Procedimento foi negado pela juíza de Valparaíso de Goiás, que alegou incorrer no crime de abuso de autoridade em eventual deferimento, previsto no Art. 36. da Lei 13.869/2019
O Tribunal de Justiça de Goiás reformou a decisão da juíza de Valparaíso de Goiás, que indeferiu executar penhora de ativos financeiros nas contas bancárias dos Executados, via sistema BacenJud, com receio de ser enquadrada na Lei de Abuso de Autoridade. A Justiça acatou recurso interposto pela instituição financeira, representada pelos advogados Djeison Scheid e Rafael Maciel, determinando a penhora.
Segundo Djeison Scheid, a instituição financeira ajuizou a ação de execução de título executivo extrajudicial, solicitando a penhora on-line de valores, mas, na ocasião, o pedido foi indeferido. À época, o argumento da juíza foi que o deferimento do pedido poderia se enquadrado no Art. 36. da Lei 13.869/2019 (Lei de Abuso de Autoridade). No entanto, o advogado argumentou que tal temor é desnecessário, uma vez que, uma eventual punição só seria justificada se houvesse dolo da juíza ou excessividade da medida, situações não verificadas no caso. “Além disso, o pedido foi indeferido com fundamento em lei que não estava em vigor”, explica o advogado.
“Desta forma, o TJGO entendeu não haver qualquer ilegalidade ou crime ao deferir a medida, defendendo a necessidade dos sistemas eletrônicos de busca de bens”, pontua Djeison Scheid. A decisão foi emitida pelo desembargador Diácono Delintro Belo de Almeida Filho.
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5052615.55.2020.8.09.0000
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FUNDADA EM TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. PEDIDO DE PENHORA DE VALORES VIA SISTEMA BACENJUD. NEGATIVA DO JUÍZO EM RAZÃO DA POSSÍVEL CRIMINALIZAÇÃO DA CONDUTA, NOS TERMOS DA LEI 13.869/19. DECISÃO REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO, NOS MOLDES DO ARTIGO 932, INCISO V, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
DECISÃO MONOCRÁTICA
1. Trata-se de AGRAVO DE INSTRUMENTO interposto pelo B.T S/A contra decisão (mov. 06. do processo principal) proferida pela MMª. Juíza de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Valparaíso de Goiás, Drª. Letícia Silva Carneiro de Oliveira Ribeiro, nos autos da AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL ajuizada contra L.A.C. – O B. E OUTROS, ora agravados.
1.1.Extrai-se dos autos principais que o Agravante/Exequente ingressou com a respectiva ação objetivando a execução de título executivo extrajudicial, lastreada nas Cédulas de Crédito Bancário nº 178080 e 179493.
1.2.Após regular processamento do feito, a MMª. Magistrada a quo indeferiu o pedido de penhora “on line”, nos seguintes termos:
“(…) Apesar de figurar em primeiro no rol do art. 835, do Código de Processo Civil, a decretação da penhora em dinheiro sofreu limitações impostas pela Lei 13.869/2019 que conduzem à sua inaplicabilidade.
Isso porque houve a criminalização da conduta de decretar a indisponibilidade de ativos financeiros em valor que extrapole exacerbadamente o suficiente para a satisfação da dívida, constatação que não é imediata para ser corrigida.
Além disso, o bloqueio pode ocorrer em várias contas bancárias do mesmo titular, sendo que algumas delas estejam protegidas pelas regras de impenhorabilidade, conhecimento este, aliás, que o juiz só saberá após ouvir o devedor, caso este, ainda, devidamente intimado, manifeste nos autos.
O disposto no art. 36. da Lei 13.869/2019 traz conceitos de ordem subjetiva, com amplitude considerável de interpretação que pode irradiar em tipificação de toda e qualquer ordem de bloqueio de ativos financeiros.
Infelizmente o advento da Lei de Abuso de Autoridade obsta a atuação do magistrado no sentido de garantir efetividade à satisfação do crédito, indo de encontro com o princípio da cooperação que garante a tutela justa e efetiva em tempo razoável.
Além disso, fica prejudicada a garantia de independência do juiz frente a pressão política expressada na edição do novel diploma legal, tornando inviável a atuação livre do magistrado que experimenta o dissabor da constante ameaça de criminalização de atos inerentes à própria magistratura.
Assim sendo, vislumbrando a possibilidade de incorrer na conduta típica do art. 36. da Lei 13.869/2019, indefiro o pedido de penhora online de ativos financeiros, via sistema BACENJUD.” (Mov. 06. do processo principal).
1.3 Irresignado, o Agravante interpôs o presente recurso, sob a alegação de que a penhora de valores via sistema BACENJUD teria preferência na gradação legal prevista no artigo 835 e 854 do CPC.
1.3.1 Sustenta que não há falar em hipotético temor de infringência da Lei de Abuso de Autoridade (Lei Federal nº 13.869/2019), porquanto, "da leitura do
artigo 36 da referida Lei de Abuso de Autoridade, verifica-se que o tipo penal não possui ação múltipla ou de conteúdo variado. Até porque o legislador ao exercer sua função típica, inseriu duas condutas, utilizando entre elas a conjunção aditiva 'e'.”
1.3.2 Obtempera que na Lei Federal em comento, para ser configurada a “temida” imputação da prática do crime de abuso de autoridade, obrigatoriamente, deverá ser demonstrada pela “vítima” a existência de dolo e culta do autor da constrição, uma vez que no regramento penal, inexiste a responsabilidade penal objetiva.
1.3.3 Ao final, requer o provimento do recurso para reformar a decisão Agravada e permitir a utilização do sistema BACENJUD visando a penhora de ativos financeiros existentes em nome dos executados.
1.4 Preparo recolhido (mov. 01, doc. 51).
1.5 Intimados para apresentarem contrarrazões, os agravados quedaram-se inertes, conforme certidão lançada na mov. 07.
1.6 É o relatório.
DECIDO:
2. Da admissibilidade recursal
2.1.Presentes os pressupostos de admissibilidade do recurso, dele conheço.
2.2.No caso em estudo, verifica-se que é perfeitamente admissível o julgamento monocrático do recurso, nos termos do artigo 932, inciso V, “a”, do Código de Processo Civil, uma vez que a matéria ora questionada já se encontra com súmula e/ou entendimento firmado em demanda repetitiva dos Tribunais Superiores.
3. Do sistema BACENJUD
3.1.Cinge-se a pretensão recursal na irresignação do recorrente em faceda decisão interlocutória que inferiu o pedido de penhora de ativos financeiros em nome dos executados, por meio do sistema BACENJUD.
3.2.Infere-se dos autos originários que, após o trâmite regular daexecução, os executados não saldaram a dívida, bem como não nomearam bens à penhora. (mov. 03. do processo principal).
3.2.1.Tal circunstância permite que a indicação passe ao credor, e nadaobsta que este opte pela tentativa de penhora de dinheiro que tem preferência na gradação legal prevista no artigo 835 do Código de Processo Civil.
“Quando o devedor não nomeia bens à penhora no momento oportuno, o direito de fazê-lo é transferido ao credor. Não se configura ofensa ao princípio da menor onerosidade da execução para o devedor o fato de a constrição patrimonial recair sobre valores depositados em sua conta corrente” (STJ 3ª Turma, REsp 332.584-SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j.12.11.01, não conheceram, v.u., DJU 18.2.02, p.422)
3.2.2.Cabe esclarecer que com o sistema eletrônico BACENJUD, tornoumais rápido, seguro e econômico enviar ordens judiciais ao Sistema Financeiro Nacional, pois o Juiz de Direito, de posse de uma senha previamente cadastrada, preenche um formulário na Internet, solicitando as informações necessárias ao processo, ou a medida que entende cabível e o sistema BACENJUD repassa automaticamente as ordens judiciais para os bancos, diminuindo o tempo de tramitação.
3.2.3.Por esse sistema, o Magistrado pode determinar o bloqueio edesbloqueio de contas e de ativos financeiros, comunicação da decretação e da extinção de falências, solicitação de informações sobre a existência de contascorrentes e de aplicações financeiras, saldos, extratos e endereços de clientes do Sistema Financeiro.
3.2.4.Dessa forma, embora tal sistema seja invasivo às partes, ele trazresultados mais eficazes e céleres, pois a constrição dessa natureza força o executado a comparecer de pronto nos autos, na tentativa de solucionar a lide e ver o desbloqueio de suas contas.
3.2.5.Ademais, tendo em vista que o dinheiro figura em primeiro lugar naordem preferencial do artigo 835 do Código de Processo Civil, não se faz necessária a prova de esgotamento das diligências possíveis para localização de bens passíveis de penhora para autorização da penhora on-line.
3.2.6.Sobre a temática em debate, colaciono o entendimento firmado emjulgamento de recursos repetitivos pelo colendo Superior Tribunal de Justiça, o qual confirma que a utilização do sistema BACENJUD, prescinde do exaurimento de diligências extrajudiciais por parte do exequente. Confira-se, ad litteram:
“RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. (...) 1. A utilização do Sistema BACEN-JUD, no período posterior à vacatio legis da Lei 11.382/2006 (21.01.2007), prescinde do exaurimento de diligências extrajudiciais, por parte do exequente, a fim de se autorizar o bloqueio eletrônico de depósitos ou aplicações financeiras (Precedente da Primeira Seção: EREsp 1.052.081/RS, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Primeira Seção, julgado em 12.05.2010, DJe 26.05.2010. Precedentes das Turmas de Direito Público: REsp
1.194.067/PR, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 22.06.2010, DJe 01.07.2010; AgRg no REsp 1.143.806/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 08.06.2010, DJe 21.06.2010; REsp 1.101.288/RS, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 02.04.2009, DJe 20.04.2009; e REsp
1.074.228/MG, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 07.10.2008, DJe 05.11.2008. Precedente da Corte Especial que adotou a mesma exegese para a execução civil: REsp 1.112.943/MA, Rel. Ministra Nancy Andrighi, julgado em 15.09.2010). (...) Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução
STJ 08/2008.” (STJ, 1ª Seção, REsp nº 1184765/PA, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 03/12/2010)
“(...) INCIDENTE DE PROCESSO REPETITIVO. (...) b) Após o advento da Lei n.º 11.382/2006, o Juiz, ao decidir acerca da realização da penhora on line, não pode mais exigir a prova, por parte do credor, de exaurimento de vias extrajudiciais na busca de bens a serem penhorados. (...)” (STJ, Corte Especial, REsp nº 1112943/MA, Relª Minª Nancy Andrighi, DJe de 23/11/2010)
3.3 Quanto a alegação de impossibilidade de realização da pesquisa em razão do possível enquadramento da conduta em crime de responsabilidade, sem razão a MMª Magistrada condutora do feito executivo.
3.3.1 Por primeiro, na data em que a decisão recorrida foi prolatada (15/10/2019), época que a Lei nº 13.869/19 sequer tinha entrado em vigência, pois entraria em vigor somente após decorridos 120 (cento e vinte) dias de sua publicação oficial, efetivada em 05 de setembro de 2019.
3.3.2 Ademais, a decisão somente poderá ser abusiva quando contrariar a lei ou quando foi proferida em manifesta teratologia.
3.2.2.1 A propósito:
“(…) 2. A seu turno, "a decisão é ilegal quando proferida em claro confronto com a Lei ou ainda com abuso de autoridade, e teratológica, quando radicalmente ilegal, manifestamente sem fundamento ou não razoável, ou seja, impossível juridicamente" (RMS 55.765/SP, Rel.
Ministro LÁZARO GUIMARÃES, DJe de 15/12/2017).
3.3.2 Ressalto também que a medida requestada pelo exequente (bloqueio 'on line') necessita do Poder Judiciário para ser empreendida, não sendo possível ao credor indicar a localização exata dos ativos financeiros do devedor, sendo, inclusive, essa dificuldade que deu azo a criação do sistema BACENJUD, que concedeu aos processos executivos maior liquidez e celeridade.
3.3.3 Esclareço ainda que o sistema BACENJUD já dispõe de mecanismo com contraordem para desbloqueio do excesso, justamente para evitar qualquer abuso ou desnecessidade da medida.
“AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO FISCAL – IPTU – Exercícios de 2014 a 2017 – Insurgência em face de decisão que indeferiu o de pedido de bloqueio "on line", em razão do art. 36. da nova Lei de abuso de autoridade (Lei nº 13.869/2019), caso o valor bloqueado extrapole o valor devido, podendo a exequente indicar a conta corrente do executado onde estão os recursos para bloqueio cirúrgico – Bloqueio pelo sistema BACENJUD – Possibilidade, pois os dados são sigilosos e necessitam da intervenção do Judiciário – Sistema que permite o imediato desbloqueio em caso de excesso, não sendo possível exigir do credor que aponte exatamente qual a conta corrente ou outro fundo de investimento penhorável para esse fim – Impossibilidade de adoção de fundamento "lege ferenda", uma vez que a lei invocada pelo julgador sequer entrou em vigor – Cabimento do bloqueio, até o limite do valor atualizado do débito – Decisão reformada – Recurso provido.” (TJSP; Agravo de Instrumento 2233127-47.2019.8.26.0000; Relator (a): Rezende Silveira; Órgão Julgador: 15ª
Câmara de Direito Público; Foro de Guaratinguetá – SEF – Setor de Execuções Fiscais; Data do Julgamento: 24/10/2019; Data de Registro: 25/10/2019)
3.4 Por fim, esclareço que a matéria relativa à utilização do sistema BACENJUD já se encontra sedimentada no âmbito deste Sodalício, consoante enunciado da Súmula nº 44, que prescreve: “Face aos princípios da cooperação e da efetividade da jurisdição, os sistemas BACENJUD, INFOJUD E RENAJUD devem ser utilizados, a pedido da parte, para localização do endereço da parte ou de bens suficientes ao cumprimento da responsabilidade patrimonial.”
3.5 Destarte, por tudo o que foi dito, tenho que a pretensão recursal merece acolhida.
4. Do dispositivo
4.1.AO TEOR DO EXPOSTO, nos moldes do artigo 932, inciso IV, do Código de Processo Civil, CONHEÇO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO E DOULHE PROVIMENTO, para reformar a decisão recorrida, a fim de possibilitar, no i. Juízo a quo, o bloqueio eletrônico, via BACENJUD, de ativos financeiros eventualmente existentes em nome dos Agravados/Executados.
4.2.Intimem-se.
5. Transitada em julgado, arquivem-se os autos.
Goiânia,
Desembargador Diác. Delintro Belo de Almeida Filho
Relator
(documento datado e assinado digitalmente)