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Suspensão dos 0900 em São Paulo

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Petição inicial da Procuradoria da República em São Paulo contra a União, a Anatel, a Embratel e a Telesp (Telefonica), a respeito dos "disque-0900". Inclui a liminar que suspendeu os 0900 em São Paulo

          EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO

          Venho...pedir ajuda a respeito do problema que estou pagando com minha linha telefônica que são chamadas do Disk-Amizade e Tele-Sexo que vem nas minhas contas a 6 meses e eu não tenho solução na Telesp...está no laudo da Telesp bem eu pagava 350 pulsos em média mês hoje vem de 3.000 até 10.000 pulsos mês meu marido que trabalha com vendas vive do telefone fui obrigada a mandar desligar a linha porque os valores estão a cada mes almentando mais e o dinheiro não está dando para pagar as contas que estão altas o prezuiso por meu marido não poder usar o telefone mais quem paga tenho bloqueador de linha e assim mesmo vem contas do disk-amizade e tele-sexo... só aqui em São Paulo esse serviço é aberto para que ocorra tais casos como esse".
(Reclamação de Tânia Regina Assis Campelo)

          Não é possível "sujeitar-se o cidadão comum a trancafiar seu telefone, ou vigiá-lo constantemente, afastando-o de empregados, visitas, crianças e adultos, pois, assim corresponderia transformar uma ferramenta útil e necessária (o telefone) em fonte de angústia e apreensão, em detrimento do cidadão comum e em proveito de meia dúzia de fornecedores de serviços de duvidosa utilidade",
(Des. Scarance Fernandes,Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo).


          O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador da República infra assinado, no exercício de suas atribuições constitucionais, vêm propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA
COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA

          Em face de

          UNIÃO FEDERAL, na pessoa do Dr. José Ferreira Barbosa, Procurador Chefe da Procuradoria da União em São Paulo, à Avenida Paulista nº 1804, 20º andar, São Paulo, SP;

          AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES (ANATEL), autarquia reguladora do sistema de telecomunicações, na pessoa de seu presidente, Dr. Renato Navarro Guerreiro¸ com sede no Setor de Autarquia Sul, Q.6, Bl. "H", 3º andar, Brasília- DF;

          TELESP PARTICIPAÇÕES, concessionária do serviço público de telefonia fixa no Estado de São Paulo, situada à Rua Martiniano de Carvalho nº 851, 21º andar, nesta Capital;

          e

          EMBRATEL, concessionária do serviço público de telefonia internacional e de longa distância, sediada à Avenida Presidente Vargas nº 1012, Rio de Janeiro, RJ, tendo por representante, na cidade de São Paulo, o Dr. Ricardo Lopes Figueira, à Rua dos Ingleses, n. 600, 2o. andar, Bela Vista.

          Pelas razões de fato e de Direito a seguir expostas:


I - DOS FATOS.

          Recebeu o Ministério Público, em outubro de 1997, através do IDEC (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), representação oriunda da ADOC (Associação de Defesa e Orientação do Cidadão – ADOC - ANEXO IV) noticiando gestões junto ao Ministério das Comunicações, TELEBRÁS e EMBRATEL, para o aprimoramento da regulamentação dos serviços de 0900 (Serviços de Valor Adicionado), de molde a evitar as lesões ao Direito do Consumidor que ocorrem na forma com que são prestados atualmente.

          As associações representantes narram algumas das práticas lesivas ao consumidor envolvidas nesse tipo de serviço, bem como sugestões que fizeram, infelizmente não acolhidas pelos órgãos que deveriam velar pelo interesse público:

          1. É público e notório que alguns serviços de "disque" ou "tele", que operam em níveis especiais, como 900 e 0900, vêm lesando os consumidores e agindo em desrespeito às regras do Código de Defesa do Consumidor.

          2. É sabido que em alguns anúncios do tipo "disque sexo", a publicidade continua chegando aos consumidores através das televisões.

          3. Estes anúncios na televisão, por não informarem sobre a tarifação, e os provedores, quando completada a ligação, por não informarem sobre os valores que serão cobrados, ferem frontalmente a legislação de defesa do consumidor.

          4. Há também os serviços de utilidade pública, prestados pelas próprias concessionárias, como "auxílio à lista - 102", "despertador automático", "telegrama fonado", etc, cuja tarifação nem sempre fica clara para os consumidores, já que não informam quando a pessoa liga e tampouco constam informações nas listas telefônicas.

          5. Existem algumas soluções encaminhadas pela Telebrás e Concessionárias - umas em níveis satisfatórios, e outras inaceitáveis.

          6. Uma dessas soluções propostas está contida no artigo 2º da portaria 251/97, do Ministério das Telecomunicações (doc. nº 07), o qual é extremamente questionável ao conceder o prazo de 36 meses (três anos) para que provedores que já estão operando no mercado se adequem às normas do Ministério das Telecomunicações, a exemplo dos serviços destinados ao público infantil, que será liberado somente para o máximo de uma ligação diária e no valor máximo de 2 (dois) salários mínimos por mês. Atingidos esses números, para uma mesma linha telefônica, o serviço será bloqueado automaticamente, ou o excedente não será cobrado/exigido do usuário. Esse tipo de serviço estará à disposição para todas as linhas telefônicas. Aqueles que não quiserem o acesso deverão solicitar o seu bloqueio junto aos Provedores. Já o serviço dirigido ao público adulto, virá bloqueado a todos os usuários; aqueles que desejarem usar o serviço deverão solicitar o seu desbloqueio diretamente para a empresa provedora. Essa adequação a nosso ver deve ser imediata. O prazo de três anos não se justifica pelo desrespeito ao Código de Defesa do Consumidor, em vigor desde 1.991.

          7. Outro problema relacionado às contas telefônicas diz respeito a ligações faturadas, que são questionadas pelos consumidores junto à Telesp. A Concessionária deverá criar um sistema que permita a exclusão destas ligações questionadas, até a averiguação da procedência da cobrança. Neste primeiro momento, o consumidor poderá pagar o restante, não questionado. Caso a concessionária constate que as ligações foram efetivamente feitas através daquele número de telefone, o consumidor será informado, e a incumbência de efetuar a cobrança será repassada ao provedor do serviço. Esse sistema permitirá que, caso a empresa não cumpra a legislação concernente à publicidade (por exemplo, se omitir informações relevantes) o consumidor poderá desobrigar-se do pagamento, tendo em vista a abusividade ou enganosidade da propaganda.

          8. Existem também dificuldades no controle de certos serviços resultantes de convênios da Embratel, em nível internacional - em especial os serviços tipo "disque sexo", que operam a partir de Provedores instalados em Porto Príncipe, na Moldávia.

          9. Acreditamos que seja de fácil enquadramento legal o direito dos consumidores em ter as informações básicas, de forma clara, sobre o tipo de serviço prestado e as tarifas respectivas (art. 6º, III; art. 31; art. 37 do CDC).

          10. Também é direito do consumidor que ao receber a conta telefônica, os valores que lhe são cobrados sejam discriminados a partir de cada serviço prestado e efetivamente utilizado.

          A despeito de que tais providências, de elementar respeito pelos direitos do consumidor, seriam bem simples para quem dispõe da tecnologia dos réus, mesmo isso consideraram demasia, tal a posição subalterna em que se colocaram diante dos interesses privados.

          Haja vista o absurdo prazo de três anos concedido para que os provedores adotem uma providência extremamente simples, do ponto de vista técnico – a espelhar a indiferença das autoridades para com o usuário do serviço telefônico e para com o Código de Defesa do Consumidor.

          Aliás, esta futura normatização cristaliza uma política recorrente quando se trata de 0900 – buscam concessionárias e Poder Público exonerar-se de suas responsabilidades atribuindo os deveres (e as culpas, no caso de ilícitos) aos particulares, provedores dos "serviços"...

          Em lugar de a própria administração, ou concessionária, implantar os condicionamentos e limites, atribui esta obrigação às empresas contratantes, que "determinam o valor do serviço e são responsáveis pelo seu conteúdo, qualidade da mensagem, informação prestada e divulgação" (site da TELESP), premiadas, ainda, com o prazo de três anos para se adaptar ao Código de Defesa do Consumidor...

          Lamentavelmente, a omissão e a complacência do Ministério das Comunicações diante desses abusos foi herdada, sem nenhuma alteração, pela nova agência reguladora, a ANATEL.

          Diante do escândalo resultante dos abusos e mesmo crimes de que os serviços de valor adicionado se tornaram veículo, evidenciados nos últimos tempos (jogatina, telesexo, misticismo barato, etc.) a ANATEL reage confundindo o seu dever de defender o consumidor com discursos:

          "O presidente da ANATEL, Renato Navarro Guerreiro, informou ontem que o Governo está analisando o pré bloqueio das ligações através do 0900, em especial para as chamadas de telessexo, que têm criado problemas para os assinantes.

          Com isso, para usar este tipo de serviço, o dono da linha telefônica terá que efetuar o desbloqueio junto à operadora. Pelas regras atuais, o cliente tem que pedir à companhia que o seu telefone não faça ligações para o prefixo 0900"

          (...)

          "a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) vai exigir das operadoras estaduais de telefonia fixa que o pré bloqueio das ligações para o 0900 seja feito sem qualquer custo para os assinantes. O pré-bloqueio pretende atender reivindicação dos assinantes, já que essas ligações são pagas e muitas vezes feitas por crianças, sem autorização dos pais. As ligações para o telesexo são um dos principais alvos da Anatel. As teles cobram taxa mensal de R$ 8,41 pelo bloqueio, feito por um sistema de cadeado eletrônico, em que as ligações só podem ser feitas com senha digitada pelo assinante.

          "A Telerj tem recebido diversas reclamações sobre o uso indevido do 0900 e já bloqueou 1.500 linhas em todo o território fluminense. Além disso, estabeleceu um limite de gastos de R$ 200 para as chamadas para esse tipo de serviço" (O GLOBO - ANEXO I).

          Seis anos de abusos não foram suficientes para fazer mover o governo, para que já estivesse em vigor a mais elementar proteção ao usuário do serviço público de telefonia.

          Não existe o bloqueio gratuito (o assinante precisa pagar para se ver livre do 0900 – e ainda assim costumeiramente defronta-se com cobranças, após o bloqueio!); nenhuma informação é facilitada sobre a possibilidade de bloqueio (por exemplo, através de aviso na própria conta telefônica), levando o consumidor a só pedi-lo quando já sofreu o prejuízo; exige-se que o usuário pague para poder contestar cobrança indevida; nenhum teto é fixado para o valor máximo de cobrança de ligações 0900 (salvo iniciativas isoladas, como a da TELERJ) – quanto mais o assinante ligar, melhor; nenhuma informação é facilitada quanto aos valores das cobranças para cada "serviço", que podem variar de 2 a 5 reais; nenhum alerta (por exemplo, gravação) é feito, pelas companhias, quanto à possibilidade do uso do sistema por crianças ou terceiros.

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          Por fim, os serviços prestados pelas próprias companhias desrespeitam o Código de Defesa do Consumidor (auxílio à lista – 102, telegrama fonado, etc): não há informação prévia sobre o valor a ser cobrado; o telefone buscado sempre consta da lista, (e consequentemente a cobrança é feita) a não ser que o usuário reclame.

          Lamentavelmente, diante desse cenário, nenhuma credibilidade merece a promessa da ANATEL, e a providência do bloqueio prévio irá sendo espaçada até o infinito...

          Estranhável, ainda, o "alvo" do telessexo. Porque não demonstra a agência idêntica resolução quando se trata de jogo, ou curandeirismo? Ao que parece, a agência, a fim de prestar qualquer satisfação ao consumidor, encena para a imprensa o número que lhe parece mais fácil...

          Não há, assim, como crer que medidas como o pré-bloqueio ou a exigência de contrato escrito com o assinante da linha vão ser implementadas tão cedo.

          Entretanto estas medidas singelas impediriam o uso não autorizado do serviço, possibilitando ao usuário reflexão sobre as consequências de sua adesão. O fim destes abusos reduziria a absurda e imoral lucratividade que os concessionários têm obtido às custas da fragilidade e da ausência de informação do consumidor.

          Enfim, o que se busca é tornar realidade a defesa do consumidor, hoje exposto às práticas abusivas mercê das vacilações e inconstâncias administrativas, a despeito do reconhecimento do problema.


II - DOS RÉUS

          A TELESP é hoje a principal concessionária do país em oferta de linhas 0900, sendo a ela dirigida a maioria das ligações que são feitas a estes serviços. Ela oferece aos provedores as facilidades do tráfego telefônico, capta o dinheiro junto aos usuários, repassando-os em seguida aos provedores, após descontada sua comissão.

          A Telebrás disciplinou a prestação de serviços 0900 para as empresas integrantes do antigo sistema Telebrás, (através da chamadas "práticas" p. ex., NR 415-200 – 161/415 – 200/145), atualmente dividido entre duas holdings e a TELESP, à qual foi transferida a responsabilidade pela fixação de normas técnicas e comerciais para utilização destes serviços, no âmbito de sua atuação.

          Através da EMBRATEL são prestados serviços na área de telefonia de longa distância, promovendo esta empresa a integração entre as diversas telefônicas, exemplificativamente, através de um número único nacional. Também celebra contratos com provedores para oferecimento do serviço 0900. Ressalte-se que a EMBRATEL vem intensificando sua atuação no setor, convocando os provedores para renegociação de contratos.

          Todos esses réus concorrem ou concorreram com sua ação de implementar e oferecer o serviço 0900 sem as salvaguardas necessárias, sendo, portanto, partícipes da lesão sofrida pela coletividade de usuários.

          A ANATEL e a UNIÃO FEDERAL faltaram (e faltam) com o dever de proteção ao consumidor, quer mediante regulamentações indulgentes para com os exploradores da economia popular, quer omitindo-se de seu dever de proteção ao usuário, tão apregoado quando da criação da agência reguladora.


III - DO DIREITO

          III.1 OS SERVIÇOS DE VALOR ADICIONADO. A LEI GERAL DAS TELECOMUNICAÇÕES E O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.

          Os serviços 0900/900 – que não esgotam a categoria de serviços de valor adicionado, posto que há os que são prestados pela própria companhia telefônica – são definidos no site da TELESP como "mídia voltada para a prestação de serviços de informação e lazer via linha telefônica". São prestados por empresas provedoras que "contratam da TELESP a infra estrutura necessária para operar o sistema", e determinam o preço para o assinante na forma de reais por chamada ou minuto (em média, quatro reais) cobrados na origem, isto é, do assinante. A comissão de cobrança do valor adicionado da empresa varia entre 0,40 e 0,45 centavos por ligação (sites da TELESP e EMBRATEL).

          Estes serviços, oferecidos hoje sem qualquer dos condicionamentos exigidos pela lei, consoante se verá, configuram verdadeira imposição ao usuário, que se vê obrigado em virtude de um contrato do qual não é parte e cujos termos desconhece.

          Prevalecem-se as concessionárias de um serviço público para impingir "serviços" de duvidosa utilidade, ou mesmo nocivos, cuja contraprestação tem como penhor a própria continuidade do serviço telefônico, para o usuário.

          Vulneram, assim, o Código de Defesa do Consumidor que dispõe, em seu artigo 39, ser prática abusiva:

          (...)

          III - Enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto ou fornecer qualquer serviço.

          IV – Prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços

          Por sua vez, o artigo 6º do CDC estabelece como direito básico do consumidor a informação, ao lado da proteção contra práticas desleais e abusivas:

          Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

          (...)

          III – A informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

          IV – a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;

          Outros dispositivos, igualmente desrespeitados pela imposição de serviços 0900, são os artigos 31, 46, e 51, inciso XV do CDC:

          Artigo 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.

          Artigo 46 - Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.

          Artigo 51 - São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

          (...)

          XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor

          Enfatiza a Lei 9.472 de 1997, ao dispor sobre os serviços de telecomunicações, o fortalecimento do papel regulador do Estado e o respeito aos direitos dos usuários:

          Artigo 1º Compete à União, por intermédio do órgão regulador e nos termos das políticas estabelecidas pelos Poderes Executivo e Legislativo, organizar a exploração dos serviços de telecomunicações.

          Parágrafo único. A organização inclui, entre outros aspectos, o disciplinamento e a fiscalização da execução, comercialização e uso dos serviços e da implantação e funcionamento de redes de telecomunicações, bem como da utilização dos recursos de órbita e espectro de radiofrequências.

          Artigo 2º O Poder Público tem o dever de:

          IV - fortalecer o papel regulador do Estado;

          Artigo 3º O usuário de serviços de telecomunicações tem direito:

          IV - à informação adequada sobre as condições de prestação dos serviços, suas tarifas e preços;

          (...)

          XII - à reparação dos danos causados pela violação de seus direitos.

          Artigo 5º Na disciplina das relações econômicas no setor de telecomunicações observar-se-ão, em especial, os princípios constitucionais da soberania nacional, função social da propriedade, liberdade de iniciativa, livre concorrência, defesa do consumidor¸ redução das desigualdades regionais e sociais, repressão ao abuso do poder econômico e continuidade do serviço prestado no regime público.

          Artigo 19. À Agência (Nacional de Telecomunicações) compete adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade, e especialmente:

          (...)

          XVIII - reprimir infrações dos direitos dos usuários;

          Artigo 38 - A atividade da Agência será juridicamente condicionada pelos princípios da legalidade, celeridade, finalidade, razoabilidade, proporcionalidade, impessoalidade, igualdade, devido processo legal, publicidade e moralidade.

          Artigo 127 - A disciplina da exploração dos serviços no regime privado terá por objetivo viabilizar o cumprimento das leis, em especial das relativas às telecomunicações, à ordem econômica e aos direitos dos consumidores, destinando-se a garantir:

          I - a diversidade de serviços, o incremento de sua oferta e qualidade;

          II - a competição livre, ampla e justa;

          III - o respeito aos direitos dos usuários;

          IV - a convivência entre as modalidades de serviço e entre as prestadoras em regime privado e público, observada a prevalência do interesse público;

          V- o equilíbrio das relações entre prestadoras e usuários dos serviços;

          VIII - o cumprimento da função social do serviço de interesse coletivo, bem como dos encargos dela decorrentes (destacamos).

          Os serviços de valor adicionado encontram-se previstos no artigo 61 da mesma lei. Na Lei de Telecomunicações precedente (Código Brasileiro de Telecomunicações) eram descritos como serviços especiais, não abertos à correspondência pública - art. 6o., f, da Lei n. 4.117/62:

          Artigo 61 - Serviço de valor adicionado é a atividade que acrescenta a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações.

          §1º Serviço de valor adicionado não constitui serviço de telecomunicações, classificando-se seu provedor como usuário do serviço de telecomunicações que lhe dá suporte, com os direitos e deveres inerentes a essa condição.

          §2º É assegurado aos interessados o uso das redes de serviços de telecomunicações para prestação de serviços de valor adicionado, cabendo à Agência, para assegurar esse direito, regular os condicionamentos, assim como o relacionamento entre aqueles e as prestadoras de serviço de telecomunicações.

          Transparecem, de forma linear, da análise desses dispositivos, as seguintes conclusões:

          a) o respeito aos direitos do consumidor é o pressuposto da atividade estatal de regulamentação e também da prestação dos serviços de telefonia pelos concessionários;

          b) Incorporou a lei os princípios constitucionais implícitos da proporcionalidade e da razoabilidade, bem como o da moralidade.

          O primeiro, em seu sentido material, dita que a atividade estatal (incluída a prestação de serviço público) deve acomodar-se aos fins previstos na Constituição. Conjuga-se com o equilíbrio, para afastar soluções que, conquanto administrativamente viáveis, provoquem custos excessivos para os demais valores constitucionais, especialmente os diretamente relacionados aos direitos fundamentais e à dignidade humana.

          Alguns autores identificam o sentido material da proporcionalidade à razoabilidade, como faz DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO, quando afirma, a respeito desta última, que "o que se pretende é considerar se determinada decisão, atribuída ao Poder Público, de integrar discricionariamente uma norma, contribuirá efetivamente para um satisfatório atendimento dos interesses públicos" (citado por Maria Sylvia Zanella di Pietro, "Direito Administrativo", Atlas, 1a. Edição, pag. 69)

          Complementa esta lição CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, aduzindo que:

          "Se a decisão é manifestamente inadequada para alcançar a finalidade legal, a Administração terá exorbitado dos limites da discricionariedade e o Poder Judiciário poderá corrigir a ilegalidade" (Maria Sylvia Zanella di Pietro, id. ibid.)

          Em seu sentido formal, os meios empregados pela Administração devem ser adequados para a realização dos fins, estes compatíveis com a Constituição.

          Funciona, pois, a proporcionalidade, como vedação do excesso, a orientar o Estado para a "Justa Medida" (Larenz).

          c) O princípio do equilíbrio é expresso pela impossibilidade de o usuário ser colocado em situação de desvantagem, quer diante da concessionária, quer diante dos contratantes da concessionária - provedores.

          A sequência da exposição pretende responder às seguintes perguntas:

          1) são compatíveis os serviços 0900, da forma como atualmente prestados, com o Direito do Consumidor?

          2) são compatíveis os serviços 0900, da forma como atualmente prestados, com a proporcionalidade, a razoabilidade e a moralidade, tendo em vista os demais valores albergados pela Constituição?

          3) Garantem os serviços de valor adicionado a regra do equilíbrio entre o usuário e concessionário, o usuário e o provedor?

          Mesmo nesta análise preliminar, a resposta somente somente pode ser não. Transformaram-se os serviços de valor adicionado no fator dominante das telecomunicações, no nicho mais rentável do mercado, em detrimento de garantias mínimas dos consumidores. Qual o equilíbrio, a proporcionalidade, que pode haver nisto?

          Quanto ao mais, veremos em seguida.

III.2. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA ENTRE P
ROVEDOR DE 0900 E USUÁRIO DO SERVIÇO PÚBLICO.

          Inexiste, à toda evidência, relação jurídica entre o usuário do serviço público e o fornecedor dos "serviços" 0900. Não é possível considerar-se aplicável ao usuário o contrato celebrado entre o provedor e a concessionária, no interesse desta; tampouco se enquadram os serviços prestados na categoria e serviços públicos, ausente qualquer caráter informativo.

          Esta é a lição do magistrado Wellington Maia da Rocha em seu trabalho "Telefonia. Serviços Linha 900. Ilicitude da Cobrança da Tarifa" (ANEXO VII), assimilada nas reflexões seguintes.

          Eventual vínculo entre consumidores e as prestadoras só existirá a partir do consentimento expresso do consumidor, manifestado através de instrumento escrito (Portaria 663/79, do Ministério das Telecomunicações). Portanto, o contrato da concessionária com os fornecedores dos serviços não pode obrigar terceiros.

          A natureza dos serviços prestados não permite a imposição contratual estatal, que é excepcional, e somente pode ser efetivada em função do bem comum, das finalidades perseguidas pelo próprio Estado. (Ação Civil Pública contra a Telemig - disque 0900 - Revista Direito do Consumidor, vol. 16, pag. 205).

          As linhas 0900, ao contrário, têm servido para finalidades nitidamente dissociadas do interesse público e dos valores constitucionais - muito ao contrário do que prevê a Lei das Telecomunicações! – jogo, misticismo e pornografia, numa escala antes nunca vista, graças à cobiça de operadores privados, aliados às empresas de telefonia.

          É requisito de validade do contrato de consumo o conhecimento prévio do consumidor de seu conteúdo (art. 46 do CDC). Condiz isto com o direito à informação adequada, que traz como corolário a formação da obrigação por parte do consumidor apenas quando tenha pleno conhecimento do conteúdo contratual.

          Não tem o usuário acesso ao contrato celebrado entre a companhia e o provedor; o serviço foi oferecido, sem que o consumidor tivesse dado seu assentimento e muito menos conhecido o conteúdo das cláusulas deste ajuste.

          Na verdade, o serviço 0900 caracteriza apenas oferta, com o envio do produto ao consumidor; mas não tendo havido especificação das condições deste, inclusive preço, em contrato, e muito menos aceitação, aplica-se o disposto no artigo 39, parágrafo único, do CDC:

          "Os serviços prestados e os produtos remetidos ou entregues ao consumidor, na hipótese prevista no inciso III, equiparam-se às amostras grátis, inexistindo obrigação de pagamento"

          A cobrança dos serviços 900 na conta telefônica é, assim, indevida, pois não tem respaldo nem na lei, nem no contrato de prestação de serviços públicos, o que leva ao direito de repetição do indébito -art. 42 do CDC. (ACP contra a TELEMIG, cit.).

          Mesmo um contrato de adesão deve preexistir ao consentimento do consumidor; aqui, no entanto, temos a ausência total de contrato, não podendo ser considerado como tal o contrato do consumidor com a concessionária, nem o contrato desta com a provedora. Quanto ao primeiro, destaque-se que por sua natureza de serviço público não pode ser veículo de cobranças privadas, nem instrumento para a realização de fins privados em desconformidade com os objetivos constitucionais. O segundo, não é vinculante para o usuário. Nenhum contrato dispensa o requisito da capacidade, nem obriga quem não consentiu.

          O ato de discar – que pode ser praticado por menor ou terceiro não pode ser considerado manifestação válida de consentimento. Até prova cabal, a ser formulada pelo concessionário, de que o usuário da linha consentiu, não há contrato, nem negócio, não podendo haver débito em conta.

III.3 USO DO SERVIÇO 0900 POR TERCEIROS E INCAPAZES.
INAPLICABILIDADE DA CULPA IN VIGILANDO e IN ELIGENDO.

          Ainda que os serviços 0900 pudessem comportar-se dentro do contrato de serviço público de telefonia, forçoso seria reconhecer que em nenhum momento assumiu o assinante responsabilidade por ligações com custo diferenciado, realizadas por incapaz ou terceiro, servindo-se da facilidade natural que representa o ato de discar.

          Consoante discorre Wellington Maia da Rocha, é falsa a idéia de que o assinante, nesta situação (ligações realizadas por incapaz ou terceiro) seria o responsável pela dívida, face ao art. 1.518 e seguintes do CC, por culpa in eligendo ou in vigilando.

          Tal concepção é produto de um raciocínio juridicamente disparatado - o de que o uso indevido do telefone por terceiros e incapazes é um ilícito cometido contra a companhia telefônica!

          No entanto, contraria a índole do instituto da responsabilidade civil sua aplicação a uma relação de direito público, transfigurando a natureza do contrato originário (de telefonia), onde não existe concordância com o débito de valores estranhos aos das tarifas telefônicas.

          Não há como comparar o fato de uma criança ligar para o 0900 "Disque Papai Noel" com outras situações, inerentes à própria natureza do serviço público. Trata-se de impertinente argumento empregado pelas companhias para legitimar sua prática abusiva, que tenta equiparar as situações de uma criança ou adolescente que liga para o "disque amizade" ou "disque sexo", com aquele que, distraído, deixa uma torneira aberta ou uma luz acesa.

          Tal argumento, ofende, antes de tudo, ao bom senso.

          Estas falácias se desvanecem, primeiramente, ao contato com a realidade. Água ou luz não apelam para instintos primários do ser humano, como o sexo ou a necessidade de socialização, para a fragilidade ou credulidade do usuário, para a ilusão do esoterismo ou o fascínio do enriquecimento imediato.

          Não existe, ademais, a exploração propagandística do uso intensivo desses serviços, dirigida mesmo a incapazes, com a complacência da companhia telefônica, forçoso é dizê-lo (o site de negócios da TELESP refere-se expressamente a "histórias infantis" como uma das possibilidades do 0900!), a propaganda insidiosa e insinuante que leva crianças a buscarem seu presente no 0900, adolescentes, a sua companhia, e adultos, compensação para suas frustrações sexuais ou a solução para seus problemas no esoterismo de baixa extração ou na exaltação do jogo por artistas e apresentadores de TV.

          O fato de um incapaz, ou empregado, permanecer horas ao telefone, provocando um aumento da conta, estará dentro da esfera de responsabilidades (não se cogita aqui de culpa, ou ilícito civil!) que o consumidor assumiu quando celebrou o contrato de prestação de serviços telefônicos. Da mesma forma como uma criança que provoca o aumento dos gastos de água ou luz, deixando uma torneira aberta ou uma luz acesa.

          Mas o usuário não pode ser responsabilizado por trezentos ou quatrocentos reais de presente, produto do "disque Papai-Noel" ou do "disque sexo" do porteiro ou empregado, porque essa situação jamais foi aceita, nem tampouco ganhou contorno de dever no contrato celebrado com a companhia telefônica.

          Hoje em dia, nem tudo que vem na fatura é serviço telefônico: além do 0900, temos até prestações debitadas na conta...

          Enfim, a compreensão verdadeira da matéria não escapou ao ilustrado PRIMEIRO TRIBUNAL DE ALÇADA CIVIL DO ESTADO DE SÃO PAULO, que, pela voz de seu Juiz ARY BAUER deixou assentado que não se aplica a culpa in eligendo ou in vigilando ao titular da linha telefônica:

          "Neste passo, é de se anotar que a legislação aplicável ao caso em exame é específica, qual seja, a codificada no Código Brasileiro de Telecomunicações, não a legislação civil comum, o que significa dizer que a ele não se aplicam as regras sobre a culpa in eligendo ou sobre a culpa in vigilando.

          Dada a condição de serviço especial (CBT, art 6º, letra f), o serviço prestado pela apelante não está aberto à correspondência pública e, portanto, não pode ser contratado por qualquer um que tenha acesso a uma linha telefônica, sendo exclusivo das pessoas que o contrataram. Em outras palavras, o titular do direito de uso de uma linha telefônica tem direito ao serviço público de telefonia, destinado ao uso do público em geral (CBT, art. 6º, letra a); ao serviço especial só terá se o contratar.

          Dessa forma, as empresas prestadoras de serviço telefônico estão legalmente impedidas de abrir aos assinantes do serviço telefônico público, tal serviço especial, pois a ele expressamente não aderiram. Esse serviço legalmente não está à disposição do público em geral e, nele, estão incluídos os assinantes do serviço público regular que não aderiram a ele expressamente. Se a concessionária permite que, sem ter havido a contratação ou adesão, com a simples discagem de um número, à semelhança do serviço público aberto a todos, inclusive aos assinantes, seus familiares, empregados ou freqüentadores de suas residências, possam acessá-lo, o faz por conta e risco, de molde a estar impedida de receber a respectiva tarifa no caso de recusa. Esse é o ensinamento de WELLINGTON MAIA DA ROCHA, em "Telefonia. Serviços Linha 900. Ilicitude da Cobrança da Tarifa", publicado na Revista Jurídica da Instituição Toledo de Ensino nº 16, págs. 279/284.

          Nem poderia ser diferente, pois que não é possível "sujeitar-se o cidadão comum a trancafiar seu telefone, ou vigiá-lo constantemente, afastando-o de empregados, visitas, crianças e adultos, pois, assim corresponderia transformar uma ferramenta útil e necessária (o telefone) em fonte de angústia e apreensão, em detrimento do cidadão comum e em proveito de meia dúzia de fornecedores de serviços de duvidosa utilidade", consoante consignou o Ilustre Des. Scarance Fernandes nos Embs. Infrs. nº 259.973-2/3-01, do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo"(Apelação Cível nº 766.840-0).

III.4 A VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR.
OFENSA À TRANSPARÊNCIA E PROPORCIONALIDADE.

           A imposição do 0900 desprestigia ainda a transparência, princípio fundamental das relações de consumo.

          Nada existe de mais antidemocrático do que a prestação dos "serviços" 0900. O consumidor não é informado sobre quem é o fornecedor, nem do nome ou do endereço deste; não conhece os termos do contrato através do qual a telefônica pretende fazer cobrança pela conta; não conhece o preço da ligação, pois não tem informação prévia; sobretudo, não há nenhuma transparência quanto aos meios tortuosos pelos quais a companhia entende que o usuário se obriga por "declarações" de incapazes e terceiros.

          No entanto,

          "O princípio geral em matéria de inclusão de CONDGs (Condições Gerais dos Contratos) em contratos de massa pode ser por nós resumido como Princípio da Transparência, significando que as condições gerais unilateralmente elaboradas pelo fornecedor só integrarão o contrato se o consumidor tiver conhecimento delas ou pelo menos tiver tido a oportunidade de ter conhecimento de sua inserção no contrato, antes ou durante a celebração do contrato, e aceitar o seu uso. Se o consumidor não foi informado de seu uso, se não houve transparência, o silêncio do consumidor não será interpretado como tendo aceito a inclusão das CONDGs" (Cláudia Lima Marques, "Contratos no Código de Defesa do Consumidor", RT, 1992, pag. 39).

          O direito do consumidor incorporou a noção-princípio da vulnerabilidade do consumidor. De há muito, a ilusória auto-suficiência do individuo, atomisticamente considerado cedeu lugar a uma formalização na qual reconhece-se que a coletividade de consumidores encontra-se em desvantagem, diante dos recursos e da organização dos fornecedores de serviço. Evidencia-se, assim, o fundamental papel da informação, para esclarecimento e capacidade de reflexão daquele que se encontra exposto à propaganda, e, a fortiori, à exploração de instintos primários por parte de prestadores de serviço compromissados com o lucro exagerado.

          Nesse sentido, opera-se, no âmbito das relações de consumo, verdadeira redefinição do contrato, na qual irão ganhar relevância os efeitos deste e as condições sociais da coletividade envolvida:

          "A nova concepção de contrato é uma concepção social deste instrumento jurídico, para a qual não só o momento da manifestação da vontade (consenso) importa, mas onde também e principalmente os efeitos do contrato na sociedade serão levados em conta e onde a condição social e econômica das pessoas nele envolvidas ganha em importância. Nas palavras visionárias de Morin "l’homme n’appartait plus comme la seule cause efficiente du droit, mais il devient la cause finale" (Cláudia Lima Marques, id. ibid.).

          Nenhum melhor exemplo pode ser dado quanto à vulnerabilidade do consumidor que os telessorteios 0900, suspensos por decisão judicial. Tais sorteios lesaram a economia popular em cerca de 300 milhões no ano passado. A quase totalidade desta quantia sofreu apropriação privada, menos de 5% sendo destinados para as entidades filantrópicas, e menos ainda para o usuário do serviço de telefonia, em forma de premiação!

          A contrapartida desse enorme captação de economia popular foi o sofrimento de uma coletividade já vergastada pela crise econômica, e por isso mesmo mais propensa à sedução do ganho instantâneo, travestida de filantropia, e submetendo-se não raro à perda da própria linha telefônica, pela incapacidade de pagar a conta.

          Como visto, em matéria de serviço público de telefonia prevalece, em virtude de ditame legal, o princípio do equilíbrio da relação jurídica. A atividade administrativa, e a prestação do serviço público devem ser um instrumento de equilíbrio, não um fator de desestabilização, de subordinação do usuário; devem proteger os interesses verdadeiramente sociais, de acordo com o contexto social em que se encontram inserida a imensa maioria dos usuários do serviço.

          Pergunta-se, ainda que se admita a validade da manifestação de vontade consubstanciada no ato de discar, e a culpa in eligendo e in vigilando, por não controlar o proprietário incapazes e terceiros, qual o equilíbrio em submeter, sem qualquer limite, o usuário explorado em sua credulidade a perder seu telefone ou a privar-se de quantias necessárias para sua vida digna em prol da ilusão vendida no telessorteio 0900, do disque esotérico, do disque sexo, ou do disque amizade?

          Ou seja, a continuidade do serviço público – de indiscutível relevância – é sufocada diante dos interesses dos mercadores de ilusão, que só têm, na maioria dos casos, práticas viciosas e anti-sociais para oferecer.

          Indiscutivelmente, o serviço de caráter verdadeiramente informativo não causa problemas. Ninguém terá perdido seu telefone por conta do Disque-Informações do jornal, do disque-estradas, ou do disque-tribunal. Tais serviços não exploram a credulidade pública, nem os mais sórdidos instintos da existência humana; são utilizados efetivamente por quem precisa.

          Assim, é preciso diferenciar os serviços verdadeiramente informativos daqueles que nada trazem de útil, interessando, apenas, aos seus fornecedores.

          Falece ainda à esta imposição de serviços proporcionalidade – de onde não é gratuita a referência a seu caráter antidemocrático. O princípio da proporcionalidade é considerado hoje um dos princípios fundamentais da ordem jurídica e do Estado Democrático de Direito, possuindo natureza de direito fundamental (Pierre Muller, apud Paulo Bonavides, "Curso de Direito Constitucional", Malheiros, 4ª edição, pag. 322.)

          "Resumidamente, pode-se dizer que uma medida é adequada, se atinge o fim almejado, exigível, por causar o menor prejuízo possível e finalmente, proporcional em sentido estrito, se as vantagens que trará superarem as desvantagens.(Willis Santiago Guerra Filho, Ensaios de Teoria Constitucional, Imprensa Universitária, Fortaleza, 1989, pags. 75/76, destacamos)"

          A esse respeito, exprime-se ROBERT ALEXY, citado por Paulo Bonavides, que o princípio da proporcionalidade implica três elementos (princípios parciais): pertinência, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito:

          Aplicando-os ao caso vertente, podemos dizer que nenhuma relação de pertinência têm o disque sexo ou o telesorteio 0900 com a natureza do serviço público de telefonia. Observe-se que em países como Portugal ou Alemanha, são proibidos, e nem por isso a telefonia desses países se ressente de atraso.

          A ausência de necessidade concorre decisivamente para impedir a cobrança dos serviços pelas contas telefônicas. Se a companhia deseja contratar a prestação desses serviços, a despeito de impertinentes em relação ao serviço público, deve seguir a prática normal do comércio – quem deseja prestar o serviço, procure diretamente o usuário oferecendo suas condições. E providencie a cobrança por conta própria, como fazem os demais setores da iniciativa privada.

          Finalmente, temos a proporcionalidade em sentido estrito, que "importa na correspondência (Angemessenheit) entre meio e fim, o que requer o exame de como se estabeleceu a relação entre um e outro, com o sopesamento de sua recíproca apropriação, colocando, de um lado, o interesse no bem-estar da comunidade, e de outro, as garantias dos indivíduos que a integram, a fim de evitar o beneficiamento demasiado de um em detrimento do outro" (Willis Santiago Guerra Filho, id.ibid, destacamos).

          Ao que parece, o único interesse sopesado na prática abusiva do 0900 é o do provedor e o da concessionária. Ao usuário, restam as contas extorsivas e a angústia da vigilância constante, como alertou, com sensibilidade social ímpar, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

          Cuida-se aqui de instrumentalização do serviço público em proveito de negociantes que, associados à outro serviço público de fácil acesso – a televisão (como veículo do anúncio dos provedores) - criam o grande negócio do momento, o comércio sem risco, e tornam realidade a promessa da TELESP, em seu site de negócios:

          "transformar um simples telefone numa máquina de fazer dinheiro".

          Naturalmente, em detrimento do usuário, que perde o direito à linha, de inequívoco caráter público e social, em prol de fornecedores privados, por causa de serviços aos quais foi levado pela fragilidade e ignorância, que nada apresentam de verdadeiramente útil ou relevante – em sua imensa maioria - exceto para os provedores milionários e as concessionárias que se locupletam às custas dos consumidores.

          A contenção do 0900 é, antes de tudo, a necessidade de coibir o excesso, para implantar a "Justa Medida" do serviço público de telefonia.

Sobre os autores
Duciran Van Marsen Farena

procurador da República em São Paulo (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FARENA, Duciran Van Marsen; LAUDISIO, Arnaldo Penteado. Suspensão dos 0900 em São Paulo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 33, 1 jul. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16030. Acesso em: 23 nov. 2024.

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