II. Do Direito:
A) Pilares sobre os quais se apóia a defesa do consumidor:
Antes de entrar de chofre na análise das cláusulas abusivas encontradas no instrumento contratual padrão utilizado pelas rés para lesar o consumidor, mister se faz relembrar os pilares sobre os quais se firma a defesa do consumidor, para melhor se analisar o acerto da presente ação e, mais do que isso, para se verificar com maior clarividência a necessidade imperiosa que se faz a atuação do Poder Judicial no caso vertente.
A interpretação sistemática do direito (única atividade hermenêutica possível de ser aceita na aplicação da norma protetiva consumerista) e o princípio da hierarquização axiológica(7) obrigam o intérprete do Código de Defesa do Consumidor a "recorrer sempre aos três princípios pilares do sistema consumerista, - o princípio da repressão eficiente a todos os abusos, da harmonização das relações de consumo e o princípio da vulnerabilidade, - para que se consiga aplicar quaisquer das regras de conduta ou de organização espalhadas pelo CDC ou em outros diplomas que integram o microsistema das relações de consumo(8)."
Na aplicação do direito do consumidor, o intérprete não deve se esquecer também dos demais princípios e subprincípios que informam a defesa do consumidor, como o da boa-fé objetiva, da informação (obrigação, por exemplo, de destaque das cláusulas que restringem os direitos do consumidor, que não foi feito no caso em exame), do não-enriquecimento sem causa, da proibição da fixação de obrigações iníquas e abusivas, da equidade, da interpretação das cláusulas de forma mais benéfica ao consumidor, da ordem pública, da livre concorrência, da moralidade, da proporcionalidade, da facilitação da defesa do consumidor, da transparência, da veracidade das informações e da relatividade do "pacta sunt servanda", que só vigora para o consumidor quando o pactuado não viola ou não contraria à lei, o que demonstra que o princípio da força obrigatória do contrato e o da autonomia da vontade perderam muito de sua força.
Vale lembrar, ainda, com Paulo Valério, "que toda interpretação sistemática necessariamente deve ser realizada a luz da Constituição"(9), sendo que em relação de consumo a Carta Magna dispõe que "o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor" (CF/5º/XXXII) e que essa defesa integra agora a ordem econômica (CF/170/V).
Falando mais especificamente e de forma bem enfática sobre o princípio da vulnerabilidade, Antônio Herman Vasconcelos Benjamin, um dos autores do anteprojeto do CDC, deixa claro que "Todo sistema move-se em torno de alguns princípios essenciais. No Código o mais importante princípio é o da vulnerabilidade do consumidor (art. 4º, inciso I). Independentemente de sua condição social, de sua sofisticação, de seu grau de educação, de sua raça, de sua origem ou profissão, o consumidor é considerado pelo Código como um ser vulnerável no mercado de consumo. É esse princípio maior – basilar mesmo – que deve orientar a atividade de interpretação do Código.(10)"
Segundo ainda Paulo Valério (pág. 399 da obra já citada), há seis tipos de vulnerabilidade: a técnica, a jurídica, a psicofisiológica, a ecológica, a política ou legislativa e a econômica ou social.
De acordo com o mesmo autor (op. cit., p. 300), o contrato, a publicidade e as práticas abusivas são os grandes focos de vulneração.
Segundo Orlando Gomes, "O princípio da igualdade de todos perante a lei conduziu à indiferença da ordem jurídica pela situação das partes em qualquer contrato. No pressuposto dessa igualdade meramente teórica presumia-se que os interessados em contratar precediam o contrato, qualquer que fosse, de livre discussão na qual seus interesses divergentes encontravam, afinal, denominador comum"(11). Em face dessa inexistente discussão e essa falta de acomodação prévia de interesses é que surgem as excessivas vantagens impostas pelos contratos de adesão(12). Foi para corrigir tais distorções é que surgiu a Lei 8.078/90, nascida da necessidade de reconhecer legalmente a vulnerabilidade do consumidor. E não poderia ser diferente, posto que onde existe mais liberdade, existe também maior escravidão, maior coação, maior violação dos direitos fundamentais. Nesse sentido já se pronunciou, há muito tempo atrás, La Cordaire: "entre o forte e o fraco é a liberdade que escraviza e a lei que liberta"(13).
Veja como isso ocorre, lendo o artigo em anexo (f. 56-64 dos autos de IC) intitulado "Contratos de Prestação de Serviços Educacionais", de Denise M. D. Oliva e Marcelo Victória de Freitas, publicado no volume 14 da Revista de Direito do Consumidor, órgão oficial do Brasilcon.
Faz-se, em seguida, a transcrição de dois excertos significativos presentes nas f. 75 e 76 do referido texto:
"Note-se no caso específico do tema central deste trabalho – Contratos de Prestação de Serviços Educacionais – que existe uma nuance específica, ou seja, o processo de coação psicológica, também chamada coação moral. Há aqui uma atuação sobre o psiquismo por via de processo de intimidação que impõe ao agente uma declaração não querida, porém, existe certa manifestação de vontade. Daí dizer o direito romano ‘quamvis coactus tamen voluit’, isto é, que a pessoa coagida pronuncia uma declaração de vontade. Mas na sua análise psíquica, verifica-se a existência de duas vontades: a vontade íntima do paciente que ele emitiria se conservasse a liberdade, e a vontade exteriorizada, que não é a sua própria, porém a do coator, a ele imposta pelo mecanismo da intimidação.
(....).
"Algumas Instituições de Ensino impõem a aceitação total do contrato, não permitindo a revisão de cláusulas que o próprio Código de Defesa do Consumidor considera abusivas. Ora, entre assinar o contrato e perder a vaga na Instituição de Ensino, o contratante, na maioria dos casos, assina o contrato. Os descontentes, que procuram o Poder Judiciário costumam ser perseguidos."
Nesse passo, não se deve esquecer o que a Constituição Federal dispõe no seu artigo 3º, incisos I, III e IV:
"Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
(....);
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação."
Por derradeiro, não se pode deixar de mencionar o disposto no artigo 1º do CDC que estipula que as normas nele previstas são de ordem pública e de interesse social.
Se existe lei de ordem pública é inadmissível sua violação sob o subterfúgio de cláusulas abusivas e com amparo em vetustos princípios ou em normas retrógradas, pois tal importaria não em direito do fornecedor, mas em abuso de direito contra o consumidor, com o que não compadece a nova ordem jurídica. Como se poderia garantir ao consumidor o exercício dos direitos elencados no CDC se se permitisse ao fornecedor inserir no contrato cláusulas que violam esses direitos ou levar avante práticas comerciais desleais e coercitivas? Isso não é mais possível. Devem os órgãos de defesa do consumidor, dentre eles incluídos o Poder Judiciário, buscar os meios legais para que os direitos do vulnerável sejam respeitados e sua vulnerabilidade, mitigada.
Com base nesses princípios e ensinamentos é que foi analisada as práticas comerciais desleais levadas a efeito pelas rés, resultando desta análise a descoberta de muitas abusividades cometidas contra o consumidor, cuja correção está sendo agora solicitada ao Poder Judiciário, dado que a repressão a esses abusos e a busca da harmonização das relações de consumo só serão possíveis com a intervenção estatal que saberá atender os reclamos do vulnerável que se encontra oprimido pelo poder econômico.
B) Das conseqüências legais em razão do uso de cláusulas abusivas em contrato de adesão:
Tanto no direito pátrio quanto no direito estrangeiro é comum o uso, por parte dos usurários fornecedores, o uso de cláusulas abusivas em contratos de relação de consumo. Por sorte dos consumidores, em ambos os direitos as conseqüências da utilização desse tipo de expediente é uma só: o reconhecimento de sua nulidade.
Sobre o assunto, a doutrina lusitana dispõe:
"O consumidor deve ter em atenção a possibilidade de serem inseridas, neste tipo de contratos, cláusulas abusivas, isto é, formuladas de tal forma que obriguem os consumidores contra a própria vontade, contra os seus interesses ou mesmo em violação de normas legais.
As cláusulas proibidas são nulas, ou seja, não produzem qualquer efeito válido e qualquer interessado pode invocar essa nulidade, a todo o tempo, perante o fornecedor ou perante os tribunais. (....).
Por outro lado, as cláusulas que normalmente passem despercebidas, ou pela epígrafe enganosa ou pela especial apresentação gráfica (por, exemplo, em caracteres reduzidos), não geram também quaisquer obrigações para o consumidor.
Proibição de utilização das cláusulas abusivas:
A lei oferece outro caminho, visando já não tanto o seu contrato em particular, mas a proibição da utilização de cláusulas abusivas em qualquer contrato.
Assim, ao ter conhecimento da utilização de cláusulas proibidas, pode o consumidor comunicar a uma Associação de Consumidores, ao Provedor de Justiça ou ao Ministério Público, de forma a que o tribunal venha a proibir o seu uso." (Doutrina retirada do site da INFOCID, entidade portuguesa, no endereço: "http://www.infocid.pt/Infocid/1215_1.htm")
No direito brasileiro, o artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor dispõe que são nulas de pleno direito, não produzindo qualquer efeito, as cláusulas abusivas e este mesmo artigo, em seu parágrafo 4º, estabelece que:
"É facultado a qualquer consumidor ou entidade que o represente requerer ao Ministério Público que ajuíze a competente ação para ser declarada a nulidade de cláusula contratual que contrarie o disposto neste Código ou que de qualquer forma não assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes."
O Código Civil, embora em sua maioria das vezes eficaz tão somente para cuidar de relações individuais (entre Tácio e Tício), bem demonstra também a abusividade existente nos contratos de adesão tão comum nas relações de consumo, ao dispor, em seu artigo 82, que "A validade do ato jurídico requer (....) objeto lícito" e, em seu artigo 145, inciso II e V, que "É nulo o ato jurídico (....) quando for ilícito, ou impossível, o seu objeto (....) e quando a lei, taxativamente, o declarar nulo, ou lhe negar efeito".
Ao comentar o artigo 82, Clovis Bevilaqua adverte:
"O acto jurídico há de ser lícito, por definição (art. 81). Conseqüentemente, se o objecto do acto for offensivo da moral ou da lei de ordem pública, o direito não lhe reconhece validade."(14).
Inegável a ingerência do princípio da autonomia da vontade no direito contratual. Tal asserção, aliás, integra o próprio contexto evolutivo da livre iniciativa e da liberdade mercantil, cujo pressuposto vestibular é igualdade das partes.
Se, de um lado, sazonaram os regulamentos acerca do "pacta sunt servanda", não menos certo é que estes devem ser analisados com extrema desconfiança, mormente quando a ferir interesses coletivos e homogêneos.
Indubitavelmente, esta máxima cede diante do interesse público na subjugação do equilíbrio nas relações de consumo. Ausente este requisito, iníquo qualquer dispositivo pactuado.
A maioria das transações comerciais opera-se através da assinatura de documentos nefastos, cujo conteúdo encerra patente agressão aos ditames legais, quer omitindo cláusulas essenciais, quer limitando direitos por lei assegurados, quer usando letras minúsculas e dizeres incompreensíveis. São os chamados contratos de adesão, ardil predileto dos gananciosos, onde não há vez para os direitos dos consumidores. Sua previsão legal encontra-se positivada em nosso CDC, no art. 54, "caput", in verbis:
"Art. 54 - Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo".
Assim, como bem salienta Leonardo Roscoe Bessa, Promotor de Justiça do Distrito Federal:
"É utópico falar-se nesta área em liberdade contratual e autonomia da vontade. Não há qualquer espaço para expressão da vontade do consumidor. O propalado ´pacta sunt servanda´ deve ser olhado com forte desconfiança. E, ainda, depois de ´celebrado´ o contrato, havendo divergência quanto à legalidade de alguma cláusula, caberá a ele o ´ônus´ de acionar a empresa, já que esta tem sempre a posse antecipada de parte do preço".
Ora, como se verá avante, é inquestionável o desequilíbrio existente no caso que ora se põe sub judice. Embalados pelo forte desejo de fazerem uma faculdade, para, assim, melhorar seu padrão de vida, de uma forma digna e honesta, vários estudantes se vêem obrigados a assinarem um contrato totalmente abusivo que sequer podem ler previamente ou ter uma via do mesmo posteriormente.
Deste modo, estando repleto de cláusulas restritivas e ajustes leoninos, a reformulação do conteúdo contratual impõe-se de forma soberana.
Na Apelação Cível nº 213.070 - 1, onde foi Relator o Juiz Duarte de Paula, a 3ª Terceira Câmara do TRIBUNAL DE ALÇADA DE MINAS GERAIS, analisando a existência de cláusulas abusivas em contratos de adesão, assim decidiu:
"A lei veda a imposição destas cláusulas, mormente quando utilizadas em contratos de adesão, onde a superioridade econômica e jurídica de uma das partes leva a imposição de todas as cláusulas do negócio sem qualquer possibilidade de discussão da parte mais fraca. A esta cabe somente aderir ou não aderir ao contrato, como um todo, sem previsão alguma de negociação para efeito de acordo, já que o contrato lhe é apresentado pronto, estereotipado, alheio a qualquer restrição humana, fato que compromete sobremaneira o prestígio da autonomia da vontade". (Ac. Da 3a Câm. Civ. Do TAMG - ApCiv 213.070 - 1 - rel. Juiz Duarte de Paula - j. 15.05.1996 - v.u.)
Na atual fase de globalização, bem assim da corrida tecnológica averiguada nos diversos métodos de produção, é o consumidor o alvo imediato das ávidas concentrações capitalistas. É ele a peça mais frágil nesta execrável corrente de dominação econômica.
Outrossim, a Constituição Federal e o Código do Consumidor, como instrumentos da Justiça que são, patrocinam arrimo ao consumidor indefeso, esbulhado em seus direitos, proporcionando o acesso àquilo que lhe é próprio. Altercando sobre sua hipossuficiência, reza o artigo 4º deste Códex:
"Art. 4º - A política Nacional de Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transferência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo"
À Magistratura incumbe zelar por relações sociais harmônicas, bem assim buscar o equilíbrio inexistente, expungindo do contrato todas as cláusulas abusivas. Nos termos da lei protetiva, principalmente no que dispõe seu artigo 51:
"Artigo 51 - São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
(....);
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquias, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;
(....);
XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção do consumidor;
(....).
§ 1º - Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:
I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;
II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou o equilíbrio contratual;
III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.
§ 2º - A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes.
Pontifica Nelson Nery Júnior que:
"Por sistema de proteção ao consumidor há de se entender não apenas o Código de Defesa do Consumidor, mas, também, aqueles diplomas legais, que, indiretamente, visem a proteção do consumidor, entre os quais pode-se citar a Lei de Economia Popular (Lei 1.521/51)".
Em comentários a esta lei, Nelson Hungria declara guerra aos dardanários, profiteurs e burlões, que não sabem acomodar seu próprio interesse com os do público, desconhecendo que direito algum pode ser exercido em contraste com o princípio da solidariedade social.
Assevera, ainda, o jurisconsulto:
"As ávidas concentrações capitalistas, o arbítrio dos interesses individuais coligados, a opressão econômica, a artificial desnormalização dos preços, os lucros onzenários, o indevido enriquecimento de alguns em prejuízo do maior número, as arapucas para a captação do dinheiro do povo, as cláusulas leoninas nas vendas a prestações, o viciamento dos pesos e medidas, e, em geral, as burlas empregadas em detrimento da bolsa popular já não poderão vingar impunemente".
Para concluir esse tópico, volta-se ao princípio da solidariedade social, pouco praticada por muitos, para relembrar aqui os ensinamentos contidos nos incisos I e IV do artigo 3º da Constituição Federal e alertar mais uma vez que é dever de todos, inclusive dos fornecedores e, de uma forma especial os da área da educação, envidar esforços para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e para a promoção do bem de todos, sem quaisquer preconceitos.
C) Da responsabilidade da Missão Salesiana de Mato Grosso:
A Missão Salesiana de Mato Grosso atua na área educacional mediante autorização e avaliação de qualidade do Poder Público, e enquanto mantenedora da Universidade Católica Dom Bosco, a mantém, sustenta e a defende. A condição de mantenedora a faz co-responsável, pelos danos causados por suas filiais a toda comunidade acadêmica.
O próprio Estatuto das rés evidencia esta responsabilidade quando prevê no artigo 35, in verbis:
"Art. 35. Cada Filial se rege pelo presente Estatuto, tendo como Razão Social – MISSÃO SALESIANA DE MATO GROSSO -, ou a sigla MSMT (....)."
Conforme correto parecer, contido às f. 47-51, da Coordenadoria do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça a despeito de não existirem estatutos diversos para a mantenedora e sua filial, esclareceu-se que existem sim, no caso, um grupo de empresas, sendo a requerente uma das participantes desse grupo.
A educação é um bem público, e como tal, amplamente protegido e controlado pelo Estado, logo a iniciativa privada ao gerir este bem, arca com as responsabilidades geradas em conseqüência da prestação de um serviço irregular e/ou inadequado.
Sendo assim, a mantenedora causa lesão ao consumidor quando não verifica a atuação de suas filiais, e, portanto deverá solidariamente responder pelos danos causados por estas aos consumidores.
D) Das cláusulas abusivas contidas nos contratos de prestação de serviços educacionais:
Será feito, neste tópico, o estudo minucioso dos contratos firmados pelos acadêmicos nos últimos quatro anos, para se demonstrar as abusividades neles contidas, visando, com isso, sua correção. Mesmo que, nos contratos atuais, determinadas cláusulas não estejam mais sendo usadas, a declaração de sua nulidade deve ser feita, posto que elas já fizeram efeitos ou farão efeitos na relação jurídica travada, principalmente de ordem econômica e moral, com o dever de se devolver valores cobrados indevidamente. Além do que sempre há a possibilidade de as rés voltarem a inserir tais cláusulas em contratos futuros.
1. Da referência ao consumidor como requerente e não como contratante:
Mostrando, ainda, sua inaceitável arrogância e inadmissível e inexistente superioridade, a segunda ré não chama o contrato de contrato, mas de REQUERIMENTO, nem chama o contratante de contratante, mas sim de REQUERENTE. Dando a entender que defere a matrícula ou a renovação dela se lhe aprouver, como se não estivesse submetida às Leis nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, e 8.137, de 27 de dezembro de 1990, que estabelecem:
"Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:
(....);
IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;
(....).
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
(....);
II - recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes".
"Art. 7º. Constitui crime contra as relações de consumo:
"I - favorecer ou preferir, sem justa causa, comprador ou freguês, ressalvados os sistemas de entrega ao consumo por intermédio de distribuidores ou revendedores".
Dessa forma, não é admissível que os acadêmicos sejam obrigados a assinarem, semestralmente, durante todos os anos do curso, Requerimento de Matrícula e Termo de Adesão ao referido contrato de prestação de serviços educacionais. Ora, se é um contrato de prestação de serviços educacionais, o acadêmico não deveria estar requerendo a matrícula e sim aderindo a uma relação contratual, pois requerer significa pedir, suplicar, implorar, o que acarreta em aceite ou não. Vez que é um contrato, o que existe é contratante e contratado, integrantes de uma relação obrigacional, onde as partes estabelecem para si alguns direitos e se sujeitam a algumas obrigações. A nomenclatura utilizada dos contratos padrão da segunda ré é, portanto, lesiva aos acadêmicos, principalmente pelas conseqüências ilegais que podem acarretar, como será demonstrado em itens posteriores. Mas, a título de exemplo, cita-se (adiantando o que será tratado com mais vagar adiante) aquela situação em que para fazer o inadmissível requerimento o acadêmico, que já se submeteu e logrou êxito em um concurso público difícil, deve pagar já a primeira parcela e, se não lhe for permitida posteriormente a feitura da matrícula, por razões que o acadêmico desconhece, posto que tais razões não estão especificadas no contrato com o qual o interessado não tem contato prévio, nenhum valor lhe é devolvido.
Constitui essa prática, sem dúvida, naquilo que o inciso IV do artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor denomina de "método comercial coercitivo e desleal" e gera, em algumas situações não raras, enriquecimento ilícito de uma parte (apropriação indébita) e empobrecimento injusto da outra.
2. Da falta de conhecimento prévio do conteúdo do contrato.
Em países como Estados Unidos, Inglaterra e França, a lei obriga os fornecedores a darem aos consumidores um prazo de reflexão para que estes estudem detidamente as cláusulas do contrato antes de o aderirem.(15).
No Brasil, embora não haja previsão de tempo para estudo e reflexão a respeito do teor do contrato, o artigo 46 do Codecon dispõe que o consumidor tem direito ao conhecimento prévio do conteúdo do contrato, sob pena de a avença transformar-se em "Letra Morta".
Eis como tal comando é dado pelo referido artigo:
"Art. 46 - Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo (....)".
Sobre o não-conhecimento prévio de cláusulas contratuais, o Ilustre autor Arruda Alvim assevera que:
"Em casos tais, segundo nosso entender, há mais do que nulidade absoluta, pois aquele que deveria ser considerado parte do contrato, o consumidor, em verdade nele não interveio, pelo que entendemos que, em tais casos, o contrato será inexistente".
Conforme o exposto, claro está que a ré, ao impedir o contato prévio do consumidor com o contrato, o faz para garantir vantagens indevidas, ferindo garantias essenciais dos consumidores.
No caso em comento, se a universidade quisesse ser elegante e leal para com os seus futuros parceiros, os estudantes aprovados no vestibular, teria ela um momento ímpar para cumprir o preceito legal que seria o momento em que exige que os interessados a uma vaga façam o requerimento de matrícula.
3. Do não-fornecimento ao consumidor aderente de uma via do contrato e do Regimento Geral da UCDB:
Público e notório – mesmo porque previsto nos diversos contratos usados pela UCDB, ora na cláusula 9, ora na cláusula 10 e ora na cláusula 8.2 do contrato padrão usado pela universidade requerida – é o fato de que a segunda requerida não fornece, gratuitamente, aos acadêmicos que com ela contratam uma via do instrumento da avença, como seria, e o é, de seu dever. Não é menos notório também o fato de que, apesar de não terem conhecimento prévio dos termos do contrato, devem os acadêmicos ou seus representantes legais, na clara e comprovada condição de hipossuficiência, submeterem-se às absurdas e leoninas regras impostas, unilateralmente, pela contratada.
É direito do consumidor saber e dever dos fornecedores informarem, com precisão, em que base está sendo feito o contrato, quais são os direitos e deveres de cada um e se as cláusulas contratuais são abusivas ou não.
Sem o contrato em mãos, como o contratante poderá verificar se essas garantias estão ou não sendo respeitadas?
É claro que para a empresa contratada que, na maioria das vezes, usa de todos os expedientes - lícitos e ilícitos - para levar vantagens e tirar proveito do consumidor, qual insaciável abutre, não fornecer uma cópia do contrato só lhe traz benefícios. Este, porém, não é o caminho indicado pela boa moral, pela boa-fé, pela lei, pela jurisprudência, pela doutrina e, principalmente, pelos evangelhos cristãos que as rés juram que seguem fielmente ao "educar" seus alunos.
O princípio da vontade racional, pela qual o consumidor tem o direito à informação, reflexão e arrependimento, exige que o contratado dê ao futuro contratante conhecimento prévio dos termos do contrato a ser feito e que lhe forneça, gratuitamente, uma via do mesmo, depois de assinado.
De outra forma, como poderá o contratante exercer seus direitos e cumprir seus deveres se lhe falta o instrumento indispensável para isso?
Em meados do mês de janeiro, inúmeros acadêmicos exigiram, em mais de uma tentativa frustrada, uma via do contrato de prestação de serviços educacionais. O máximo que conseguiram foi o "requerimento de matrícula 2.000A e adesão ao contrato de prestação de serviços educacionais". Assim, na necessidade premente e inevitável de respeitar os prazos estipulados pela ré para efetuar as matrículas, sob pena de perderem a vaga, os estudantes efetuaram suas matrículas ignorando completamente as condições a que estavam submetidos.
Em todos contratos utilizados pela segunda ré, observa-se a presença de cláusulas abusivas quanto à entrega de cópia do respectivo instrumento aos acadêmicos. Eis como são redigidas as referidas cláusulas:
"9. Somente após o deferimento da matrícula será fornecida cópia deste instrumento ao REQUERENTE, a qual deverá ser solicitada na Coordenadoria de Controle Acadêmico" (Cláusula inserida nos contratos elaborado em 1996).
"10. Por que e produzem todos os efeitos legais, uma cópia deste instrumento devidamente assinado pelo representante da Universidade ficará á disposição do aluno ou de seu responsável após deferimento da matrícula" (Cláusula inserida no contrato elaborado em jan/1997).
"10. Para pleno conhecimento e produção de todos efeitos legais, cópia deste instrumento ficará à disposição do REQUERENTE, na Secretaria da UCDB."(Cláusula inserida no contrato elaborado em jul/1997).
"10. Para pleno conhecimento e produção de todos efeitos legais, cópia deste instrumento ficará à disposição do REQUERENTE, na Coordenadoria de Controle Acadêmico da UCDB."(Cláusula inserida no contrato elaborado em 1998 e mar/1999).
"8.2. Para o pleno conhecimento e produção de todos os efeitos legais, cópia deste instrumento ficará à disposição do REQUERENTE, no Departamento de Controle Acadêmico da UCDB" (Cláusula inserida no contrato elaborado em jun. e dez/1999).
As citadas cláusulas são viciosas. Primeiro, por indicar que a cópia do contrato está à disposição do acadêmico, quando, na verdade, esta lhe deve ser entregue antes de sua assinatura, direito esse nunca observado. Segundo, porque durante vários anos, por mais que o acadêmico exigisse, nunca conseguiu adquirir cópia do contrato no setor mencionado na avença, nem em outro lugar qualquer.
A reclamação de Frederico Yue Yamanari e o requerimento que Luciene Rezende Arguelho fez à Defensoria Pública de Defesa do Consumidor, já transcritas acima, comprovam, às escâncaras, a negativa de entrega de uma via do contrato e ainda deixaram claro que nos locais indicados pela segunda ré não é possível sequer encontrar a cópia da avença.
Ilegal, imprestável e inadmissível é a costumeira afirmação de que o contrato deve ser exigido tão só pelo fato de ter sido assinado pelos contratantes, independentemente de eles terem ou não recebido uma via da avença feita. É de bom alvitre dizer, em relação a esse tipo de defesa que é sempre feito, que os acadêmicos, logo após a aprovação no exame vestibular, com o ânimo, a ânsia e a urgente necessidade de garantirem suas vagas e influenciados e embaídos por toda ilusão criada pelas rés e com as dificuldades por elas propositadamente arquitetadas, como: curtos prazos, longas filas, poucas vagas, muitos interessados, falta de acesso prévio ao contrato, aderem, sem nenhuma reflexão e análise, a uma avença cujo teor representa flagrante prejuízo às garantias constitucionalmente a eles tuteladas, o que a torna inválida, mesmo diante de sua inevitável adesão.
4. Da redação do instrumento do contrato com letras miúdas, de maneira a dificultar a leitura e o entendimento da avença por parte do consumidor:
Sempre com o fim de lesar o consumidor e levar vantagens indevidas, em total desrespeito à letra da lei, as rés redigem seu contrato padrão com letras miúdas, dificultando, assim, a leitura das cláusulas contratuais e o seu entendimento.
Tal forma de proceder ofende o disposto no parágrafo 3º do artigo 54 da Lei nº 8.078/90, "in verbis":
"Art. 54. (....).
§ 3º. Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor."
Não respeitando a forma prescrita na lei protetiva, as demandadas ofendem, também, por conseqüência, os artigos 51, inciso XV, do CDC e 145, III, do Código Civil, o que torna nula todas as cláusulas contratuais, não obrigando, portanto, os consumidores aderentes.
5. Da ausência de destaque das cláusulas que implicam em restrições aos direitos dos consumidores:
As rés, prejudicando ainda mais os direitos dos consumidores, inserem inúmeras restrições aos direitos dos aderentes sem dar às competentes cláusulas os destaques exigidos pela lei protetiva.
A obrigação dos destaques às cláusulas que, de alguma forma, limitam os direitos dos consumidores está disposta no parágrafo 4º do artigo 54, nos seguintes termos:
"Art. 54. (....).
§ 4º. As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão."
Embora esse dispositivo não preveja expressamente a conseqüência para a ausência do destaque exigido, a doutrina entende que seja a nulidade.
Eis como se manifesta sobre o tema Eduardo Gabriel Saad:
"O § 4º do artigo em tela cuida de mais uma nulidade contratual. Trata-se da exigência de a cláusula limitadora de direito do consumidor ser redigida com destaque, ‘permitindo sua imediata e fácil compreensão(16)’".
No mesmo sentido e de uma forma mais fundamentada, tem-se, ainda, Leonardo Roscoe Bessa, que ensina:
"A inobservância destes preceitos acarreta a nulidade de cláusulas, de acordo com o disposto no artigo 51, XV(17), da Lei nº 8.078/90, vez que se trata de norma de ordem pública e interesse social que integram o sistema de proteção ao consumidor".
E não poderiam ser diferentes as conclusões, posto que o contrato, sendo uma das modalidades do ato jurídico(18), seus pressupostos de validade estão elencados no artigo 82 do Código Civil, nos seguintes termos:
"Art. 82 – A validade do ato jurídico requer agente capaz (art. 145, I), objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei (artigos 129, 130 e 145)".
Ora, se no caso em exame, existia uma forma prescrita em lei (artigo 54, § 4º, do CDC) e as rés não a obedeceram ao confeccionar o instrumento contratual, vê-se que a referida cláusula é nula até sob o enfoque do Código Civil que prescreve:
Art. 145 – É nulo o ato jurídico :
(...)
III - quando não revestir a forma prescrita em lei (arts. 82 e 130)".
Clovis Bevilaqua esclarece ainda mais esse ponto da questão ao comentar este inciso III:
"Quando a lei estabelece uma determinada forma para o acto e a considera substancial, sem ella o acto não tem valor jurídico"(19).
Pelo exposto, vê-se que a rés impõem aos estudantes-contratantes ou aos seus representantes legais o cumprimento de cláusulas abusivas sem apresentar os destaques legalmente exigidos.
Esse fato deve pesar em muito quando o Judiciário for analisar cada uma das cláusulas apontadas como leoninas nesta peça, vendo, em cada uma delas, a deslealdade e má-fé como agem as demandadas, bem como deve o Judiciário, diante disso, procurar a melhor forma de fazer justiça para com os vulneráveis consumidores injustiçados.
6. Da inadmissível de o consumidor se submeter aos Regimentos da ré sem a oportunidade de conhecer previamente seu conteúdo e sem receber cópia dos mesmos:
Mais inescrupuloso ainda é a determinação das rés de que os acadêmicos devam submeter-se ao Regimento Geral e ao Regimento Unificado da UCDB, que não é nem nunca foi posto à disposição deles para que pudessem se cientificar a que exigências estão sendo submetidos.
Eis o teor da cláusula que impõe aos estudantes a esdrúxula submissão:
"1.4. O REQUERENTE, por si ou pelo universitário beneficiado, submete-se às normas do regimento Geral da UCDB e às demais obrigações constantes na legislação aplicável à área de ensino, e ainda às emanadas de outras fontes legais, desde que regulem supletivamente a matéria".(Cláusula comum a todos contratos).
O acadêmico não pode ser submetido a nenhuma norma ou regra interna, de forma unilateral, sem que tenha a oportunidade de ter pleno conhecimento da mesma e com ela concordar.
A gravidade do não-fornecimento de uma cópia do Regimento Geral torna-se ainda maior quando se lê na cláusula 3, inciso II, letra "a", que a universidade contratada pode rescindir, unilateral e compulsoriamente, o contrato, "nos termos do Regimento Geral".
Sem o oferecimento de uma cópia do referido regulamento, tal cláusula é nula de pleno direito, por não faz parte do contrato. E assim sendo, os acadêmicos, como qualquer outro cidadão, só podem ser obrigados a fazer ou deixar de fazer algo mediante imposição legal.
7. Do desequilíbrio contratual em razão de fixação de obrigação tão somente para o contratante:
"A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (....) harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores" (CDC/4º, inciso III).
Não é possível admitir que a relação travada entre a universidade ré e o consumidor faça-se com base na boa-fé e no equilíbrio, quando se vê a fixação de deveres e obrigações apenas para o contratante.
Em verdade, não existem boa-fé nem equilíbrio contratual quando, como no caso presente: a) estabelece-se obrigação de os acadêmicos obedecerem à legislação aplicável à área de ensino e às emanadas de outras fontes legais, mas não se prevê obrigação semelhante para a instituição contratada; b) o contratante é obrigado a pagar a semestralidade no valor e forma constantes no Requerimento de Matrícula e Adesão, sem que seja fixada na avença obrigação de a contratada comprovar que a referida semestralidade foi fixada de acordo com a Lei de Mensalidade Escolar; c) obriga-se o acadêmico a pagar adiantadamente as parcelas da mensalidades escolares, sem haver disposição contratual que obrigue a universidade a restituir esses valores se, por alguma razão, o serviço não for prestado; d) prevê-se no contrato que o pagamento do estágio será pago desde o início do contrato, diluindo-o na totalidade das semestralidades, sem haver disposição obrigando a ré a devolver esses valores para quem deixar a Universidade antes de realizar o referido estágio que, no caso de curso de Direito, é feito apenas nos quarto e quinto anos; e) não há previsão de penalidade para a Universidade ré em caso de não fornecer o serviço no quantitativo e qualidade prometidos ou exigidos por lei ou por regulamento expedido pelo MEC; f) exigi-se pagamento de seguro sem a obrigação de comprovar ao consumidor pagante a existência de contrato de seguro em vigor e o repasse a quem de direito dos prêmios por eles pagos; g) o contrato (cláusula 8, fl 09) prevê que a matrícula pode ser cancelada ou indeferida, unilateralmente e em qualquer época, pela contratada, sem: g.1) se estabelecer rígidos critérios objetivos e expressos para tanto; g.2) obrigar a contratada a obedecer rigorosamente tais critérios, comprovando isso ao consumidor, independentemente de requerimento; g.3) dar idêntico direito ao consumidor; g.4) se estabelecer a obrigatoriedade da contratada de dar ao acadêmico-contratante o direito do contraditório e a ampla defesa, já que uma penalidade lhe será imposta; h) estabelece-se na avença que "a primeira parcela será paga quando do requerimento da matrícula, sendo condição indispensável para o deferimento da mesma", sem, entretanto, fixar que é dever da contratada de fornecer cópia do contrato e do Regimento que ela usará como base para apreciar o pedido, com o fim de que o consumidor tenha conhecimento prévio dos mesmos, decida-se, antes de fazer o pedido, com fundamento em bases sólidas, se o contrato lhe é interessante ou não e saiba, de antemão, em que termos e elementos seu requerimento será apreciado; i) embora disponha que a primeira parcela será paga por ocasião do requerimento da matrícula, antes, portanto, do conhecimento e assinatura do contrato e apesar de prever que a primeira parcela funciona como arras, não há disposição no contrato obrigando a contratada a devolver em dobro a primeira parcela caso ela indefira o requerimento feito; j) apesar de estar disposto, como visto no item anterior, que a primeira parcela funcione como arras, só há previsão de o consumidor perder a mesma. Previsão de a contratada devolver em dobro não existe.
Nestas condições, o contrato é abusivo, posto que, conforme previsto no artigo 51, incisos IV e IX, e §§ 1º, II, e 4º, do CDC:
"Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
(....);
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;
(....);
XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor.
(....).
§ 1º. Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:
(....);
II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou o equilíbrio contratual;
(....).
§ 4º. É facultado a qualquer consumidor ou entidade que o represente requerer ao Ministério Público que ajuíze a competente ação para ser declarada a nulidade de cláusula contratual que contrarie o disposto neste Código ou de qualquer forma não assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes.
8 .Da venda casada de seguro escolar, da negativa de rescindir contrato referente a serviço não solicitado, da falta de informação da existência de seguro e do não-fornecimento de cópia da respectiva apólice e das condições gerais do seguro:
Cerceando a liberdade de escolha dos acadêmicos, a segunda ré impõe-lhes um seguro escolar, caracterizando, assim, venda casada, o que é defeso por lei.
Com efeito, dispõem as cláusulas 2.1 e 2.2 dos contratos de jun/99 e dez/99 do contrato padrão usado pela segunda ré:
2.1 - "O REQUERENTE(20) pagará, um percentual de 1,82% sobre o valor da parcela mensal e juntamente com esta, a título de Seguro Escolar".
2.2 - "O REQUERENTE pagará um percentual de 1,82% sobre o valor da parcela mensal e juntamente com esta, a título de Seguro Escolar que substitui o Seguro por Acidente Pessoal Coletivo, previsto por Lei em favor da Instituição".
Não se pode exigir dos acadêmicos a aquisição de produtos ou serviços outros estranhos ao fim último do contrato que é a prestação de serviços educacionais. Tal exigência caracteriza venda casada, dado que o acadêmico é forçado a receber um serviço que não solicitou, que não conhece a procedência, não sabe o nome do fornecedor, corretor responsável, coberturas, enfim, tal produto é "empurrado" ao acadêmico em profundo desrespeito ao princípio da informação e da liberdade de escolha.
A aquisição do seguro deveria estar condicionada à vontade do contratante que deveria ser informado com antecedência do seu valor, das obrigações que está assumindo e dos riscos que serão cobertos pelo segurador, para, somente depois, aceitar ou rejeitar o referido serviço.
Para salvaguardar o respeito à liberdade de escolha do consumidor é que o artigo 39, caput e incisos I e III, do Código de Defesa do Consumidor dispõe:
"Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;
III - enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço;
Usando da liberdade de consumir ou não determinado produto, vários acadêmicos se insurgiram, sem sucesso, contra a referida cobrança de seguro, que já perdura há vários anos. Em resposta à notificação ministerial nº 04/99 que requisitou explicações sobre a obrigatoriedade da aquisição do seguro, a ré esquivou-se, alegando que seu contrato de adesão é calcado no princípio da igualdade, não admitindo modificações posteriores.
Eis a conclusão da ré sobre a notificação:
"Essa modalidade contratual, essencial aos contratos de prestação de serviços públicos, deve ser genérica e ampla, inadmitindo variações ou modificações, pois devem ser idênticas a todos os interessados, evitando-se, desta maneira, qualquer desequilíbrio entre os vários aderentes contratuais". (f.53)
Cabe afirmar que não existe pretensão de se discutir a existência ou inexistência de contrato de adesão, que a ré demonstra não conhecer sua natureza e implicações dentro das relações do consumo. Para ela contrato de adesão é uma fórmula que inventaram para que ela pudesse lesar, quando e como pudesse, o contratante, sem ter que dar explicações a ninguém. O que se busca discutir nesse momento é a existência da venda casada de produto estranho a prestação de serviço educacional.
A resposta da ré, além de não justificar sua atuação, é totalmente descabida, vez que a igualdade não paira somente entre aqueles que irão usufruir dos serviços educacionais, mas, necessariamente, também sobre a parte contratada para prestar o referido serviço.
Sem argumentos para justificar a venda casada, a ré ainda apresentou a seguinte resposta:
"A oferta dos cursos ministrados é geral, presta vestibular e contrata os serviços educacionais quem assim escolhe, aceitando previamente os termos do contrato ofertados pelo policitante, não sendo ensejado ao oblato qualquer modificação ao depois." (f.53)
A alegação de que o acadêmico escolheu prestar vestibular e aderir ao contrato de serviços educacionais da ré não é motivo forte o bastante para autorizá-la a cobrar serviços estranhos à sua atividade fim e colocar no instrumento respectivo qualquer disposição contratual. Mesmo porque a validade das cláusulas de um contrato de adesão não resulta da pretendida imutabilidade que o fornecedor quer lhe impingir, mas da sua compatibilidade com a lei. Não é porque o estudante assinou o contrato ou o Requerimento de matrícula apresentado pela UCDB que ele deve se submeter a qualquer indecência e ilegalidade (para dizer o menos) que a ré lhe quer empurrar. Sabido é (também pela demandada que se faz de desentendida) que a escolha para estudar em determinada instituição de ensino superior não resulta da escolha do melhor contrato, mas da necessidade quase vital de sobrevivência, posto que se o acadêmico não fizer a matrícula naquela universidade em que passou no vestibular não o fará em lugar algum, em virtude da massificante e invencível concorrência. Poucos são os privilegiados que conseguem fazer e passar em vestibulares promovidos por mais de uma instituição de ensino superior. Aliás, os contratos, como visto acima, nem são fornecidos aos estudantes. Como poderiam eles escolher a universidade onde irão estudar pelos contratos que elas usam?
Cabe aqui, por oportuno, citar o ensinamento do professor Orlando Gomes:
"O que caracteriza o contrato de adesão propriamente dito é a circunstância de que aquele a quem é proposto não pode deixar de contratar, porque tem necessidade de satisfazer a um interesse que, por outro modo não pode ser atendido. Assim, quem precisa viajar, utilizando determinado meio de transporte, há de submeter-se às condições estipuladas pela empresa transportadora, pois não lhe resta outra possibilidade de realizar o intento. A alternativa é contratar ou deixar de viajar, mas se a viagem é necessária, está constrangido, por essa necessidade, a aderir às cláusulas fixadas por aquele que pode conduzi-lo". (Orlando Gomes, "Contratos", p. 142, 6ª ed., Forense)
A afirmação de que "não é permitido ao oblato fazer qualquer modificação ao contrato", diante de tudo que já foi dito até aqui, constitui-se em uma heresia jurídica inqualificável. Esquecem-se, ou fingem esquecer-se as rés, que o contrato de adesão que elaboram e usam está sujeito ao pleno controle do aderente através dos órgãos de defesa do consumidor, aí incluído o Poder Judiciário.
Deve-se dizer a ré, uma multinacional da educação, que aqui não vale o princípio tão adorado pelos seus representantes legais: "roma locuta causa soluta". Deve-se dizer a eles ainda que eles estão no Brasil e aqui eles devem se dobrar às leis brasileiras.
Assim, vale relembrar o que prevê o artigo 6º, incisos II, IV, V, VI, VII e VIII do Código de Defesa do Consumidor:
"Art. 6º - São direitos básicos do consumidor:
(....);
II – a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;
(....).
IV – a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;"(negrito do MP)
V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;
VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;
VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos".
A venda casada praticada pelas rés não só constitui ilícito civil e administrativo, mas também penal que sujeita seus representantes às penas previstas no artigo 5º, incisos II e III, da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, "in verbis":
"Art. 5º. Constitui crime da mesma natureza:
(....);
II - subordinar a venda de bem ou a utilização de serviço à aquisição de outro bem, ou ao uso de determinado serviço;
III - sujeitar a venda de bem ou a utilização de serviço à aquisição de quantidade arbitrariamente determinada;
Pena - detenção, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou multa."
O seguro, nas condições em que foi oferecido aos consumidores, deve ser tido como amostra grátis, não tendo eles a obrigação de pagar por ele e ainda receber de volta, corrigido, em dobro e acrescido dos juros legais, tudo quando pagou indevidamente. Isto deflui do previsto nos parágrafos únicos dos artigos 39 e 42 do CDC, assim redigidos:
"Art. 39. (....).
Parágrafo único. Os serviços prestados e os produtos remetidos ou entregues ao consumidor, na hipótese prevista no inciso III, equiparam-se às amostras grátis, inexistindo obrigação de pagamento.
(....).
Art. 42. (....).
Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro ao que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável."
A grande maioria dos acadêmicos paga o referido seguro sem sequer saber que ele existe, visto que não lhes é dado tal informação e lhes é negado o direito de ler o conteúdo do contrato de prestação de serviços educacionais. Pior que isso, quando ficam sabendo de sua existência, não lhes é permitido rescindir o contrato referente ao serviço não solicitado, com ofensa ainda maior a liberdade de escolha do consumidor e ao direito de rescisão contratual.
Com efeito, a proibição legal de cancelar o contratual é feita apenas para o fornecedor quando o faz de forma unilateral e sem reciprocidade (inteligência do artigo 51, incisos IX e XI(21), e 54, § 2º(22) do CDC), principalmente quando ao consumidor não foi dado o direito de ter contato prévio com o contrato nem recebeu uma cópia da avença.
Além de não respeitar o direito de escolha, as rés, com ofensa aos dispositivos legais já citados anteriormente nesta peça, não possibilitam ao contratante um contato prévio com o contrato feito com a seguradora, com a apólice e com as condições gerais do seguro nem lhe entrega cópias destes documentos, o que gera total desconhecimento da aquisição feita e dos reais valores constantes do respectivo contratado. Com isso, não resta aos consumidores nem sequer o direito de optar por uma seguradora de sua confiança.
Em relação ainda ao seguro, deve-se dizer que os consumidores ficam completamente à mercê das rés, que não lhes informam as datas em que se darão as majorações das parcelas dos seguros e em que percentuais estas serão feitas.
Não ficam sabendo também os consumidores:
I. quais são os juros e multas aplicadas em caso de inadimplência;
II. quais são os seus direitos e quais são os deveres da estipulante e da seguradora;
III. se todo o dinheiro que pagam mensalmente à demandada é realmente para cobrir o seguro;
IV. se estes valores são repassados para a seguradora.
V. se efetivamente a ré contratou alguma seguradora para lhes garantir as indenizações devidas.
Nestas condições, indevidas é a cobrança de qualquer valor a título de seguro, devendo as rés serem condenadas a devolução, em dobro e devidamente corrigido e acrescidos dos juros legais, de tudo quanto cobrou e recebeu a título de seguro em grupo.
9. Da desobediência ao princípio da anualidade:
Pouco se preocupando com a previsão legal, ou melhor, agindo como se tal determinação não existisse, a universidade ré vem majorando as mensalidades escolares duas, três e até quatro vezes por ano.
Para dar ares de legalidade a essas abusividades é que a UCDC inseriu no contrato padrão: a) elaborado em dezembro de 98, para vigorar de janeiro a junho/99 (cláusula 2.1); b) elaborado em junho/99, para vigorar no segundo semestre de 99 (cláusula 2.2); e c) elaborado em dezembro/99, para vigorar no ano 2.000 (cláusula 2.3), a possibilidade de haver majoração das parcelas a qualquer momento, com os seguintes dizeres:
"2.3 – O REQUERENTE declara ser de seu conhecimento e plena ciência que os valores das prestações escolares estão fixados nos termos da legislação vigente, sem previsão ou reserva de percentuais para novas e eventuais incidências tributárias ou de qualquer outra ordem, além das existentes na data de assinatura do REQUERIMENTO DE MATRÍCULA E ADESÃO, razão pela qual expressamente autoriza que os custos decorrentes sejam imediatamente repassados para o valor das prestações ora fixado, proporcionalmente." (grifo e negrito do MP)
Age a universidade ré como se sua vontade e sua liberdade não sofressem regulações restritivas impostas pela lei.
É importante frisar que a efetivação do contrato de prestação de serviços educacionais está vinculada a dois preceitos: a) o contrato é o instrumento para cristalizar o valor de encargo acordado em consonância com a lei específica (Lei de Mensalidade Escolar); e b) o conteúdo do documento deve obedecer ao Código de Proteção e Defesa do Consumidor.
Falando primeiramente da cristalização do valor acordado, deve-se dizer que, no final de cada ano letivo, as instituições de ensino, conforme previsão legal, anteriormente contida em medidas provisórias e agora na Lei de Mensalidade Escolar (Lei nº 9.870 de 23/11/99), devem delimitar os valores dos encargos educacionais pela sua compatibilização com os custos efetivamente incorridos para que a instituição ministre determinado serviço educacional no ano seguinte, tendo como base a última parcela da anualidade.
Nesse sentido, o artigo 1º, § 1º da referida lei enuncia o seguinte:
"Art. 1º. (....).
§1º O valor anual ou semestral referido no caput deste artigo deverá ter como base a última parcela da anuidade ou da semestralidade legalmente fixada no ano anterior, multiplicada pelo número de parcelas do período letivo."
A fixação de preços não é livre, visto que a instituição deverá apresentar aos pais e comunidade acadêmica, em específico, aos órgãos de proteção do consumidor, suas planilhas de custos (Componentes de Custos), de onde nascerá o valor definitivo da mensalidade. Nesta fase, a instituição de ensino deverá apresentar com clareza a sistemática de remuneração deste serviço. Definido o valor da mensalidade, este estará cristalizado, sendo proibida a sua alteração antes do término do período de um ano.
A Lei nº 9.870, de 23/11/99, prevê no seu artigo 1º o Princípio da Anualidade, que gera ao acadêmico a segurança de que durante doze meses, de janeiro a dezembro, as mensalidades permanecerão inalteradas. Eis o teor do artigo 1º, § 5º (que está em consonância com a Medida Provisória nº 1.930 de 29/11/99):
"Art. 1º. (....).
§ 5º. O valor total, anual ou semestral, apurado na forma dos parágrafos precedentes terá vigência por um ano e será dividido em doze ou seis parcelas mensais iguais, facultada a apresentação de planos de pagamento alternativos, desde que não excedam ao valor total anual ou semestral apurado na forma dos parágrafos anteriores."(grifo e negrito do autor)
Como se pode constatar, pela simples leitura do contrato de prestação de serviços educacionais da ré, esta desrespeita, de forma flagrante, a lei especial, visto que prevê a possibilidade de transferência imediata ao acadêmico das alterações nos custos de qualquer ordem, principalmente de ordem tributária e previdenciária. Sendo assim a referida cláusula é nula de pleno direito, conforme indica o § 6º do artigo 1º da predita Lei n.º 9.870/99:
"Art. 1º. (....).
§ 6º Será nula, não produzindo qualquer efeito, cláusula contratual de revisão ou reajustamento do valor das parcelas da anuidade ou semestralidade escolar em prazo inferior a um ano a contar da data de sua fixação, salvo quando expressamente prevista em lei."(grifo e negrito do autor)
Agindo assim os representantes legais das duas rés estão cometendo os crimes previstos nos incisos II e III do artigo 6º da Lei nº 8.173, de 27 de dezembro de 1990, que tem a seguinte redação:
"Art. 6º. Constitui crime da mesma natureza:
(....);
II - aplicar fórmula de reajustamento de preços ou indexação de contrato proibida, ou diversa daquela que for legalmente estabelecida, ou fixada por autoridade competente;
III - exigir, cobrar ou receber qualquer vantagem ou importância adicional de preço tabelado, congelado, administrado, fixado ou controlado pelo Poder Público, inclusive por meio da adoção ou de aumento de taxa ou outro percentual, incidente sobre qualquer contratação.
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, ou multa."
Falando agora do dever de o conteúdo do contrato obedecer ao Código de Proteção e Defesa do Consumidor, é importante lembrar que é incumbência do Estado de proteger o consumidor dos riscos, patrimoniais e/ou morais, decorrentes das relações de consumo. Nesse sentido, a lei protetiva visa anular a superioridade do fornecedor, estabelecendo um equilíbrio nas relações de consumo.
A ré desrespeitou e continua desrespeitando os direitos básicos do consumidor, principalmente o disposto nos artigos 6º, inciso V, e 51, inciso XV, da lei protetiva, já transcritos anteriormente nesta peça.
A Lei nº 8.078/90 não apresenta meias verdades, é norma expressa, clara e de aplicação imediata em benefício do interesse público, que não pode ser prejudicado diante dos interesses daqueles que, através de cláusulas ilegais e abusivas, pretendem obter para si vantagem manifestamente excessiva, abusivas e ilícitas, em prejuízo do consumidor.
Para que não paire mais nenhuma dúvida a respeito da lesão praticada pela ré, cita-se o artigo 39, incisos V e XI, da Lei 8078/90:
"Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
(....);
V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;
(....);
XIII - aplicar fórmula ou índice de reajuste diverso do legal ou contratualmente estabelecido."
É importante ressaltar que este inciso XIII foi inserido no artigo 39 do CDC justamente pelo artigo 8º da Lei de Mensalidade Escolar (Lei nº 9.870, de 23 de novembro de 1999), não restando, portanto, qualquer dúvida a respeito de sua inteira aplicação ao caso em exame.
A ré pode tentar justificar a manutenção da cláusula tida como abusiva dizendo que ela tem supedâneo no artigo 2º da Medida Provisória nº 1.733-62, de 2 de junho de 1999, e seguintes, como fez ao responder as notificações ministeriais nº 072/99 e 125/99(23) (f. 68 do IC).
A título de elucidação, transcreve-se em seguida o referido artigo:
"Art. 2º As entidades particulares de ensino que perderam, com a edição da Lei nº 9.732, de 11 de dezembro de 1998, a condição de filantrópicas e, por conseguinte, as isenções fiscais e previdenciárias, poderão incluir no total anual de 1999 as despesas com o recolhimento daqueles encargos."
Mister se faz observar que a Lei nº 9.870/99, que veio ao mundo em novembro de 99, não recepcionou a referida Medida Provisória no que diz respeito à possibilidade de a segunda requerida repassar para os alunos quaisquer incidências, seja ela de ordem tributária, previdenciária ou de qualquer outra natureza.
Assim, vê-se que a cláusula 2.1 – elaborada pela UCDB em dezembro de 98, seis meses antes do advento da referida MP 1.733-62 – além de ferir o princípio da anualidade da majoração das prestações não ficou acobertada pela referida MP.
A mesma ilegalidade contém a cláusula 2.3, elaborada em dezembro/99, para vigorar no ano letivo de 2.000, já que a Lei de Mensalidade Escolar, anterior a referida cláusula, confirma expressamente a impossibilidade de haver mais de um aumento anual e não mais contempla a absurda exceção prevista na MP 1.733-62 e seguintes.
Já a cláusula 2.2, elaborada em junho/99, para vigorar no segundo semestre de 99, só poderia ter sua validade garantida, no período de 2 de junho/99 a 23 de novembro/99, quando vigoraram as Medidas Provisórias nº 1.733-62, 63, 64, 65, 66 e 67, se estas normas fosse, consideradas legais.
Evidentemente que a legalidade de tal cláusula é altamente contestável, já que as medidas provisórias que lhe deram guarida ofendem norma de ordem pública e de interesse social que tem suas raízes em direito fundamental do cidadão (cláusula pétrea) que não pode ser modificado nem por emenda à constituição. Apesar de elas disporem que as universidades poderiam repassar para as mensalidades dos alunos os valores referentes às contribuições previdenciárias e aos pagamentos de tributo feitos em razão da perda do título de entidade filantrópica, a universidade ré não poderia ter feito os aumentos que fez, por estar modificando unilateralmente um contrato em andamento, em evidente ferimento ao disposto no artigo 51 inciso X do CDC, assim redigido:
"Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
(....);
X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral;
(....);
XIII - autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração".
A ilegalidade foi reconhecida pela própria Lei nº 9.870/99 (Lei de Mensalidade Escolar) que não repetiu as aberrações contidas nas supramencionadas medidas provisórias.
Nestas condições, cabíveis é a aplicação do disposto nos artigos 41 e 42 do CDC, in verbis:
"Art. 41. No caso de fornecimento de produtos ou de serviços sujeitos ao regime de controle ou de tabelamento de preços, os fornecedores deverão respeitar os limites oficiais sob pena de, não o fazendo, responderem pela restituição da quantia recebida em excesso, monetariamente atualizada, podendo o consumidor exigir, à sua escolha, o desfazimento do negócio, sem prejuízo de outras sanções cabíveis."
Desta forma, não havendo disposição legal que permita a majoração de mensalidade em período inferior a um ano, devem ser tidas como nulas todas as cláusulas que a autorizam, devendo as rés ser proibidas de inserirem em contratos futuros disposição desse jaez e ser, ainda, condenada a devolver, devidamente atualizado, tudo quanto já cobrou a maior.
10. Da ilegalidade de incidência de penalidades em razão de atraso de pagamento de mensalidades cujos serviços não foram ainda prestados e da abusividade da cobrança de juros e multa indevidos:
O contrato de prestação de serviços educacionais é, conforme lei específica, previsto para 6 ou 12 meses de duração, o que corresponde a um semestre ou a um ano letivo. Apesar da ré denominar de "matrícula" o primeiro pagamento efetivado pelo acadêmico, na verdade, esta corresponde à primeira parcela (referente ao mês de janeiro) das 6 ou 12 previstas contratualmente.
Seria de todo conveniente que o pagamento das mensalidades fosse efetivado sempre no último dia de cada mês, pois dessa forma a satisfação da obrigação corresponderia sempre a um serviço efetivamente prestado.
Porém não é esta a prática da segunda ré. Eis a cláusula que prevê a data do vencimento da mensalidade:
"2.3 - A primeira parcela será paga quando do requerimento de matrícula, sendo requisito indispensável para o deferimento da mesma".
"2.4 - As demais parcelas vencem no dia 15 (quinze) de cada mês".
Da mesma forma que ocorre com outras cláusulas contratuais, a universidade ré busca, através de seu contrato de adesão, cercar-se de toda segurança, para atingir seu fim último, o lucro excessivo, extrapolando, para isto, normas de interesse público, apesar de se intitular uma instituição sem fins lucrativos(24).
Vê-se, como isso, que o acadêmico é obrigado a pagar a mensalidade integralmente no dia 15 de cada mês, independentemente do dia em que fez o pagamento da primeira parcela, o que acaba por ofender o princípio da periodicidade do pagamento das prestações, em relação à segunda parcela, e a imposição de pagar por serviços ainda não prestados, sob pena de, não o fazendo, pagar juros e multa indevidos, além do que, quando deixa a universidade antes de receber o serviço não lhe é devolvido os valores que pagou a mais, como se verá adiante com mais vagar, no momento correto.
É evidente o abuso consistente em impor ônus de atraso sobre parcelas cujos serviços não foram sequer prestados.
11. Da incidência ilegal de juros, multas e correção monetária sobre o débito pago com atraso:
Enquanto a lei prevê multa de 2% sobre o valor pago em atraso e juro de 1% ao mês, ou 0,033% ao dia, a universidade ré chegou a cobrar a multa por atraso no percentual de até 5% e juros diários de 0,16% a 0,33%, com clara ofensa aos artigos: a) 52, § 1º do Código de Defesa do Consumidor; b) 1º, § 3º, da Lei de Usura (Decreto 22.626, de 07/04/1933), c) 4, letra "a", da Lei 1.521, de 26/12/1951; d) 21, item 3 do Decreto 678, de 06/11/1992, que promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de São José da Costa Rica, de 22 de novembro de 1969; e e) 194, § 3º, da Constituição Federal, assim redigidos:
"Art. 52. (....);
(....);
§ 1º. As multas de mora decorrentes do inadimplemento de obrigações no seu termo não poderão ser superiores a dois por cento do valor da prestação."
"Art. 1º - É vedado, e será punido nos termos desta Lei estipular em quaisquer contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal.
(....).
§ 3 - A taxa de juros deve ser estipulada em escritura pública ou escrito particular, e, não o sendo, entender-se-á que as partes acordaram nos juros de 6% (seis por cento) ao ano, a contar da data da propositura da respectiva ação ou do protesto cambial."
"Art. 4º - Constitui crime da mesma natureza a usura pecuniária ou real, assim se considerando:
a) cobrar juros, comissões ou descontos percentuais, sobre dívidas em dinheiro, superiores à taxa permitida por lei; cobrar ágio superior à taxa oficial de câmbio, sobre quantia permutada por moeda estrangeira; ou, ainda, emprestar sob penhor que seja privativo de instituição oficial de crédito".
"Art. 21. (....).
3. Tanto a usura como qualquer outra forma de exploração do homem pelo homem devem ser reprimidas pela lei."
"Art. 192 (....).
§ 3º - As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar".
Apesar do contrato de adesão utilizando atualmente pela segunda ré não mais prever estas cobranças ilegais, é preciso que se declare a nulidade destas cláusulas contidas nos contratos anteriores, bem como a proibição de incluí-las em contratos posteriores, posto que não se tem certeza de que está prática foi efetivamente banida nem que não será usada em contratos futuros se não houver uma proibição expressa do Poder Judiciário, além de haver necessidade de se determinar a devolução em dobro, devidamente corrigido e acrescido dos juros legais, de tudo quando já foi cobrado a mais a esse título.
Ainda, com clara ofensa ao princípio da anualidade, o que não pode continuar em razão da permissão da atualização do valor das mensalidades apenas um vez por ano, a correção monetária dos valores em atraso só pode ocorrer se o débito for do ano anterior. E, nesse sentido, o índice aplicado não pode ser superior ao aplicado para a correção dos valores da nova anualidade. Assim, aplicar, indiscriminadamente, correção monetária em todas as parcelas em atraso constitui, sem dúvida, prática abusiva, o que ocasiona enriquecimento indevido de uma parte e empobrecimento injusto da outra.
12. Da transferência para o consumidor dos custos da terceirização da cobrança de mensalidades atrasadas:
Nos últimos quatro anos, a segunda ré vem obrigando o consumidor a ressarcir os custos da cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido. Eis como essas condições foram inseridas, ao longo destes anos, nos contrato firmados com os consumidores:
"2.4 – O REQUERENTE está ciente que, após o segundo mês consecutivo de inadimplência, terá o seu nome cadastrado no SPC e a REQUERIDA poderá efetuar a cobrança judicial do débito e fica o REQUERENTE obrigado a arcar com as despesas decorrentes da cobrança, assim como os honorários advocatícios no percentual de 10% (dez por cento), caso pague o débito extrajudicialmente e de 20% (vinte por cento), no caso de cobrança judicial, bem como as custas judiciais e demais cominações legais". (Contrato de 1996)
"2.5 – O REQUERENTE está ciente que, após o segundo mês consecutivo de inadimplência, terá o seu nome cadastrado no SPC e a REQUERIDA poderá efetuar a cobrança judicial do débito, ficando o REQUERENTE obrigado a arcar com as despesas decorrentes da cobrança, assim como honorários advocatícios."(contrato de jan/1997)
"2.4 – (....), ficando o REQUERENTE obrigado a arcar com as custas processuais, multas, correção monetária, juros legais, honorários advocatícios e demais despesas decorrentes." (contrato de jun/97)
"2.5 – (....), a UCDB efetuará cobrança através do Escritório de cobrança contratado por ela, ficando o REQUERENTE obrigado a arcar com as multas, correções monetárias, juros legais e demais despesas decorrentes."(contrato de dez/98, mar/99)
"2.7 – Após do vencimento da parcela, UCDB efetuará a cobrança através de empresa especializada, contratada para esse fim, com o que o REQUERENTE manifesta expressa aquiescência, se obrigando a suportar as multas, correções monetárias, juros legais e demais despesas decorrentes".(contrato de jun/99 e dez/99)
As referidas cláusulas são nulas de pleno direito, nos termos da lei protetiva que assim dispõe:
"Art. 39 - É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços:
(....);
V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva.
E
Art. 51. São nulas de pleno de direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
(....);
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;
(.....);
XII – obriguem o consumidor a ressarcir os custos da cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor;(grifo do MP).
Parágrafo Primeiro - Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:
I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;
(....);
III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso".
Se a segunda ré prefere terceirizar o serviço de cobrança, para sua melhor comodidade, não pode o acadêmico ser obrigado a arcar com os custos desta opção da universidade. Até porque sua posição é bastante confortável, visto que o serviço que presta, é essencial para a sociedade, o que significa que ao final de cada período letivo, os acadêmicos se apressam em negociar as mensalidades atrasadas, vez que se não o fizer não conseguirão renovar suas "matrículas" para o próximo período letivo.
De mais a mais, são próprias rés que acabam provocando a inadimplência por estabelecerem valores abusivos que acabam inviabilizando o pagamento das mensalidades.
Os profissionais de direito e outros que fazem a cobrança devem receber pelos serviços prestados, mas quem tem a obrigação de os pagar são aqueles que os contrataram e não o consumidor que nada a tem a ver com essas avenças.
Isso sem dizer que, de acordo com as regras processuais, a fixação dos percentuais de honorários advocatícios e a condenação ao pagamentos das custas judiciais e demais cominações legais, em caso de perda da demanda, cabe ao Poder Judiciário e não à contratada que elabora o instrumento da avença de acordo com sua vontade onipodente, posto que existem situações em que a
13. Do acréscimo às mensalidades de valores correspondentes a estágio supervisionado, estágio de prática jurídica e trabalho de conclusão de curso, com ofensa à planilha de custo:
A segunda ré, em seus contratos, apresenta as seguintes cláusulas abusivas, referentes a estágio supervisionado, estágio de prática jurídica e trabalho de conclusão de curso: 2.7 do contrato de jan/96 (f.27), 2.6 e sub-itens do contrato de jun/96 (f.04), 2.7 e sub-itens do contrato de jan/97 (f.05), 2.7 e sub-itens do contrato de jun/97 (f.06), 2.11 e sub-itens do contrato de dez/98 (f.08), 2.11 e sub-itens do contrato de jun/99 (f.12), 3 e seus sub-itens e 4 e seus sub-itens do contrato de dez/99 (f.17), 3 e seus sub-itens e 4 e seus sub-itens, do contrato específico para o curso de direito de dez/99 (f. 19).
A abusividade das cláusulas citadas reside na cobrança de percentuais calculados sobre o valor das mensalidades para os serviços de estágio e orientação monográfica, como se tais serviços não fossem serviços educacionais. Ora, se os referidos serviços não fossem educacionais não seriam tidos como indispensáveis para a conclusão dos cursos.
Vale repisar que a atividade fim da segunda ré é a prestação de serviços educacionais, esta atividade é regulada pela Lei 9.870, de 23/11/99, que prevê em seu artigo 1º parágrafo 3º(25) que absolutamente todos os custos com o fornecimento do serviço, mesmo aprimoramentos didático-pedagógicos, devem estar previstos na planilha de custos, sob pena de estar ofendendo este importante documento que serve de norte para o consumidor e os órgãos de defesa do consumidor analisarem se os aumentos ocorridos se deram com base na norma em vigor.
Como se pode constatar, a elaboração da planilha é uma exigência legal, e é o momento em que a prestadora de serviços demonstra os custos gerais e específicos dos serviços a serem prestados. Tudo deve ser lançado na planilha, pois ela é o documento que vai definir os valores a serem cobrados.
A universidade ré lança em seu contrato cláusulas prevendo a cobrança sobre o valor das mensalidades de estágios e orientação a trabalhos de conclusão de curso (TCC), como se tais serviços não representassem prestação de serviço educacional, vez que além de pagar o valor das mensalidades, que já não é baixo, o acadêmico tem que pagar por outros serviços educacionais obrigatórios. É esta uma forma de majorar, de forma transversa, a mensalidade escolar com evidente lesão à lei que rege a matéria.
A título de exemplo, cita-se aqui a planilha do curso de direito matutino, contida à f. 54, onde está previsto o acréscimo de 30%, mais valor da orientação individual do TCC (trabalho de conclusão de curso ou monografia), sobre o valor fixado para a mensalidade para o ano 2.000. Este documento por si só comprova que os custos com estágio e orientação de TCC são fixados de forma aleatória, como se não integrassem os custos gerais e específicos da prestação do serviço educacional.
As prestadoras de serviços educacionais têm autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimônio. Mas tal não as libera da obrigação de lançar todos os gastos na planilha, de modo que o consumidor possa analisá-los e saber se estão corretos ou não.
É bom que fique claro que estágios e monografias são exigências do MEC para que o acadêmico possa concluir o ensino superior, tratando-se, portanto, de serviço educacional, e como tal deve estar integrado à planilha de custos.
Neste sentido, dispõe a Portaria nº 1886, de 30 de dezembro de 1994, do Ministério de Estado da Educação e do Desporto:
"Art. 3º O curso jurídico desenvolverá atividades de ensino, pesquisa e extensão, interligadas e obrigatórias, segundo programação e distribuição aprovadas pela própria Instituição de Ensino Superior, de forma a atender às necessidades de formação fundamental, sócio-política, técnico-jurídica e prática do bacharel em direito.
Art. 4º independentemente do regime acadêmico que adotar o curso (seriado, créditos ou outro) serão destinados cinco a dez por cento da carga horária total para atividades complementares ajustadas entre o aluno e a direção ou coordenação do curso, incluindo pesquisa, extensão, seminários, simpósios, congressos, conferências, monitoria, iniciação científica e disciplinas não previstas no currículo pleno.
Art. 9º Para conclusão do curso, será obrigatória apresentação e defesa de monografia final, perante banca examinadora, com tema e orientador escolhidos pelo aluno.
Art. 10º o estágio de prática jurídica, supervisionado pela instituição de ensino superior, será obrigatório e integrante do currículo pleno, em um total mínimo de 300 horas de atividades práticas simuladas e reais desenvolvidas pelo aluno sob controle e orientação do núcleo correspondente."
Essa forma de aumentar transversamente os valores da mensalidade ofende, igualmente, os dispostos nos incisos II e III do artigo 6º da Lei nº 8.173, de 27 de dezembro de 1990, já devidamente transcritos acima.
Assim, a UCDB deve comprovar documentalmente que não vem fazendo cobrança dúplice, sob pena de ser obrigada a devolver o que ilegal e abusivamente cobrou a maior dos consumidores, bem como deverá ser obrigada, doravante, a cobrar apenas os valores que constarem nas planilhas de custo.
14. Do ferimento ao princípio da isonomia, do aumento transverso da mensalidade escolar e da não-informação do percentual que será cobrado a título de monografia:
Ao cobrar a parte, a partir de janeiro de 2.000, os serviços correspondentes à orientação monográfica apenas dos estudantes de direito, embora esteja disposto o contrário em seu contrato padrão, a universidade ré, além de fazer cobranças não prevista na planilha, fere, sem dúvida, o princípio constitucional da igualdade previsto no artigo 5º, caput, da Constituição Federal, nos seguintes termos:
"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (....)."
Quando a universidade demandada desdobra a cobrança do estágio do pagamento da monografia, majorando, no total, o custo destes serviços, e não informando o percentual que incidirá sobre a monografia, ela acaba por aumentar, por meio transverso e de forma indevida e ilegal, o valor da parcela e por violar o princípio da informação. Viola ela também o princípio da informação quando, na cláusula 3.4 (f. 19) do contrato do curso de direito, estipula que o valor do estágio será pago, de forma diluída, durante todos os anos do curso, sem, entretanto, informar o percentual que incidirá sobre cada parcela nem como esses valores serão calculados. Da forma como age a UCDB, o estudante pode pagar 2, 3, 4 ou mais vezes pelo referido estágio, sem sequer perceber que está sendo lesão. Assim, quem ganha, como sempre, é a universidade, com o empobrecimento indevido de cada consumidor individual e com grande prejuízo para a economia popular. É esta também uma forma de aumentar o valor da mensalidade escolar, com enormes lucros indevidos para as rés.
Todo aumento, conforme prevê a Lei de Mensalidade Escolar, deve estar previsto na planilha de custo que deverá ser exibida aos interessados, para ver se os aumentos não foram abusivos. Qualquer aumento de custo só pode ser feito se obedecer, rigorosamente, a lei regente da matéria e com ampla divulgação aos contratantes.
Eis como dispõe a Lei 9.870, de 23/11/99, sobre o tema ora tratado:
"Art. 1º O valor das anuidades ou das semestralidades escolares do ensino pré-escolar, fundamental, médio e superior, será contratado, nos termos desta Lei, no ato da matrícula ou da sua renovação, entre o estabelecimento de ensino e o aluno, o pai do aluno ou o responsável.
§ 1º O valor anual ou semestral referido no caput deste artigo deverá ter como base a última parcela da anuidade ou da semestralidade legalmente fixada no ano anterior, multiplicada pelo número de parcelas do período letivo.
§ 2º (VETADO)
§ 3º O valor total, anual ou semestral, apurado na forma dos parágrafos precedentes terá vigência por um ano e será dividido em doze ou seis parcelas mensais iguais, facultada a apresentação de planos de pagamento alternativos, desde que não excedam ao valor total anual ou semestral apurado na forma dos parágrafos anteriores.
§ 4º Será nula, não produzindo qualquer efeito, cláusula contratual de revisão ou reajustamento do valor das parcelas da anuidade ou semestralidade escolar em prazo inferior a um ano a contar da data de sua fixação, salvo quando expressamente prevista em lei.
Art. 2º O estabelecimento de ensino deverá divulgar, em local de fácil acesso ao público, o texto da proposta de contrato, o valor apurado na forma do art. 1º e o número de vagas por sala-classe, no período mínimo de quarenta e cinco dias antes da data final para matrícula, conforme calendário e cronograma da instituição de ensino."
Assim, a majoração de serviço sem informar sequer o percentual incidente constitui grave infração aos princípios da transparência, informação, do equilíbrio, da boa-fé objetiva e da legalidade.
Com efeito, prevê o CDC:
"Art. 4º. A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
(....);
III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;
(....).
Art. 6º - São direitos básicos do consumidor:
(....)
III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem.
(....)
Art. 31 - A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.
(....)
Art. 39 - É vedado ao fornecedor de produtos e serviços, dentre outras práticas abusivas:
(....)
X - elevar sem justa causa o preço de produtos e serviços.
(....)
Art. 51 - São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
(....)
X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral;
(....)
Art. 52 - No fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre:
I - preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional;
II - montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros;
III - acréscimos legalmente previstos;
IV - número e periodicidade das prestações;
V - soma total a pagar, com e sem financiamento.
O Código de Defesa do Consumidor não pára por aí. Estipula ele como crime qualquer informação enganosa, mesmo por omissão:
"Art. 66. Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços:
Pena - Detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano e multa.
§ 1º. Incorrerá nas mesmas penas quem patrocinar a oferta.
§ 2º. Se o crime é culposo:
Pena - Detenção de 1 (um) a 6 (seis) meses ou multa."
Dessa forma, não há como admitir que as rés tratem os consumidores de forma diferenciada, aumentem indevidamente as mensalidades escolares e deixem de informar o percentual incidente sobre cada serviço que oferece.
15. Da retenção indevida de valores de quem, apesar de pagar de forma diluída durante o Curso de Direito, por algum motivo, não faz o Estágio de Práticas Jurídicas e da omissão de informar os custos decorrentes da elaboração dos trabalhos monográficos para os acadêmicos de Direito:
O pagamento do estágio de Direito, de forma diluída nas prestações, durante todo o curso, acaba por evidenciar uma grave lesão àqueles que, por algum motivo, não concluem o curso, posto que os valores correspondentes não lhes são devolvidos, mesmo porque não há previsão desse dever da UCDB no contrato padrão.
Nestas condições, há ofensa ao princípio do não enriquecimento sem causa, tão bem exposto nos incisos II, IV e XV do artigo 51 da Lei 8.078/90, nos seguintes termos:
"Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
(....);
II - subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste Código
(....);
IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou seja, incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;
(....);
XV – estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor".
Não há como deixar de obrigar a ré a inserir em seu contrato a obrigação de devolver todos os valores pagos a título de EPJ, quando o aluno, por algum motivo, não o fizer, e de lhes condenar a devolver todos os valores que já receberam dos alunos que, apesar de terem pago os valores correspondentes, não fizeram a referida prática, sob pena de se estar admitindo que as rés causem lesões irreparáveis aos consumidores.
A omissão de informar os custos decorrentes da elaboração dos trabalhos monográficos para os acadêmicos de Direito constitui ferimento aos princípios da informação e da boa-fé. O consumidor tem o direito de saber, de maneira clara e objetiva, todos os custos incidentes sobre os serviços que são prestados, principalmente para saber se tais valores não estão sendo cobrados de forma duplicada, como certamente está ocorrendo no presente caso.
16. Da cobrança de valores por serviços não prestados em caso de trancamento de matrícula e de transferência:
Em total dissonância com os princípios do equilíbrio contratual, da boa fé, da proibição do enriquecimento sem causa e da proporcionalidade, a cláusula 3.1 do contrato elaborado e usado pelas rés obrigam ao estudante-contratante a pagar o valor total da parcela relativa ao mês em que ocorrer o trancamento da matrícula ou a transferência para outro estabelecimento de ensino.
Essa previsão, como já dito, é muito injusta, posto que obriga os consumidores a pagar por serviço não prestado.
Na verdade, como os alunos fazem o pagamento das parcelas adiantadamente, eles não devem pagar mais nada, no momento da desistência. Deveriam sim, como devem, receber de volta os valores que pagaram sem que o serviço correspondente fosse prestado.
A lesão é fácil de ser entendida. Com dois exemplos apenas a situação se esclarece. Primeiro. No contrato de f. 08-09, feito em 1º de dezembro de 1998 (só com a assinatura do representante da universidade demandada e de duas testemunhas, posto que o contratante não assinou, não se sabendo, aliás, quem é o consumidor), para vigorar, com toda certeza, no primeiro semestre de 1999 (não existe data de início nem do fim do contrato), a primeira parcela só poderá ter sido paga (conforme previsão contida no requerimento de matrícula, no sentido de que a primeira parcela será paga no ato da matrícula) no mesmo dia 1º de dezembro de 1999. Assim, quando esse REQUERENTE, a quem, a título de identificação, denominar-se-á doravante de Paulo, iniciou suas aulas no dia 1º de fevereiro/1999, já havia pago 2 parcelas, sem ter recebido qualquer serviço, sendo certo que no dia 15 de fevereiro de 1999, já terá pago a 3ª parcela e recebido apenas 15 dias de aula (computados aí sábado, domingo e feriados – a 1ª, no dia 1/12/98, a 2ª, no dia 15/01/99, a 3ª, no dia 15/02/99). Supondo que Paulo, peça transferência no dia 19 de fevereiro, estará obrigado, por força de cláusula abusiva acima referida, a pagar mais uma parcela no dia 15 de março/99. Concluindo: Paulo deixará a universidade após ter pago valores correspondentes a 4 meses de mensalidade, recebido apenas 19 dias de aula e sem qualquer direito a devolução. Será isso legal, justo e moral, principalmente para quem, na cláusula 1.1 (f. 08 do IC), diz que vai "fornecer seus serviços educacionais à luz do evangelho e nos moldes da filosofia salesiana"? Quão boa é essa filosofia salesiana para as rés e quão injusta é ela para os consumidores!
Segundo exemplo. No requerimento de f. 15, feito em 22 de dezembro de 1997, para o ano de 1998, o requerente Wallace Moraes pagou, por força da cláusula 2.2 (f. 08), a primeira parcela no ato da assinatura do referido requerimento. Assim, se esse acadêmico, como no exemplo anterior, fizer sua transferência no dia 19 de abril/88, ele terá pago 5 mensalidades (a 1ª, no dia 22/12/87, a 2ª, no dia 15/01/88, a 3ª, no dia 15/02/88, a 4ª, no dia 15/03/88, e a 5ª, no dia 15/04/88), para receber apenas 2 meses e 19 dias de aula e com a obrigação de pagar mais uma parcela, a correspondente ao dia 15/05/99, o que é, naturalmente, uma ofensa ao bom senso até do pior ateu que exista na face da terra.
Mesmo que o pagamento da primeira mensalidade se desse apenas um mês de antecedência em relação ao oferecimento do serviço, a injustiça ainda assim estaria configurada de uma forma ilegalmente inaceitável.
Assim, essa cláusula – para fazer a devida justiça, estar de acordo com a lei e, porque não dizer, para não contrariar os ensinamentos dos evangelhos cristãos – deveria ter a seguinte redação:
"3.1; O trancamento da matrícula ou transferência para outro estabelecimento de ensino dará ao consumidor o direito de receber de volta tudo quando pagou adiantadamente à contratada, descontados apenas os valores devidos aos serviços já prestados, calculados esses de forma proporcional."
A permanecer como está a referida cláusula 3.1, por não prever o reembolso de quantias pagas e ainda exigir pagamento de quantia relativa a serviços não prestados, continuará a ofender os dispostos nos incisos II, IV e XV do artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor, sendo, portanto, nula de pleno direito.
17. Da aplicação de medidas antipedagógicas contra acadêmicos cujos pais ou representantes legais se encontram inadimplentes:
A princípio, fingindo-se de certinha, legalista e cristã, a universidade requerida prevê o óbvio ao dispor que "a ausência às aulas ou o abandono do curso não retira do REQUERENTE a obrigação ao pagamento das parcelas vencidas ou vincendas". Até aí, quase tudo certo. Só que a partir desse momento, ela passa a colocar complicadores ilegais em jogo, para condicionar a rescisão contratual a medidas que a lei não autoriza.
Embora, a primeira vista, pareça que as responsabilidades do consumidor cessarão com a formalização do afastamento, as citadas cláusulas 3.4 e 3.3 condicionam a desistência, trancamento de matrícula ou a transferência do acadêmico ao pagamento das parcelas devidas e a quitação de eventuais débitos perante a biblioteca.
Claro que o que preocupa aqui não é a afirmação de que "as obrigações pecuniárias perdurarão até que ‘esses requisitos’ sejam atendidos integralmente"¸ posto que não tem sentido. Em verdade, as obrigações pecuniárias perduram até que elas sejam pagas, independentemente de qualquer outra exigência esdrúxula feita pela ré.
O que causa espanto e demonstra a total arbitrariedade da requerida é o condicionamento do deferimento do pedido de afastamento ao pagamento das parcelas devidas e quitação de eventuais débitos.
Primeiro, porque desistência, trancamento de matrícula ou transferência do acadêmico para outra instituição de ensino superior não depende em nada da aquiescência da universidade ré, mas tão somente da vontade do acadêmico. Portanto, não necessita ele de fazer qualquer requerimento a quem que seja. Não precisa ele de pedir as bênçãos de ninguém nem de beijar as mãos do Senhor Pe. Reitor. Para a concretização da sua vontade, basta, no primeiro caso (desistência), que o consumidor comunique tal fato à contratada; e, no segundo e terceiro casos (trancamento de matrícula e transferência), que ele solicite à segunda ré que expeça os documentos necessários para tal fim, não podendo ela se negar sob qualquer pretexto, muito menos sob a alegação da existência de dívida, com o fim de coagir o consumidor a pagá-la.
O direito da contratada de receber pelos serviços prestados e o dever do contratante de pagar pelos mesmos não autorizam a instituição demandada a aplicar medidas defesas por lei para receber seus créditos.
Neste aspecto, a legislação é claríssima.
O Código de Defesa do Consumidor não admite, de forma alguma, que o consumidor seja exposto a ridículo, nem submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça na cobrança de dívida. Tanto é verdade que dispõe penalidades civil e penal para quem assim proceder.
A penalidade civil (econômica) está prevista no seu artigo 42, caput e parágrafo único, assim redigida:
"Art. 42. Na cobrança de débitos o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.
Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro ao que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável."
A medida penal cabível está disposta em seu artigo 71, que tem a seguinte redação:
"Art. 71. Utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas, incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer:
Pena - Detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano e multa."
O Código Penal, em seu artigo 345, também estipula sanções para o fornecedor que, ignorando os meios legais, faz justiça com as próprias mãos:
"Art. 345 - Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite".
De forma cristalina, se verifica que a atitude tomada pelo Reitor da UCDB traz aos acadêmicos constrangimento não autorizado por lei, expondo-os a ridículo injustificado.
A Lei nº 9.870, de 23 de novembro de 1999, que trata da matéria, não só não permite o referido comportamento como também o proíbe expressamente, como se vê pelo disposto em seu artigo 6º, "caput" e § 1º, "in verbis":
"Art. 6º São proibidas a suspensão de provas escolares, a retenção de documentos escolares ou a aplicação de quaisquer outras penalidades pedagógicas por motivo de inadimplemento, sujeitando-se o contratante, no que couber, às sanções legais e administrativas, compatíveis com o Código de Defesa do Consumidor, e com os arts. 177 e 1.092 do Código Civil Brasileiro, caso a inadimplência perdure por mais de noventa dias.
§ 1º Os estabelecimentos de ensino fundamental, médio e superior deverão expedir, a qualquer tempo, os documentos de transferência de seus alunos, independentemente de sua adimplência ou da adoção de procedimentos legais de cobranças judiciais."
A Medida Provisória nº 1.733-XX, que disciplinou a matéria até o dia 23 de novembro de 1999, quando foi sancionada a Lei de Mensalidades Escolares, não dispunha de forma diferente, como comprova seu artigo 7º:
"Art. 7º - São proibidas a suspensão de provas escolares, a retenção de documentos escolares, inclusive os de transferência, ou a aplicação de quaisquer outras penalidades pedagógicas, por motivo de inadimplemento." (f. 163 dos autos de IC 031/98).
A Lei nº 8.170, de 17 de janeiro de 1991, que vinha sendo mantida revogada por sucessivas Medidas Provisórias e agora, definitivamente, pela atual Lei de Mensalidades Escolares, apresentava idênticas proibições em seu artigo 4º.
Embora o estabelecimento réu tenha o direito de receber os valores que lhe são devidos, sejam eles de que ordem for, não pode seu representante legal lançar mãos de meios proibidos por lei para tanto. Deve ele se valer dos "procedimentos legais de cobranças judiciais", como previsto pelo parágrafo 1º, "in fine", do artigo 6º da Lei 9.870/99.
Nesse sentido já vinha decido o Judiciário, como se vê pelos traslados abaixo:
"Vê-se, pois, que a instituição de ensino deve usar dos meios legais disponíveis para o recebimento de seu crédito e não vedar o acesso da impetrante a documentos de interesse de sua vida acadêmica" (Dra Janete Lima Miguel, Juíza Federal Substituta, ao conceder liminar no Mandado de Segurança nº 98.3128-6).
"ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. CANCELAMENTO DE FREQÜÊNCIA POR ATRASO NO PAGAMENTO DAS MENSALIDADES.
Não há previsão legal para cancelamento de matrícula por falta ou atraso no pagamento de mensalidades. Todo débito se extingue, se não atendido a tempo, através de execução compulsória judicial e não pela coação administrativa." (AMS Nº 89.01.15450-6/MG – Relator: Euclydes Aguiar – TRF da 1ª Região, 1ª Turma – DJU de 26.03.90, Seção II, 4.987).
Aliás, o próprio contrato usado pela ré, excluídos os excessos, já prevê as medidas que se pode tomar em caso de inadimplência.
Assim exposta a questão, percebe-se que as preditas cláusulas, por serem ilegais e abusivas, não podem permanecer no contrato.
18. Da ilegalidade consistente em obrigar o aluno a pagar por serviços não prestados por não requerer à UCDB a rescisão contratual:
A ilegalidade da supracitada cláusula 3.4. não está em exigir dos acadêmicos o pagamento das parcelas vencidas, mas em criar a obrigação de os consumidores desistentes pagar as mensalidades escolares até que seu afastamento da universidade seja formalizado.
Claro está que o acadêmico deve pagar pelos serviços que recebeu. Daí a necessidade de se saber exatamente o que o aluno já pagou e o que ele deve pagar, em virtude até do fato de que, como visto acima, ele paga as parcelas adiantadamente.
O segundo ponto a examinar é a necessidade de se esclarecer até que momento o aluno que desistiu das aulas sem comunicar à contratada (ou porque ficou impossibilitado de assim proceder ou porque negligenciou neste aspecto) deve ficar vinculado ao contrato, sendo obrigado a pagar por serviços que não lhe foram prestados.
Em relação a esse aspecto da questão, a solução é clara. O aluno só deve ser responsabilizado pelo pagamento dos serviços que efetivamente recebeu. Assim, diante da proibição legal e moral do enriquecimento sem causa, não tem como cobrar do contratante por um serviço que não foi prestado e que nunca o será. Não faz sentido, portanto, que o contrato fique em vigor e os débitos continuam a se amontoarem até a formalização do afastamento. Há de se fixar um prazo razoável dentro do qual o consumidor fique obrigado pelos termos do contrato. Após isso deve haver a liberação. Não se pode criar um vínculo eterno, com nítido prejuízo para o contratante e vantagem indevida para a contratada. Vale aqui o aforismo latino de que "in medio stat virtus(26)", sob pena da radicalização trazer lesões irreparáveis e débitos inadimplíveis para a parte mais vulnerável da relação de consumo.
19.Da ofensa ao direito de escolha e de igualdade das partes e da criação de situação de superendividamento do consumidor, com vantagens indevidas para a ré:
Ao obrigar o consumidor a fazer requerimento de desistência, de trancamento de matrícula ou de transferência e ao condicionar o seu deferimento a critérios ilegais criados por ela, a universidade processada fere a liberdade de escolha do consumidor, o equilíbrio contratual, a igualdade das partes e a harmonia que deve reinar nas relações de consumo, direitos estes indisponíveis, posto que previstos por norma de ordem pública e de interesse social.
Em verdade, quando o consumidor adquire um produto ou se utiliza de um produto, ele busca satisfazer um necessidade básica sua que um direito básico seu. Não pode ele, portanto, ser impedido de satisfazer suas necessidades nem ser obrigado a continuar se utilizando de um serviço que já não mais lhe satisfaz ou que não mais deseja.
Todos os direitos acima citados estão dispostos em diversos artigos do Código de Defesa do Consumidor, como se verá em seguida, e em outras normas esparsas, como é o caso da Lei nº 8.173, de 27 de dezembro de 1990, que tipifica, no seu artigo 5º, incisos II e III(27), como crime a venda casada.
Eis, a título de exemplo, alguns artigos do código que dão embasamento ao entendimento ora defendido:
"Art. 4º. A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
(....);
III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;
(....).
Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:
II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;
(....).
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;
II - recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes;
III - enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço;
IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços;
VI - executar serviços sem a prévia elaboração de orçamento e autorização expressa do consumidor, ressalvadas as decorrentes de práticas anteriores entre as partes;
(....);
IX - recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais;
(....)
Parágrafo único. Os serviços prestados e os produtos remetidos ou entregues ao consumidor, na hipótese prevista no inciso III, equiparam-se às amostras grátis, inexistindo obrigação de pagamento.
Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.
(....).
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
(....);
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;
Art. 54. – (....).
(....).
§ 2º. Nos contratos de adesão admite-se cláusula resolutória, desde que alternativa, cabendo a escolha ao consumidor, ressalvando-se o disposto no § 2º do artigo anterior."
Já se disse alhures nesta petição que, em vários momentos, o contrato padrão usado pela universidade mantida pela primeira ré possibilita a cobrança de serviços não prestados. Uma dessas cobranças se dá em razão das cláusulas ora examinadas. Quando a UCDB condiciona o deferimento do pedido de afastamento dos acadêmicos (desistência, trancamento de matrícula, transferência para outra universidade) à quitação de todos os débitos existentes para com a universidade (mensalidades em atraso,"taxa" de biblioteca, multa por atraso na entrega de livros emprestados, etc.) e ainda prevê que a ausência às aulas não isentará o acadêmico do pagamento das mensalidades relativas aos meses subseqüentes, o faz para tirar proveito próprio em prejuízo do acadêmico. Toma essa atitude justamente para prender o aluno a faculdade com o fim de que seu débito só venha a aumentar. É a criação de um contrato cativo, com o fim de escravizar o consumidor, para que seu crédito cresça cada vez mais em total proveito para ela. É uma forma de extorquir quantias indevidas do aluno desistente, piorando ainda mais a situação econômica daquele que, muitas vezes, vê na rescisão contratual ou no trancamento da matrícula a única forma de pôr sua vida financeira em dia e não ser tido como caloteiro.
Tal previsão contratual está eivada de vício, sendo, portanto nula de pleno direito, vez que agrava a situação do acadêmico que já sem condições de adimplir as mensalidades, decide interromper o curso. A segunda ré ao invés de prever uma negociação com este acadêmico, não o faz, prefere forçá-lo a continuar como acadêmico, fazendo com que sua dívida se transforme em uma "bola de neve".
O absurdo da condição estabelecida por esta ré se verifica quando se imagina um acadêmico que, devendo três meses, decide trancar a matrícula para tentar honrar as dívidas já existentes, visto que tem consciência que não terá condições de assumir novas dívidas para com a universidade. Ocorre que, ao requerer o pedido de trancamento de matrícula, este é indeferido, sob a alegação de existirem débitos. Assim, o consumidor acaba por ficar sem saída para resolver seu problema, posto que, após 3 meses, quando consegue dinheiro para pagar as três primeiras parcelas em débitos já existem mais três parcelas a mais a pagar.
É a total ilegalidade, falta de boa-fé, solidariedade humana e de amor cristão. A dita educação com base no evangelho é pura balela. É hipocrisia mesmo. É farisaísmo puro. O que impera no contrato não é a lei do amor, mas a da usura pecuniária.
Quem discordar destas constatações que apresente as provas para tentar demonstrar o contrário.
O artigo 51, inciso IV(28), da lei protetiva, dispõe que é nula de pleno direito cláusula como essa, pela qual se estabelece uma obrigação abusiva ao consumidor, colocando-o em desvantagem exagerada.
No dizer ainda do artigo 6º, inciso IV, e 51, § 4º, do CDC, estas cláusulas são daquelas que impõem métodos comerciais coercitivos e desleais e que não asseguram o justo equilíbrio entre os direitos e as obrigações das partes.
Por serem vis, ignóbeis e injustas tais disposições devem ser retiradas do contrato. Elas só são boas para a fornecedora arbitrária, usurária e injusta.
20. Do cancelamento unilateral da matrícula e a qualquer época, a critério exclusivo da UCDB:
Os contratos formulados unilateramente pela segunda ré, além de todas as abusividades que apresentam, como já demonstrado, ainda lhe dá, através da cláusula 6.3, "super poderes", propiciando-lhe cancelar a matrícula a qualquer época, no caso de entender que houve vícios ou irregularidades praticadas pelos acadêmicos, sem, entretanto, prever qualquer direito de defesa para eles, com evidente violação ao disposto no artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal(29).
Não é possível a arbitrária demandada dizer que o acadêmico feriu seus regulamentos ou qualquer outra norma que lhe vem na telha e, abusivamente, o expulsar. Tal ela só poderá fazer mediante as medidas legais que oportunize ao consumidor apresentar sua defesa de forma ampla e irrestrita, com direito aos recursos inerentes.
Ora, se aos piores dos bandidos é dado o direito de defesa e lhe é garantido aplicação do vetusto princípio "nullum crimen, nulla poena sine lege" (Feuerbach)(30), por que razão que com os estudantes universitários há de ser diferente?
Esta ilegalidade configura também aplicação de medidas antipedagógicas, veementemente condenada pela Lei de Mensalidade Escolar, posto que é, com certeza, uma forma de expurgar de seus quadros os acadêmicos que não está agradando a instituição, ou por ter débito para com ela ou por lhe estar acionando judicialmente ou por estar reclamando contra ela nos órgãos de defesa do consumidor em virtude de suas apropriações usurárias.
De qualquer forma, a rescisão contratual não se pode dar de forma unilateral, principalmente quando a decisão é tomada exclusivamente pelo fornecedor. Nos termos do artigo 51, inciso XI, e 54, § 2º, c.c. o inciso XV do referido artigo 51, todos do CDC, tal forma de proceder constitui-se em um ato nulo de pleno direito.
Eis, para conferência, como os preditos dispositivos tratam a questão:
"Art. 51 – São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
(....);
XI – autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente sem que igual direito seja conferido ao consumidor.
(....).
XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor;
(....).
Art. 54. (....).
§ 2º. Nos contratos de adesão admite-se cláusula resolutória, desde que alternativa, cabendo a escolha ao consumidor, ressalvando-se o disposto no § 2º do artigo anterior."
A prefalada disposição contratual ofende também os princípios da informação, da transparência e da boa-fé, por não deixar explícito no instrumento da avença a que vício ou a que irregularidade está se referindo a cláusula 6.3 em comento. O acadêmico não pode viver sob a ameaça de ser expulso a qualquer momento, sem saber sequer quais são os comportamentos que podem ocasionar o ato gravoso que lhe pode retirar o sonho de concluir seu curso superior pelo qual tanto lutou.
Diante de tantas e tamanhas abusividades e ilegalidades a combatida cláusula deve ser extirpada do contrato.
Outro aspecto que sobressai nesta questão é a omissão de previsão da devolução dos valores que o acadêmico expulso terá pago, sem que nenhum serviço lhe tenha sido oferecido, já que o pagamento das parcelas, como visto, é feito adiantadamente. A universidade demandada deve, para não se enriquecer, ilícita e ilegalmente, dispor em seu contrato sua obrigação de devolver os valores pagos quando os serviços correspondentes não tiverem sido prestados por ocasião da rescisão contratual, por expulsão.
Será que educar com base no evangelho é aproveitar-se da superioridade contratual para espoliar o consumidor indefeso que não reclama dos assaltos que lhes são feitos porque depende da vaga que conquistou a duras penas para conseguir um diploma superior, com o fim de, dignamente, ganhar a vida, nesta selva de humanos?
21. Da ilegalidade da expressão: "manifesta expressa concordância com que não lhe seja permitida a matrícula nos semestres seguintes do curso":
A disposição contida na cláusula 2.10 do contrato, no sentido de que o consumidor "manifesta expressa concordância" em que não lhe seja permitida a matrícula nos semestres seguintes do curso, se estiver inadimplente, representa uma afronta ao bom senso, à dignidade e à expressa vontade do consumidor e aos princípios que regem as relações do consumo, além de ser uma espécie de sadismo que busca satisfazer o ego do psicopata que elaborou tal cláusula.
As duas partes que participam da relação contratual devem agir com lealdade, bom senso, equilíbrio e boa-fé, sempre buscando o fim último da avença. Devem fazer de tudo para que esse objetivo seja atingido. A cláusula, da forma como foi redigida, representa uma afronta ao desiderato maior do contrato.
O acadêmico, quando ingressa na universidade, após o enfrentamento de um vestibular caro, concorrido e altamente desgastante, tem por objetivo único se formar no curso escolhido e, para tanto, fará qualquer esforço, inclusive procurando vencer todas as barreiras e limitações econômicas que sua situação financeira lhe impõe. Não será por conta de uma ou mais mensalidades atrasadas que ele irá desistir de alcançar o escopo almejado, depois de ter feito tanto sacrifício.
Para entender bem a questão, imagine, por exemplo, a situação de um estudante do último semestre (10º semestre de direito), já preste a concluir seu curso, que venha a ser impedido de continuar seus estudos porque não conseguiu, no semestre anterior, a pagar uma única prestação. Será que diante de tanta frustração, ele colocará no contrato que "manifesta expressa concordância" em que não lhe seja permitido a concluir seus estudos?
Só quem não tem calor humano, calor cristão(31), calor de gente; só quem nunca teve um filho nesta situação; quem nunca passou por dificuldades econômicas; quem nunca teve que deixar de fazer algumas refeições por dia para pagar seus estudos; quem nunca teve que ir para a faculdade sem jantar, porque não tinha condição para tal; só quem não teve que andar a pé ou de bicicleta longos quilômetros para chegar à universidade, posto que não tinha sequer o dinheiro do ônibus; só quem não entende os princípios da boa-fé objetiva, da transparência, da lealdade, da moralidade e da legalidade pode exigir um masoquismo deste de um estudante que sonha com o dia de pegar seu diploma, para, em melhor condição, entrar no mercado de trabalho e levar uma vida digna, uma vida verdadeiramente digna de um ser humano, num mundo altamente competitivo e desleal.
Por representar afronta direta à dignidade e à real vontade do consumidor, esta expressão deve ser retirada do contrato.
22. Da necessidade de se corrigir a obscuridade contida na cláusula 2.10 e de se corrigir a ofensa aos princípios da informação, do pacta sunt servanda e da boa-fé objetiva:
A predita cláusula 2.10. (f. 08 do IC), ao dispor que não será permitida a matrícula nos semestres seguintes do curso, em ocorrendo "qualquer inadimplência" contratual, ofende os seguintes artigos do Código de Defesa do Consumidor: artigo 4º (transparência das relações de consumo), artigo 6º, III (direito básico à informação), artigos 46(32) e 54, §3º(33) (clareza do sentido e do alcance da disposição contratual), na medida em que não deixa claro se o acadêmico que está impedido de renovar a matrícula é aquele que teve qualquer inadimplência ao longo do curso, inclusive em semestres anteriores, mesmo que já tenha saldado o débito, ou se é aquele que se encontra inadimplente no momento da renovação da matrícula.
A Lei nº 9.870, de 23 de novembro de 1999, que dispõe sobre o valor total das anuidades escolares, é clara em prever, em seu artigo 5º, que só não têm direito à renovação da matrícula o aluno que se encontrar inadimplente no ato da referida renovação e não aquele que, durante o curso, teve alguma inadimplência.
Eis, para conferência, o teor do referido dispositivo legal:
"Art. 5º Os alunos já matriculados, salvo quando inadimplentes, terão direito à renovação das matrículas, observado o calendário escolar da instituição, o regimento da escola ou cláusula contratual."
Apesar da clareza da disposição contida no supracitado artigo 5º, existe nesta disposição uma ofensa clara ao princípio da boa-fé objetiva previsto no Código de Defesa do Consumidor, tendo em vista que a lei protetiva veda a uma das partes tornar inviável a consecução última do contrato. Ambas as partes têm o dever de colaboração mútua para que o objetivo do contrato seja alcançado por todos os partícipes da avença.
Como todos sabem, em se tratando de contrato de oferecimento de serviços escolares para acadêmicos, o objetivo final da avença é a formação do estudante no curso escolhido. Não tem ele qualquer interesse e vantagem em fazer apenas alguns semestres e depois abandonar o curso ou ser impedido de continuar seu curso. Isso de nada lhe acrescenta, além de lhe trazer enormes desgastes morais, psicológicos, de tempo e de dinheiro.
O indigitado artigo fere, por isso mesmo, também o direito de todos à educação, nos exatos termos do artigo 205 da Constituição Federal que dispõe que "A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho".
A previsão contida no predito artigo 5º, em relação aos ensinos fundamental e médio não é tão drástica quanto para o ensino superior, posto que para os ensinos fundamental e médio há sempre a possibilidade de o aluno ir para outra escola particular, além de lhe restar assegurado, por lei(34), seu direito de continuar seus estudos em estabelecimentos públicos. Neste (no ensino superiro), entretanto, as chances de o acadêmico continuar seus estudos em outra instituição de ensino superior são praticamente inexistentes, o que levaria, fatalmente, a perda do vestibular feito, de todo o tempo e dinheiro despendidos até então, além de deixar no estudante uma grande frustração, por não conseguir seu objetivo que era a de obter uma melhor "qualificação para o trabalho".
Enquanto o referido artigo 5º da Lei de Mensalidade Escolar visa proteger o princípio da propriedade (um dos princípios gerais da atividade econômica) os artigos 4º, III, e 51, IV, da Lei nº 8.078/90 ampara o princípio da boa-fé. Vê-se que, no caso, não estão entrando em choque leis, mas sim princípios. Assim sendo, é oportuno frisar que quando uma lei conflita com outra, uma delas há de ceder o lugar à outra. Mas quando a colisão é entre princípios, estes devem ser obrigatoriamente harmonizados. Faz-se necessário, então, harmonizar esses dois princípios há pouco referendados, para que a questão seja resolvida de uma forma correta e salutar.
A forma mais lógica de harmonização do princípio da boa-fé com o interesse econômico das rés é deixar assente no contrato a possibilidade de os alunos renegociarem, de forma racional, seus débitos. Inviabilizar simplesmente a renovação da matrícula, por conta de débitos existentes, é sinônimo de radicalização e de ofensa ao referido princípio da boa-fé, posto que torna impossível a consecução do fim último da avença para o estudante que é sua formação em um curso superior.
Assim, a universidade ré, para não contrariar esta cláusula geral de boa-fé, deve permitir que o acadêmico renegocie seu débito e dê continuidade a seus estudos, conseguindo, assim, atingir o que almeja.
Não se pode deixar de dizer, para reforçar o que já foi dito até aqui, que a propriedade privada não pode desviar de sua função social.
Além disso, existe mais uma razão intransponível para que a universidade ré oportunize aos acadêmicos a renovarem a matrícula mediante renegociação da dívida. Essa razão se encontra exatamente na cláusula 1.1. do seu contrato padrão (f. 08) que estabelece que "os serviços educacionais serão prestados com base no evangelho e nos moldes da filosofia Salesiana".
É sabido que dentre os princípios que sustentam os evangelhos cristãos estão o amor, o perdão, a compreensão, a benignidade, a esperança e a justiça.
Um dos mandamentos da lei de Deus, previstos nos evangelhos, está aquele que prescreve que se deve amar a Deus sobre todas as coisas e "ao próximo como a si mesmo". Por outro lado, uma das sete petições do Pai Nosso, constante também dos evangelhos, está aquela que demonstra que o cristão deve perdoar os seus devedores.(35)
O Apóstolo Paulo, escrevendo aos Coríntios, dá a verdadeira dimensão do amor, com as seguintes palavras:
"O amor é paciente, é benigno; o amor não arde em ciúmes, não se ufana, não se ensoberbece, não conduz inconvenientemente, não procura os seus interesses, não se exaspera, não se ressente do mal; não se alegra com a injustiça, mas regozija-se com a verdade; tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. (....).
Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três; porém o maior destes é o amor." (1Co. capítulo 13, versículo 4, 5, 6 e 13)
A Filosofia Salesiana, por sua vez, está firmada no "Sistema Preventivo" de Dom Bosco, cujo tripé é a "Razão, Religião e o Amor". Nesse sentido dispõe com grande propriedade a cláusula 3ª do contrato padrão usado pelo Colégio Nossa Senhora Auxiliadora (CENSA), ao dispor que "O Centro de Ensino Nossa Senhora Auxiliadora – Censa – norteia sua ação aducacional pelos princípios do Sistema Preventivo de Dom Bosco, que é VER a realidade através da RAZÃO, JULGAR a realidade através da Religião, AGIR sobre a realidade numa situaçãode AMOR".
Ora, como se pode admitir que os representantes das rés possam agir sobre a realidade numa situação de amor, de fraternidade, se eles, ao invés de verem em primeiro lugar o ser humano, o jovem que precisa de auxílio, agem em relação a ele sem compreensão, sem fraternidade e sem benignidade?(36) Estão eles muito longe dos ensinamento de Dom Bosco que trabalhava exclusivamente para educar e auxiliar os jovens pobres e sem recursos financeiros da velha Itália.
Olha que não se está falando aqui em caridade, posto que seria exigir demais de uma instituição que se diz "filantrópica" como a UCDB. Está se falando aqui em boa-fé objetivo, em bom senso, em equilíbrio e em se fazer renegociação de dívida com quem se propõe a tanto, para que o objetivo do contrato não se transforme em frustração para o consumidor. Na verdade, está se buscando uma forma de se viabilizar a continuidade da avença.
Sem o oferecimento dessa possibilidade a quem se encontra, momentaneamente, em situação econômica ruim, caracterizado fica a ofensa aos princípios da informação e do pacta sunt servanda. Não pode a universidade ré prometer algo, como educar com base nos evangelhos cristãos e na filosofia de Dom Bosco, e deixar ela própria de seguir tais ensinamentos. Ou ela pratica o que prometeu ou seus representantes hão de responder por crime de publicidade enganosa.
A correção das irregularidades acima apontadas só ocorrerá se a cláusula em exame for redigida nos seguintes termos:
"2.10. Não será permitida a renovação da matrícula ao contratante que se encontrar inadimplente por ocasião da mesma e não se dispor a renegociar seu débito com a contratada".
23. Da ausência dos requisitos necessários para que o contrato de prestação de serviços educacionais tenha força de título executivo:
Em todas as avenças, a segunda ré adverte os acadêmicos consumidores de que o contrato de prestação de serviços educacionais por ela usado tem força de título executivo, na forma prevista no artigo 585, II, do CPC, já que o valor devido é apurável por simples operação aritmética.
Eis, a título de exemplo, como é redigida uma das cláusulas que tratam do assunto, no caso a cláusula 6 do contrato que se encontra à f. 08-09 do IC:
"6. O presente Contrato tem força de título executivo, na forma prevista no art. 585, II, do CP, não podendo ser alegada sua iliquidez, vez que o valor devido é apurável por simples operações aritmética, com base nos índices legais advindos de convenções, dissídios ou acordos coletivos de trabalho."
Tal afirmação só poderia ser feita por quem está a fim de lesar o consumidor de qualquer maneira e quer lhe infundir medo para que ele pague tudo o que de abusivo a contratada lhe exigir. Trata-se de uma disposição errônea e arbitrária, que peca contra a veracidade da informação e reforça as abusividades até aqui analisadas.
Para clarear a questão vale a pena examinar o teor do inciso II do artigo 585 citado nos contratos da segunda ré:
"Art. 585 – São títulos executivos extrajudiciais:
I - (....);
II – a escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor; o documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas".
Para início de conversa, deve-se dizer que, sem qualquer motivo justificável, os instrumentos contratuais usados pela UCDB não são sequer assinados pelos consumidores, mas tão somente pelo Pe. Reitor e por duas testemunhas. O único documento que assina o aderente é o "Requerimento de Matrícula" que, definitivamente, não pode ser considerado contrato.
Mesmo que o contrato de prestação de serviço educacional utilizado pela ré fosse assinado pelas partes contratantes e por duas testemunhas, ainda assim ele não poderia ser considerado um título executivo extrajudicial como quer a universidade ré. Essa é a conclusão que se chega depois de se ler a lição do renomado processualista Nelson Nery Junior que ensina:
"Os requisitos da certeza, liquidez e exigibilidade devem estar ínsitos no título. A apuração de fatos, a atribuição de responsabilidades, a exegese de cláusulas contratuais tornam necessário o processo de conhecimento e descaracterizam o documento como título executivo."(Código de Processo Civil Comentado, p. 1099, 4ª Edição, atualizado até 10/03/99, RT, SP) – negrito do MP.
Com o fim de completar seus ensinamentos, o próprio Nery cita um julgado que deixa claro que os contratos de prestação de serviços educacionais não são títulos executivos. Eis o teor do mesmo:
"Contrato de prestação de serviços educacionais. 1º TACivSP 40: "O contrato de prestação de serviços educacionais, mesmo quando subscrito por duas testemunhas instrumentárias, não é título executivo extrajudicial". No mesmo sentido TACivSP, Órgão Especial, Ujur 499461 – 4/01, rel. Juiz Octávio Helene Júnior, v.u., 11.8.94; 1º TACivSP, aP 750684-5, REL. Juiz Rizzatto Nunes, v.u., j. 7.10.1998." (Código de Processo Civil Comentado, p. 1102, 4ª Edição, atualizado até 10/03/99, RT, SP) – grifo e negrito do MP.
Assim, pelo menos por três motivos, o contrato usado pela segunda ré não pode ser tido como título executivo judicial. Primeiro. É impossível para a UCDB promover, por exemplo, com base no contrato, a execução da dívida de um acadêmico que, após 5 meses de aula, estivesse em débito para com ela, porque não conseguiria comprovar a liquidez do contrato que não indica quantas mensalidades das 6 devidas já foram saldadas e quantas restam a ser quitadas. Segundo. É também um absurdo considerar como título líquido e certo um contrato eivado de cláusulas abusivas, passível, portanto, de ser questionadas juridicamente. Terceiro. Os índices advindos de convenções, dissídios ou acordos coletivos de trabalho não têm aplicação no contrato em apreço. A atualização das mensalidades escolares só podem ocorrer apenas uma vez por ano.
Dessa forma, resta evidente que a cláusula número 6 dos contratos de jan/96, jan/97, jun/97, dez/98, mar/99 e jun/99 e cláusula 5 do contrato de jun/96 e cláusula 8.1 do contrato de dez/99, devem ser declaradas nulas, por não representarem a real situação jurídica do contrato, podendo representar um prejuízo ao consumidor enganado.
24. Da cobrança indevida de quem faz apenas uma ou algumas matérias:
Ao dispor que "as parcelas mensais são calculadas pela média de crédito do curso, e não pela carga horária efetiva do semestre", o contrato está a exigir o pagamento de serviços não prestados, principalmente para aquele que faz apenas uma ou algumas matérias, posto que tem que pagar como se estivesse fazendo o curso integral. Na realidade, o consumidor deve, em qualquer hipótese, pagar pelo que recebe, tanto é verdade que o pagamento feito por ele recebe o nome de contraprestação. Não pode haver assim pagamento que não represente um serviço prestado ou um produto recebido.
Esse modo de agir dos representantes legais da ré constitui-se em um subterfúgio ilegal que visa majorar o valor das prestações dos seus serviços, o que ofende, sem dúvida, o disposto no artigo 39, inciso X, do Codecon:
"Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
(....).
X - elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços."
Além do que caracterizar enriquecimento ilícito que contraria os dispostos nos incisos IV e XV e § 1º, I e III, do artigo 51 do CDC que dispõem:
"Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
(...);
IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou seja, incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;
(...)
XV – estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor".
(....).
§ 1º. Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:
I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;
(....);
III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.
Induvidosamente,
Não é por outra razão que a mesma lei protetiva dispõe:
"Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:
(....);
II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;
III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;
(....);
V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;
(....).
Nestas condições, a forma de agir da universidade ré deve ser urgentemente corrigida pelo Judiciário, obrigando-a a se submeter aos critérios estabelecido pela lei protetiva e não por sua ganância incontrolável.
25. Impossibilidade de uso futuro das cláusulas que forem consideradas abusivas pelo Judiciário:
Consoante o abalizado escólio de NELSON NERY JUNIOR,
"A cláusula declarada judicialmente como abusiva, não estará mais conforme o direito. Essa decisão terá eficácia erga omnes e ultra partes, no caso de haver sido pedido controle judicial abstrato, cujo objeto seja a proteção dos direitos difusos ou coletivos do consumidor (art. 103, CDC). Isso significa, em última análise, que a sentença que reconhece como abusiva determinada cláusula contratual funciona na prática como decisão normativa, atingindo o estipulante em contratações futuras, proibindo-o de concluir contratos futuros com a cláusula declarada abusiva judicialmente. Do contrário, não teria nenhum sentido a tutela contratual coletiva ou difusa do consumidor"(37).
Assim, impostergável e necessário é solicitar ao Poder Judiciário que proíba, sob pena de cometimento de crime de desobediência e de pagamento de multa, que a ré não volte a inserir em contratos futuros as cláusulas que forem tidas como abusivas nos contratos ora examinados.