neoliberalismo em contraponto ao neoliberalismo. São Paulo: LTr, 2009. p.26).
E, ainda, as lições de SOUTO MAIOR, Jorge Luiz acerca da inconstitucionalidade da referida súmula do STJ: (Em defesa da ampliação da competência da Justiça do Trabalho). In: Revista LTr. 70-01. São Paulo: LTr, 2006, pág. 14.
Assim, a nova Súmula 363 do Superior Tribunal de Justiça encontra-se contaminada pela inconstitucionalidade, em clara afronta ao atual artigo 114, inciso I do Texto Maior, dissociando-se dos verdadeiros valores constitucionais, no sentido de se construir uma nova justiça social, até porque "a Justiça do Trabalho possui uma vocação natural, que se reverte em autêntica missão, qual seja: a proteção do valor social do trabalho e da dignidade da pessoa humana.
Vê-se, pois, que a referida súmula do STJ, vai de encontro à competência da Justiça Laboral sendo contrária aos atuais ditames constitucionais após as alterações promovidas pela EC/45 de 2004 ao art. 114. da Constituição Federal, que ampliou a competência desta Justiça Especializada.
Portanto, não há que se falar, como decidiu a magistrada no presente caso, que se trata de relação eminentemente civil e por isso não teria competência esta Especializada para julgamento da demanda, tendo em vista que a referida competência se define pela natureza jurídica da questão, delimitada pelo pedido e causa de pedir, a qual, neste caso, decorre de uma relação de trabalho na medida em que envolve trabalho humano prestado pessoalmente, ou seja, os serviços prestados pelo advogado ao cliente configuram relação de trabalho.
Nesse contexto, resta analisar a tese de que a natureza jurídica da relação cliente/advogado é de uma relação de trabalho, o que atrairia a competência da Justiça do Trabalho.
Pois bem, conforme já analisado, entende-se por relação de trabalho, segundo as lições de Mauro Schiavi (Manual de Direito Processual do Trabalho, 3 ed. São Paulo: LTr, 2010, p.175) aquela que pressupõe trabalho prestado por conta alheia, em que o trabalhador (pessoa física) coloca sua força de trabalho em prol de outra pessoa (física ou jurídica), podendo o trabalhador correr ou não os riscos da atividade.
No caso presente, tem-se claramente que o advogado exerceu atividade em que se exige prestação de trabalho humano, em nome do cliente, colocando sua força de trabalho em defesa dos interesses deste, onde os honorários advocatícios correspondem a uma contraprestação pecuniária com status alimentar.
De acordo com o art. 22. do Estatuto da OAB: A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência.
Os honorários contratuais, que são aqueles cuja cobrança se referem estes autos, não se confundem com os sucumbenciais. Os contratuais ou convencionais são pactuados, por meio de contrato, entre o cliente e o advogado. Já os sucumbenciais são pagos pela parte que sucumbiu (parte perdedora) ao advogado da parte vencedora.
No presente caso, extrai-se dos autos, que foi realizado acordo entre o cliente e a parte contrária, não tendo o executado realizado o pagamento dos honorários contratuais firmados com o exeqüente através do contrato de honorários juntado sob o ID 723778.
Entretanto, pelas disposições do §4º do art. 24. do Estatuto da OAB, ainda que seja feito acordo entre as partes, os honorários do advogado não ficam prejudicados, devendo o cliente realizar o pagamento ao advogado. Assim estabelece o referido artigo:
Art. 224, § 4º, Estatuto OAB: O acordo feito pelo cliente do advogado e a parte contrária, salvo aquiescência do profissional, não lhe prejudica os honorários, quer os convencionados, quer os concedidos por sentença.
Cabe ao advogado, portanto, cobrar os honorários devidos, ainda que tenha havido acordo entre o cliente e a outra parte. A aludida cobrança, cuja obrigação decorre de relação de trabalho, uma vez constatado que este contrato de honorários envolve trabalho humano prestado pessoalmente, colocando o advogado sua força de trabalho em defesa dos interesses do cliente, é de competência desta Especializada.
Evidencia-se, pois, a competência da Justiça do Trabalho para a cobrança dos honorários de advogado autônomo em desfavor de seus clientes.
Nesse sentido as seguintes decisões do C. TST:
RECURSO DE REVISTA. AÇÃO DE COBRANÇA DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Esta 7ª Turma vem se posicionando no sentido de que a competência para apreciar e julgar as ações de cobrança de honorários advocatícios é desta Justiça especializada, tendo em vista que se trata de uma relação de trabalho, e não de consumo. Portanto, correta a decisão regional(...) Recurso de revista de que não se conhece .
RR 32053820105030144 3205-38.2010.5.03.0144, Relator(a): Pedro Paulo Manus, Julgamento: 07/08/2012 Órgão Julgador: 7ª Turma.
RECURSO DE REVISTA. COMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO. AÇÃO DE COBRANÇA DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS . Com o advento da EC 45/2004, a Justiça do Trabalho passou a ter competência para processar e julgar as controvérsias decorrentes da relação de trabalho, inclusive aquelas ações em que se persegue o pagamento de honorários advocatícios em razão da prestação de serviços pelo advogado. Precedentes desta Turma. Recurso de revista conhecido e provido.
RR 1377002420075080002 137700-24.2007.5.08.0002, Relator(a): Delaíde Miranda Arantes, Julgamento: 29/02/2012, Órgão Julgador: 7ª Turma.
Logo, conclui-se que a Justiça do Trabalho é competente para julgar ações de cobrança de honorários advocatícios entre advogado autônomo e seu cliente, razão pela qual dou provimento ao recurso.
Ante o exposto, conheço do recurso e, no mérito, dou-lhe provimento para declarar a competência da Justiça do Trabalho, determinando o retorno dos autos à origem para apreciação do litígio.
Dispositivo
Ante o exposto, conhecer do recurso e, no mérito, dar-lhe provimento para declarar a competência da Justiça do Trabalho, determinando o retorno dos autos à origem para apreciação do litígio.
Acordam os Desembargadores da 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 16ª Região, em sua 20ª Sessão Ordinária, realizada no dia vinte e seis do mês de julho do ano de 2016, tendo na Presidência o Excelentíssimo Senhor Desembargador JAMES MAGNO ARAÚJO FARIAS, e com a presença dos Excelentíssimos Senhores Desembargadores AMÉRICO BEDÊ FREIRE, GERSON DE OLIVEIRA COSTA FILHO e ILKA ESDRA SILVA ARAÚJO e, ainda, com a presença do Excelentíssimo Senhor Procurador do Trabalho MAURICIO PESSOA LIMA, "por unanimidade, conhecer do recurso e, no mérito, dar-lhe provimento para declarar a competência da Justiça do Trabalho, determinando o retorno dos autos à origem para apreciação do litígio".
São Luís/MA, 26 de julho de 2016.
GERSON DE OLIVEIRA COSTA FILHO
Relator