INTRODUÇÃO
O trabalho que segue reproduz o parecer elaborado no processo de PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS denominado "Procedimento para edição de Portaria Normativa – Locais de Diversão, Eventos e Estabelecimentos Comerciais", que tramitou, com base na Resolução nº 30 do Conselho da Magistratura do Rio de Janeiro, na Vara da Infância, da Juventude e do Idoso de Teresópolis (RJ).
A Portaria nº 03/2006, da Juíza daquela Vara, Drª Inês Joaquina Sant’Ana Santos Coutinho, foi baixada por sentença, da qual recorreu o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, sem provimento. Rejeitados Embargos de Declaração, Recursos Especial e Extraordinário, a Promotoria interpôs Agravos aos Tribunais Superiores, ainda não apreciados.
A quem se interessar pelo teor da Portaria, até agora mantida, basta consultar o andamento do processo 2006.061.006391-2, na página do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, ali localizando a sentença lavrada em 18/12/2006, à qual a MMª Juíza prolatora, incorporou o parecer que segue, como base para decidir.
TEOR DO PARECER
Cumprindo determinação de Vossa Excelência, apresento o estudo em torno da matéria focalizada nestes autos, considerando as afirmações do Comissariado, os termos da promoção do Ministério Público, no confronto com as teses que vem sendo defendidas por V. Exª. em diversos foros, bem como com idéias que constaram do meu trabalho "O Edifício da Proteção Integral precisa de Portaria – sobre a edição de portarias normativas pelo Juiz da Infância de Juventude", que mereceu a honra de ser incluído entre os anexos que instruíram a proposta dos magistrados menoristas levada ao Conselho da Magistratura [1].
Com escusas por saber-me sem as melhores qualificações para tanto, tentarei cumprir a ordem de Vossa Excelência, no intuito de compilar o que parecem ser os principais aspectos de conflito.
SOBRE O CARÁTER EMERGENCIAL DA PORTARIA PRETENDIDA E A URGÊNCIA DE SUA EMISSÃO ANTES DE PRONUNCIAMENTO DEFINITIVO DO CONSELHO.
Preliminarmente, registre-se a definição: Emergência é: "(...) 2. situação critica ou perigosa" (HOUAISS).
Da experiência relatada pelos Comissários atuantes na fiscalização, e dos debates internos que Vossa Excelência tem conduzido em torno do tema, tem-se que a ausência das Portarias Judiciais, em face da Resolução 02/06 [2], pode estar sinalizando perigosa situação de anomia.
Ainda que com, data venia, a possibilidade de eventuais incorreções formais, dentro da estratégia traçada por Vossa Excelência, as portarias cumpriram sempre relevante papel na ação deste Juízo, sempre regida pelo princípio da precaução. Lembrando-se de que tal princípio não admite sequer a mera ameaça aos direitos tutelados, tenho que as tarefas de caráter jurisdicional-administrativo ficaram dificultadas pela ausência de Portarias.
A conjugação da dificuldade de sobrevivência num ambiente econômico desfavorável, com a necessidade de lucros crescentes, pode fazer com que muitos empresários - agora sem os freios das normas revogadas - não mais respeitem diretrizes fundamentais à proteção integral. Basta ver que os próprios cartazes dos eventos ocorridos na cidade não mais trazem (ou minoram seu destaque) os alertas sobre a vedação de ingresso conforme a faixa etária. Basta ver, ainda, o argumento recorrente nas defesas a autuações, de que não compete ao Juízo a edição de Portarias, sempre se invocando a Resolução nº 02/2006, do Conselho da Magistratura. Daí, toda a ação pedagógico-disciplinar exercitada durante anos por Vossa Excelência – à qual, se não faltam eventuais críticas, também não lhe falece a consideração e o reconhecimento geral -, poderá sofrer prejuízos, pulverizando o desrespeito. Para isso contribuirá, certamente, a alta rotatividade na atividade da pequena empresa, devida ao - na atual conjuntura - sempre reduzido tempo médio de existência das mesmas. Já hoje deve existir um relevante número de micro-empresários estabelecidos após a Resolução 02/06, e que não conheceram as cautelas recomendadas pelas Portarias.
Assim tem sinalizado o diálogo com o Comissariado. Data venia, em nosso entendimento é possível que tal realidade pode vir a se constituir, sim, em "situação crítica e perigosa" e, portanto, em ameaça a ser inibida. Os episódios de alcoolismo, intoxicação e gravidez precoce, e os relatos da forma com que tais episódios são oportunizados, renovam as preocupações em torno das festividades e instituições da Comarca, objeto da portaria.
SOBRE A VALIDADE DA PORTARIA CONJUNTA 01/03.
Os Juízes da Infância e da Juventude do Estado do Rio de Janeiro marcaram um importante tento na tarefa protetiva e orientadora atribuída ao Judiciário pelo ECA, quando comungaram opiniões e normatizaram diversas situações referentes a estabelecimentos de lazer e diversão e atividades voltadas a crianças e adolescentes, através da Portaria Conjunta nº 01/2003.
Registre-se que aquele esforço foi acolhido pela Corregedoria Geral da Justiça que converteu-o em seu Provimento nº 39/04. Ressalte-se, ainda, que a Resolução 02/06 do Conselho da Magistratura suspendeu atos emanados dos Juízos singulares, sem qualquer menção a atos do Corregedor. É claro que se poderá argumentar que o ato do Corregedor não vincula as Comarcas, que, em tese, deveriam cada uma de per si, promover edição própria daquele provimento, que apenas teria buscado padronização. Entretanto, a prática demonstrou o reconhecimento da Portaria Conjunta e sua aplicação a partir da publicação da Corregedoria. Ocorreram condenações com base na mesma, sustentadas na 2ª Instância.
Como é natural que, de tal situação surjam dúvidas, sobre o tema Vossa Excelência efetuou consulta, ainda não respondida, à Corregedoria Geral de Justiça. Certamente, a resposta melhor dirá sobre a validade total ou parcial da Portaria Conjunta.
De todo modo, parece-me que não se pode esquecer que todo o conteúdo da Portaria Conjunta 01/03 é lastreado em normas legais vigentes, após intensa pesquisa promovida pelos magistrados que a redigiram. Apenas colecionaram, naquele normativo, as diversas leis pertinentes aos temas ali tratados, chamando-os à aplicação, com adequações pertinentes.
Tudo indica que essa postura encontra harmonia com a Resolução hoje em vigor [3], em caráter provisório, conforme ordem do Conselho da Magistratura, e a partir da qual se iniciou o presente feito. Instruiu a minuta de Resolução ofertada pelos magistrados em seu pleito junto àquele órgão superior, além da dissertação que elaborei, a proposta de Vossa Excelência que sugere estabelecimento de classificação das Portarias por tipos, dentre os quais um deles seria o que indicasse base legal já existente, apenas chamada à jurisdição, com as adequações necessárias.
Não parece que atenderia ao princípio da precaução rejeitar a aplicação ou adequação de normativos já existentes à Comarca, sendo que eles podem configurar ações protetivas indispensáveis, como os relacionados às limitações e alertas quanto ao ilícito comércio de bebidas alcoólicas a crianças e adolescentes.
SOBRE A AMPLITUDE E A COMPLEXIDADE DA PORTARIA PRETENDIDA LHE CONFERIR CARÁTER GENÉRICO, FACE À REVOGAÇÃO DO CÓDIGO DE MENORES CUJO ART 8º PERMITIA PORTARIAS GENÉRICAS.
Conforme HOUAISS, genérico é o que se refere ao gênero, este sendo "conjunto de espécies com a mesma origem ou as mesmas particularidades".
Data venia, talvez não pareça racional que, para eventos ou estabelecimentos cujas características se repetem, não seja possível efetuar disciplina única de hipóteses idênticas. Tal providência representa medida de racionalização, de economia processual e, mesmo, de eqüidade, já que assim se evita tratar desigualmente os iguais. Por isso é que a inteligência do Art. 149 do ECA - entendo - determina que, do geral similar cuida a Portaria Judicial, através de normas gerais, complementares e esclarecedoras da Lei. Do particular, cuida o Alvará.
Sobre o tema, JOSÉ LUIZ MÔNACO DA SILVA, comentando o § 2º do Art 149 [4] ensina:
"Se o presente parágrafo não for bem entendido, por certo conduzirá o intérprete a uma inegável contradição com a norma disposta no caput do artigo. O que ele quer expressar, em linhas gerais, é que, afora a matéria disciplinada por meio de Portaria Judicial, os demais atos judiciais consubstanciados em alvarás judiciais não se submetem a decisões de caráter geral, antes prestam inteira vassalagem a cada caso que for endereçado à autoridade judiciária." (grifamos)
No trabalho que tive a honra de oferecer aos magistrados menoristas em torno dessa discussão, trato do que me parece reiterado equívoco, que entende serem as atuais Portarias do Juízo da Infância e da Juventude - quando não adstritas à leitura estreita e hermenêuticamente desatualizada do Art. 149 do ECA -, arroubos saudosistas do já revogado Código de Menores. Assim alguns entendem em face do caráter genérico da Portaria Judicial como a que nestes autos Vossa Excelência estuda baixar.
Ora, tanto a Portaria do Código revogado, como a prevista no ECA, por conta do poder de polícia determinado à jurisdição especial menorista, vinculam particulares. Entretanto, breve reflexão faz ver que não são Portarias de mesmo tipo. A Lei atual, claramente, a institui como um híbrido de mecanismo, a um só tempo, administrativo e jurisdicional, coisa que antes não existia, sendo somente administrativa. A Portaria prevista no ECA exige fundamentação, quando o modelo antigo apenas exigia do Magistrado o "prudente arbítrio". E mais. Tanto os institutos não são mesmos, que é previsto, atualmente, recurso jurisdicional regular, à luz do Art. 199, garantia inexistente na Lei revogada.
SOBRE A MINUTA PROPOSTA ESTAR EM DESACORDO COM O ART 149 DO ECA, EXTRAPOLANDO-O.
Salvo melhor juízo, é ponto central de toda a discussão que se trava hoje no Conselho da Magistratura, exatamente, a defesa que fazem os magistrados menoristas quando à impossibilidade da leitura estrita da Lei que protege a infância e a juventude. Concordo. Assim também sustentei na modesta dissertação mencionada. Os problemas hodiernos fazem inviável, à consecução dos objetivos constitucionais da proteção integral, tal leitura estrita. Por isso se entende que, existindo previsão legal de edição de Portarias à margem do Art. 149, como as previstas no Art. 191, e presente a necessidade de romper o que costumeiramente se entende por ‘rol taxativo’ do Art. 149 – dada, inclusive, a desatualização do texto que omite, por exemplo, parques aquáticos e lan houses – é imperioso que se atualize tal entendimento. A decisão liminar concedida pelo Conselho de Magistratura nos autos em que o tema é examinado - que adotou, ainda que provisoriamente, o entendimento ampliado! - é um indício da possibilidade de tal atualização hermenêutica.
Parece-me que também não se deve desprezar a análise sistêmica da Lei 8.069/90, pela qual se verifica que o rol do referido art. 149, ao contrário do que muitos entendem, data venia, é exemplificativo. A seu texto falta – como salientado por Vossa Excelência nas razões apresentadas ao Conselho de Magistratura - a partícula que determinaria exclusividade daquelas opções, como optou o legislador por fazer ocorrer no Art. 122.
"A medida de internação SÓ poderá ser aplicada (...)"
Se a lei é, ela própria, um sistema, não há como se entender que as indicações taxativas ora se escrevam de um modo, ora de outro.
SOBRE A QUESTÃO DEMOCRÁTICA E OS FUNDAMENTOS DA REPÚBLICA
A questão democrática é sempre um tema tão empolgante quanto árduo. Permita-me, Vossa Excelência, sobre ele refletir brevemente.
No preâmbulo da Constituição Federal inscreveram os Constituintes:
"Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, DESTINADO A assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacifica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil". (grifamos)
Bem se vê de tão inspirada e luminosa declaração que a Democracia não é um fim em si mesmo. É um mecanismo em face de um objetivo. Evidente que ela é também um valor. Mas tal valor só ganha concretude pelo método. Assim, a democracia, antes de tudo, é um modus operandi com instâncias, instituições e mecanismos que a viabilizam. Entretanto só encontra sentido no momento em que os objetivos para os quais foi instituída, são efetivamente alcançados, ou, ao menos, quando em sua direção se caminha com honestidade de propósitos.
O zelo apenas pelo ‘mecanismo’ pode tornar inócuo o ‘valor’, já que não tem sido difícil a aparência democrática embutir retrocessos. Basta que uma força organizada aparelhe as instâncias e foros. Por isso, conhecido estudo organizado pelo eminente sociólogo Boaventura Santos intitulou-se "Democratizar a Democracia" [5], exemplificadas, ali, várias experiências de combate ao aparelhamento do mecanismo democrático.
O perigo de tal raciocínio é que ele pode servir para que alguém suponha defensável a supressão do mecanismo democrático em face do objetivo não alcançado. Não é o que defendo! A democracia é um processo, uma construção contínua, e a manutenção, a melhor compreensão e o incremento de seus mecanismos é o que pode, também, corrigir distorções. Mas para tanto, é necessário visão ampla da estrutura democrática, eis que, nela própria se contém as soluções. Uma dos imperativos primários neste particular é que nenhum órgão se ausente da tarefa constitucional que lhe é cometida.
Portanto, cabe a cada instituição em que se constitui o poder do Estado, cumprir o seu papel. Ao Juiz da Infância e da Juventude, segmento do Poder Judiciário, são cometidas tarefas institucionais de natureza jurisdicional e administrativa. Como defendi no estudo mencionado, muitas destas tarefas expressam poder de polícia de natureza especial que lhe foi outorgado.
Ora, se o exercício do poder de polícia é a garantia do cumprimento das normas estabelecidas, e se – como entendo - a todo poder de polícia corresponde poder normativo subsidiário, ao exercê-lo está o Juiz Menorista cumprindo tarefa democrática.
O poder do Juiz Menorista é legítimo, a diretriz que aplica é constitucional, e o mecanismo que utiliza tem amparo legal. Ademais, seu exercício atende ao princípio da precaução.
Talvez caiba uma citação que bem delimita os contornos do que aqui se defende. John Stuart Mill, importante teórico da democracia e do liberalismo, ao discutir na Inglaterra do século XIX a tortuosa questão dos limites de interferência do poder estatal sobre o indivíduo, em seu ‘Ensaio Sobre a Liberdade’, assim disse:
"Que o único propósito para qual o poder possa ser legalmente exercido sobre qualquer membro de uma comunidade civilizada, contra a sua vontade, seja evitar dano a outros. (...) Aqueles que ainda se encontram em um estado em que necessitem dos cuidados de outros, devem ser protegidos contra suas próprias ações, assim como contra dano externo". [6]
Evitar danos aos menores de 18 anos é tudo o que deve perseguir não só o Juiz Menorista, mas sim, todos os membros da rede de proteção estabelecida na Lei Especial. Data venia, seja como valor (o direito fundamental representado pela proteção integral), seja como método (a assunção de responsabilidades em busca daquele objetivo), não há nada mais democrático.
Na verdade, o sistema democrático possui mecanismos que buscam garantir sua efetividade. Assim ocorre com os ‘freios e contrapesos’, com os ‘remédios constitucionais’, e, ousaria afirmar, também na atividade subsidiária do Juiz Menorista no exercício do seu poder de polícia. Tais mecanismos são uma espécie de reserva que pretende impedir a falência do organismo pela inoperância ou ação errática de um de seus membros.
Não à toa, o Dr. GUARACI DE CAMPOS VIANNA, Juiz da 2ª Vara da Infância e da Juventude da Comarca da Capital, destaca tais atividades como sendo ‘anômalas’.
"São funções que não dizem respeito às atividades jurisdicional ou não-jurisdicional do Poder Judiciário, mas que o legislador preferiu deixar nas mãos do Juiz. Não são atividades típicas do Judiciário e podem ser, então, denominadas anômalas". [7] (grifamos)
A anomalia apenas realça a importância da missão. O ideal é que famílias, sociedade, governos e conselhos executem bem, cada um, seu papel na rede protetiva. Mas, sendo inevitáveis as lacunas de ação, entendo que ‘o legislador preferiu’ que as normas de prevenção relativas a direitos menoristas não ficassem a descoberto. É quando o Juiz atua. E, creio que, respeitados procedimentos como os que nestes autos se observa, o faz dentro de preceitos que respeitam o princípio democrático.
SOBRE A EDIÇÃO DA PORTARIA E O DEVIDO PROCESSO LEGAL
Um dos pressupostos da proposta encaminhada pelos Juizes da Infância e da Juventude ao Conselho da Magistratura – proposta esta adotada como liminar – é exatamente melhor clarificar o caráter híbrido de procedimento administrativo e de prestação jurisdicional de que se reveste a Portaria de que trata.
Entendo que a primeira fase da edição de Portaria Judicial constitui-se em medida administrativa que exterioriza o poder de polícia de natureza peculiar cometido ao Magistrado. Portanto, nesta altura a mesma é sempre dotada de auto-executoriedade. Em meu entendimento, inclusive, por coerência teórica, dispensar-se-ia – nesta fase - a oitiva do Ministério Público.
Entretanto, entenderam os Juízes proponentes - ainda que atipicamente, em se tratando de ordem administrativa - que, dados os reflexos futuros da ordem, mais transparente e eficaz se faria o procedimento de sua edição, oportunizando-se ao Promotor de Justiça mecanismo que lhe garantisse melhor entendimento das propostas em jogo, melhores condições de fiscalização e possibilidade de sugestões. Fosse totalmente jurisdicional esta fase, os pleitos e recursos pertinentes poderiam inviabilizar fosse a ordem baixada, o que não condiz com o seu, nesta fase, caráter administrativo.
Baixada a Portaria, passa ela a ter, automaticamente, caráter de prestação jurisdicional especial, à luz do Art. 153 do ECA. De seu teor devem ser intimados os destinatários da ordem, individualmente, ou, quando pertinente, as entidades de classe, sindicatos de categoria profissional e assemelhados, sem prejuízo da publicação oficial. Das intimações assim efetuadas, abre-se o prazo para recurso jurisdicional regular, à luz do Art. 199 do ECA. Recebido o recurso, como lhe faculta a Lei, decidirá o Magistrado sob seu eventual efeito suspensivo, encaminhando o apelo à instância superior.
Tal elaboração permite inibir teratologias na fase administrativa, bem como garantir que estejam plenamente contemplados na fase jurisdicional os princípios do contraditório e da ampla defesa. Portanto, data venia, não há contrariedade aos princípios elencados, parecendo estar atendidos os requisitos pleiteados, cada qual na fase adequada.
Demais exigências formais e procedimentais também parecem ponderadamente cumpridas. Por exemplo, com a devida licença, ousaria dizer que não parece ser razoável impor como regra monolítica a necessidade de sindicâncias prévias ao que é de conhecimento notório. Medidas liminares são concedidas desde que presentes o fumus bonus iuris e o periculum in mora. Considerando que a decisão, após baixada, vai ao contraditório, não é razoável que, presentes aqueles dois fatores essenciais à prestação cautelar, se impeça a possibilidade de ordem necessária, pela exigência de prévia sindicância.
Quanto à individualização dos destinatários da ordem, parece que o rito sugerido permitirá que tal se aplique, dentro de critérios de racionalidade e razoabilidade. Sendo número restrito, serão individualmente intimados. Compondo ramo de atividade, de individualização penosa, dado o número de integrantes, serão intimadas suas entidades representativas, sem prejuízo da ampla divulgação pela imprensa. Não se deve esquecer a recomendação de que sejam promovidas reuniões de esclarecimento. Lembre-se que já as realizou esse Juízo, em Teresópolis, com sucesso, quando da edição anterior de portarias relativas aos festejos do Carnaval e à regulação de academias de ginástica, dança, lutas, fisiculturismo, etc.
Aliás, vale aqui a menção à posição do Promotor de Justiça do Rio Grande do Sul, BRUNO HERINGER JÚNIOR, em artigo intitulado "Algumas questões controvertidas do ECA", no seu capítulo 11, "A fundamentação das Portarias Judiciais" [8]. Ao comentar decisão da 8ª Câmara Cível do TJRS no MS 595051771-RS, de 25.05.95 que entendeu que a edição de portaria exigiria a prévia sindicância, afirma:
"A prevalecer este entendimento, estaria praticamente obstaculizado qualquer regramento, por parte do Juiz, daqueles casos que demandassem a edição de Portaria. Imagine-se se, para regulamentar o ingresso de crianças e adolescentes em bares, boates, fliperamas, entre outros, tivesse o julgador de investigar cada estabelecimento, para então regrá-lo. Em cidades grandes é absolutamente inviável. (...) De qualquer sorte, o importante é que a decisão da 8ª Câmara Cível do TJRS,antes indicada, não vingue, sob pena de impedir o uso de um importante instrumento de proteção de jovens e infantes." (grifamos)