Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

Resilição unilateral imotivada

Agenda 25/05/2017 às 13:01

Trata-se de modelo de parecer que analisa a ocorrência de suposta ilicitude contratual configurada num ato de resilição unilateral.

A CONSULTA

Honra-nos a sociedade empresária XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX, por meio de seu Departamento Jurídico, com pedido de parecer sobre a situação fática descrita abaixo:

A empresa consulente celebrou, em 4 de maio de 2012, com o XXXXXXXXXXX, contrato de prestação de serviços de concretagem e fornecimento de concreto dosado, com a implantação de central dosadora de concreto com capacidade nominal de 90,00 m3/hora, com 2 (dois) silos de 100 t cada, com prazo estimado para execução dos serviços de 20 meses, cujo prazo poderá ser reduzido ou dilatado, apenas na hipótese de alteração do cronograma geral dos Serviços a critério da contratante ou caso exigido por seu cliente.

Recentemente, em 15 de abril de 2013, a Consulente recebeu notificação do XXXXXXXX denunciando o contrato, com a finalidade de extinção do vínculo, de forma imotivada, se comprometendo a cumprir as disposições da cláusula 13.3, assim com da cláusula 13.4, do contrato.

Informa a Consulente que a notificação não observou o prazo contratual de 30 dias, salientando, ainda, que o Consórcio, antes de denunciar o contrato, não cumpriu as disposições do Anexo X, no qual se obriga à aquisição do volume mínimo de 1300 m3 de concreto mês.

Em razão dessa situação, a Consulente apresenta a seguinte indagação:

1. Quais são as medidas cabíveis para se manter o vínculo jurídico obrigacional entre as partes?

2. Há possibilidade de se evitar a resilição unilateral imotivada?

3. Há possibilidade de não indenização das perdas e danos à Consulente?


RESPOSTA

Inicialmente, diante da situação fática, explica-se que o contrato de prestação de serviços, também denominado de locatio operarum, “é o negócio jurídico pelo qual alguém – o prestador – compromete-se a realizar uma determinada atividade com conteúdo lícito, no interesse de outrem – o tomador -, mediante certa e determinada remuneração”[1], ou seja, o prestador ou o empreiteiro “obriga-se a proporcionar a outrem, com trabalho, certo resultado”.[2]

No caso, o contrato de prestação de serviços, que, independente da sua denominação, se afigura como de empreitada, também denominado locatio operis[3], que XXXXXXXXXXXXX pretende resilir, tem com objeto o fornecimento de concreto dosado, com a implantação de central dosadora de concreto, com capacidade nominal de 90,00 m3/hora, com 2 (dois) silos de 100 t cada, com fornecimento de mão de obra, materiais e equipamentos necessários e exigidos para a execução dos serviços, estando incluídos o todos os custos, diretos indiretos, e insumos necessários para a realização dos mesmos.[4]

Para a execução do contrato as partes ajustaram o prazo de 20 meses, com previsão de início das obras em 2 de abril de 2012, podendo tal período ser reduzido ou dilatado, apenas na hipótese de alteração do cronograma geral dos serviços a critério do XXXXXXXXXXXX ou na hipótese de exigência de seu cliente, conforme previstos nas cláusulas 6.2 e 6.3, do contrato.[5]

Paralelamente às cláusulas 6.2. e 6.3., há a cláusula 13.3., que prevê hipótese de resilição unilateral imotivada, permitindo ao XXXXXXXXXXXX denunciar, unilateral e imotivadamente, o contrato, a qualquer tempo e sem quaisquer ônus, mediante envio de notificação escrita à Consulente, com antecedência mínima de trinta dias.[6]

Nesse ponto, constata-se patente conflito entre as cláusulas mencionadas, isso porque, ao mesmo tempo em que a cláusula 6.3., dispõe que apenas haverá dilação ou a redução do prazo contratual na hipótese de alteração do cronograma geral dos serviços – cláusula restritiva de direitos -, a cláusula 13.3. prevê situação de resilição unilateral imotivada, a qualquer momento, por parte do XXXXXXXXXX.

Logo, a harmonização dessas cláusulas, visando a uma simetria contratual, imporia ao XXXXXXXXXX, na formulação da notificação resilitória, a demonstração da alteração do cronograma geral dos serviços, pois, do contrário, a extinção unilateral do vínculo caracterizará abuso de direito, além de violação aos princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato, mormente porque só decorridos 11 meses de vigência contratual.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Destarte, à adequada aplicação das cláusulas contratuais, imperativo ajustá-las ao conteúdo do negócio jurídico, cuja interpretação sistêmica exige, por força do disposto na cláusula 6.3., que o XXXXXXXXXX comprove a alteração do cronograma geral dos serviços, para, em tese, possibilite a resilição contratual, pela denúncia imotivada.

Outrossim, considerando-se que a notificação resilitória não respeitou o prazo mínimo de 30 dias, inadmissível a extinção do vínculo em 15 de abril de 2013, devendo ser respeita a cláusula 13.3, do contrato.

Por outro lado, ainda que admissível a extinção do vínculo obrigacional, aplicável ao caso o art. 623, do Código Civil, que permite ao empreiteiro pleitear indenização razoável, calculada em função daquilo que auferiria, se concluída a obra.[7] Ou seja, “caso o dono da obra decida desconstituir o negócio jurídico mediante a resilição unilateral do contrato (art. 473 do CC), deverão empreiteiro se submeter ao exercício do direito potestativo. Nada obstante, em razão dos investimentos realizados na obra e daquilo que razoavelmente auferiria com o seu trabalho, será indenizado pelos danos emergentes e lucros cessantes[8], na dicção do art. 402 do Código Civil”.[9]

Paralelamente, em tese, também se sustenta a aplicação do art. 603, do Código Civil[10], em decorrência da natureza do vínculo jurídico obrigacional, que impõe ao dono da obra, na hipótese de resilição unilateral no contrato com termo, o dever de pagar ao prestador dos serviços a remuneração vencida, e por metade a que lhe tocaria de então ao termo legal do contrato.

No caso, ainda faltam 9 (nove) meses para o término do contrato, impondo ao XXXXXXXXXX, sob os ditames do citado artigo, remunerar os serviços já prestados – dano emergente -, assim como saldar o período remanescente, pela metade – lucros cessantes, “como compensação pela quebra e confiança”[11], indenizando, ainda, o consumo médio/mensal de concreto de 1.300 m3, conforme previsto no Anexo X, do contrato.

Além disso, também aplicável o art. 473, parágrafo único, do Código Civil, já que, se para a execução dos serviços, a Consulente realizou investimentos consideráveis à consecução do objeto contratado, a denúncia unilateral só produzirá efeitos depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos.[12]

Nesse caso, “há uma perceptível aplicação da teoria do abuso do direito, limitando o exercício ilegítimo de direitos potestativos (art. 187 do CC)”, mormente porque “uma das funções do princípio da boa-fé objetiva é frear o exercício de condutas formalmente lícitas, mas materialmente antijurídicas, quando ultrapassem os limites éticos do sistema”, uma vez que, “se, em princípio, ao contratante é franqueado o livre exercício do direito potestativo de resilição unilateral, o ordenamento jurídico não pode permitir que tal atuação lese a legítima expectativa e a confiança da outra parte que acreditou na consistência da relação jurídica, a ponto de efetuar razoável dispêndio”.[13]

Portanto, enquanto não compensados os investimentos da Consulente à execução da obra, a denúncia unilateral não produzirá seus efeitos.

Destarte, diante dessas considerações, a Consulente tem meios legais de se manter o vínculo jurídico obrigacional com o XXXXXXXXXX, tendo-se em vista:

a) a existência de irregularidade temporal da notificação resilitória (forma);

b) a necessidade de se justificar a alteração do cronograma de serviços para se proceder a dilação ou a alteração do período contratual;

c) se admitida a resilição, a denúncia só produzirá efeitos a partir da compensação dos danos materiais e lucros cessantes.

Por fim, salienta-se que tais discussões, em decorrência da adoção da arbitragem, dependerão, necessariamente, da instauração de procedimento arbitral, no Centro de Mediação e Arbitragem da Câmara de Comércio Brasil Canadá, conforme cláusula décima nona, do contrato.

É o parecer.

São Paulo, 18 de abril de 2013.


Notas

[1] TARTUCE, Flávio. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em espécie. Vol. III. 6ª ed., revista, atualizada e ampliada, Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011, pág. 457.

[2] GOMES, Orlando. Contratos. 25ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2002, pág. 296.

[3] “O contrato de empreitada (locatio operis) sempre foi conceituado como sendo uma forma especial ou espécie de prestação de serviço. Por meio desse negócio jurídico, uma das partes – empreiteiro ou prestador – obriga-se a fazer ou a mandar fazer determinada obra, mediante uma determinada remuneração, a favor de outro – dono da obra ou tomador” (TARTUCE, Flávio. Op, cit., pág. 469).

[4] Cláusula Primeira – OBJETO: O objeto do presente CONTRATO consiste na prestação, pela CONTRATADA, dos serviços de concretagem com fornecimento de concreto dosado, com a implantação de central dosadora de concreto com capacidade nominal de 90,00 m3/hora, com 02 (dois) silos de 100 t cada, com fornecimento de mão de obra, materiais e equipamentos necessários e exigidos para a execução dos serviços, estando incluídos todos os custos diretos e indiretos, e insumos necessários para a realização dos mesmos.

[5] Cláusula Sexta – PRAZO CONTRATUAL: 6.2. O prazo estimado para a execução dos Serviços constantes deste CONTRATO será de 20 (vinte) meses. A previsão para que a CONTRATADA inicie a prestação dos Serviços é 02 de Abril de 2012, sendo certo, porém tal data será confirmada e, assim, estabelecida, oportunamente por escrito pela CONTRATANTE. 6.3. O prazo previsto no item 6.2 poderá ser reduzido ou dilatado, apenas na hipótese de alteração do cronograma geral dos serviços a critério da CONTRATANTE ou caso exigido pelo CLIENTE, com o que concorda a CONTRATADA desde já.

[6] Cláusula Décima Terceira – RESCISÃO CONTRATUAL:

[7] Art. 623 CC – Mesmo após iniciada a construção, pode o dono da obra suspende-la, desde que pague ao empreiteiro as despesas e lucros relativos aos serviços já feitos, mais indenização razoável, calculada em função do que teria ganho, se concluída a obra.

[8] “Contrato de empreitada de mão-de-obra. Dono da obra que, injustificadamente, impediu o prosseguimento da obra é responsável pelo pagamento do serviço executado e pelo que deixou de auferir o empreiteiro a título de lucros cessantes” (TJRS, Ap. cível n. 599.240.520/Santo Ângelo, 19ª Câm. Cível, rel. Elba Aparecida Nicolli Bastos, j. 20.11.2000).

[9] ROSENVALD, Nelson. Código Civil Comentado. Doutrina e jurisprudência. Coord. Min. Cezar Peluso. 2ª ed., São Paulo: Manole, 2008, pág. 582.

[10] Art. 603. Se o prestador de serviço for despedido sem justa causa, a outra parte será obrigada a pagar-lhe por inteiro a retribuição vencida, e por metade a que lhe tocaria de então ao termo legal do contrato.

[11] ROSENVALD, Nelson. Op. Cit., pág. 566.

[12] Art. 473. A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte. Parágrafo único. Se, porém, dada a natureza do contrato, uma das partes houver feito investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos.

[13] ROSENVALD, Nelson. Op. cit., pág. 462.

Sobre o autor
Rodrigo João Rosolim Salerno

L.L.M. Direito Empresarial – IICS/CEU. Especialista em Direito Contratual – EPD/SP. MBA em Gestão Legal pela EPD. Ex-assessor do TJSP. Professor de Direito Empresarial do Trabalho na Escola de Direito - CEU/IICS. Sócio da SAZ Advogados, com atuação no mercado corporativo, atendendo as maiores empresas de energia, concreto, cimento, logística, transportes e tecnologia de impressões gráficas, nas áreas de direito do trabalho empresarial, contratos e implantação de programas de compliance.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!