SOBRE A CONSTITUCIONALIDADE DO CADASTRO DETERMINADO NO ARTIGO 15 DA PORTARIA
O direito à prática desportiva, que se confunde ou complementa, tanto com o direito ao lazer, quanto com o direito à saúde, não é excludente dos demais direitos a que fazem jus os menores de 18 anos.
O culto à beleza física, tantas vezes confundido com zelo pela saúde, tem direcionado nossos jovens às academias de lutas, musculação e ginástica, não raro, em detrimento de seus deveres escolares. A falta destes, pouco sentida no presente, se tornará fatal para o sucesso na vida adulta. Por isso é que não se pode permitir ao atleta juvenil que não estude. Por isso é que aquele que zela pela prática desportiva deve, também, construindo a consciência da integralidade dos direitos infanto-juvenis, zelar para que seu desenvolvimento seja completo, nele não podendo faltar a freqüência à escola. Proteção integral – repito - pressupõe a visão de conjunto dos direitos envolvidos.
Portanto, sendo providência rotineira que academias, clubes, associações, federações e congêneres tenham cadastros de seus associados ou freqüentadores, não se exorbita no artigo mencionado, ao apenas acrescer aos dados de praxe, os dados escolares. Tal providência tem o caráter de perseguir a garantia do direito à educação, servindo, ainda, para promover conscientização necessária em torno do tema.
Assim, cria-se instrumento auxiliar de aferição do cumprimento das obrigações parentais no concernente a educação dos filhos. Data venia, disso não resulta intervenção abusiva ou prejuízo a quem quer que seja. Antes, produz-se ferramenta auxiliar que não parece merecer desprezo.
SOBRE PRINCÍPIOS DA INDEPENDÊNCIA E HARMONIA ENTRE OS PODERES E LEGALIDADE
A edição da Portaria não é exercício legislativo, mas necessária prática regulamentar. O mestre JOSÉ AFONSO DA SILVA ensina que "o princípio da legalidade (...) não exclui atuação secundária de outros poderes". [16]
Por óbvio, nenhuma lei obterá um grau de minúcia tão grande que permita excluir a atuação interpretativa do aplicador da lei. Tanto os representantes do Executivo e seus administradores, quanto os integrantes do Judiciário e os aplicadores do direito, obrigatoriamente despenderão esforço interpretativo que se organizará na forma de julgados, provimentos administrativos, Ordens de Serviço e Portarias. O que resta observar é se o exercício de tal interpretação se expressa de forma legalmente sustentável. Evidentemente não poderá o intérprete-administrador impor o resultado de sua análise a quem não esteja submetido à sua autoridade.
Como já dissemos em outro ponto, o Juiz da Infância e da Juventude detém poder de polícia de natureza especial. De todo poder de polícia, em nosso entendimento, depreende-se a existência de poder normativo subsidiário e restrito às tarefas legalmente cometidas.
Logo, não labora em ilegalidade o Juiz menorista, quando exercendo a parcela interpretativa que JOSÉ AFONSO DA SILVA atribui aos demais poderes, no exercício do seu poder de polícia, interpreta a Lei à luz da Constituição, disso resultando a edição de Portarias Normativas.
Não há invasão da esfera de outro poder. Data venia, não há ilegalidade. A Portaria busca dar eficácia à lei emanada de outro poder. Harmonia é, também, um poder – aplicador e intérprete - fazer valer os objetivos perseguidos pelo outro poder – legislador. Como já externado em outro ponto deste trabalho, assim se reforça a democracia.
CONCLUSÃO
Concluindo, gostaria de transcrever o sentimento geral dado pelo exame da Portaria proposta. E o resultado é o de que se conecta em plenitude com as necessidades da proteção integral. A PORTARIA É VIÁVEL E NECESSÁRIA. Por oportuno, menciono estudo do ilustre Promotor da Infância e da Juventude da Comarca de Duque de Caxias, Dr. GALDINO AUGUSTO COELHO BORDALLO. Dissertando sobre o papel do Juiz da Infância, aborda a questão da edição de portarias. Embora tenha expressado inconformismo com a manutenção de tal possibilidade, reconhece:
"Mesmo que seja estranha esta possibilidade de expedição de portarias, ela se adequa à Doutrina da Proteção Integral, pois o Juiz assim agindo está visando evitar que direitos das crianças e adolescentes sejam violados e que se exponham elas a riscos". [17]
Pedindo desculpas por qualquer excesso ou impropriedade, concluo aqui o estudo requisitado, com este humilde entendimento, a ser melhor apreciado por Vossa Excelência.
Notas
[1] Dessa proposta, editou o Conselho da Magistratura do TJ-RJ a Resolução nº 30/06, autorizando a expedição de Portarias Normativas pelos Juízes da Infância e da Juventude, dentro dos procedimentos que estabelece, propostos pelos próprios magistrados.
[2] O Conselho da Magistratura do TJ-RJ, em 2006 revogou, por sua Resolução nº 02, todas as Portarias baixadas por Juízes menoristas, alegando que muitas feriam o princípio da legalidade, e extrapolavam o rol estrito do art. 149 do ECA, ocorrendo ainda imposições abusivas.
[3] Em caráter provisório, enquanto examinava mais profundamente o mérito da proposta, Conselho da Magistratura decidiu, por unanimidade, autorizar a expedição de Portarias sob os novos ritos propostos pelos Juízes, no que viria a ser o embrião da Resolução 30.
[4] em seu Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado – SP, RT, 1994.
[5] Editora Civilização Brasileira, 2002.
[6] STUAR MILL, Ensaio Sobre a Liberdade – Editora Escala, 2006, pp 27/28.
[7] GUARACI DE CAMPOS VIANNA, Teoria e Crítica do Direito da Infância e da Juventude – Editora Univer Cidade, 2004, pp 145.
[8] (disponível na página do Ministério Público do RS – www -mp.rs.gov.Br/infância/doutrina/id.199,htm)
[9] Inclusive a ditame do Art. 149, I, 1º, b
[10] "Muito mais do que bônus, a autoridade parental é um ônus, um dever jurídico imposto aos pais na criação dos filhos, visando à plena formação espiritual, educacional e moral destes". – Em Curso de Direito da Criança e do Adolescente - Aspectos Teórico e Práticos.Lúmen Juris Editora. 2006. Pp 454.
[11] Marie Claire, pp 114, abril 2006, Editora Globo.
[12] "O Estado, enquanto respeita a liberdade de cada um naquilo que especialmente diz respeito à própria pessoa, é obrigado a manter um controle vigilante sobre o exercício de qualquer poder que permita a ela possuir sobre outros. Esta obrigação é quase inteiramente desconsiderada no caso das relações familiares, um caso, em sua influência direta na felicidade humana, mais importante do que todos os outros juntos. O poder quase despótico dos maridos sobre as esposas não precisa estender-se aqui, porque nada mais é necessário para a completa remoção do mal do que as esposas terem os mesmos direitos e receberem a proteção da lei da mesma maneira como todas as outras peoas; isso porque, nesse assunto, os defensores da justiça estabelecida não se beneficiam do pretexto da liberdade, mas se mostram abertamente como defensores do poder. É no caso de filhos que noções de liberdade mal aplicadas são um verdadeiro obstáculo ao cumprimento pelo Estado de suas obrigações. Alguém poderia pensar que os filhos de um homem deveriam ser literalmente, e não metaforicamente, uma parte dele própria, tão zelosa é a opinião da menor interferência da lei em seu absoluto e exclusivo controle sobre eles; mais zelosa do que quase qualquer interferência em sua própria liberdade de ação: tanto menos valor a generalidade da humanidade dá à liberdade do que ao poder". Obra citada, pp. 144/145.
[13] Conforme nota 91 do capitulo Infrações Administrativas de autoria de Patrícia Pimentel de Oliveira Chambers Ramos no Curso de Direito da Criança e do Adolescente – Lumen Juris, 2006.
[14] Conforme citado por SILVA, JOSÉ AFONSO DA. Curso de Direito Constitucional Positivo. Pp. 424, 19ª edição, Malheiros, 2001.
[15] "Art. 3º - A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo de proteção integral de que trata esta lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade" e ‘Art. 72. As obrigações previstas nesta lei não excluem da prevenção especial outras decorrentes dos princípios por ela adotados" – Lei 8.069/90.
[16] Curso de Direito Constitucional Positivo. Pág. 424. 19ª edição. Malheiros, 2001.
[17] Em "O Poder Judiciário", constante de Curso de Direito da Criança e do Adolescente – Aspectos Teóricos e Práticos. Lúmen Júris Editora. 2006. Pp 394.