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Liquidação de consórcios:

responsabilidade do Banco Central e desconsideração da personalidade jurídica

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DA INVESÃO DO ÔNUS DA PROVA NO QUE TANGE À DEMONSTRAÇÃO DAS FRAUDES E MÁ ADMINISTRAÇÃO

            De outra feita, não menos relevante é a menção ao disposto no art. 6, inc. VIII, do Código de Defesa do Consumidor, que estabeleceu o direito à "facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias da experiência."

            Destarte, com base nos elementos já colacionados aos autos, é perfeitamente possível a inversão do ônus da prova a fim de que as rés provem não ter havido a má administração noticiada, sob pena de ser aplicada a desconsideração da pessoa jurídica. A situação narrada nestes autos não se prende somente ao pressuposto da má administração, existindo, conforme já mencionado, outros requisitos que se ajustam à dicção legal, de modo que, por quaisquer dos ângulos que se analise a questão, a plausibilidade da pretensão aqui encartada é de uma clareza solar.

            Eis o magistério da jurista Flávia Lefèvre Guimarães:

            "E, tendo-se em vista as compreensíveis dificuldades enfrentadas pelo consumidor no campo das provas, o juiz deve ser menos rígido ao apreciar as alegações do autor consumidor, autorizando, desde o início do processo, a inversão do ônus da prova. Ou seja, deve o juiz dar-se por satisfeito com a demonstração pelo consumidor de indícios de abuso de direito, excesso de poder, fraude etc., possibilitando efetividade ao direito introduzido pelo Código, garantindo-se, por meio da autorização da inversão do ônus da prova logo, junto com o despacho saneador, a desconsideração da personalidade jurídica para fazer cumprir o ressarcimento do dano sofrido pelo consumidor." (Desconsideração da Personalidade Jurídica no Código de Defesa do Consumidor. P. 177)


DO ALCANCE DE TODOS OS BENS DOS SÓCIOS, INCLUSIVE AS COTAS SOCIAIS DAS SOCIEDADES DE SUA PROPRIEDADE

            A imprensa noticiou que os sócios são proprietários de inúmeras empresas. Até mesmo para evitar a responsabilização de seu patrimônio pessoal, adotaram manobras no sentido de investir seus recursos na aquisição de empresas. Apenas para se ter uma idéia, é interessante listar algumas das empresas pertencentes aos réus.

            - Rivadávia Salvador de Aguiar: Autovídeo Ltda em Belo Horizonte

            - Geraldo Salvador de Aguiar: Autovídeo Ltda, em Belo Horizonte

            - Arildo Pereira Campos, já falecido, e Nilza de Lourdes Campos: Aviário Progresso (Belo Horizonte-MG), Comercial Minassero (Belo Horizonte-MG), Frigocampos Comércio Indústria Importação e Exportação (Belo Horizonte-MG), Laticínios Vaquinha (Belo Horizonte-MG), Só Queijo (Belo Horizonte-MG), Indústria de Laticínios Del Rey de Perdigão (Perdigão-MG), Laticínios Serro Minas Ind. E Com. (Coluna – MG), Moscou Veículos (Ganhães – MG).

            A possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica para atingir as cotas sociais de empresas tem sido admitida de forma sólida pela jurisprudência:

            "EXECUÇÃO – PENHORABILIDADE DAS COTAS SOCIAIS – DÍVIDA DO SÓCIO – SOCIEDADE DE RESPONSABILIDADE LIMITADA – Possível a penhora das cotas sociais do sócio, em execução por dívida particular desse, tratando-se de sociedade por cotas de responsabilidade limitada. Agravo desprovido. Unânime. (TJRS – AI 599116480 – RS – 20ª C.Cív – Rel. Des. Rubem Duarte – J. 04.05.1999)

            SOCIEDADE RESPONSABILIDADE LIMITADA. SOCIEDADE DE CAPITAL. QUOTAS. PENHORA. POSSIBILIDADE. – Execução. Penhora. São penhoráveis as quotas de sociedade limitada por dividas contraídas pela pessoa física do sócio a título particular. Agravo provido. (TARS – AGI 183.054.824 – 1ª CCiv. – Rel. Juiz João Aymore Barros Costa – J. 29.11.1983)

            EXECUÇÃO POR TÍTULO EXTRAJUDICIAL – SOCIEDADE POR COTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA – SÓCIO-COTISTA – CONTRATO SOCIAL – PENHORA – ADMISSIBILIDADE – AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECURSO IMPROVIDO – Execução por título extrajudicial. Penhora de cota social. Possibilidade. Manutenção do despacho agravado que determinou a incidência da penhora sobre a cota que possui o agravante na sociedade comercial da qual faz parte, uma vez que a cota se constitui em valor de expressão econômica, que integra o patrimônio do executado e além disso, no caso, não há vedação expressa no contrato social, quanto à penhorabilidade. (TMA) (TJRJ – AI 3.925/97 – Reg. 050598 – Cód. 97.002.03925 – RJ – 18ª C.Cív. – Relª Juíza Helena Bekhor – J. 31.03.1998)"


DOS BENS PERTENCENTES À UNIÃO PATRIMONIAL LTDA E A FRAUDE CONTRA CREDORES

            Conforme foi também noticiado pela imprensa, existem poucos bens em nome dos sócios e administradores das empresas de consórcio ora demandadas. Esta informação não surpreende esta entidade de direito do consumidor, mormente quando se leva em conta que desde 1996 as irregularidades começaram a ser praticadas na administração do consórcio UNIAUTO sem que fosse adotada uma medida severa por parte dos órgãos públicos para evitar a superveniência de danos maiores para a economia popular. Assim sendo, os réus, sabedores das implicações que eventual condenação poderia lhes trazer, destinaram os recursos obtidos para outras empresas, praticando, ainda, atos de alienação, o que configura claramente a hipótese de fraude contra credores.

            Por outro lado, percebe-se que a empresa UNIÃO PATRIMONIAL LTDA, de propriedade da família do sócio Rivadávia, está indo muito bem, com patrimônio superior a 50 milhões de reais. Impõe-se a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica também para atingir o patrimônio desta sociedade, em face da manobra artificiosa perpetrada, que pretende fundamentalmente esvaziar eventual responsabilização dos sócios da UNIAUTO e LIDERAUTO, frustrando eventuais credores. Na verdade, o réu Rivadávia possui pleno controle dessa sociedade, sendo que o registro dos bens em nome da entidade não é suficiente para afastar a responsabilidade em face dos prejuízos causados aos consorciados. Eis o que foi noticiado pelo Estado de Minas no dia de hoje:

            "O controlador do consórcio Uniauto, Rivadávia Salvador de Aguiar, admitiu ontem ao ESTADO DE MINAS ter patrimônio em torno de R$ 50 milhões. São vários apartamentos, lojas, fazenda, dois prédios e empresas do ramo frigorífico e laticínios. Num dos prédios, funciona o BH Bingo, que está em nome de um de seus irmãos. Na quinta-feira passada, o Banco Central liquidou os dois consórcios da família: o Uniauto e o Liderauto, por irregularidades na administração, entre elas, a contemplação de bens a consorciados laranjas. Devido às fraudes, Rivadávia e o irmão Geraldo Salvador de Aguiar foram condenados pela Justiça Federal no dia 8 deste mês.

            Do patrimônio declarado de R$ 50 milhões, o empresário diz que R$ 20 milhões foram oferecidos em garantias reais durante negociação com o Banco Central, na tentativa de evitar a abertura do processo de liquidação e o prejuízo dos 12 mil consorciados. A listagem dos bens foi entregue na sede do BC, em São Paulo, junto com títulos de propriedade e avaliações dos imóveis. Tenho como pagar os prejuízos aos consorciados,

            Dentre os imóveis relacionados, o empresário cita vários apartamentos no bairro Caiçara, região Noroeste de Belo Horizonte; a loja onde o consórcio estava instalado na avenida Prudente de Morais, região Sul; além de dois prédios um deles na avenida Catalão e o outro na rua da Bahia, no Centro. São todos imóveis urbanos e de alta liquidez no mercado, garante Rivadávia.

            No prédio a que se refere o empresário funciona o BH Bingo, à rua da Bahia, 893 (Centro). O negócio está registrado na Junta Comercial como sendo de propriedade do irmão de Rivadávia, Paulo César Salvador de Aguiar. Na prática, o bingo é administrado pelo caçula, Marcelo Salvador Aguiar.

            Os bens foram imobilizados na empresa União Patrimonial, pertencente à família de Rivadávia. Segundo o empresário, nenhum deles foi adquirido nos últimos dez anos."

            Conforme é possível inferir pela análise da própria representação encaminhada pelo Banco Central ao Ministério Público Federal, foi oferecido como garantia real para o pagamento das dívidas existentes imóveis pertencentes à empresa União Patrimonial Ltda, cujos bens foram avaliados em mais de R$ 50 milhões de reais. A extensa descrição dos bens pertencentes a essa empresa, holding do grupo, evidencia que se for determinada a indisponibilidade requerida nestes autos os consorciados terão chances reais de receberem valores pagos em favor de ambos os consórcios. Aplica-se à hipótese dos autos o disposto no art. 28 do CDC:

            Art. 28. (...)

            (...)

            § 2. As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste Código.

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            § 3. As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste Código.

            § 4. As sociedades coligadas só responderão por culpa.

            § 5. Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento dos prejuízos causados aos consumidores.

            A promiscuidade de negócios entre as empresa evidencia a existência de fortes vínculos entre as mesmas, até mesmo porque o próprio sócio Rivadávia, conforme já anunciado, teria oferecido ao Banco Central garantias reais com base em patrimônio da UNIÃO PATRIMONIAL LTDA para evitar a liquidação extrajudicial. Citem-se alguns trechos da reportagem veiculada pelo Jornal Hoje em Dia:

            "Ainda de acordo com o advogado, durante as negociações com o BC, os consórcios teriam oferecido garantias reais no valor de R$ 20 milhões aos grupos de consórcio, que receberiam hipotecas de imóveis da empresa União Patrimonial Ltda, pertencente à família de Rivadávia. Conforme Boson Santos, o valor oferecido em garantia é apenas parte do patrimônio de R$ 50 milhões da União Patrimonial, que teria bens avaliados em cerca de R$ 50 milhões."

            A previsão da Lei n. 6.024 de 1974, visando a evitar a dilapidação do patrimônio dos administradores, gerentes, conselheiros fiscais que tenham concorrido, nos últimos 12 meses, para a decretação da liquidação extrajudicial, estipula a indisponibilidade dos bens dessas pessoas físicas.

            O Banco Central do Brasil tem a competência de instaurar um inquérito com o objetivo de apurar a responsabilidade dos administradores, devendo encaminhar ao Ministério Público as conclusões aferidas após a finalização do inquérito, ocasião em que o MP proporá ação para judicialmente definir a responsabilidade dos administradores, requerendo, ainda, o arresto dos bens dos administradores que não foram atingidos pelo decreto de indisponibilidade.

            É importante destacar que os bens da empresa UNIÃO PATRIMONIAL LTDA não foram declarados indisponíveis pelo BACEN, conforme comprovam os comunicados anexos, porquanto nenhum dos administradores dos consórcios UNIAUTO e LIDERAUTO estão entre os sócios da aludida empresa. Embora os réus Geraldo e Rivadávia sejam usufrutuários e administradores da UNIÃO PATRIMONIAL, não existe na Lei n. 6.024 de 1974 qualquer previsão no sentido de que os bens das empresas nas quais os antigos sócios atuem como administradores também sejam atingidos pela indisponibilidade.

            Ressalte-se que a única esperança que os consorciados lesados possuem para obter o ressarcimento dos valores já despendidos em favor das instituições em liquidação extrajudicial consiste exatamente na desconsideração da personalidade jurídica para alcançar o patrimônio desta empresa, existindo o risco substancial de dilapidação destes bens caso não seja determinado o arresto dos mesmos.

            De outra feita, o E. STJ. já entendeu ser possível a determinação do arresto sobre bens já declarados indisponíveis:

            INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL. ARRESTO.

            - O arresto dos bens previstos no art. 45 da Lei n. 6.024 de 1974 pode incidir sobre os bens que já estavam indisponíveis (art. 36).

            (STJ. RESP 185796-SP. DJ 17.12.99. p. 00375. Relator Min. Ruy Rosado de Aguair)

            Transcreve-se alguns trechos do voto do relator:

            "A tese da dispensa do arresto porque a indiponibilidade é suficiente garantia para os credores não procede. Basta pensar nos grandes valores mobiliários e nos demais bens móveis insuscetíveis de registros para perceber que aquela indisponbilidade pode se tornar uma quimera. Não é isso que a lei quer e impõe.

            O arresto tem força muito mais contundente do que a mera indisponibilidade, seja porque atinge de forma eficaz ( e não teórica) os bens móveis, seja porque pode abranger (e geralmente abrange) não só o poder de dispor como os demais poderes inerentes ao domínio, os de usar e fruir.

            É exatamente por isso que o embargante, de forma leal e expressa, se apega à tese da dispensabilidade do arresto, valendo-se ainda do princípio segundo o qual a execução se fará na forma mais favorável ao devedor.

            Este último princípio vai preponderar a final, quando, eventualmente e, por exemplo, vierem a ser vendidos bens do devedor. Não agora ainda se está na fase de se conseguir eficácia para a garantia patrimonial a que faz jus todo credor, particularmente aquele amparado pela Lei n. 6.024 de 1974.

            Todos os rendimentos, todos os frutos dos bens meramente indisponíveis e que continuam indefinidamente no poder direto do devedor dificilmente chegarão às mãos do credor.

            Esse gravíssimo risco não se verifica na hipótese de tratar-se de administrador antigo, que não sofreu a indisponibilidade de seus bens, mas que os teve arrestados."

            Os réus Rivadávia Salvador Aguiar e Geraldo Salvador Aguiar destinaram, em grande parte, seus ganhos para a formação do patrimônio da empresa retrocitada, procurando, assim, eximir-se de responsabilidade na hipótese de desconsideração da personalidade jurídica de uma de suas empresas.

            A UNIÃO PATRIMONIAL LTDA foi constituída no ano de 1987 por SUELI ROBINI AGUIAR E VANIA COSTA, mas sua administração foi repassada, com poderes ilimitados e em caráter vitalício, para os não sócios Rivadávia Salvador Aguiar e Geraldo Salvador Aguiar, donos da UNIAUTO, conforme se infere da certidão passada pelo Registro Civil de Pessoas Jurídicas desta Capital. No ano de 1987, os réus citados passam a integrar a sociedade. Eis a descrição do que consta na Certidão:

            "O capital social de CZ$ 1.000.000,00 é elevado para CZ$ 48.760.000,00 proveniente do aproveitamento de valores registrados na conta de empréstimo de terceiros (pessoas físicas), compostos pelos seguintes credores: Rivadavia Salvador Aguiar – CZ$ 36.960.000,00. Geraldo Salvador Aguiar – CZ$ 10.800.000,00. Os dois credores Rivadavia Salvador Aguiar, brasileiro, desquitado, empresário, residente nesta Capital, e Geraldo Salvador Aguiar, brasileiro, casado, empresário, residente nesta Capital, respectivamente, passam a integrar a sociedade, cujo capital ficou assim distribuído... A sociedade será administrada pelos dois sócios majoritários: Rivadávia Salvador Aguiar e Geraldo Salvador Aguiar."

            Em 05.05.88, o sócio Geraldo Salvador de Aguiar resolveu doar parte de suas cotas para os filhos menores Vinicius Ferreira de Aguiar, Elem Ferreira de Aguiar, Vlancio Ferreira de Aguiar e Vladimir Ferreira de Aguiar e o restante das cotas resolveu transferir para Rivadávia, que por sua vez doou todas as suas cotas para parentes (Vania Costa, Sueli Robini de Aguiar Rodrigues, Sergio Robini Aguiar, Celio Robini de Aguiar, Lilian Salvador de Aguiar, Rivadávia Salvador de Aguiar Junior). Após essas transferências a título gratuito, Rivadávia Salvador de Aguiar e Geraldo Salvador de Aguiar tornaram-se administradores da empresa (22 de junho de 1988).

            A partir de então o capital social sofreu inúmeras alterações para maior em razão de cessões e doações realizadas em favor da empresa. Apesar de não ser possível verificar em vários registros qual a origem dos créditos, pode-se detectar que esses recursos foram cedidos de forma gratuita. Na verdade, ficou de forma nítida evidenciada a intenção de fraudar credores, na medida em que as transferências feitas pelos réus Rivadávia Salvador de Aguiar e Geraldo Salvador de Aguiar tinham como escopo evitar que bens ficassem registrados em seus nomes. Existem diversas averbações de empréstimos e doações feitas pelos sócios mencionados, de modo que o patrimônio da sociedade em questão foi constituído exclusivamente com base em créditos de titularidade dos mesmos. Em razão destas sucessivas incorporações de créditos, o capital social da empresa aumentou no ano de 1995 de R$ 4,53 milhões para R$ 5,5 milhões.

            No ano de 1998, foi reservado aos réus Rivadávia e Geraldo o usufruto vitalício sobre as cotas, de modo que os mesmos auferem os lucros e dividendos, mas não são formalmente os donos da sociedade. Alem do mais, os citados réus continuam sendo os administradores da UNIÃO PATRIMONIAL LTDA.

            Por outro lado, é interessante observar os objetivos sociais da empresa: intermediação em vendas de cotas de consórcios de bens móveis duráveis e imóveis, participação no capital de outras empresas, podendo ou não controlá-las, prestação de serviços gerais, técnicos e comerciais. Dessa forma, é patente a existência de estreitos vínculos entre as empresas UNIAUTO, LIDERAUTO e a UNIÃO PATRIMONIAL LTDA, todas elas pertencentes de um mesmo grupo econômico e familiar.

            É interessante observar que a própria Lei n. 6.024 de 1974, que dispõe sobre a liquidação extrajudicial, prevê a possibilidade de atingir bens de outras sociedade, inclusive quando verificada a participação no capital social de cônjuges e parentes até o segundo grau:

            "Art. 51. Com o objetivo de preservar os interesses da poupança popular e a integridade do acervo das entidades submetidas à intervenção ou a liquidação extrajudicial, o Banco Central do Brasil poderá estabelecer idêntico regime para as pessoas jurídicas que com elas tenham integração de atividade ou vínculo de interesse, ficando os seus administradores sujeitos aos preceitos desta lei.

            Parágrafo único. Verifica-se integração de atividade ou vínculo de interesse, quando as pessoas jurídicas neste artigo forem devedoras da sociedade sob intervenção ou submetida a liquidação extrajudicial, ou quando seus sócios ou acionistas participarem do capital desta em importância superior a 10% (dez por cento), ou sejam cônjuges, ou partes até o segundo grau, consaguíneos ou afins, de seus diretores ou membros dos conselhos consultivo, administrativo, fiscal ou semelhantes."

            Nesse particular, vale citar a lição de João Casilo referenciada pelo relator no julgamento do Ag Rg ERESP n. 86502-SP:

            "A jurisprudência americana em inúmeros casos tem entendido também que a personalidade jurídica de uma empresa pode ser desconsiderada para que se exija o cumprimento de obrigações por outra pessoa jurídica formalmente distinta, mas de tal modo ligadas uma a outra, que chegam a se identificar no mundo fático. Normalmente são situações onde uma pessoa jurídica controla o capital da outra, ou o de ambas é exageradamente controlado por uma só pessoa. As diretorias e administrações se confundem e os negócios são de tal forma entrelaçados, que se torna difícil a distinção do que interessa a quem."

            Sucessivamente, caso não seja reconhecida a possibilidade de todos os bens da empresa UNIÃO PATRIMONIAL LTDA serem alcançados para fins de ressarcimento dos consumidores, faz-se necessário decretar a nulidade de todas as transferência de créditos feitas pelos réus Rivadávia e Geraldo em favor da aludida empresa, consoante sólido entendimento jurisprudencial:

            EMENTA: RESPONSABILIDADE PESSOAL DOS EX- INTEGRANTES DE SOCIEDADE POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. TEORIA DA DESCONSIDERAÇAÕ DA PERSONALIDADE JURIDICA. FRAUDE CONTRA CREDORES. ABUSO DE DIREITO.

            Estando comprovada a retirada dos sócios da empresa e a posterior dissolução da pessoa jurídica, com intuito de fraudar os credores da sociedade, em evidente abuso de direito, havendo a transferencia das quotas sociais ao funcionário utilizado como testa-de-ferro para eximir as responsabilidades societárias, conduta que não esta pautada pela boa-fé, impõe-se a condenação solidária dos ex-integrantes da sociedade. Aplicação da teoria da desconsideração da pessoa jurídica. Inteligência do art. 10 do decreto do decreto nº 3708, de 10/01/19. Cabimento da indenização por danos morais. provido em parte os recursos da autora e dos réus Paulo Carlos e Ana Koehler e improvido o apelo dos réus Maria e Paulo Roberto Fernandes. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 70002056000, QUINTA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: DES. SÉRGIO PILLA DA SILVA, JULGADO EM 31/05/01)

            (TJ. RS. Ap. Cível n. 70002056000. RELATOR: SÉRGIO PILLA DA SILVA

            EMENTA: EMBARGOS DE TERCEIRO. PENHORA EM BENS DE SOCIO DA SOCIEDADE COMERCIAL DEVEDORA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE E COMUNICACAO DA RESPONSABILIDADE AOS SOCIOS.

            A personalidade jurídica não pode ser usada como anteparo da fraude. Assim, a separação da responsabilidade social da responsabilidade dos sócios, ou a autonomia dos patrimônios, não prevalece diante da contratação, do ato ilícito e da fraude. O principio jurídico da nao-confusao das personalidades não pode entravar a ação do Estado-Jurisdição, na realização da justiça. Fraude comprovada, no caso, por assumir a sócia representante legal acordo, quando sem patrimônio para garantir a divida a sociedade, e pela dissolução irregular da mesma sociedade. Sentença confirmada pelos próprios fundamentos. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 192261352, TERCEIRA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE ALÇADA DO RS, RELATOR: DES. ARNALDO RIZZARDO, JULGADO EM 10/02/93)

            (TJRS. AP. CIVEL 192261352. RELATOR: ARNALDO RIZZARDO

            EMENTA: ACAO PAULIANA. FRAUDE A CREDORES. COMPRA E DOACAO DE IMOVEIS APOS FIRMADA A CONFISSAO DA DIVIDA. DIANTE DA PROVA DOS AUTOS, RESTA EVIDENTE O INTUITO, POR PARTE DOS REUS, DE SUBTRAIREM DOS CREDORES GARANTIAS PATRIMONIAIS, CONFIGURADO QUE ESTAVA SEU ESTADO DE INSOLVENCIA.

            A aquisição de terras após firmada a confissão de divida, sua doação aos filhos e constituição de usufruto vitalício em favor dos devedores evidencia fraude a credores, pelo que procede a pleiteada anulação do ato de disposição. APELO DESPROVIDO. (7FLS.) (APELAÇÃO CÍVEL Nº 598429959, SEXTA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: DES. ANTÔNIO CORRÊA PALMEIRO DA FONTOURA, JULGADO EM 28/11/01)

            (TJRS. Ap. Cível n. 598429959. RELATOR: ANTÔNIO CORRÊA PALMEIRO DA FONTOURA)

            EMENTA: ACAO PAULIANA. FRAUDE CONTRA CREDORES. DOACAO.

            1. Tendo os devedores doado imóvel ao filho após contraído divida em virtude de aval dado a sociedade da qual eram sócios, reduzindo-se a insolvência, caracterizada esta a fraude contra credores, ensejando a anulação da transmissão (CC, art. 106).

            2. Tratando-se de doação, presume-se o "concilium fraudis", desnecessária a prova da má-fé do beneficiário.

            3. Entende-se em beneficio da família o aval prestado pelo cônjuge em favor de sociedade da qual era sócio-gerente, quando mais também dela era sócia sua esposa. apelo desprovido. unanime. (7FLS.) (APELAÇÃO CÍVEL Nº 598554509, VIGÉSIMA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: DES. RUBEM DUARTE, JULGADO EM 03/05/00)

            (TJRS. Ap. Civel n. 598554509. Ap. Cível RELATOR: RUBEM DUARTE)

            EMENTA: ANULAÇÃO DE ESCRITURA PUBLICA. FRAUDE A CREDORES.

            Impõe-se a anulação de negocio jurídico por fraude a credores se presentes os elementos que integram a fraude: no plano objetivo, a maliciosa redução do patrimônio, chegando a insolvência; no plano subjetivo, a deliberada intenção de ilidir o pagamento da indenização e prejudicar o credor. apelos parcialmente provido. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 599050457, PRIMEIRA CÂMARA DE FÉRIAS CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: DES. GENARO JOSÉ BARONI BORGES, JULGADO EM 11/05/99)

            (Ap. Civel n. 599050457. RELATOR: GENARO JOSÉ BARONI BORGES)

            Eis o entendimento do STJ:

            EMBARGOS DE DIVERGENCIA. CIRCUNSTANCIAS FATICAS DIVERSAS. DOUTRINA DO "DISREGARD OF LEGAL ENTITY". DIVERGENCIA INEXISTENTE.

            Hipótese em que o acórdão embargado admitiu a aplicação da doutrina do "disregard of legal entity", para impedir a fraude contra credores, considerando válida penhora sobre bem pertencente a embargante, nos autos de execução proposta contra outra sociedade do mesmo grupo econômico.

            (STJ. AERESP 86502/SP. DJ DATA:30/06/1997 PG:30850. Relator(a) Min. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO)

            Transcreve-se trecho do voto do relator Min. Ruy Rosado de Aguiar no julgamento do RESP 86502:

            "Nessas condições e tendo em consideração que a ação de prestação de contas cuja sentença se executa foi aforada no já longinquo ano de 1976 e que a citação da Distribuidora Telespeaker S.A foi efetivada na pessoa do referido Eduardo Santos Guimarães... que dela cuidou de se afastar formalmente, pode-se concluir que essas sociedades (e talvez outras) não passam de entidades de existência meramente formal, que são utilizados como meio de E.S.G. exercer atividades no mundo de negócios com limitação das responsabilidades pelas obrigações que essencialmente são suas, mas são assumidas em nome das sociedades, sendo os patrimônios de umas esvaziados em benefício das outras de forma a frustar credores. Nessas condições, incensurável que se coíba essa manobra mediante a aplicação dos princípios éticos e jurídicos que compõem a chamada teoria da desconsideração da personalidade jurídica, fazendo a penhora alcançar bens do real e efetivo devedor, Eduardo.... estejam em nome deste ou de uma das entidade por detrás das quais atuava."

            De outra feita, são nulos pelas mesmas razões acima todas as transmissões de bens, onerosa ou gratuita, a terceiro, a partir de 1996, realizadas pelos réus RIVADÁVIA SALVADOR DE AGUIAR, GERALDO SALVADOR DE AGUIAR, NILZA DE LOURDES AGUIAR CAMPOS e ARILDO PEREIRA CAMPOS, tendo em vista a prática de inúmeras irregularidades na administração do consórcio, que resultaram no estado financeiro periclitante que se encontra as empresas UNIAUTO e LIDERAUTO.

            Maria Helena Diniz comenta o dispositivo constante do art. 106 do CC:

            "I – Fraude contra credores e seus elementos. A fraude contra credores constitui a prática maliciosa, pelo devedor, de todos que desfalcam seu patrimônio, com o fim de colocá-lo a salvo de uma execução por dívidas em detrimento dos direitos creditórios alheios. Dois são seus elementos: o objetivo (eventus damni), que é todo ato prejudicial ao credor, por tornar o devedor insolvente ou por ter sido realizado em estado de insolvência, e o subjetivo (consilium fraudis), que é a má-fé, a intenção de prejudicar do devedor ou do devedor aliado a terceiro, ilidindo os efeitos da cobrança. (Código Civil Anotado, n. 3 ed. Editora Saraiva, 1997. P. 125-126)

            A anulação das transmissões ocorridas deve-se dar com base não só dispostos nos artigos 106, 107 e 109 do Código Civil, mas também em todos os princípios e fundamentos que regem o Código de Defesa do Consumidor, mormente os previstos nos artigos 4º, "caput" e inciso III, 6º, incisos VI e VIII, 7º, parágrafo único, 25, § 1º, 83 e 84, "caput" e § 5º, "in verbis":

            "Art. 106. Os atos de transmissão gratuita de bens, ou remissão de dívida, quando os pratique o devedor já insolvente, ou por eles reduzidos à insolvência, poderão ser anulados pelos credores quirografários como lesivos dos seus direitos (art. 109).

            (....).

            Art. 107. Serão igualmente anuláveis os contratos onerosos do devedor insolvente, quando a insolvência for notória ou houver motivo para ser conhecida do outro contraente.

            (....).

            Art. 109. A ação, nos casos dos arts. 106 e 107, poderá ser intentada contra o devedor insolvente, a pessoa que com ele celebrou a estipulação considerada fraudulenta, ou terceiros adquirentes que hajam procedido de má-fé."

            "Art. 4º. A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

            (....);

            III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;

            (.....).

            Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:

            (....);

            VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;

            (....);

            VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

            (....).

            Art. 7º. Os direitos previstos neste Código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, ANALOGIA, costumes e eqüidade.

            Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo.

            (....).

            Art. 25. (....).

            § 1º. Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas Seções anteriores.

            (....).

            Art. 83. Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este Código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela.

            (....).

            Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

            (....);

            § 5º. Para a tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz determinar as medidas necessárias, tais como busca e apreensão, remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obra, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial."

            No caso em exame, a única providência que pode assegurar o ressarcimento dos consumidores é a declaração da nulidade de toda transmissão, gratuita ou onerosa, de bens dos réus para terceiro. Assim, tal medida há de ser tomada, para se fazer efetiva a proteção e ressarcimento dos danos dos consumidores lesados e para se cumprir o preceituado no artigo 84, "caput", do Código de Proteção e Defesa do Consumidor.

Sobre os autores
Daniel Diniz Manucci

advogado em Minas Gerais

Roberto C. Santos

advogado em Belo Horizonte

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MANUCCI, Daniel Diniz; SANTOS, Roberto C.. Liquidação de consórcios:: responsabilidade do Banco Central e desconsideração da personalidade jurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 57, 1 jul. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16505. Acesso em: 23 dez. 2024.

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