EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL AMEAÇA EM CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA INSUFICIÊNCIA DE PROVAS JUDICIAIS ABSOLVIÇÃO NECESSIDADE DESOBEDIÊNCIA CRIME NÃO APERFEIÇOADO RECURSO PROVIDO. 1. Não havendo provas adequadas, sob o crivo do contraditório, quanto aos fatos narrados na denúncia, só resta absolver o réu da imputação que lhe foi feita, tendo em vista que apenas o contexto de conflito vivenciado entre as partes não pode ensejar a condenação por fatos específicos. 2. Há exclusão do crime de desobediência quando existe a previsão de outra sanção legal para a medida judicial desobedecida. Precedentes do STJ e do TJMG. 3. Recurso provido.
Apelação Criminal Nº 1.0518.15.011186-3/001 - COMARCA DE Poços de Caldas - Apelante: WALTER BATISTA LEITE LEONEL - Apelado: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS - Vítima: S.P.
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 4ª CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em DAR PROVIMENTO AO RECURSO.
DES. EDUARDO BRUM
Relator.
Des. Eduardo Brum (RELATOR)
V O T O
Walter Batista Leite Leonel, já qualificado nos autos, foi denunciado perante a 2ª Vara Criminal e da Infância e Juventude da Comarca de Poços de Caldas como incurso nas disposições do artigo 147, por duas vezes, nos termos do artigo 71, e art. 330, todos do Código Penal, porquanto, no dia 25 de maio de 2015, na Rua Adolpho Fantozzi, n.º 478, Bairro Santa Maria, naquela Comarca, o increpado ameaçou sua ex-companheira S.P. de causar-lhe um mal injusto e grave.
Consta, ainda, que no dia 10 de junho de 2015, no mesmo local o acusado novamente ameaçou sua ex-companheira de causar-lhe um mal injusto e grave.
Extrai-se, também, que Walter desobedeceu à ordem legal de funcionário público competente, descumprindo as medidas protetivas impostas pelo douto Juiz nos autos n.º 0518.15.000100-7.
Narra a exordial acusatória de fls. 02D/04D que:
(...) Segundo restou apurado, o denunciado com frequência apresenta comportamento agressivo em face de sua ex-amásia, tanto que foram deferidas pelo juiz medidas protetivas consoante cópia da decisão de fls. 11.
No dia 25 de maio de 2015 o denunciado desobedecendo a proibição de manter contato com a vítima e seus familiares, entrou em contato com o genitor da mesma, ocasião em que ameaçou a ex-mulher dizendo da primeira vez não aconteceu nada, agora eu não respondo pelos meus atos.
Ato contínuo, o denunciado se aproximou da vítima, adentrando em sua residência quando foi deixar seu filho no local, sendo que a partir de então passou a persegui-la, enviando inúmeras mensagens ameaçadoras através de seu celular.
No dia 09 de junho de 2015, utilizando-se de mesmo modo de execução e aproveitando-se das mesmas condições de tempo e modo, o denunciado mandou mensagens para o celular da vítima proferindo ameaças, dizendo que nesta oportunidade passou a seguir seu carro e ainda desferiu chutes na porta do veículo.
Apurou-se ainda que o denunciado através de testemunhas, informou que iria vender a moto para comprar uma arma e matar a vítima.
Concluída a instrução criminal, sobreveio a r. sentença de fls. 263/275, que julgou procedente a denúncia, condenando o réu como incurso nas iras do art. 147, caput, por duas vezes, na forma do art. 71, e art. 330, todos do CP, impondo-lhe, por conseguinte, a pena somada de 01 (um) mês e 20 (vinte) dias de detenção, em regime aberto, deferido o sursis (art. 77 do CP).
Intimações regulares às fls. 276, 276v, 288.
A combativa defesa constituída opôs embargos de declaração às fls. 277/284, que foram rejeitados por meio da r. decisão de fls. 285.
Irresignado, o réu manifestou seu interesse em recorrer (fls. 288). Em posteriores razões de fls. 296/304, a defesa técnica pugna pela absolvição do recorrente por insuficiência probatória quanto ao delito de ameaça e por atipicidade da conduta de desobediência. Por fim, requer a revogação das medidas protetivas fixadas em desfavor do apelante.
Contrarrazões ministeriais pelo não provimento do recurso (fls. 305/312).
A d. Procuradoria-Geral de Justiça, por meio de seu parecer de fls. 321/324, opina pelo parcial provimento do recurso, para que o réu seja absolvido apenas quanto ao delito de desobediência, por atipicidade da conduta.
Conheço do inconformismo, presentes os pressupostos de admissibilidade.
E, de plano, verifico assistir razão à combativa defesa.
Inicialmente, cuido de analisar apenas as condutas de ameaça de que o ora apelante foi acusado.
Diante das provas contidas nos autos, entendo pairar dúvidas de que o réu, de fato, tenha praticado os crimes que lhe são imputados na inicial, não constando nos autos elementos suficientes a ensejar sua condenação.
No caso em análise, reputo incontroverso o contexto de conflito entre a suposta vítima, S.P., e o ora apelante, bem como vislumbro o fato de o réu não ter se conformado com o fim do relacionamento entre as partes, tendo procurado S.P. por diversas vezes por ligações e mensagens de celular, ações essas, inclusive, admitidas por ele.
Contudo, os fatos narrados na exordial acusatória, quais sejam, uma ligação feita para o celular do genitor da vítima, no dia 25 de maio de 2015, e uma mensagem de texto enviada para a ofendida, no dia 09 de junho de 2015, ambas com teor intimidatório, não restaram comprovados em Juízo, data venia.
Na fase policial, a ofendida relatou as diversas perturbações que estariam sendo causadas pelo acusado, narrando o contexto de inconformismo do ora apelante com o término do relacionamento. Descreveu eventos em que se sentiu ameaçada e perseguida por Walter, tendo, inclusive, manifestado seu interesse em representar criminalmente contra ele (fls. 03/04 e 05).
Também em fase inquisitorial, o genitor de S.P. afirmou que Walter teria ligado para ele, ameaçando sua filha e aduzindo, ainda, não aceitar o término do relacionamento com ela, razão pela qual passou a temer que ele cumprisse as ameaças proferidas (fls. 09/09v).
Ocorre que, em Juízo, o Parquet não trouxe aos autos elementos de convicção, especificamente quanto aos fatos narrados na denúncia, suficientes, a meu ver, para se lançar uma condenação.
Na audiência de instrução e julgamento, cujo registro encontra-se em mídia acostada às fls. 218, foram inquiridas três testemunhas e ouvida uma informante, além terem sido realizados a oitiva da vítima e o interrogatório do réu.
A ofendida, em suas declarações, esclarece todo o contexto que envolveu o término da relação que mantinha com o réu, narrando alguns episódios em que o apelante se mostrou agressivo, bem como o descumprimento de medidas protetivas fixadas anteriormente. Informa, ainda, as inúmeras mensagens e ligações que recebia do réu, a excessiva ingestão de álcool por parte deste e as supostas perseguições na porta da escola do filho do casal.
Já as testemunhas Lenise e Iracy de Souza Sanches alegam que não presenciaram qualquer ameaça ou violência praticada por Walter contra a suposta vítima, mas, apenas, a situação de inconformismo do acusado com o fim do relacionamento, alegando que o réu buscava a todo tempo reatar com S.P.
Por fim, a informante Maria Dulce de Carvalho, não compromissada, também nada tinha a afirmar sobre os fatos narrados na inicial, aduzindo, apenas, que ouviu uma ligação do acusado no celular de sua amiga, na qual o réu teria dito que não tinha nada a perder na vida, que tanto fazia matar ou morrer. Vale frisar, contudo, que a testemunha Lenise negou que tenha recebido tal telefonema.
O réu, tanto na fase policial quanto em Juízo (fls. 37/38 e mídia acostada às fls. 218, respectivamente), nega que tenha proferido as ameaças narradas na denúncia contra a suposta vítima, afirmando, todavia, que realmente não se conformou com o fim do relacionamento e que buscou reatar sua convivência com S.P. por diversas vezes, tendo ficado deprimido e feito uso exagerado de bebida alcóolica naquela época.
Outrossim, o réu confirmou ter invadido a casa de S.P. de forma violenta em outra oportunidade e que, de fato, enviou diversas mensagens à suposta vítima, mas apenas com intuito reconciliatório e que pode ter falado diversas bobagens à suposta vítima, pois estava psicologicamente abalado.
Especificamente quanto aos fatos relativos à ameaça narrados na denúncia, o apelante negou que tenha enviado mensagem de texto com conteúdo de ameaça à S.P. Já quanto à ligação feita ao pai da vítima, o acusado confirmou que disse a ele que não responderia por seus atos, todavia, sua fala teria sido mal interpretada, já que estaria se referindo a problemas com os apartamentos. E que, depois, realizou nova ligação para esclarecer que não tinha intenção de fazer nada contra a vítima.
Ressalte-se que o genitor de S.P., Antônio Eloy Passos, não foi ouvido em Juízo.
Diante desse cenário, vê-se que, em fase judicial, foi possível constatar a existência de um contexto de conflitos entre os envolvidos e de desavenças ocorridas entre eles, inclusive, admitidas pelo réu.
Todavia, não se pode perder de vista os fatos dos quais se defende o acusado, conforme narrativa exordial, e que não restaram devidamente comprovados em fase judicial.
Conforme atual redação do art. 155, caput, do CPP, o Juiz não pode fundamentar sua decisão exclusivamente na prova obtida na investigação policial.
Tal modificação legislativa reproduziu preocupação externada já há muitos anos pelo eminente Ministro Celso de Mello, quando do julgamento do Recurso Extraordinário n.º 136239/SP:
O Inquérito Policial constitui mero procedimento administrativo, de caráter investigatório, destinado a subsidiar a atuação do Ministério Público. Trata-se de peça instrutiva cujo elementos instrutórios - precipuamente destinado ao órgão da acusação pública - habilitá-lo-á a instaurar a persecutio criminis in judicio. A unilateralidade das investigações desenvolvidas pela polícia judiciária na fase preliminar da persecução penal (informatio delicti) e o caráter inquisitivo que assinala a atuação da autoridade policial não autorizam, sob grave ofensa à garantia constitucional do contraditório e da plenitude de defesa, a formulação de decisão condenatória cujo único suporte seja a prova, não reproduzida em juízo, consubstanciadas na peça do inquérito. A investigação policial - que tem no inquérito o instrumento de sua concretização - não se processa, em função de sua própria natureza, sob o crivo do contraditório, eis que é somente em juízo que se torna plenamente exigível o dever de observância ao postulado da bilateralidade e da instrução criminal contraditória. A inaplicabilidade da garantia do contraditório ao procedimento de investigação policial tem sido reconhecida tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência dos Tribunais (RT 522/396), cujo magistério tem acentuado que a garantia da ampla defesa traduz elemento essencial e exclusivo da persecução penal em juízo. Nenhuma acusação penal se presume provada. Esta afirmação, que decorre do consenso doutrinário e jurisprudencial em torno do tema, apenas acentua a inteira sujeição do Ministério Público ao ônus material de prova a imputação penal consubstanciada na denúncia.
Cito, ainda, outros precedentes do Pretório Excelso, do augusto STJ e deste egrégio Tribunal de Justiça:
INQUÉRITO - ELEMENTOS - CONDENAÇÃO. - Surge insubsistente pronunciamento condenatório baseado, unicamente, em elementos coligidos na fase de inquérito" (STF - HC 96356/RS - Primeira Turma - Rel. Min. Marco Aurélio - j. 24/08/2010 - DJe 24/09/2010).
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. ACÓRDÃO CONDENATÓRIO EMBASADO EXCLUSIVAMENTE EM ELEMENTOS INFORMATIVOS COLHIDOS DURANTE O INQUÉRITO POLICIAL. EXPRESSA DESCONFORMIDADE COM A REGRA PREVISTA NO ARTIGO 155 DO CPP. OFENSA À GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM CONCEDIDA. 1. Em respeito à garantia constitucional do devido processo legal, a legitimidade do poder-dever do Estado aplicar a sanção prevista em lei ao acusado da prática de determinada infração penal deve ser exercida por meio da ação penal, no seio da qual ser-lhe-á assegurada a ampla defesa e o contraditório. 2. Visando afastar eventuais arbitrariedades, a doutrina e a jurisprudência pátrias já repudiavam a condenação baseada exclusivamente em elementos de prova colhidos no inquérito policial. 3. Tal vedação foi abarcada pelo legislador ordinário com a alteração da redação do artigo 155 do Código de Processo Penal, por meio da Lei n.º 11.690/2008, o qual prevê a proibição da condenação fundada exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação. 4. Constatado que o Tribunal de origem utilizou-se unicamente de elementos informativos colhidos no inquérito policial para embasar o édito condenatório em desfavor do paciente, imperioso o reconhecimento da ofensa ao aludido dispositivo do Estatuto Processual Penal, já em vigor na data da prolação do acórdão objurgado, bem como à garantia constitucional ao devido processo legal (...) (STJ - HC 123295/MT - Quinta Turma - Rel. Min. Jorge Mussi - j. 29/10/2009 - DJe 14/12/2009).
PENAL - RECEPTAÇÃO QUALIFICADA - SENTENÇA ABSOLUTÓRIA - CONDENAÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - AUSÊNCIA DE PROVAS PRODUZIDAS PERANTE O CRIVO DO CONTRADITÓRIO. - Inadmissível a condenação criminal com base exclusivamente nas provas do inquérito. Inteligência do art. 155 do Código de Processo Penal (TJMG - Ap. 1.0694.02.007874-7/001 - Quarta Câmara Criminal - Rel. Des. Júlio Cezar Guttierrez - j. 26/08/2009 - DJe 16/09/2009).
É possível que os fatos tenham ocorrido conforme descrito na denúncia, mas a ausência de elementos de convicção produzidos na fase judicial, com observância do contraditório, impede o acolhimento da versão acusatória.
Ressalte-se que, em delitos desta natureza, geralmente praticados no âmbito reservado do lar conjugal, sem a presença de testemunhas, a palavra da vítima assume excepcional relevância, desde que coerente e harmônica com as circunstâncias dos fatos.
Todavia, no presente caso, os delitos imputados ao acusado, evidentemente, teriam deixado vestígios, como é o caso da mensagem de celular, que não foi juntada aos autos pela acusação, e a ligação telefônica ameaçadora que teria sido feita ao pai da suposta vítima, testemunha não inquirida sob o crivo do contraditório.
Destaque-se que S.P. afirmou, em Juízo, que as mensagens de texto enviadas pelo réu em outras oportunidades possuíam conteúdos diversos, tendo o acusado dito que iria se matar, que iria embora, que queria reatar o relacionamento e também que mataria a suposta vítima. Ocorre que nada foi esclarecido por ela quanto à mensagem recebida no dia 09 de junho de 2015.
Ademais, data venia, a condução dos questionamentos feitos em audiência não foi esclarecedora quanto às ameaças ora em análise, muito tendo sido dito apenas a respeito do cenário em que viviam as partes à época dos fatos.
Não bastasse, o fato de o réu ter confirmado que ligou para o pai da vítima com os dizeres de que não responderia por seus atos, não é suficiente para ensejar sua condenação, mormente porque afirmou ter ligado novamente para Antônio, em seguida, e esclarecido que não tinha intenção de causar nenhum mal à S.P., tendo proferido tais palavras em relação ao outros problemas, esclarecendo o mal entendido.
Os demais fatos narrados pela vítima, que envolvem as partes, não estão sendo analisados nestes autos, motivo pelo qual, apesar de caracterizarem o contexto conflitivo, não são hábeis a fundamentar a condenação, neste processo.
Por fim, a vítima afirmou que após o réu ser solto da prisão, já esteve com ele, sendo que ainda moram no mesmo prédio, mas não sofreu mais nenhum tipo de ameaça, não tendo o réu nem sequer lhe dirigido a palavra. O recorrente, por sua vez, alega que ainda gosta muito da vítima, mas está procurando seguir a sua vida e esquecer o passado, já estando em relacionamento com outra pessoa inclusive.
Ao que tudo indica, portanto, o quadro atual não é mais o de conflito entre as partes, devendo ser preservada essa harmonia, também, em prol do filho dos envolvidos.
Dessarte, reconhecida a insuficiência de provas que indiquem a prática do crime de ameaça pelo ora apelante, deve ser ele absolvido, com fundamento no art. 386, VII, do CPP, aplicando-se o princípio in dubio pro reo.
No que tange ao delito previsto no art. 330 do CP, também entendo ser imperiosa a absolvição do imputado, todavia, por fundamento diverso.
Em conformidade com a jurisprudência pacífica das 5ª e da 6ª Turmas do augusto STJ, a referida conduta é penalmente atípica, pois, de acordo com o art. 19 da Lei n.º 11.340/06, em caso de descumprimento de uma medida protetiva aplicada, poderá ela ser substituída ou acrescida de outras com maior eficácia. Aliás, o art. 313, III, do CPP admite até mesmo a decretação da prisão preventiva se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência (destaquei).
Havendo, portanto, previsão de sanções na própria Lei n.º 11.340/06 e no CPP para o caso de descumprimento de medidas protetivas, bem como inexistindo a possibilidade expressa de aplicação cumulativa do art. 330 do CP, este delito não resta configurado.
Nesse norte:
RECURSO ESPECIAL. DESOBEDIÊNCIA. ART. 330 DO CP. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA. IMPOSIÇÃO COM AMPARO NA LEI MARIA DA PENHA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. PREVISÃO DE SANÇÕES ESPECÍFICAS NA LEI DE REGÊNCIA. 1. A jurisprudência desta Corte Superior firmou o entendimento de que para a caracterização do crime de desobediência não é suficiente o simples descumprimento de decisão judicial, sendo necessário que não exista cominação de sanção específica. 2. A Lei n. 11.340/06 determina que, havendo descumprimento das medidas protetivas de urgência, é possível a requisição de força policial, a imposição de multas, entre outras sanções, não havendo ressalva expressa no sentido da aplicação cumulativa do art. 330 do Código Penal. 3. Ademais, há previsão no art. 313, III, do Código de Processo Penal, quanto à admissão da prisão preventiva para garantir a execução de medidas protetivas de urgência nas hipóteses em que o delito envolver violência doméstica. 4. Assim, em respeito ao princípio da intervenção mínima, não se há falar em tipicidade da conduta imputada ao ora recorrido, na linha dos precedentes deste Sodalício. 5. Recurso especial a que se nega provimento (REsp 1477671/DF, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 18/12/2014, DJe 02/02/2015) destaquei.
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA. LEI MARIA DA PENHA. POSSIBILIDADE DE PRISÃO PREVENTIVA. ATIPICIDADE DA CONDUTA PARA O DELITO DO ART. 330 DO CÓDIGO PENAL. ILEGALIDADE PATENTE. RECURSO PROVIDO PARA ABSOLVER O RECORRENTE PELO CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. 1. O descumprimento de medida protetiva, no âmbito da Lei Maria da Penha, não enseja o delito de desobediência, porquanto, além de não existir cominação legal a respeito do crime do art. 330 do Código Penal, há previsão expressa, no Código de Processo Penal, de prisão preventiva, caso a medida judicial não seja cumprida. 2. Recurso provido para absolver o ora Recorrente pelo crime de desobediência, em razão da atipicidade da conduta (RHC 49.429/DF, Rel.ª Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 18/11/2014, DJe 03/12/2014) destaquei.
Esta colenda 4ª Câmara Criminal vem decidindo no mesmo sentido:
APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME DE DESOBEDIÊNCIA - DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA ANTERIORMENTE ESTIPULADA - NÃO CARACTERIZAÇÃO - RECURSO NÃO PROVIDO. - O descumprimento de medidas protetivas deferidas em favor da vítima, com base na Lei Maria da Penha, não caracteriza crime de desobediência a decisão judicial, previsto no artigo 330 do Código Penal, pois as medidas protetivas previstas na Lei 11.340/2006 são cautelares e visam proteger a vítima de abuso por parte de seu agressor. - Recurso não provido (Apelação Criminal 1.0395.12.000515-6/001, Relator Des. Corrêa Camargo, 4ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 02/12/2014, publicação da súmula em 11/12/2014).
PENAL - VIOLÊNCIA DOMÉSTICA - LESÃO CORPORAL - AUSENCIA DE PROVAS - ABSOLVIÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - PROVAS SUFICIENTES DA MATERIALIDADE E DA AUTORIA DELITIVAS - DESOBEDIÊNCIA - ABSOLVIÇÃO - IMPERATIVIDADE - ATIPICIDADE. - Comprovadas a autoria e a materialidade delitivas, pela prova testemunhal e palavra da vítima, mantém-se a condenação pelos delitos de lesão corporal e desobediência, afastando-se os pleitos absolutórios. - Não caracteriza crime de desobediência o descumprimento de ordem emanada de servidor público se para tal descumprimento há previsão de sanção de natureza administrativa na legislação esparsa, sem ressalva de sanção penal (Apelação Criminal 1.0408.13.000379-6/001, Relator Des. Júlio Cezar Guttierrez, 4ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 12/03/2014, publicação da súmula em 18/03/2014) destaquei.
Observe-se que, in casu, o réu permaneceu encarcerado pelo descumprimento das medidas protetivas, conforme documentos de fls. 31/32 e 43.
Sendo assim, com base no art. 386, III, do CPP, absolvo o apelante, também, quanto ao delito previsto no art. 330 do CP.
Finalmente, quanto ao pedido de revogação das medidas protetivas, entendo que tal pleito deve ser formulado junto ao douto Juízo de primeiro grau, nos autos apartados em que elas foram fixadas, pois cediço que as medidas protetivas previstas na Lei n.º 11.340/2006, observados os requisitos específicos para a concessão de cada uma, podem ser pleiteadas de forma autônoma para fins de cessação ou de acautelamento de violência doméstica contra a mulher, independentemente da existência, presente ou potencial, de processo-crime ou ação principal contra o suposto agressor (STJ, REsp 1419421/GO, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 11/02/2014, DJe 07/04/2014), razão pela qual a presente solução absolutória não tem qualquer influência, de per si, na validade e atual necessidade daquelas.
Nesses termos, dou provimento ao recurso para absolver Walter Batista Leite Leonel de todas as imputações que lhe foram feitas, com base no art. 386, III e VII, do CP.
Não há necessidade de expedição do alvará de soltura, haja vista que o acusado se encontra em liberdade.
Custas ex lege.
Des. Júlio Cezar Guttierrez - De acordo com o(a) Relator(a).
Des. Doorgal Andrada - De acordo com o(a) Relator(a).
SÚMULA: "DERAM PROVIMENTO AO RECURSO"