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Manifestação da Defensoria Pública contra a ADIN dos bancos

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Agenda 01/07/2002 às 00:00

II-PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. DEFESA OBRIGATÓRIA.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 5º, inciso XXXII consagra entre os direitos e garantias fundamentais que "o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor".

Por seu turno, dispõe ainda o texto constitucional:

"Art.170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

I- soberania nacional;

II- propriedade privada;

III- função social da propriedade;

IV- livre concorrência;

V- defesa do consumidor;

VI- defesa do meio ambiente;

VII- redução das desigualdades regionais e sociais;

VIII- busca do pleno emprego

IX- tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País;"

Certo é que a tarefa do legislador infraconstitucional está em apenas criar mecanismos para a defesa do consumidor, posto que a defesa do consumidor já está assegurada pelo constituinte originário como verdadeiro direito subjetivo oponível ao particular e ao Poder Público, mormente em face da norma enunciada no artigo 5º, parágrafo 1º do Estatuto Máximo, in verbis: "As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicabilidade imediata".

Como afirma a Professora Doutora CLÁUDIA LIMA MARQUES, "a Constituição ordena a proteção do consumidor, presumido agente mais vulnerável do mercado, através da lei" [3].

Assim, o artigo 170 da Lei Maior, ao mesmo tempo em que consagra a livre concorrência e a livre iniciativa como princípios da atividade econômica, confere a mesma natureza jurídica à defesa do consumidor, que limita inevitavelmente aquelas, que a esta deve se harmonizar.

Importante destacar que, a justificativa para a tutela do consumidor a nível constitucional e legislativo passa pela consciência da modificação dos fatos sociais, é dizer, das relações travadas na sociedade entre as pessoas, mormente no período posterior à Revolução Industrial e, mais recentemente, à Revolução Tecnológica e culmina com o reconhecimento da vulnerabilidade multifacetária do consumidor de produtos e serviços.

Não é demais lembrar, com as palavras do saudoso processualista EDUARDO JUAN COUTURE, que "a vida do direito, antes de tudo, é a vida dos fatos" [4]. Em outra obra, observa o ínclito jurista que "A regra jurídica nasce para uma certa sociedade e para uma determinada época histórica, mas estende seu diâmetro temporal de validade a todo o porvir, até o dia de sua derrogação. O tempo da lei e o seu sentido não são, apenas, o tempo e o sentido de sua sanção, mas também o tempo e o sentido de sua vigência" [5].

Diante disto, não se pode apreender o verdadeiro significado da proteção jurídica dispensada ao consumidor pelo constituinte de 1988 [6] sem lançar os olhos na realidade que informa a produção das normas jurídicas, fato que também não escapou da arguta observação de JUDITH MARTINS COSTA [7] e do civilista italiano PIETRO PERLINGIERI, afirmando este último, ao analisar a dialética entre fato e norma, que "… é preciso de todo modo ter consciência e escolher, pelo menos como linha de tendência, a contínua, constante adequação da realidade social e econômico-política à realidade jurídica e vice-versa" [8].

Com efeito, a utilização dos métodos de produção em massa e o desenvolvimento da tecnologia, com a concepção e criação de produtos em série e com elevado grau de complexidade, forjaram relações sociais despersonalizadas e sofisticadas, retratadas em instrumentos de contratação em massa (como os contratos de adesão e os contratos relacionais ou cativos de longa duração) onde se evidencia a superioridade técnica, fática, econômica e social do fornecedor em relação ao consumidor, que aparece como parte vulnerável e merecedora de proteção do Estado.

A modificação das características das relações sociais de consumo, com o advento da sociedade de massa, determinou o abandono pelo Estado da posição absenteísta e liberal que o caracterizava no período pós-Revolução Francesa, para assumir papel intervencionista neste setor da vida de relações, objetivando corrigir distorções e desequilíbrios provocados pelas situações fáticas. A proteção jurídica que deve ser conferida ao consumidor é tema supranacional, estando na pauta de discussão de todos os países, desenvolvidos ou em desenvolvimento, como observa JOÃO BATISTA DE ALMEIDA [9].

Destarte, a atuação do Estado contemporâneo deve ser de natureza protetiva da parte mais fraca da relação de consumo, razão pela qual a Lex Mater de 1988 consagra a defesa do consumidor entre os direitos e garantias fundamentais, que deve ser feita no plano legislativo (não se olvidando dos planos administrativo e judicial) com a edição de legislação específica, que contenha normas de ordem pública e inconteste interesse social (como, v.g., explicitado no artigo 1º da Lei n. 8.078/90).

Nesta linha de pensamento, como bem coloca JOÃO BATISTA DE ALMEIDA [10]:

"Era natural que a evolução das relações de consumo acabasse por refletir nas relações sociais, econômicas e jurídicas. Pode-se mesmo afirmar que a proteção do consumidor é conseqüência direta das modificações havidas nos últimos tempos nas relações de consumo, representando reação ao avanço rápido do fenômeno que deixou o consumidor desprotegido em face das novas situações decorrentes do desenvolvimento.

(…)

Importante salientar, a seu turno, que o consenso internacional em relação à vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo representou fator importante para o surgimento da tutela em nível de cada país.

(…)

A primeira justificativa para o surgimento da tutela do consumidor, segundo entendemos, está no reconhecimento de sua vulnerabilidade nas relações de consumo."

Consistindo a vulnerabilidade do consumidor a espinha dorsal de toda a atuação protetiva ou protecionista e equilibradora do Estado (no âmbito legislativo, administrativo e judicial) reconhecido expressamente no artigo 4º, inciso I da Lei n. 8.078/90 como um dos princípios da Política Nacional de Relações de Consumo, que se irradia por todo o sistema, deste entendimento não diverge ADA PELLEGRINI GRINOVER e ANTÔNIO HERMAN DE VASCONCELOS E BENJAMIN, que ao comentarem a legislação consumerista codificada afirmam:

"A proteção ao consumidor é um desafio de nossa era e representa, em todo o mundo, um dos temas mais atuais do direito.

(…).

A sociedade de consumo, ao contrário do que se imagina, não trouxe apenas benefício para os seus atores. Muito ao revés, em certos casos, a posição do consumidor dentro desse modelo piorou em vez de melhorar. Se antes fornecedor e consumidor encontravam-se em uma situação de relativo equilíbrio de poder de barganha (até porque se conheciam), agora é o fornecedor (fabricante, produtor, construtor, importador ou comerciante) que, inegavelmente, assume a posição de força na relação de consumo e que, por isso mesmo, "dita as regras". E o direito não pode ficar alheio a tal fenômeno.

(…).

É com os olhos postos nesta vulnerabilidade do consumidor que se funda a nova disciplina jurídica. Que enorme tarefa quando se sabe que esta fragilidade é multifária, decorrendo ora da atuação dos monopólios e oligopólios, ora da carência de informação sobre qualidade, preço, crédito e outras características dos produtos e serviços. Não bastasse tal, o consumidor ainda é cercado por uma publicidade crescente, não estando, ademais, tão organizado quanto os fornecedores.

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Toda e qualquer legislação de proteção ao consumidor tem, portanto, a mesma ratio, vale dizer, reequilibrar a relação de consumo, seja reforçando, quando possível, a posição do consumidor, seja proibindo ou limitando certas práticas de mercado" [11].

Como se pode inferir, todo o sistema de proteção ao consumidor se funda no reconhecimento da situação fática de sua vulnerabilidade perante o fornecedor de produtos e serviços, impondo a atuação protetiva do Estado, que em verdade tem função equilibradora.

Feita a opção pelo legislador constituinte originário de promover o Estado a defesa do consumidor, possibilitando o alcance dos objetivos da República Federativa do Brasil, entre os quais a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, com a redução das desigualdades sociais (cf. CRFB/88, art. 5º, XXXII, art. 170, V e art. 3º), qualquer conduta estatal em sentido contrário não pode prevalecer no ordenamento jurídico, pois seriam inconstitucionais por protegerem a parte economicamente mais forte, em total subversão dos valores constitucionais.

Nas relações jurídicas entre bancos, seguradoras e outras entidades e os consumidores, à superioridade fática, técnica e econômica dos integrantes do Sistema Financeiro Nacional deve corresponder a atuação inibitória desta conduta por parte do Estado, haja vista que o consumidor não detém poder suficiente para impedir tais práticas: ele é VULNERÁVEL!!

A superioridade desta categoria de fornecedores, assim como a sua atuação em desrespeito aos valores fundamentais consagrados no texto constitucional é fato notório, noticiado por todos os meios de comunicação e objeto de estudos diversos, valendo mencionar o pensamento de BOAVENTURA DE SOUZA SANTOS, Professor de Sociologia da Faculdade de Economia e diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, ao analisar os efeitos da exclusão social motivada, dentre outros fatores, pela excessiva concentração de renda nas mãos de poucos, cada vez mais crescente na sociedade contemporânea e que não encontrará barreiras na hipótese de procedência desta ADIn e afastamento das normas do Código de Defesa do Consumidor, sendo certo que a transcrição abaixo, com as escusas pela extensão, denota o lamentavelmente verdadeiro interesse que se busca tutelar nesta via pela parte Requerente:

"(…)Os mercados financeiros são uma das zonas selvagens do sistema mundial, talvez a mais selvagem. A discricionariedade no exercício do poder financeiro é total e as conseqüências para os que são vítimas dele – por vezes povos inteiros – podem ser arrasadoras.

A virulência do fascismo financeiro reside em que ele, sendo de todos o mais internacional, está a servir de modelo e de critério operacional a novas instituições de regulação global, crescentemente importantes apesar de pouco conhecidas do público. Enumero duas delas. Em primeiro lugar, o Acordo Multilateral de Investimentos (AMI). Trata-se de um acordo em negociação nos Países da OCDE, impulsionado sobretudo pelos Estados Unidos e pela União Européia. A idéia é fazê-lo aprovar entre os países centrais e depois impô-lo aos países periféricos e semiperiféricos. Nos seus termos, os países deverão tratar igualmente os investidores estrangeiros e os nacionais, sendo proibidas quaisquer condições especiais impostas ao investimento estrangeiro e, simultaneamente, quaisquer incentivos ou subsídios ao capital nacional. Isto implica o fim de qualquer idéia de desenvolvimento nacional e a intensificação da concorrência internacional, não só entre trabalhadores, mas também entre países. Do mesmo modo, são proibidas todas as medidas estatais no sentido de responsabilizar as empresas multinacionais por práticas comerciais consideradas ilegais e são igualmente proibidas todas as estratégias nacionais no sentido de restringir a fuga de capitais para zonas de salários mais baixos, podendo assim o capital usar livremente a ameaça de fuga para desmantelar a resistência operária e sindical.

O confisco da possibilidade de deliberação democrática levado a cabo pelo AMI resulta particularmente evidente em duas instâncias. Em primeiro lugar, no silêncio em que esta negociação está a ser submetida; os agentes nela envolvidos tratam o segredo do acordo como se fosse um segredo nuclear. Em segundo lugar, os mecanismos de imposição do respeito pelo acordo que estão a ser desenhados: qualquer empresa que tenha objeções a uma lei qualquer da cidade ou do Estado onde está implantada pode interpor uma queixa contra a cidade ou o Estado em um painel internacional do AMI e este poderá impor a anulação da lei em causa. Significativamente, as cidades e os Estados Nacionais não têm o direito recíproco de interpelar as empresas em nome do público. O caráter fascista do AMI reside em que ele é uma Constituição para os investidores, visando a proteger exclusivamente os interessees destes, com total desprezo pela idéia de que o investimento é uma relação social onde circulam outros interesses sociais que não os dos investidores. Aliás, foi o próprio diretor-geral da Organização Mundial do Comércio, Renato Ruggiero, quem caracterizou assim as negociações em curso: "Estamos a escrever a Constituição de uma economia global única" (The Nation, janeiro, semana 13/20, 1997, p. 6)". [12]

Assim, não se tem como afastar a necessidade de uma legislação protetiva dos interesses dos consumidores-clientes das instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, sendo compreensível neste contexto, embora não justificável ante a carência de substrato jurídico, a insurgência do Requerente contra as medidas efetivas adotadas para evitar a obtenção de lucros arbitrários e excessivos por parte daquelas, preservando-se a cidadania, a dignidade da pessoa humana e a isonomia material, não se olvidando que, o ditame constitucional de promoção da defesa do consumidor não pode ser afastado nem mesmo em sede de reforma da Constituição (CRFB/88, art. 5º, XXXII c/c o art. 60, parágrafo 4º, inciso IV).

Ainda, ad argumentandum tantum, importante destacar que não há qualquer incompatibilidade real entre os princípios da livre iniciativa e livre concorrência e da defesa do consumidor.

Qualquer incompatibilidade que se pretenda alegar somente pode ser admitida de forma aparente e, portanto, passível de ser solucionada à luz dos princípios hermenêuticos consagrados pela Doutrina constitucionalista, mormente o da unidade hierárquico - normativa da Constituição, sendo necessária a ponderação dos bens e valores em aparente conflito para determinar qual deva ser aplicado em determinado caso concreto, sem que isto implique em qualquer relação de subordinação entre os mesmos, apenas hierarquia axiológica.

Com efeito, de acordo com a doutrina do Professor LUÍS ROBERTO BARROSO [13]:

"A despeito da pluralidade de domínios que abrange, a ordem jurídica constitui um a unidade(...). A idéia de unidade da ordem jurídica se irradia a partir da Constituição e sobre ela também se projeta. Aliás, o princípio da unidade da Constituição assume magnitude precisamente pelas dificuldades geradas pela peculiaríssima natureza do documento inaugural e instituidor da ordem jurídica(...)(p.181/182).

O princípio da unidade da Constituição tem amplo curso na doutrina e na jurisprudência alemãs. Em julgado que Klaus Stern refere como primeira grande decisão do Tribunal Constitucional Federal, lavrou aquela Corte que ´uma disposição constitucional não pode ser considerada de forma isolada nem pode ser interpretada exclusivamente a partir de si mesma. Ela está em uma conexão de sentido com os demais preceitos da Constituição, a qual representa uma unidade interna´. Invocando tal decisão, Konrad Hesse assinalou que a relação e interdependência existentes entre os distintos elementos da Constituição exigem que se tenha sempre em conta o conjunto em que se situa a norma. E acrescenta: ´Todas as normas constitucionais devem ser interpretadas de tal maneira que se evitem contradições com outras normas constitucionais. A única solução do problema coerente com este princípio é a que se encontre em consonância com as decisões básicas da Constituição e evite sua limitação unilateral a aspectos parciais ´"(p.182).

O papel do princípio da unidade é o de reconhecer as contradições e tensões - reais ou imaginária - que existam entre normas constitucionais e delimitar a força vinculante e o alcance de cada uma delas. Cabe-lhe, portanto, o papel de harmonização ou "otimização" das normas, na medida em que se tem de produzir um equilíbrio, sem jamais negar por completo a eficácia delas(...)(p.185).

A doutrina mais tradicional divulga como mecanismo adequado à solução de tensões entre normas a chamada ponderação de bens ou valores. Trata-se de uma linha de raciocínio que procura identificar o bem jurídico tutelado por cada uma delas, associá-lo a um determinado valor, isto é, ao princípio constitucional ao qual se reconduz, para, então, traçar o âmbito de incidência de cada norma, sempre tendo como referência máxima as decisões fundamentais do constituinte" (p.185)

Destarte, se é certo que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 inscreve a livre iniciativa e a livre concorrência entre os princípios da atividade econômica, que tem por fim assegurar a todos existência digna, não se pode olvidar que a defesa do consumidor também está encartada entre os mesmos, de modo que o desempenho de atividade econômica, de forma livre e franqueada a todos, não pode ultrapassar o limite imposto consistente na defesa do consumidor, obrigação imposta ao Estado contemporâneo em face da evolução dos fatos sociais, reveladores de um mercado de consumo complexo, massificado, despersonalizado ou impessoal, standardizado, sofisticado, com utilização maciça de técnicas de marketing, onde se sobressai a situação de inferioridade ou vulnerabilidade [14] técnica, econômica, social, jurídica, legislativa e ambiental do destinatário dos produtos e serviços e justifica a atuação ou intervenção equilibradora do Estado, verificada a nível mundial.

Vale dizer, não obstante o aparente conflito entre os princípios, a questão deve ser solucionada a partir da ponderação entre os diversos valores que os informam, levando-se em conta que a defesa do consumidor é considerada direito fundamental (art.5º, XXXII da CRFB/88), que deve ser observado pelos detentores do poder econômico e preservado inclusive pelo poder constituinte derivado reformador (art. 60, par.4º, IV da Lei Maior).

A título de argumentação, vale transcrever jurisprudência da 1ª Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que decidiu caso concreto envolvendo a Igreja Universal do Reino de Deus e a Prefeitura de Diadema com base no princípio da unidade e na ponderação de valores, in verbis:

"A liberdade de exercício de culto religioso assegurada pelo artigo 5º, VI, da Constituição Federal, não autoriza o abuso na utilização de instrumentos sonoros a desrespeitar o repouso da coletividade e normas municipais.(...)Os vizinhos têm também o direito à intimidade(art.5º, X, da CF) e, também, à liberdade de consciência e de crença (art.5º, VI da CF), prejudicados estes direitos fundamentais pelo som do apelante"(RT, 676/98, 1992, Ap.146.692, Rel. Des. Andrade Marques, citado por Luís Roberto Barroso, op. Cit., p. 195).

Certo é que o princípio da razoabilidade ou proporcionalidade deve nortear todos os atos do Poder Público, não havendo qualquer ofensa aos mesmos na dispensa de tratamento jurídico diferenciado e protetivo ao consumidor de produtos e serviços bancários.

Com efeito, não se olvida que o princípio da razoabilidade (decorrência da cláusula due process of law para os países com tradição no direito anglo-saxão, como os EUA) ou o princípio da proporcionalidade (que no direito constitucional alemão tem natureza de norma constitucional não escrita, decorrente do Estado de direito) é importante mecanismo de aferição da compatibilidade da norma legal ou dos atos do Poder Público com a Constituição.

A razoabilidade ou proporcionalidade é relação de interdependência que deve existir entre os motivos, os meios e os fins a serem atingidos com a prática de determinado ato, seja ele normativo ou concreto.

O professor LUÍS ROBERTO BARROSO em conceituada monografia, apoiado na doutrina alienígena de HUMBERTO QUIROGA LAVIÉ, menciona a distinção existente entre razoabilidade interna e a razoabilidade externa da norma.

Vale dizer, para o jurista, a "...razoabilidade deve ser aferida, em primeiro lugar, dentro da lei. É a chamada razoabilidade interna, que diz com a existência de uma relação racional e proporcional entre seus motivos, meios e fins. Aí está a razoabilidade técnica da medida". Por seu turno, "...havendo razoabilidade interna da norma, é preciso verificar a sua razoabilidade externa, isto é: sua adequação aos meios e fins admitidos e preconizados pelo Texto Constitucional. Se a lei contravier valores expressos ou implícitos no texto constitucional, não será legítima nem razoável à luz da Constituição, ainda que o seja internamente" [15].

Além dos critérios de razoabilidade interna e externa para verificação da compatibilidade dos atos do Poder Público com a Lei Maior, o direito alemão também cuidou de estabelecer requisitos necessários para a verificação da proporcionalidade(ou razoabilidade) da norma.

Destarte, prosseguindo com os ensinamentos do Mestre LUÍS ROBERTO BARROSO, "a doutrina - tanto lusitana quanto brasileira - que se abebera no conhecimento jurídico produzido na Alemanha reproduz e endossa essa tríplice caracterização do princípio da proporcionalidade, como é mais comumente referido pelos autores alemães. Assim é que dele se extraem os requisitos (a) da adequação, que exige que as medidas adotadas pelo Poder Público se mostrem aptas a atingir os objetivos pretendidos; (b) da necessidade ou exigibilidade, que impõe a verificação da inexistência de meio menos gravoso para atingimento dos fins visados; e(c) da proporcionalidade em sentido estrito, que é a ponderação entre o ônus imposto e o benefício trazido, para constatar se é justificável a interferência na esfera dos direitos dos cidadãos" [16].

Ocorre que, as normas inseridas no Código de Proteção e Defesa do Consumidor, aplicáveis às relações jurídicas travadas entre os clientes e as instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional preenchem todos os requisitos acima alinhados para verificação de sua compatibilidade com a Constituição da República, afigurando-se proporcionais e razoáveis, ao contrário do que afirma a parte Requerente.

É dizer, o meio utilizado para proteger os interesses dos consumidores (lei n.º 8.078/90), como corolário dos valores constitucionais da cidadania, da dignidade da pessoa humana e da igualdade, apresenta-se razoável ou proporcional, sendo constitucional a sua adoção, indo ao encontro do valor maior de defesa do consumidor (direito fundamental e princípio geral da atividade econômica) e do mandamento constitucional de assegurar a todos existência digna (art.170, caput).

Não se pode jamais olvidar que, com a consagração de tais normas no corpo da Constituição, que são material e formalmente constitucionais, obrou o constituinte originário atento ao princípio da dignidade da pessoa humana e à cidadania como fundamentos, embora não os únicos, do Estado Social e Democrático de Direito, não se olvidando do princípio da isonomia, mirando o alcance dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, consistentes na construção de uma sociedade livre, justa e solidária, na garantia do desenvolvimento nacional, na erradicação da pobreza e da marginalização, na redução das desigualdades sociais e regionais e na promoção do bem de todos, sem preconceitos de qualquer natureza (CRFB/88, artigo 3º, I/IV).

Aliás, não se pode almejar o alcance destes objetivos eleitos pelo constituinte originário sem a promoção da mais completa e adequada proteção dos interesses e direitos do consumidor, que estão em posição de inconteste vulnerabilidade fática, econômica, técnica, jurídica e política em relação às instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional.

Tais objetivos constitucionais, exteriorizados da mente do constituinte originário como normas-princípios, longe de significarem meros enunciados teóricos, devem ser tomados como segura e obrigatória diretriz a orientar todos em suas ações, Estado, empresas e operadores do direito.

Como afirma o emérito publicista e Membro do Mnistério Público Federal DANIEL SARMENTO, ao discorrer sobre as funções dos princípios constitucionais no ordenamento jurídico, atribuindo-lhes grande relevância na atualidade:

"(…)longe vai a época em que os princípios eram considerados como elementos secundários no Direito, aos quais se recorria apenas na hipótese de lacuna legal. A doutrina contemporânea reforça ao extremo o papel normativo dos princípios, acentuando a sua multifuncionalidade no ordenamento constitucional" [17]

Destaque-se que, a multifuncionalidade dos princípios constitucionais referida pelo autor indica as suas funções valorativa, hermenêutica, supletiva e argumentativa.

Também na doutrina alienígena, ROBERT ALEXY põe em evidência a concepção sobre a força normativa dos princípios, que vêm sendo utilizados como fundamento direto para decisões judiciais, ao afirmar que "los principios puedem ser razones para decisiones, es decir, para juicios concretos de deber ser" [18]

Firmado que os princípios, por não significarem meros conselhos ou simples recomendações, contêm normas que servem de fundamento para as decisões judiciais, é incisivo o Professor CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO quando afirma que violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer [19]. Prossegue o emérito jurista:

"A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra" [20].

Certo é que, diante da natureza das normas protetivas dos direitos e interesses do consumidor, a sua efetivação, ou realização no plano concreto, assume destacado relevo, sendo certo que a sua interpretação e as ações do Estado (administrador, legislador e juiz) nesta seara não podem ser empreendidas descurando-se da sua característica de normas que, além de constitucionais fundamentais, integram o rol de Direitos do Homem reconhecidos e protegidos pelos Estados identificados pela cultura ocidental.

Portanto, após a Constituição consagrar entre os direitos e garantias fundamentais a defesa do consumidor, que deve obrigatoriamente ser promovida pelo Estado, não pode o Legislador, o Administrador e o Juiz, ignorar a realidade constitucional e fática para agir em desconformidade com a Lei Maior, o que ocorreria na hipótese de procedência desta ADIn, sem embargo dos argumentos que ainda serão expostos.

Sobre o autor
Fábio Costa Soares

defensor público no Rio de Janeiro

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOARES, Fábio Costa. Manifestação da Defensoria Pública contra a ADIN dos bancos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 57, 1 jul. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16503. Acesso em: 28 dez. 2024.

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