PODER JUDICIÁRIO COMARCA DA CAPITAL 31ª VARA CRIMINAL
Processo nº2006.001.099400-2
DECISÃO
Trata-se de ação penal privada proposta por L. A. C., sob a imputação de crime de injúria que teria sido praticado por R. B. S. D.. Os fatos teriam ocorrido em 10/08/2005, nas dependências do Condomínio S. D., na Barra da Tijuca, onde mora a querelada e trabalha como porteiro-vigia o querelante, consistindo nas seguintes ofensas que teriam sido proferidas diante de várias pessoas: "você é um merda, um palhaço de olhos verdes, um incompetente".
A distribuição coube inicialmente ao JECRIM, em 08/02/2006. Citação via postal, fls. 11, no endereço Av. L. C. xxxx, aptºyyy, Bl. zzz, Barra da Tijuca. Como a querelada não compareceu à audiência preliminar, a diligência foi reiterada por oficial de justiça, cuja certidão negativa de 09/05/2006 está às fls. 19, cumprindo reproduzir o trecho relevante:
"(...) fui informada pelo seu marido, Sr. J., que a Srª R. teria saído de casa, em virtude de problemas familiares, sem previsão de retorno, não sabendo apontar onde a mesma estaria residindo. (...)"(sic)
Por se considerar que a querelada se encontrava em local incerto e não sabido, houve o declínio da competência em favor deste 31º Juízo Criminal, em 10/07/2006.
Intimado o querelante, em 13/09/2006, para indicar o novo endereço da querelada, ocasião em que informou que ela continuava a residir no mesmo local onde ele trabalha, ou seja, Av. L. C. xxx, aptº yyy, Bl. zzz, Barra da Tijuca.
Expediu-se nova intimação para audiência de conciliação, via oficial de justiça, cuja certidão negativa de fls. 31v, de 11/10/2006, reproduzo:
(sic)"Certifico e dou fé que me dirigi ao endereço retro onde deixei de intimar R. B. S. D., visto que a mesma não se encontrava no momento da diligência, entretanto para não atrasar o feito, deixei a contra-fé com o porteiro, Sr. L. G., que se comprometeu a entregar-lhe assim que ela retornasse."
Frustrada a audiência de fls. 32 pela ausência da querelada, noticiou o querelante que o melhor horário para realizar a diligência seria na parte da manhã, período em que ela se encontraria na sua residência.
Remarcada a audiência e expedida nova intimação. Certidão de 06/11/2006:
(sic)"Certifico e dou fé que me dirigi ao endereço retro, às 9:00 hs, onde deixei de intimar R. B. S. D., visto que a mesma não se encontrava no momento da diligência. Entretanto, para não atrasar o feito, deixei a contra-fé com o porteiro, Sr. L. G., que informou que não a tem visto já há algum tempo, tendo se comprometido a entregar-lhe o mais breve possível."
Às fls. 38 há nova informação do querelante afirmando que a querelada reside no local das diligências, não tendo se ausentado por nenhum período e que era vista diariamente.
Remarcada audiência e expedida nova intimação. Certidão do oficial de justiça de fls.44, firmada em 10/01/2007, reproduzida na íntegra por extremamente relevante:
(sic)"Certifico e dou fé que em 21/12/2006, cerca de 9:30 h. Dirigi-me a Av. L. C. nº xxx, aptºyyy. Bloco zzz, Barra da Tijuca, onde, acompanhada do Sr. R. M., Chefe de equipe de segurança, toquei a campainha do apartamento e também bati na porta, várias vezes, não sendo atendida e ao descer para a portaria, solicitei ao porteiro, sr. E. J., que interfonasse para o referido apartamento tendo, então, sido atendido por J. G. D., o qual ao ser indagado sobre sua mãe, a intimanda R. B. S. D., respondeu que ela estava viajando desde o dia anterior 20/12/06, na casa de sua avó que estaria doente, porém não soube responder nem onde era a casa dela e nem quando sua mãe voltaria. Ao encerrar tal diálogo, fui informada pelo Sr. J. L. G., Supervisor de Segurança, que a tinha visto nesta data, 21/12, portanto ela não havia viajado conforme informou seu filho. Sendo assim, tornei a interfonar para o filho da intimanda, J. G., relatando a informação passada pelo segurança e, novamente lhe indaguei sobre sua mãe ao que ele confirmou estar viajando. Certifico, ainda, que em 09/01/2007, cerca de 10:30 h, retornei ao local e novamente acompanhada do Sr. R. M., chefe da segurança, me dirigi ao apartamento 301, bloco 2, e fui, então atendida pelo Sr. J. D., marido da intimanda, que informou estarem separados desde novembro/06; que ela está residindo em São Paulo, porém não sabe o endereço. Alertado que havia contradição nas suas informações, o que indicava estar a mesma se ocultando para não ser intimada, pois segundo os porteiros Ad. ter informado que sempre a vê na garagem e a tem visto nos últimos 15 dias e E. J. S., o qual informou, inclusive a ter visto no dia 07/01 (dois dias antes), o Sr. J., reafirmou suas informações e disse que ela costuma ali comparecer para visitar os filhos. Sendo assim, para não atrasar o feito, e diante da possível ocultação da intimanda para evitar intimação, deixei a contra-fé com o Sr. J. alertando-o para tal fato.
A apreciação superior."
Aos 29/01/2007, frustrada novamente a conciliação pela ausência da querelada, proferiu a douta Juíza C. R. V. a seguinte decisão:
""TENDO EM VISTA QUE PELA CERTIDÃO FORNECIDA PELO SR. OFICIAL DE JUSTIÇA A QUERELADA ESTÁ SE OCULTANDO PARA NÃO SER CITADA OU INTIMADA, INVIABILIZANDO A CONCILIAÇÃO, RECEBO A QUEIXA-CRIME. CITE-SE A QUERELADA POR EDITAL, COM PRAZO DE 05 DIAS, NA FORMA DO ART. 362 DO CPP, CIENTE DO INTERROGATÓRIO NA DATA DE 28 FEVEREIRO DE 2007, ÀS 13 HORAS, EXTRAINDO-SE MAIS UMA CÓPIA DO MESMO E ENVIANDO-SE POR CARTA REGISTRADA, AO ENDEREÇO DA QUERELADA.
Realizada a citação por edital às fls. 46. Cópia do edital de citação foi enviada por correio ao endereço da querelada, não retornando o AR. Tampouco a querelada compareceu a seu interrogatório.
Promoção do MP de fls. 52, requerendo a extração de cópias à 1ª Central de Inquéritos, para apurar eventual crime de falsidade ideológica, diante do teor da certidão de fls. 44, acima reproduzido.
Decido.
Esses os fatos relevantes do processo que levam a uma perplexidade, diante do que dispõe o art. 366 do CPP, tendo em vista que resta induvidoso que a Ré está se ocultando, conforme reconhecido pela decisão de fls. 45.
O referido dispositivo legal, com a redação que lhe deu a Lei 9.271/96, determina a suspensão do feito e da prescrição quando o Réu citado por edital não comparece ou não constitui advogado, podendo o juiz, nesta hipótese, determinar a produção de provas urgentes, e, se for o caso, decretar a prisão preventiva, nos termos do art. 312 do CPP.
Pois bem, o art. 366 não faz distinção sobre a razão pela qual a citação por edital foi determinada, sendo certo que ela é cabível tanto para o réu que se encontra em local incerto e não sabido, quanto para aquele que se oculta, e ainda para o que estiver em lugar inacessível.
Fica a indagação: qual a razão para a suspensão determinada no art. 366 do CPP?
A doutrina, em uníssono, afirma que é para garantir o direito de defesa daquele que não tem conhecimento de que existe uma acusação contra si.
Outra indagação: Aquele que se oculta para não ser citado/intimado ignora que existe uma acusação contra si?
A resposta é negativa. É óbvio que aquele que se oculta, o faz por alguma razão. Se a ocultação é para escapar do encontro com o oficial de justiça, resulta óbvio que há conhecimento de que existe algum processo judicial contra sua pessoa, sobretudo quando esse oficial de justiça deixa na portaria e no próprio apartamento do acusado, em diversas oportunidades, várias cópias da petição inicial acusatória.
Vale dizer, o art. 366, com a redação que lhe deu a Lei 9.271/96, não tinha por escopo albergar a hipótese de réu que se oculta, pela razão evidente de que o direito de defesa dele não é afetado. O destinatário da norma é o réu que se encontra em local inacessível ou incerto e não sabido, pois este ignora a existência da acusação.
Suspender o processo, na forma do art. 366, ao réu que se oculta significa premiar o ardil, tornar impotente a vítima e vilipendiar o Poder Judiciário.
Socorro-me dos ensinamentos de doutrina autorizada a respeito da aplicabilidade do art. 366 do CPP ao réu que se oculta:
Prof. Damásio de Jesus:
"...se o infrator, tendo conhecimento da persecução penal, oculta-se para não ser citado pessoalmente, não há o suporte teleológico necessário à incidência da medida, ainda que venha a ser expedido o edital. Seria como premiar um artifício malicioso..."
(Jornal O Ministério Público Paulista, agosto/setembro de 1996)
Prof. Marcellus Polastri Lima:
"E, por fim, restando óbvio que o acusado tem ciência de estar sendo processado, uma vez que prestou fiança, obteve liberdade via habeas corpus etc., ou mesmo ficar demonstrado que se oculta para não ser localizado, obstando sua citação pessoal, fornecendo endereço falso ou, com ciência da acusação que pesa sobre si, estiver foragido, igualmente não deverá ser aplicada a lei, cujo fim foi de evitar o processamento com desconhecimento da imputação pelo acusado".
Destarte, a interpretação teleológica da lei deve ser no sentido de não aplicação no caso de ocultação ou de conhecimento, ou, mesmo quando o acusado se compromete a futuro comparecimento, prestando fiança, ou restar evidente que forneceu endereço fictício."(grifei)
(Curso de Processo Penal, vol. III, p. 14, Lumen Juris)
Prof. Paulo Rangel:
"Pensamos que a hipótese que deve ser considerada pelo intérprete, para se aplicar a letra do art. 366, caput, do CPP, é a do réu que se encontra em lugar incerto e não sabido, ou seja, é a prevista no art. 361. O réu que se oculta para não ser citado tem conhecimento de que sobre ele pesa uma acusação. Porém, tenta, com seu comportamento malicioso, subtrair-se à ação da justiça, não podendo, assim, beneficiar-se da sua própria torpeza.
Destarte, a interpretação que se deve fazer é a teleológica, ou seja, perquirir a vontade do legislador, o fim pelo qual a norma foi criada: evitar impunidade.
Poder-se-ia dizer que a lei não distinguiu em qual hipótese de citação por edital seria aplicada a suspensão e onde ela não distingue não cabe ao intérprete fazê-lo. Porém, ao assim pensarmos, estaremos interpretando, literalmente, o dispositivo legal e pensamos não ser correta esta interpretação, pois, se o réu oculta-se à ação da justiça, não pode ser beneficiado pelo seu comportamento malicioso."
(Direito Processual Penal, 11ª edição, p. 660, Lumen Juris)
Em suma, evidenciada está a ocultação da querelada para impedir o exercício da jurisdição, sendo inaplicável à hipótese a norma constante do art. 366 do CPP, devendo o feito prosseguir. Ante tal premissa, decreto a revelia da querelada. Dê-se vista à Defensoria Pública para os fins do art. 396, § único do CPP. Defiro o pedido do MP de fls. 52, extraindo-se cópia integral do processo à 1ª Central de Inquéritos, para apuração de eventual crime de falsidade ideológica, diante do teor da certidão de fls.44. Após, dê-se vista ao MP.
Rio de Janeiro, 19 de março de 2007.
Vinicius Marcondes de Araujo
Juiz Substituto