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Ação popular contra venda de carteira imobiliária a preço vil

Ação popular contra a venda da carteira imobiliária da Companhia de Desenvolvimento Habitacional Urbano de Mato Grosso do Sul para a Caixa Econômica Federal, a preço aviltante, com o fim de obter recursos para quitar dívidas do Estado.

Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz Federal da __ª Vara Federal da Seção Judiciária de Campo Grande – Estado de Mato Grosso do Sul:

          "Eam popularem actionem dicimus, quae suum ius populi tuetur"

          ADENILDO TAVARES PINHEIRO, brasileiro, casado, Diretor Presidente da Associação Brasileira dos Mutuários, portador do RG 17.605.143-0-SSP-SP e do CPF 403.243.031-49, residente na Rua Maria das Dores oares, nº 91, Bairro Aerorancho, em Campo Grande (MS), por intermédio de seu advogado Dr. Rodrigo Daniel dos Santos, inscrito na OAB (MS) sob nº 7.228, com escritório na Rua 24 de Outubro, nº 69, Centro, em Campo Grande (MS), CEP 79.004-400, Telefone 067 – 721-2790, aonde recebe intimações e notificações, conforme procuração anexa (doc. 01), vem, mui respeitosamente perante Vossa Excelência, interpor AÇÃO POPULAR em face do ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL, pessoa jurídica de direito público, com sede no Parque dos Poderes, s/nº, em Campo Grande (MS), na pessoa de seu governador José Orcírio dos Santos; CDHU – Companhia de Desenvolvimento Habitacional Urbano de Mato Grosso do Sul, pessoa jurídica com sede na Rua 13 de Maio, nº 1.443, Centro, em Campo Grande (MS), inscrita no CGC (MF) sob nº 03.981.461/0001-80, na pessoa de seu representante legal; CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, instituição financeira, sob a forma de empresa pública, dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada pelo Decreto Lei 759/69, inscrita no CGC (MF) sob nº 00.360.305/0001-04, por sua superintendência regional em Mato Grosso do Sul, sediada em Campo Grande (MS), no final da Avenida Mato Grosso, na pessoa de seus representantes legais; UNIÃO FEDERAL, pessoa jurídica de direito público, na pessoa do Procurador Geral da República em Mato Grosso do Sul, pelos seguintes motivos de fato e de direito:


I-) DOS FATOS

O Governo de Mato Grosso do Sul vinha, há cerca de três meses, cogitando a possibilidade de vender a carteira imobiliária que possui neste Estado, formada por habitações populares, financiadas pelo CDHU – Companhia de Desenvolvimento Habitacional Urbano, para a Caixa Econômica Federal.

A idéia vinha sendo combatida arduamente pela sociedade, através das entidades de representação popular, tais como Associação Brasileira dos Mutuários – ABM; Associação de Moradores de Campo Grande (MS) e até pelos próprios deputados estaduais, conforme forum realizado nesta cidade em 05 de maio de 1999, anexo (doc. 02).

Entretanto, em nenhum momento se cogitou de fazer uma consulta popular ou de se abrir uma licitação ou concorrência pública para se apurar um preço melhor pela Carteira Imobiliária do Estado de Mato Grosso do Sul, administrado pelo CDHU.

A única coisa que se cogitava era a venda desta carteira imobiliária para a Caixa Econômica Federal, à um preço muito inferior ao que a referida carteira estava avaliada.

Para se ter uma idéia do absurdo praticado com o patrimônio público, a carteira imobiliária estava avaliada em cerca de R$ 200.000.000,00 (duzentos milhões de reais), uma vez que a CDHU possuía cerca de 50.000 imóveis no Estado, conforme o próprio CDHU declarou ao jornal o progresso em 3 de maio de 1999, anexo (doc. 03). Cada imóvel deste, estava avaliado em cerca de R$ 20.000,00 vinte mil reais.

Entretanto, sorrateiramente as bases da negociata vinham sendo fechadas desde àquela época, e de surpresa o ‘negócio’ foi concluído sem que houvesse qualquer licitação ou concorrência, ao preço de R$ 61.700.000,00 (sessenta e um milhões e setecentos mil reais), conforme notícia publicada na imprensa local em 04 de agosto de 1999, anexo (doc. 04).

O prejuízo para o Estado de Mato Grosso do Sul foi imenso, sendo que o negócio foi fechado às pressas pelo Governo local, pois o mesmo tinha grandes dívidas à pagar, inclusive com o próprio funcionalismo público.

Ocorre, que a necessidade de se quitar dívidas não justifica queimar um patrimônio público à preço vil, uma vez que não atingiu 80% do preço de avaliação.

O país possui grandes grupos financeiros, que tinham condições de comprar a carteira imobilária do Estado por preço ou condições muito melhores, tais como, o Banco Itaú, o Banco Bradesco, a Cia Real de Crédito Imobiliário e muitos outros.

Não foi feita sequer uma oferta pública deste patrimônio do povo, o que revela total afronta à todos os princípios que devem reger a administração pública, tais como, moralidade, transparência, idoneidade, entre tantos outros.


II-) DO DIREITO

          A-) Legitimidade Ativa

A Magna Carta de 1988, estabeleceu que "qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe ...", conforme inciso LXXIII, do artigo 5º.

A ação popular deriva do princípio republicado. A res é pública. Daí a república, conforme lembra Geraldo Ataliba, in República e Constituição.

Conforme preleciona Michel Temer, in Elementos de Direito Constitucional, "Se a coisa é do povo, a este cabe o direito de fiscalizar aquilo que é seu. Pertence-lhe o patrimônio do Estado. Por isso é público."

Assim, o autor que é cidadão brasileiro e grande interessado na venda do CDHU, uma vez que mutuário do mesmo, no conjunto onde reside (Aerorancho), está legitimado para a propositura da presente ação.

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B-) Lesividade ao patrimônio público

A administração pública, nos dizeres de Renato Alessi, Direito Administrativo, Milão, 1949, citado por Hely Lopes Meireles, na obra Direito Administrativo Brasileiro, é o conjunto de órgãos a serviço do Estado e objetivamente é a expressão do Estado agindo ‘in concreto’ para a satisfação de seus fins de conservação, de bem-estar individual dos cidadãos e de progresso social.

Tem a administração pública, por finalidade, um único objetivo, conforme preceitua Hely Lopes Meireles, qual seja, o bem comum da coletividade administrada..

E, para que se atinja a finalidade da administração, é necessário que se cumpram diversos princípios constitucionais, como os da Moralidade e Probidade Administrativa, da Publicidade e da Licitação Pública.

O princípio da Moralidade traduz-se no conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da Administração, conforme prelecionou Maurice Hauriou, Paris, 1921.

A probidade administrativa, consiste no dever do funcionário servir a Administração com honestidade, procedendo no exercício das suas funções, sem aproveitar os poderes ou facilidades delas decorrentes em proveito pessoal ou de outrem a quem queira favorecer, segundo lição de Marcello Caetano, in Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, 1970.

          O princípio da publicidade é um requisito de eficácia e moralidade do ato administrativo. Por isso mesmo os atos irregulares não se convalidam com a publicação, nem os regulares a dispensam, para sua exequiblidade, quando a lei ou o regulamento o exige, conforme lição insculpida in Curso de Direito Constitucional Positivo, do mestre José Afonso da Silva, citando o saudoso Hely Lopes Meireles.

E por fim, o princípio da licitação pública, que vem a ser um procedimento administrativo destinado à provocar propostas e a escolher proponentes de contratos de execução de obras, serviços, compras ou de alienações do Poder Público. O princípio da licitação significa que essas contratações ficam sujeitas, como regra, ao procedimento de seleção de propostas mais vantajosas para a Administração Pública, conforme lição do mestre José Afonso da Silva na obra supra-citada.

A Constituição Federal, em seu artigo 37, inciso XXI, estabelece expressamente que "ressalvados os casos especificados na legislação, as obras serviços e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações"

Portanto, a análise, o dispositivo constitucional não permite à Administração Pública que faça a alienação de patrimônio público, sem licitação.

Não cumprindo o que dispõe a constituição federal, o eminente Governador do Estado de Mato Grosso do Sul, infringiu os princípios da administração pública supra-citados que deveriam reger suas condutas.

As licitações públicas são regidas pela legislação complementar, lei 8.666/93, que regulamentou o artigo 37 da Constituição Federal.

O artigo 17 da lei 8.666/93 é claro:

          A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificados, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas:

Surgem então duas questões que maculam o procedimento de venda do CDHU:

1-) Não havia interesse público na venda da carteira imobiliária do Estado, uma vez que os órgãos representativos da comunidade e dos mutuários se opunham à venda.

É fato público e notório, que existem contra a CEF dezenas de milhares de ações, pleiteando o recálculo de contrato de financiamentos habitacionais por reajuste indevido de prestações.

Já contra o CDHU existem pouquíssimas ações neste sentido, o que por si só já traduz a desnecessidade de se vender um bem que interessava ao povo sul-matogrossense.

2-) O outro requisito para a alienação da carteira imobiliária, seria a realização de prévia avaliação da mesma, o que não veio à público se ocorreu ou não.

Para se iniciar qualquer procedimento de venda, deveriam haver avaliações de pelo menos três empresas de auditoria contábil ou econômicas idôneas. E isto parece não ter ocorrido, uma vez que até para contratar esta auditoria teria que se preceder licitação.

A licitação, é antecedente lógico para a realização de qualquer contrato administrativo.

E não venha qualquer dos réus dizer que não era necessária a realização de licitação sob o argumento de que a alínea "e" ou "f" do inciso I, do artigo 17 da lei 8.666/93.

A alínea "e" do citado texto legal, dispensaria a licitação na modalidade de concorrência pública, no caso de venda a outro órgão ou entidade da Administração Pública.

A Caixa Econômica Federal, não é órgão ou entidade da Administração Pública. Ela é agente financeiro, conforme o seu próprio estatuto define.

A alínea "f" ainda do citado texto legal, também não seria aplicável ao caso, uma vez que exigiria a venda à um órgão ou entidade da administração pública, CRIADOS PARA ESSE FIM.

É patente que tal fato não ocorreu. A venda foi feita pela Administração Pública, diretamente à um agente financeiro que já existia à época da venda, e que não faz parte da administração pública, mas sim é remunerada e exerce atividade lucrativa como instituição financeira que é.

E frise-se, ainda que se admitisse qualquer das exceções por mais absurdas que fossem, a venda obrigatoriamente teria que ser precedida de interesse público justificado e de prévia avaliação, ambos ausentes neste caso concreto.

Conclui-se portanto que dita operação lesou o patrimônio público, uma vez que retirou a chance de diversos grupos econômicos existentes no país oferecerem propostas à administração pública, que poderiam ser muito mais vantajosas tanto para ela como para os administrados.

Veja-se que o CDHU sempre velou pela parte social que cabia à um órgão do Governo Estadual, mantendo inclusive grupos de assistentes sociais que acompanhavam e avaliavam a situação de cada mutuário afim de que todos pudessem adquirir a sonhada ‘casa própria’.

A CEF, ao contrário, pauta-se pelo lucro em suas atividades, não mantendo uma equipe de assistentes sociais para fazer a análise dos problemas de cada mutuários em adimplir suas obrigações, ao contrário, pautando-se sempre por levar imóveis à leilão e deixar o mutuário sem moradia, conforme se pode constatar pelos editais que vemos na imprensa todos os dias.

O prejuízo da população sul-matogrossense foi de quase R$ 140.000.000,00 (cento e quarenta milhões de reais), com esta precipitada venda, o que não pode passar desapercebido pelo judiciário.

O artigo 2º da lei 4.717/65, estabelece que são nulos os atos lesivos ao patrimônio público do Estado, por vício de forma, ilegalidade de objeto, inexistência de motivos e desvio de finalidade.

Há no presente caso, vício de forma, resultante da não realização de licitação em forma de concorrência pública, conforme preceitua a lei 8.666/93.

O ato então viola a referida lei, tornando ilegal o seu objeto, qual seja, a venda da carteira imobiliária do CDHU.

Verifica-se também a inexistência de motivos para a venda, como foi acima abordado, uma vez que o CDHU cumpria as finalidades sociais para as quais foi criado e sua venda só vai trazer prejuízos à sociedade.

E por fim, o desvio de finalidade do ato é patente, quando o próprio governo declara que a venda se deu única e exclusivamente para cobrir dívidas públicas e não para trazer nenhum benefício em prol dos mutuários do CDHU que dependiam da ajuda do Estado para poder comprar e pagar pela sua casa-própria.

Também é de se ver, que o artigo 4º, inciso V, alínea "c" da lei 4.717/65, inquina nulidade ao ato administrativo que resultou em celebração de contrato por preço de venda dos bens inferior ao corrente no mercado na época da operação.

Sob esta ótica, o ato também é nulo, independente de qualquer exceção para não se fazer a concorrência que as partes envolvidas podem alegar.


III-) PEDIDOS

Diante de todo o exposto, vem o autor fazer os seguintes pedidos:

1-) Requer seja deferida a inicial, admitindo-se o processamento da presente ação, nos termos da Constituição Federal e da Lei 4.717/63;

2-) Requer seja liminarmente deferida a suspensão do contrato de venda da carteira imobiliária do CDHU para a Caixa Econômica Federal, proibindo esta de tomar posse dos contratos de financiamento existentes, bem como de efetivar a transferência destes contratos para sua administração, uma vez que se tal transferência se operar, poderá trazer danos aos mutuários do CDHU e à população do Estado de Mato Grosso do Sul, face a difícil reversibilidade desta transferência bem como os inúmeros transtornos técnicos e financeiros que poderá gerar para o Estado no caso de se julgar a presente ação procedente, na forma do parágrafo 4º do artigo 5º da lei 4.717/65.

3-) Após a apreciação do pedido liminar, requer seja feita a citação das rés, para responder aos termos da presente ação, sob pena de serem tidos por verdadeiros os fatos aqui narrados.

4-) Requer sejam intimados os dignos representantes dos Ministérios Públicos Estadual e Federal para acompanhar a presente ação, na forma dos artigos 6º, parágrafo 4º e 7º, inciso I, alínea "a" da lei 4.717/65;

5-) Requer seja determinado ao Governo do Estado de Mato Grosso do Sul, à Caixa Econômica Federal e à Companhia de Desenvolvimento Habitacional Urbano de Mato Grosso do Sul, a juntada dos seguintes documentos que detiverem posse, caso existam:

A-) O (s) laudos de avaliação elaborados sobre a carteira imobiliária do CDHU, objeto de venda à CEF, devidamente assinados e com a prova de idoneidade e capacidade técnica de quem os elaborou.

B-) Exposição de motivos, estudos ou pesquisas elaborados para se avaliar a necessidade ou interesse publico à justificar a venda da carteira imobiliária do CDHU, com fins ao preenchimento do requisito constante da primeira parte do artigo 17 da lei 8.666/93.

C-) Exposição de motivos, estudos, pesquisas ou compromissos públicos, assumidos para justificar a venda da carteira imobiliária do CDHU.

D-) Editais de licitação pública destinados à abrir concorrência para a venda da carteira imobiliária do CDHU;

E-) Eventual autorização legislativa para a realização da venda do CDHU para a CEF.

F-) Contrato de Venda da carteira imobiliária do CDHU / MS, para a Caixa Econômica Federal;

G-) Propostas recebidas por outros agentes financeiros, interessados na compra da carteira imobiliária do CDHU / MS.

H-) Comprovantes de pagamento ou recebimento de todas as quantias envolvidas na transação de compra e venda do CDHU / MS, bem como o destino dado as quantias recebidas.

6-) Requer, a produção de todos os meios de prova em direito admitidos, sem exclusão de nenhuma delas, especialmente oitiva dos depoimentos pessoais dos representantes das entidades rés, bem como depoimentos de testemunhas, cujo rol será oferecido oportunamente.

7-) Requer, após o regular processamento da ação, seja dado procedência à presente ação, com o fim de declarar a nulidade da operação de venda da carteira imobiliária do CDHU / MS para a Caixa Econômica Federal, condenando os seus respectivos dirigentes em todos os dispositivos legais cabíveis, cíveis e criminais.

8-) Requer a isenção de custas para o recebimento e processamento da presente ação, nos moldes do inciso LXXIII, do artigo 5º da CF, uma vez que o autor não pode prover estas custas sem prejuízo do sustento próprio.

9-) Requer seja condenado os réus em custas e honorários advocatícios, em montante à ser arbitrado por Vossa Excelência, na forma do artigo 20 do CPC.

10-) Dá-se à causa, apenas para efeito de alçada, o valor de R$ 140.000.000,00 (cento e quarenta milhões).

Nestes termos,

Pede deferimento.

Campo Grande (MS), 20 de agosto de 1999.

Autor

Rodrigo Daniel dos Santos
OAB (MS) 7.228

Advogado


Marineli Cieslak Gubert
OAB (MS) 7.604

Advogado


Hectore Ocampo Filho
OAB (PR) 25.300
Sobre os autores
Rodrigo Daniel dos Santos

Advogado, Consultor Jurídico do IBEDEC - Instituto Brasileiro de Estudo e Defesa das Relações de Consumo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Rodrigo Daniel; PINHEIRO, Adenildo Tavares et al. Ação popular contra venda de carteira imobiliária a preço vil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 39, 1 fev. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16069. Acesso em: 22 dez. 2024.

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