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Suspensão dos 0900 em São Paulo

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IV – DA LESÃO À ECONOMIA POPULAR QUE TENDE A CRESCER.
O FUNDADO RECEIO DE DANO IRREPARÁVEL.

          Lamentavelmente, intensifica-se a lesão na mesma proporção da mansidão governamental.

          Percebendo o grande filão que representam as cobranças do 0900, preparam-se os novos controladores das antigas estatais a expandir o "setor", que já corria desenfreado mesmo sob o domínio do Estado.

          Querem os novos controladores privados uma fatia maior do botim saqueado da economia popular. Decisões judiciais não os incomodam, tal a certeza que contam com a continuidade de seus lucros extorsivos.

          Mesmo com relação aos telesorteios, que se encontram proibidos por decisão da Justiça Federal, não se constrangem em suas "metas de excelência":

          "Embratel altera contratos para crescer no setor de telessorteio

          A Embratel está alterando todos os seus contratos com as empresas prestadoras de serviço de telessorteio com telefones de prefixo 0900.

          (...)

          Ao iniciar, menos de mês depois da privatização da empresa, a renegociação dos contratos com seus clientes, a Embratel mostra sua disposição de crescer nesse setor, cuja atuação já sofreu diversos embargos judiciais.

          A empresa informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que o procedimento é uma adaptação à nova condição de negócio privado.

          Se, antes, o Sistema Telebrás acertava entre si a arrecadação relativa às telefônicas estaduais, que emitiam os extratos e agiam como intermediárias, e à empresa responsável pelas ligações interurbanas, hoje, a operadora norte-americana MCI, a nova controladora da Embratel, corre na frente para garantir clientes e conquistar novos.

          Com a privatização, Embratel e teles fixas passam a concorrer para a prestação do 0900 - um dos mais polêmicos nichos das telecomunicações (grifamos - ANEXO I).

          Por outro lado, o sucesso dos serviços de misticismo, dirigidos por milionários "magos" nacionais e internacionais, somente estimula o engodo tingido de esoterismo, através da propaganda enganosa, veiculada à exaustão nas emissoras comerciais.

          E o pior: a conta telefônica transforma-se em instrumento de cobrança de prestações! Conforme noticiou a imprensa:

          "É o caso, por exemplo, da LME Contabilidade e Assuntos Fiscais, que desde abril, vem sendo contemplada com cobranças não autorizadas em suas contas telefônicas. São taxas de R$ 9,55 e R$ 9,00 que foram inseridas nas contas como anúncio e inserção, respectivamente, em índice nacional de fax e Netlista.

          Normando Leão Sampaio, sócio da empresa, conta que, apesar de ter reclamado à Telesp, as taxas continuaram a ser cobradas.

          "Tivemos de passar a ir todo o mês à loja da Telesp para tirar uma segunda via da conta sem a tal taxa. Um ônus que cabe à companhia e ao suposto credor, pois o erro é deles", comenta Sampaio.

          Na última conta, o serviço de reclamações da Telesp, pelo número 104, informou à LME o número do telefone da empresa que cobrava o suposto anúncio. Disseram que a reclamação deveria ser feita lá e dispuseram-se a compensar o valor cobrado na próxima conta" (Justiça Contesta a Cobrança por Telefone Sem Autorização, Folha de São Paulo, 22/080/98)

          Em breve, da forma como as coisas vão, em breve passaremos do disque-crediário ao disque-agiota...

          A expansão da cobrança 0900, em proporção insólita, qualquer que seja o país do mundo que tenhamos em mira de comparação, aprofunda o dano, carreia recursos da economia popular os quais são distribuídos a entes particulares de escassa idoneidade econômica ou mesmo desviados ao exterior, de onde provém a maior parte dos serviços de telessexo e esotéricos.

          A iminente entrada de novos operadores no mercado (as empresas espelho) agravará ainda mais o quadro, com a disputa por novos clientes e a oferta indiscriminada de cada vez mais tentadores "serviços".

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          Procedente a ação, estes recursos dificilmente (ou mesmo jamais) serão recuperados. Toda a carga da condenação recairá sobre o Poder Público e as empresas telefônicas, únicos entes cuja existência pode ser suposta ao final do processo. O usuário, mais uma vez, pagará o preço da inépcia governamental e da voracidade das companhias telefônicas, descompromissadas com o amanhã.

          Impende, assim, de imediato, desarmar essa resistência, limitando o débito em conta dos serviços de valor adicionado à sua justa medida - os serviços de caráter verdadeiramente informativo.

          Concorre o atual estado das coisas inclusive para o descrédito das instituições, conforme testemunhou a sociedade, nas ações civis públicas movidas contra os telessorteios: as facilidades do serviço público sendo empregadas para a desobediência judicial!

          Não venham as concessionárias argumentar (como já foi visto pelo Poder Judiciário) que não podem alterar o contrato que assinaram com os provedores. Vale dizer, o serviço público foi entregue ao critério discricionário do particular...

          Evidentemente, tal modo de argumentar apenas trai o interesse latente da companhia, disfarçado de zelo contratual: na verdade, o que pretende é legitimar essa prática abusiva que tanto lhe interessa, bem como aos intermediários. Cabe às rés concessionárias acertar sua situação com seus contratados, enquanto dedicam-se à sua atividade legalmente concedida.

          Por conseguinte, não se confunde esta ação com qualquer outra na qual são discutidas cláusulas contratuais; o que se afirma aqui é que o contrato da concessionária com provedores ou comerciantes não se aplica ao usuário do serviço público, que com ele não assentiu, nem assumiu juridicamente o risco do uso da linha por terceiros e incapazes. Não pode, portanto, ser compelido a pagar nada, nem muito menos sofrer as consequências, de coercitividade extremada, de cobrança através da conta telefônica.


V - DOS DANOS MORAIS COLETIVOS

          Os fatos objeto desta ação abalam seriamente o ordenamento jurídico. As violações a nossa Constituição e leis são danos que merecem reparação moral.

          Imoralidade, jogatina e fraude são veiculadas através do serviço público, com a tolerância da poder concedente, que deveria ser o primeiro a proteger a família e a infância, a respeitar os valores éticos e sociais consagrados na Constituição e pela própria Lei de Telecomunicações.

          A conduta dos réus, concessionários e poder concedente, encontra-se em inteiro descompasso com suas obrigações legais, previstas na Lei n. 9472/97, a qual prevê que não só a atividade regulatória da União, como ainda o próprio serviço de telecomunicações, quer prestado em regime público, quer prestado em regime privado, tem por finalidade o interesse público em benefício da população brasileira, norteando-se pela observância dos princípios constitucionais da soberania nacional, função social da propriedade, liberdade de iniciativa, livre concorrência, defesa do consumidor¸ redução das desigualdades regionais e sociais, repressão ao abuso do poder econômico e continuidade do serviço prestado no regime público (ART. 5o).

          Esse prejuízo há de ser ressarcido, na modalidade de dano moral, conforme previsto no inciso V do artigo 1° da Lei n° 7.347/85:

          "Art. 1°- Regem-se pelas disposições desta lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: (grifamos)

          A doutrina também apoia a tese da reparação do dano moral. Como lembra o estudioso Carlos Alberto Bittar Filho:

          " ...chega-se a conclusão de que o dano moral coletivo é a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado circulo de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico: quer isso dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial. (Do dano moral coletivo no atual contexto jurídico brasileiro, Revista Direito do Consumidor, RT, vol. 12).

          No suporte dessa responsabilidade comparece novamente nossa Constituição Federal, quando, no seu artigo 37, § 6°, estabelece a responsabilidade civil do Estado por ato de seus agentes. E diz o douto José Afonso da Silva que:

          "Responsabilidade civil significa a obrigação de reparar os danos ou prejuízos de natureza patrimonial (e, às vezes, moral) que uma pessoa cause a outrem. "(Curso de Direito Constitucional Positivo, pag. 567).

          O "quantum" que se propõe será revertido para o Fundo de Bens Lesados de que trata o artigo 13 da Lei da Ação Civil Pública, será apurado por liquidação de sentença.


VI - DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PUBLICO FEDERAL
NA DEFESA DOS USUÁRIOS DO SERVIÇO PÚBLICO.

          O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL encontra-se investido constitucionalmente da função de defesa da ordem jurídica nacional e dos direitos dos consumidores e usuários do serviço público, agredidos pelas práticas descritas nesta ação.

          Esse é o significado do "caput" do artigo 127 da Constituição que estabelece ser o Ministério Público instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

          A proteção ao consumidor/usuário do serviço público de telefonia, bem como o controle da atividade administrativa de fiscalização da prestação deste serviço, caracterizam-se como interesses a serem defendidos por meio de ação civil pública.

          Tais interesses definem-se como coletivos, posto que atinentes à coletividade de usuários do serviço público de telefonia em todo o país, prejudicada pelos réus.

          A Constituição Federal estipula a legitimidade para a tutela desses direitos do Ministério Público Federal, na expressão do artigo 129, incisos II e III da Constituição:

          "Art. 129 - São funções institucionais do Ministério Público:

          II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia.

          III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (..)"

          A Lei Complementar n° 75/93 também estabelece a legitimidade do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL para a defesa dos interesses sociais e dos consumidores:

          "Artigo 5° - São funções institucionais do Ministério Público da União:

          ...............................................

          I - a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses sociais e dos interesses individuais indisponíveis, considerados, dentre outros, os seguintes fundamentos e princípios:

          (...)

          h) a legalidade, a impessoalidade, a moralidade e a publicidade, relativas à adminstração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos poderes da União (...).

          IV - Zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos da União, dos serviços de relevância pública e dos meios de comunicação social aos princípios, garantias, condições, direitos, deveres e vedações previstos na Constituição Federal e na lei, relativos à comunicação social;

          (...)

          Art. 6o. Compete ao Ministério Público da União:

          VII - promover o inquérito civil público e a ação civil pública para:

          a) a proteção dos direitos constitucionais;

          b) a proteção dos interesses, individuais indisponíveis, difusos e coletivos, relativos às comunidades indígenas, à família, à criança, ao adolescente, ao idoso, às minorias étnicas e ao consumidor."

          Ao lado do interesse coletivo, convém, igualmente, lembrar o interesse difuso de toda a comunidade, agredida com a violação da moralidade administrativa - o serviço público empregado como via de enriquecimento fácil e ilícito, de exaurimento da poupança popular em prol de poucos - aí compreendida mesmo a moralidade em sentido amplo, como valor constitucional, pelo estímulo à jogatina - a envenenar mesmo outros serviços relevantes, como a televisão - à pornografia e à exploração da criança.

          Portanto, revela-se a plena legitimidade do Ministério Público Federal para, em seu próprio nome, no exercicio das funções institucionais que lhe foram atribuidas pela Constituição, buscar judicialmente a tutela dos direitos objetos desta ação, através da fórmula insubstituível da supressão dos débitos em conta dos serviços não informativos.

Sobre os autores
Duciran Van Marsen Farena

procurador da República em São Paulo (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FARENA, Duciran Van Marsen; LAUDISIO, Arnaldo Penteado. Suspensão dos 0900 em São Paulo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 33, 1 jul. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16030. Acesso em: 22 nov. 2024.

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