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Regime do ISS de sociedade prestadora de serviços intelectuais:

número de empregados não a caracteriza como empresária

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Agenda 28/10/2005 às 00:00

Do Princípio da Vinculação da Administração Pública a seus próprios atos

            Conforme exposto anteriormente, a Municipalidade de São Paulo, em decorrência da OV nº 39.107.752, emitida pela Diretoria de Rendas Mobiliárias, promoveu a rigorosa fiscalização da Consulente no período de janeiro de 1996 a dezembro de 2000, concluindo que a mesma fazia jus ao enquadramento como SUP (sociedade uniprofissional), reconhecendo-lhe expressamente o direito de recolher o ISS sob o regime de tributação por alíquota fixa.

            Aquele ato administrativo, praticado por agente competente, nos idos de 2000, goza de presunção de legalidade e legitimidade. A partir do momento em que o agente administrativo competente concluiu que a Consulente se enquadrava como SUP, o ato administrativo passou a produzir efeitos jurídicos desde então, vinculando a Administração Pública àquele ato.

            Ora, se por meio de seu órgão competente, a Administração Pública concluiu, após examinados os dados e a atividade da Consulente até o final do exercício de 2000, que a mesma fazia jus ao regime de tributação especial, como é possível, agora, contrariar aquele ato com efeito retroativo, mudando o seu posicionamento com relação a período já anteriormente fiscalizado, sem, que tenha havido alterações, quer na legislação, quer na estrutura da Consulente?

            Se o agente fiscal, no exercício de suas funções normais, fiscalizou e examinou os dados da Consulente até o final do ano de 2000, é obvio que ele tinha conhecimento de que a estrutura da Consulente, além dos sócios, continha 44 funcionários, uma das razões do desenquadramento do regime especial de tributação. É de se concluir que o agente fiscal, na época, entendeu, acertadamente, que a quantidade de funcionários não é critério legal para definição de sociedade uniprofissional, como de fato não o é, e nunca foi. Se o fosse, nenhuma grande sociedade de advogados com mais de 500 ou 800 membros, entre sócios e empregados, por exemplo, poderia estar enquadrada como sociedade uniprofissional gozando do benefício do regime de tributação por alíquota fixa.

            Costuma-se dizer que a Administração fica vinculada a seus atos, até mesmo em erro, o que se justifica em razão do princípio da segurança jurídica, uma vez que o contribuinte não pode ser penalizado por eventual erro cometido pela Administração.

            Desfazer um ato e aplicar efeito retroativo ao novo ato implicará a conclusão de que aquele primeiro ato era irregular, ou, então, de que houve improbidade administrativa por parte do agente público responsável pela prática daquele ato. Dessa forma, pairam as seguintes duvidas:

            O ato que a própria Administração praticou nos idos do ano 2.000, reconhecendo a Consulente como beneficiária do regime de tributação fixa, precedido de rigorosas averiguações de seus dados, abrangendo o período de l/1999 a 12/2000, era lícito e regular?

            Ou, ao contrário

            Houve improbidade administrativa na prática daquele ato?

            O despacho de desenquadramento mantém silêncio perpétuo a respeito, o que resulta na presunção de regularidade do primitivo despacho de enquadramento da Consulente no Código 04804, para recolhimento do ISS pelo regime de alíquota fixa.

            Aliás, ressalte-se que aquele primitivo ato administrativo não foi desfeito. Simplesmente, a Prefeitura, por seu órgão competente, a Diretoria de Divisão de RM-4. reinterpretou os mesmos dados anteriormente averiguados por agente público competente, à luz de critério extrajurídico, para concluir, contra letra da lei, que a Consulente é uma sociedade empresária.

            O desenquadramento da Consulente do regime de tributação especial, com efeito retroativo a janeiro de 1999, é nulo de pleno direito à medida em que a própria Administração Pública já havia reconhecido o seu enquadramento como SUP, no período de 01/96 até 12/2000, por ato administrativo válido, tanto é que aquele ato, até hoje, não foi objeto de anulação por órgão competente da Prefeitura. E nem o poderia. O novo ato resulta, como vimos, de reinterpretação dos mesmos fatos à luz de critério não abrigado pela ordem jurídica vigente, ou seja, está alicerçado em critério meta-filo-jurídico. A subsunção do fato concreto à hipótese legal prevista somente pode resultar de interpretação à luz do critério jurídico, sem o que, o ordenamento jurídico como um todo perderia a necessária harmonia, disseminando a insegurança jurídica de forma generalizada. Seria o caos!

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            Outrossim, o eventual desenquadramento, quando muito, somente poderia surtir efeitos a partir da publicação do respectivo despacho no DOM, o que somente veio a ocorrer no dia 30 de março de 2005.

            Nem é preciso lembrar que a Constituição Federal não admite a retroatividade (art. 5º, XXXVI), salvo para beneficiar o réu (art. 5º, XL), o que não é o caso sob consulta.

            Positivamente, o despacho de desenquadramento é absolutamente nulo e írrito não produzindo qualquer efeito jurídico.


RESPOSTAS AOS QUESITOS

            1 – A Consulente caracteriza-se como sociedade empresária pelo fato de possuir 44 funcionários?

            R: Não, o fato de possuir 44 funcionários não caracteriza a Consulente como sociedade empresária, uma vez que a lei civil, competente para reger a matéria, não leva em conta a estrutura da sociedade, e sim, o seu objeto, para caracterizá-la como sociedade empresária ou sociedade civil. A prestação de serviço intelectual, mesmo com a utilização de auxiliares ou colaboradores está expressamente excluída da classificação de sociedade empresária.

            A legislação tributária, também, não estabelece nenhum critério quantitativo da espécie, para classificar a sociedade como civil ou empresária. Do contrário, nenhuma grande sociedade de advogados com mais de 500 ou 800 membros, entre sócios e empregados, por exemplo, poderia estar submetida ao regime de tributação fixa.

            2 - A Consulente atende aos requisitos do art. 4º da Lei municipal nº 10.423/87 para fazer jus à tributação pelo regime da alíquota fixa?

            R: Sim, a Consulente atende aos requisitos do art. 4º da Lei municipal nº 10.423/87, fazendo jus ao regime de tributação por alíquota fixa, pois é sociedade uniprofissional, prestadora de serviços de agente de propriedade industrial, que possui como sócios somente advogados, que prestam serviços em nome da Consulente, assumindo responsabilidade pessoal nos termos da lei aplicável. Os demais componentes do quadro técnico da Consulente prestam serviços que se caracterizam como atividades-meios para atingir o fim, que é a prestação de serviços jurídicos concernentes à propriedade intelectual, em especial os de representação de seus clientes na obtenção e defesa de seus direitos junto ao INPI. Ademais, a Consulente não é sócia de outra sociedade, e nem desenvolve atividade diversa, ou presta outra atividade de prestação de serviços, a não ser a de agente de propriedade industrial, para a qual seus sócios estão habilitados.

            3 – A Lei municipal nº 10.423/87 guarda harmonia com o Decreto-Lei nº 406/68?

            R: A Lei municipal nº 10.423/87 não guarda harmonia com o Decreto-Lei nº 406/68, à medida em que insere em seu § 1º exigências outras que não estão contidas no referido Decreto-Lei, como condição para a sociedade usufruir do regime de tributação fixa.

            Diante disso, ilegal e inconstitucional o § 1º do art. 4º da Lei municipal nº 10.423/87 na parte que exige a uniprofissionalidade dos sócios componentes da sociedade e a prestação do serviço pessoalmente.

            Essas duas exigências afrontam a lei de regência nacional do ISS, ou seja, o § 3º do art. 9º do DL nº 406/68, que reconhece a sociedade pluriprofissional com amparo na jurisprudência do STF, e não exige a prestação de serviço pessoal, mas apenas a assunção de responsabilidade pessoal dos sócios, podendo a sociedade valer-se de auxílio ou colaboração de terceiros. Conseqüentemente, a lei municipal afronta o disposto no art. 146, III, ‘a’ da CF.

            Contudo, como demonstrado na resposta dada ao quesito anterior, a Consulente preenche todos os requisitos estabelecidos no art. 4º da Lei municipal de nº 10.423/87, que extrapola dos limites da lei de regência nacional do ISS.

            4 – É possível juridicamente o desenquadramento da Consulente do regime de tributação por alíquota fixa, por despacho da autoridade administrativa competente, publicado no DOM do dia 30-3-2005, com efeito retroativo a janeiro de 1999?

            R: Não é possível juridicamente o desenquadramento da Consulente do regime de tributação por alíquota fixa, por despacho da autoridade administrativa competente, publicado no DOM do dia 30-3-2005, com efeito retroativo a janeiro de 1999, pois a Constituição Federal não admite a retroatividade a não ser aquela de natureza benéfica (art. 5º, incisos XXXVI e XL).

            Outrossim, a Municipalidade de São Paulo, por meio de seu Inspetor Fiscal titular, por ocasião da expedição da OV n º 39.107.752 e competente fiscalização dos dados e da atividade da Consulente, no período de 01/96 a 12/00, concluíra que a mesma fazia jus ao enquadramento como SUP (sociedade uniprofissional), ficando a Administração Municipal vinculada àquele ato.

            Passados cinco anos, não pode a Prefeitura, reinterpretando aqueles mesmos fatos e dados, por meio de um critério extrajurídico, concluir que a Consulente se caracterizava como sociedade empresária desde aquela época, ou seja, ano de 1999, período abrangido pela fiscalização determinada pela OV nº 39.107.752, sob pena de ferir o princípio da vinculação da Administração a seus próprios atos, não bastasse a ofensa ao princípio constitucional que veda a retroatividade.

            É no nosso parecer, smj.

            São Paulo, 30 de setembro de 2005.

Kiyoshi Harada
OAB/SP 20.317
Especialista em Direito Tributário pela USP


Notas

            1

Manual de direito comercial, 5ª edição. São Paulo: Saraiva, 1994, pp. 100/ 101.

            02

Ob.cit.p. 8.

            03

Médicos, inclusive análises clínicas, eletricidade médica, radioterapia, ultra-sonografia, radiologia, tomografia e congêneres;

            04

Enfermeiros, obstetras, ortópticos, fonoaudiólogos, protéticos (prótese dentária);

            05

Médicos veterinários;

            06

Contabilidade, auditoria, guarda-livros, técnicos em contabilidade e congêneres;

            07

Agentes da propriedade industrial;

            08

Advogados;

            09

Engenheiros, arquitetos, urbanistas, agrônomos;

            10

Dentistas;

            11

Economistas;

            12

Psicólogos;

            13

Agentes de propriedade industrial;

            14

Advogados;

            15

Engenheiros, arquitetos, urbanistas, agrônomos;

            16

Propriedade intelectual: propriedade industrial, direito de autor, sofware, cultivares, 3ª edição. Barueri: Manole, 2005, p. 92.

            17

Médicos, inclusive análises clínicas, eletricidade médica, radioterapia, ultra-sonografia, radiologia, tomografia e congêneres;

            18

Enfermeiros, obstetras, ortópticos, fonoaudiólogos, protéticos (prótese dentária);

            19

Médicos veterinários;

            20

Contabilidade, auditoria, guarda-livros, técnicos em contabilidade e congêneres;

            21

Agentes da propriedade industrial;

            22

Advogados;

            23

Engenheiros, arquitetos, urbanistas, agrônomos;

            24

Dentistas;

            25

Economistas;

            26

Psicólogos;

            27

Cf. nosso Direito tributário municipal. 2ª ed., São Paulo : Atlas, 2004, p. 156.
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

. Regime do ISS de sociedade prestadora de serviços intelectuais:: número de empregados não a caracteriza como empresária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 847, 28 out. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/16646. Acesso em: 19 mai. 2024.

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