A requerente informa sobre a aquisição de bens para fins de liquidação do ICMS devido a título de diferencial de alíquotas nos termos do § 2º do art. 105 do Regulamento do ICMS.
Da não cumulatividade do ICMS aplicada ao bem destinado ao ativo permanente
Na forma como construído o Parecer PGE/PFE nº 78/2013, deixa-se transparecer que a sistemática da não cumulatividade do ICMS é aplicável às operações com bens e mercadorias destinadas ao ativo permanente do contribuinte.
Por conta disso, seria possível compensar o ICMS devido pela entrada interestadual de mercadorias e bens destinados ao ativo permanente (diferencial de alíquotas) com créditos acumulados do imposto, posto que tal direito à compensação estava previsto na Lei nº 5.900, de 1996. Porém, havia a necessidade de regulamentação para o pleno direito (Decreto nº 15.690, de 2011); por outro lado, não havia a necessidade da Instrução Normativa SEF nº 17, de 2012, para o pleno direito.
Vejamos a primeira passagem do Parecer PGE/PFE nº 78/2013 que evidencia este fato:
Pois bem, inicialmente, observamos que a matéria de crédito fiscal e compensação está prevista nos artigos 32, 33 e 34 da Lei n. 5.0900/96 (sic), à qual incluía a mercadoria destinada ao ativo permanente:
(...)
Outro trecho do Parecer é mais contundente:
O fato do procedimento da liquidação do ICMS ficar relevado a futura disciplina da Secretaria da Fazenda (“VI – disciplina da Secretaria de Estado da Fazenda disporá sobre o procedimento de liquidação do ICMS devido.”), como especificado no VI do § 1º do art. 105 do Regulamento do ICMS, em nada altera o direito do contribuinte, uma vez que esse direito já estava devidamente previsto em lei (Lei 5.900/96) e discriminado no Regulamento do ICMS (art. 105, do Decreto 35.245/91). (grifo no original)
Da forma como exposto pela PGE, parece ser regra a compensação do ICMS devido a título de diferencial de alíquotas pela entrada interestadual de mercadorias e bens destinados ao ativo permanente com créditos acumulados do imposto.
Ou seja, ao que parece o entendimento da PGE é que a própria Lei nº 5.900, de 1996 (arts. 32 a 34), já permite a compensação entre o imposto devido a título de diferencial de alíquotas pela entrada interestadual de mercadorias e bens destinados ao ativo permanente com créditos acumulados do imposto.
Ocorre que tal compensação é vedada explicitamente pela Lei nº 5.900, de 1996, como regra geral. Da mesma forma, o Regulamento do ICMS deixa claro que não se admite a compensação em casos que tais, também como regra geral (caput do art. 105).
Vejamos o disposto nos arts. 39 e 1º da Lei nº 5.900, de 1996:
Art. 39 - O período de apuração do imposto obedecerá o previsto na legislação tributária, considerando-se as obrigações vencidas na data em que termina o mencionado período de apuração e podendo ser liquidadas por compensação ou mediante pagamento em dinheiro, na seguinte forma:
(...)
§ 4º Salvo nas hipóteses previstas na regulamentação do imposto, é vedada a utilização de crédito para compensar o imposto devido:
(...)
III - nas entradas interestaduais a que refere o parágrafo único do art. 1º. (grifo nosso)
Art. 1º O imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação - ICMS incide sobre:
(...)
Parágrafo único - O imposto incide também sobre:
(...)
III - a entrada neste Estado, decorrente de operação interestadual, de:
(...)b) bem ou serviço destinados a contribuinte do ICMS, para serem utilizados, consumidos ou incorporados ao Ativo Permanente; (grifo nosso)
Significa dizer que, em regra, a própria Lei nº 5.900, de 1996, não permite que o imposto devido pela entrada interestadual de mercadoria ou bem destinado ao ativo permanente (diferencial de alíquotas) seja compensado com créditos do imposto.
Em resumo, se um dos fundamentos da autorização para a fruição da regra contida no § 1º do art. 105 do Regulamento do ICMS pelo contribuinte industrial (compensação do ICMS devido a título de diferencial de alíquotas com créditos acumulados do imposto) era o disposto nos arts. 32 e 33 da Lei nº 5.900, de 1996 (não cumulatividade do ICMS), restou demonstrado que tal autorização não existe, pois dependia de regulamentação (além do próprio § 1º do art. 105 do Regulamento do ICMS, também a Instrução Normativa SEF nº 17, de 2012).
Para finalizar este tópico, importante destacar que o fato gerador em questão (relativo ao diferencial de alíquotas) está relacionado à entrada interestadual do bem no estabelecimento do contribuinte, sem qualquer relação com etapas posteriores de circulação, desvinculando tal fato gerador da regra da não cumulatividade.
Ou seja, o ICMS incide em razão da entrada interestadual do bem destinado ao ativo permanente. Neste caso, não há que se falar em não cumulatividade do imposto, pois o bem não será objeto de circulação.
Este mesmo raciocínio é aplicado à incidência do ICMS na importação de mercadorias por não contribuinte do imposto (pessoa natural ou jurídica), em que a mercadoria ou bem não será objeto de circulação posterior à importação.
Vejamos a decisão proferida no âmbito do Supremo Tribunal Federal, por ocasião da análise do Recurso Extraordinário 771023/RJ:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE A CIRCULAÇÃO DE MERCADORIA E SERVIÇOS – ICMS: INCIDÊNCIA. IMPORTAÇÃO DE EQUIPAMENTO MÉDICO-HOSPITALAR APÓS O INÍCIO DE VIGÊNCIA DA EMENDA CONSTITUCIONAL N. 33/2001. PESSOA JURÍDICA NÃO-CONTRIBUINTE HABITUAL. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. CONTROVÉRSIA SUSCETÍVEL DE REPRODUZIR-SE EM MÚLTIPLOS FEITOS. PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 328 DO REGIMENTO INTERNO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: DEVOLUÇÃO DOS AUTOS À ORIGEM. PIS/PASEP-IMPORTAÇÃO E COFINS-IMPORTAÇÃO: COBRANÇA. CONSTITUCIONALIDADE. BASE DE CÁLCULO: VALOR ADUANEIRO. ICMS: INCLUSÃO. INCONSTITUCIONALIDADE. ACORDÃO RECORRIDO DISSONANTE DA JURISPRUDÊNCIA DESTE SUPREMO TRIBUNAL. RECURSO PROVIDO.
(...)
3. Inexistência de inconstitucionalidade da alteração, decorrente da Emenda n. 33/2001, por incompatibilidade com o princípio da não-cumulatividade do ICMS, consagrado no inciso I do § 2º do art. 155 do texto constitucional. Não se pode dar à não-cumulatividade um valor absoluto e irrestrito, sendo possível inaplicabilidade em certas situações. Acerto da sentença, ao afirmar que ‘a operação ocorrerá em uma única etapa, vez que a mercadoria não se destina à comercialização, não há a possibilidade fática de o contribuinte proceder à compensação do tributo com a operação posterior, vez que inexistente. A ausência de operação posterior, entrementes, não desnatura o princípio da não cumulatividade, vez que não faz com que haja a incidência do tributo várias vezes sobre a mesma mercadoria. O importador será, portanto, o contribuinte final do tributo’. (grifo nosso)
Restou demonstrado que, tal qual na importação de mercadoria ou bem em que não haverá etapa posterior de circulação, a operação de entrada interestadual destinada ao ativo permanente não ofende a regra da não cumulatividade do ICMS.
Dos atributos meramente procedimentais da Instrução Normativa SEF nº 17, de 2012
O Parecer PGE/PFE nº 78/2013 (fls. 259/264) deixa transparecer que a disciplina trazida pela Instrução Normativa SEF nº 17, de 2012 (para compensação do ICMS devido a título de diferencial de alíquotas com créditos acumulados do imposto), teve caráter meramente de procedimento interno aplicável à SEFAZ e era desnecessária.
Vejamos as palavras consignadas no Parecer PGE/PFE nº 78/2013 (fl. 264):
Outrossim, como o próprio inciso VI menciona, essa disciplina trata apenas do procedimento de liquidação do ICMS devido, ou seja, de procedimento interno a ser utilizado pelos técnicos da SEFAZ, com o objetivo de uniformizar a maneira como se procederá a essa liquidação. (grifo no original)
E continua (fl. 264):
Assim, para fins de direito do contribuinte, sequer se fazia necessária essa normatização, já que, como vimos, esse direito passou a estar disponível em sua plenitude com a edição do Decreto n. 15.690/2011, que, de forma completa e exaustiva, regulamentou o uso de crédito fiscal na compensação de ICMS devido sobre a aquisição de bens destinados ao ativo imobilizado de estabelecimento industrial.
A nosso sentir, o Parecer PGE/PFE nº 78/2013 adotou conclusões equivocadas acerca da disciplina trazida pela Instrução Normativa SEF nº 17, de 2012, isto porque:
(i) os procedimentos para liquidação do ICMS devido não são voltados à Secretaria de Estado da Fazenda; ao contrário, todos os procedimentos são destinados ao contribuinte, vez que as regras são relativas a escrituração e recolhimento do imposto;
(ii) o Decreto nº 15.690, de 2011 (que alterou o art. 105 do Regulamento do ICMS) permitiu a compensação do ICMS devido a título de diferencial de alíquotas com créditos acumulados do imposto desde que observados alguns requisitos, entre eles a disciplina da Secretaria de Estado da Fazenda para liquidar o imposto.
Em suma: a um, os procedimentos previstos na Instrução Normativa SEF nº 17, de 2012, são todos direcionados ao contribuinte, sem qualquer obrigação de fazer aplicada diretamente ao Fisco; a dois, para a efetiva compensação do ICMS devido a título de diferencial de alíquotas com créditos acumulados do imposto, necessária a observância de todos os requisitos estabelecidos nos incisos I a VI do § 1º do art. 105 (incluindo a disciplina trazida pela Instrução Normativa SEF nº 17, de 2012).
Além disso tudo, importante destacar que a Instrução Normativa SEF nº 17, de 2012, poderia ter ratificado os procedimentos anteriormente realizados pelos contribuintes relacionados à compensação do ICMS devido a título de diferencial de alíquotas com créditos acumulados do imposto.
Tal ratificação deixaria implícito que a compensação do ICMS devido a título de diferencial de alíquotas com créditos acumulados do imposto já estava autorizada antes mesmo da entrada em vigor da Instrução Normativa SEF nº 17, de 2012.
Nada obstante, não foi isso que ocorreu. Ou seja, os procedimentos para a efetiva compensação do ICMS devido a título de diferencial de alíquotas com créditos acumulados do imposto somente passaram a ter efeito a partir da vigência da Instrução Normativa SEF nº 17, de 2012.