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Ministério Público pede Defensor Público em município

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Agenda 30/11/2008 às 00:00

Ação civil pública contra o Estado do Ceará, requerendo a designação de Defensor Público para município.

Excelentíssimo SENHOR Juiz de Direito da Comarca de Jati.

AÇÃO CIVIL PÚBLICA C/ PEDIDO DE LIMINAR

            O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO CEARÁ, através do Promotor de Justiça signatário, vem perante este juízo, com fulcro nos artigos 127, caput, 129, II e III, e 144 da Constituição Federal; 1º, IV, da Lei nº 7.437, de 24 de julho de 1985; 25, IV, "a", e 27, da Lei nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE LIMINAR contra o Estado do Ceará, pessoa jurídica de direito público interno, através da Procuradoria Geral do Estado, com sede na Av. Washington Soares, 707, Água Fria, Fortaleza – CE, CEP 60811-340, pelas razões de fato e de direito adiante expendidas.


1. PRELIMINARMENTE

            1.1. A LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO

            Inspirado nas class actions do direito norte-americano, o legislador brasileiro, através da Lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), introduziu no ordenamento jurídico pátrio a ação civil pública, como instrumento de salvaguarda dos chamados direitos ou interesses difusos e coletivos.

            Avançou-se ainda mais na tutela dos direitos coletivos lato sensu, com a edição da Lei 7.913/89, que, embora restrita aos danos causados aos investidores do mercado de valores mobiliários, abriu salutar precedente, possibilitando que o Ministério Público adotasse "as medidas judiciais necessárias para evitar prejuízos ou obter ressarcimento dos danos causados aos titulares de valores mobiliários e aos investidores do mercado [01]", porquanto, o direito ali protegido não é indivisível, requisito exigido para legitimação do órgão ministerial e dos outros co-legitimados para propositura de ação civil pública na forma da Lei 7.347/85.

            Já a Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) inovou em nosso ordenamento jurídico ao possibilitar o uso da ação civil pública para a defesa coletiva dos chamados direitos individuais homogêneos [02].

            O artigo 117 da Lei nº 8.078/90, mandou acrescentar à Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) o artigo 21, o qual prevê aplicação dos dispositivos do Título III do CDC à defesa dos interesses difusos.

            O art. 81, inciso I, do CDC, define interesse difuso como sendo "os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato".

            Os artigos 127, caput, 129, II e III, e 144 da Constituição Federal; 1º, IV, da Lei 7.437, de 24 de julho de 1985; 25, IV, "a", e 27, da Lei nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, conferem ao Ministério Público legitimidade para intentar ação civil pública na defesa dos direitos ou interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.

            Se assistência jurídica integral e gratuita aos hipossuficientes, devido à sua essencialidade, possui natureza jurídica de serviço público [03], exclusivo do Estado; podendo, assim, ser considerada um direito indivisível, cujos titulares são pessoas indeterminadas (todas as pessoas necessitadas que residam no Município ou que, por algum motivo, encontrem-se em seu território, e que necessitem de assistência jurídica) e ligadas por uma circunstância de fato (i.e, se encontrarem no território deste município e não possuírem condição de contratar advogado particular);

            Se o acesso à justiça pela população carente desta comarca, conforme se demonstrará, acha-se comprometido por omissão do demandado, pela ausência de defensor público neste município;

            Se a não prestação ou prestação precária da assistência jurídica e gratuita aos necessitados atinge um grupo indeterminado de pessoas relacionadas pela circunstância fática de se encontrarem em determinada situação ou local, ou, in casu, residindo ou em permanência transitória nesta comarca, como potenciais usuários do serviço público;

            Então, não se pode negar legitimidade do Ministério Público para propor a presente ação, que visa tutelar um direito coletivo.

            Convém ainda ressaltar que, se omitindo o Estado em efetivar direitos albergados na Carta da República, e não destinando verba necessária ao exercício concreto destes direitos, bem como, deixando de fornecer suporte material e humano aos órgãos estaduais responsáveis pela garantia destes direitos, compete ao Poder Judiciário fornecer a prestação jurisdicional que assegure esse resultado.

            1.2. LEGITIMIDADE PASSIVA DO ESTADO DO CEARÁ

            Dentre as funções essenciais à justiça, previstas pela Constituição Federal, está a Defensoria Pública, disposta como obrigação para os dois âmbitos mais amplos da Federação brasileira, quais sejam, os Estados e a União, além do Distrito Federal, de acordo com suas particularidades.

            Cada um desses entes federativos, no âmbito de sua estrutura organizacional, tem a atribuição e o dever de instituir a Defensoria Pública para prestar assistência jurídica integral no âmbito de seus respectivos órgãos jurisdicionais. Assim, a Defensoria da União atua nas Justiças Federais, do Trabalho, Militar e Eleitoral; e a estadual, nas Varas da Justiça Comum, Juizados Especiais e nos Tribunais de Justiça.

            Como o fim específico desta ação é o de obrigar o Estado a prestar a assistência jurídica exigida pelo texto constitucional no juízo desta Comarca, através da Defensoria Pública, o múnus público é, estreme de dúvida, do Estado do Ceará, já que a DPE não possui personalidade jurídica de direito público para ser ré nesta ação.

            1.3. DA COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA COMARCA DE JATI PARA CONHECER A AÇÃO.

            Verbete nº 206 da Súmula do STJ: A existência de vara privativa, instituída por lei estadual, não altera a competência territorial resultante das leis de processo.

            A redação do artigo 2º da Lei 7.347/85 é taxativa ao dispor sobre a competência nas questões referentes aos interesses coletivos, in verbis:

            Art. 2º - A ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa.

            Ao determinar que a competência para o julgamento de ação civil pública é funcional do foro do local do dano, desejou o legislador definir tal competência como absoluta [04].

            O objetivo da norma, segundo magistério do Prof. Hugo Nigro Mazzilli, "é facilitar o ajuizamento da ação e a coleta da prova, bem como assegurar que a instrução e o julgamento sejam realizados pelo juízo que maior contato tenha tido ou possa vir a ter com o dano efetivo ou potencial aos interesses transindividuais [05].

            Neste caso, portanto, é competente o Juízo desta Comarca para o conhecimento da ação, devendo ser afastada a incidência da norma do art. 109, I, a, do Código de Organização Judiciária do Estado do Ceará [06] por contrariar a Constituição Federal, porquanto, versa sobre direito processual, cuja competência é privativa da União (art. 22, I, da Constituição Federal).

            Não se argumente que o Estado, possuindo competência concorrente com a União para legislar sobre procedimento em matéria processual, poderia alterar a competência fixada em lei federal.

            "(...) No processo entrelaçam-se o procedimento e a relação jurídica vinculativa de seus sujeitos, entende-se que as normas processuais stricto sensu seriam os preceitos destinados a definir os poderes, deveres, faculdades, ônus e sujeição dos sujeitos processuais (relação jurídica processual), sem interferir no desenho das atividades a realizar (procedimento). Normas procedimentais, nesse contexto, seriam aquelas que descrevem os modelos a seguir nas atividades processuais, ou seja (a) o elenco de atos que compõem cada procedimento, (b) a ordem de sucessão a presidir a sucessão desses atos, (c) a forma que deve ser observada em cada um deles (modo, lugar e tempo) e (d) os diferentes tipos de procedimentos disponíveis e adequados aos casos que a própria norma estabelece" (Dinamarco, Instituições de Direito Processual Civil, v. I, p. 67, sem grifos no original).

            Destarte, a norma que define o poder de um sujeito processual (e o juiz é um deles) tem natureza processual, sendo a competência para a sua edição exclusiva da União. Logo, a norma do art. 109, I, a, da Lei estadual 12.342/1994, padece de inconstitucionalidade formal.

            Neste caso, no exercício do controle incidental de constitucionalidade, deve o juiz afastar a norma inválida, negando-lhe aplicação e decidindo-se a questão de acordo com a lei aplicável à espécie, qual seja, o art. 2º, da lei 7.347/1985.


2. FINALIDADE DA DEMANDA COLETIVA

            A presente postulação tem a finalidade de fazer valer o direito fundamental de toda pessoa de ter acesso à justiça sempre que tiver algum interesse jurídico a ser protegido, garantindo especialmente aos economicamente necessitados a assistência jurídica integral e gratuita exigida como prestação do Poder Público pelo art. 5º, LXXIV, da Constituição Federal. Tudo a partir da plena efetivação do comando do art. 134 da Carta Política da República, que prevê a Defensoria Pública como instituição essencial à função jurisdicional.

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            Destarte, como não existe atualmente Defensor Público nesta Comarca, é necessária a prestação da tutela jurisdicional coletiva a fim de se ver concretizado o direito público subjetivo de assistência judiciária gratuita aos necessitados.


3. DO MÉRITO E DOS FATOS

            3.1. A DEFENSORIA PÚBLICA, A ASSISTÊNCIA JURÍDICA AOS NECESSITADOS E A RESPONSABILIDADE ESTADUAL NO ACESSO DE TODOS À JUSTIÇA

            A causa de pedir é simples e comporta discussão acerca de apenas duas questões, uma jurídica e a outra fática:

            a)primeiramente, o Estado do Ceará tem a obrigação constitucional de manter a Defensoria Pública atuando em todos os seus órgãos jurisdicionais, aí incluída esta comarca, para prestar a efetiva assistência jurídica gratuita a qual todo cearense pobre e necessitado tem direito; e

            b)por último, não há, nesta Comarca, atualmente, órgão de Defensoria Pública atuando na Justiça Comum.

            Quanto ao segundo ponto apresentado, cabe lembrar que se trata de um fato notório, de conhecimento geral (CPC, art. 384, I) E COMPROVADO POR CERTIDÃO DA SECRETARIA DO JUÍZO COM FÉ PÚBLICA ANEXA A PRESENTE AÇÃO (PROVA CABAL). Inexiste a dúvida, que é o fundamento lógico-jurídico de toda a necessidade de provar. O fato que fundamento a presente ação é inconteste e V.Exa. constata isso no dia a dia, todo dia, quando tem que re-designar audiências que não puderam ser feitas pela falta de defensor a uma das partes. Aliás, se o réu Estado do Ceará contestar alegando que existe defensor público na comarca, pede desde já a aplicação da pena de litigância de má-fé.

            De outra sorte, Juridicamente a Defensoria Pública é a instituição constitucionalmente destinada a prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. Por isso, determinou a Constituição Federal a criação das Defensorias Públicas dos Estados, do Distrito Federal, dos territórios e da União, em seu art. 134, estabelecendo o seguinte: A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do artigo 5º, LXXIV.

            Pode-se concluir, com segurança, que um dispositivo complementa o outro. Um declara o direito fundamental à assistência jurídica integral e gratuita de toda pessoa economicamente necessitada; o outro dispõe sobre o modo como esse direito será exercido, através da previsão de um órgão especificamente destinado a esse fim. Tanto é que o sistema brasileiro conferiu a esse órgão atribuições próprias, com garantias e prerrogativas que lhe são inerentes (arts. 127 e s., da Lei Complementar nº 80/1994).

            Longe vai o tempo em que se questionava a juridicidade das Declarações de Direitos, insertas em todas as Constituições modernas. Não bastasse todo o avanço empreendido pela ciência constitucional, apoiada nos ideais democráticos norteadores do Estado Social, os ganhos auferidos já se constituem em disposição de direito positivo.

            Nesse diapasão, dispõe o art. 5º, § 1º, da Constituição, que determina que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

            Aqui se infere duas conseqüências lógicas que parecem inafastáveis:

            a) se o direito fundamental pode ser imediatamente aplicado, qualquer pessoa legitimada pode exigir jurisdicionalmente sua aplicação;

            b) se o direito à assistência jurídica pelo Estado é um direito fundamental, qualquer legitimado pode pedir a tutela jurisdicional com o fito de responsabilizar o Estado pelo descumprimento de sua obrigação constitucional.

            O que se pretende demonstrar é que o descumprimento direto da norma do art. 134, da Constituição, acarreta a violação do direito fundamental à assistência jurídica pelo Estado e da garantia constitucional do acesso à justiça.

            Como se vê, a Constituição Federal estabeleceu o direito fundamental à assistência jurídica aos hipossuficientes, sendo, portanto, necessário verificar-se qual a sua natureza, conteúdo e titularidade.

            Em tradicional classificação dos direitos fundamentais, mostra-se evidente que o direito de o necessitado ser juridicamente assistido insere-se no rol dos econômicos, sociais e culturais, uma vez que corresponde a uma contraprestação ativa por parte do Estado, responsável por prover o serviço público correspondente, não numa simples abstenção do Poder Público em relação à liberdade ou à propriedade do indivíduo.

            A idéia de que todos têm o direto de defender aos seus interesses perante a Justiça guarda relação com o postulado do devido processo legal e suas garantias inerentes, como contrafação ao poder estadual de privar a pessoa de seus bens ou de sua liberdade.

            Como foi dito, "o direito humano à assistência judiciária reveste-se das características dos econômicos e sociais, pois demanda providências do Estado para lhe dar efetividade (...). Indo adiante e tendo-se em vista a complementaridade entre as normas internacionais e o direito interno dos países, é certo que a Constituição Federal alargou a garantia judicial até aqui vislumbrada, convertendo-se em instrumento de acesso à justiça. Assim é que seu art. 5º, inc. LXXIV, prefere falar em "assistência jurídica integral", partindo da noção de que o acesso à justiça pressupõe que as pessoas tenham noção de seus direitos ou, numa fórmula consagrada, percebam que têm direito a ter direitos.

            "Justamente por isso o art. 134, complementa ao acima referido, fixa como atribuição das defensorias públicas a orientação jurídica dos usuários desse serviço público" (Carlos Weis, ‘Direitos Humanos e Defensoria Pública’, in Boletim IBCCRIM, n. 115, julho de 2002, p. 5).

            Assentada essa premissa, a de que a não manutenção da Defensoria Pública em um órgão jurisdicional acarreta a violação ao direito de assistência jurídica e à garantia do acesso à justiça, passa-se à análise de sua principal característica, que é a sua relação de essencialidade em relação à função jurisdicional. Destarte, a Defensoria Pública concorre de forma indissociável para a realização dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, descritos no art. 3º, da Constituição.

            A Defensoria Pública é tida como essencial à função jurisdicional do Estado. É preciso, todavia, extrair o pleno significado que este termo expressa. Para tanto, será preciso traçar um parâmetro como o Ministério Público, eis que, com ele, tem uma série de semelhanças, já que compartilha das mesmas características básicas: unidade, indivisibilidade, a independência funcional e, principalmente, a essencialidade.

            A unidade, indivisibilidade e autonomia funcional do Ministério Público estão previstas no art. 127, § 1º, da Constituição Federal, enquanto as da Defensoria estão no art. 3º, da Lei Complementar nº 80, de 12.1.1994. Já a essencialidade é compartilhada em nível constitucional: a do Ministério Público no art. 127, ‘caput’, e a Defensoria no art. 134, ‘caput’ o que dá maior força aos argumentos, uma vez que a lógica do sistema não pode ser alterada nem pelo legislador infraconstitucional.

            A essencialidade dessas instituições em relação à função jurisdicional não pode ter outro significado, senão o de que a prestação desses órgãos, quando a lei assim o exigir, ou quando ela conferir uma faculdade a eles nesse sentido.

            A participação do Ministério Público nessa função é ditada pelas leis do processo, por exemplo, ao lhe conferir legitimidade para ações civis ou penais (CPC, art. 81, e CPP, art. 24), e ao exigir ou autorizar sua intervenção no processo como fiscal da lei (CPC, art. 82).

            Já a contribuição que a Defensoria Pública dá para a atuação da jurisdição está prevista no próprio art. 134, da Constituição, ao traçar, de modo genérico, sua maior função institucional, que é a de orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV. Assim, sua atuação é necessária sempre que uma pessoa economicamente necessitada tiver que defender seus interesses em juízo.

            Diante do sistema constitucional brasileiro, que qualifica ambas as instituições com a nota da essencialidade, assim como o Judiciário precisa do Ministério Público para prestar adequadamente a tutela jurisdicional, também ele precisa da Defensoria Pública para o mesmo fim; e o simples fato de não existir este órgão atuando nesta comarca consiste em omissão inconstitucional do Estado do Ceará, que viola os já mencionados direito à assistência jurídica e a garantia do acesso à justiça por parte de quem dela necessite.

            Neste diapasão, o Constituinte Estadual também trouxe a definição da Defensoria Pública, a quem incumbiu, no mesmo sentido da Carta Federal, "da prestação gratuita de assistência judicial e extrajudicial aos necessitados, compreendendo a orientação e patrocínio dos seus direitos e interesses à tutela jurídica em todos os graus e instâncias" (Constituição Estadual, artigo 146, caput).

            Retirado do próprio site da Internet da Defensoria Pública do Estado do Ceará (http://www.defensoriapublica.ce.gov.br/pgn_defensoria_conteudo.php?cod=87) em agosto de 2006, temos que:

            " A Defensoria Pública nasceu institucionalmente sob a égide da nova ordem constitucional vigente, enquadrada no contexto das funções essenciais à justiça, corolário do Estado Democrático de Direito, instrumento de efetivação dos princípios da isonomia, devido processo legal, contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes e pleno acesso ao Poder Judiciário.

            A Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará, dotada de autonomia funcional e administrativa, foi criada por meio da Lei Complementar nº 06, de 28 de abril de 1997, para exercer o papel de instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe prestar gratuita e integral assistência jurídica, judicial e extrajudicial, aos necessitados, compreendendo a orientação, postulação e defesa de seus direitos e interesses, em todos os graus e instâncias, na forma do inciso LXXIV, do art. 5º, da Constituição Federal, em consonância com as diretrizes gerais prescritas pela Lei Complementar Federal nº 80, de 12 de janeiro de 1994, nos limites de sua competência legal.

            São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras:

            · promover, extrajudicialmente, a conciliação entre as partes em conflito de interesses;

            · patrocinar ação penal privada e subsidiária da pública;

            · patrocinar ação civil;

            · patrocinar defesa em ação penal;

            · patrocinar defesa em ação civil;

            · atuar como curador especial, nos casos previstos em lei;

            · exercer a defesa da criança e do adolescente;

            · atuar junto aos estabelecimentos policiais e penitenciários, visando assegurar à pessoa pobre, sob quaisquer circunstâncias, o exercício dos direitos e garantias individuais compatíveis com a situação jurídica do patrocinado;

            · assegurar aos seus assistidos, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, o contraditório e a ampla defesa, com os recursos a ela inerentes;

            · atuar junto aos Juizados Especiais Cíveis e Criminais;

            · patrocinar os direitos e interesses do consumidor necessitado;

            · promover, junto aos cartórios competentes, o registro civil de nascimento e óbito das pessoas carente;

            · defender os praças da Polícia Militar, perante a Justiça Militar do Estado e

            · prestar assistência jurídica aos servidores públicos necessitados."

            Não resta dúvidas quanto à obrigatoriedade da presença da Defensoria Pública na Comarca, através de seus representantes, sendo inafastável o dever do Estado em cumprir esse desiderato.

            Vejamos ainda o parágrafo único do artigo 146 da Constituição Estadual, com a redação dada pela Emenda Constitucional n°45/2000, a seguir transcrito:

            "Art. 146 ...

            Parágrafo único. Em todas as comarcas haverá representante da Defensoria Pública, assegurando aos carentes o acesso à Justiça e o respeito a seus direitos à cidadania."

            Assim, diante da omissão do Estado do Ceará em oferecer os serviços da Defensoria Pública aos cidadãos hipossuficientes desta Comarca, não resta outra alternativa ao Ministério Público senão a de buscar a tutela jurisdicional para exigir o devido respeito ao comando constitucional.

            3.2. O CONTROLE DA OMISSÃO ADMINISTRATIVA

            A prestação administrativa da assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados, como função do Estado, possui os contornos de um poder-dever, tal como, enfaticamente, o confirma a Constituição no art. 5º, inc. LXXIV.

            Os princípios explícitos ou implícitos albergados na Constituição podem e devem dar suporte ao controle da atuação do Poder Público.

            O Estado deve sempre atuar de forma a prestigiar os valores, direitos e garantias tutelados na Carta Política.

            Não cabe ao Estado, escolher entre implementar ou não implementar a política pública impositiva de atendimento jurídico aos hipossuficientes [07].

            Vejamos algumas lições do Mestre CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO acerca da discricionariedade administrativa, in "Discricionariedade e Controle Jurisdicional", 2ª ed., Malheiros, verbis:

            "A ordenação normativa propõe uma série de finalidades a serem alcançadas, as quais se apresentam, para quaisquer agentes estaduais, como obrigatórias. A busca destas finalidades tem o caráter de dever (antes que "poder"), caracterizando uma função, em sentido jurídico" (p. 13)

            "Deveras, não teria sentido a lei, podendo fixar uma solução por ela reputada ótima para atender ao interesse público, e uma solução apenas sofrível ou relativamente ruim, fosse indiferente perante estas alternativas. É de se presumir que, não sendo a lei um ato meramente aleatório, só pode pretender, tanto nos casos de vinculação, quando nos casos de descrição, que a conduta do administrador atenda, à perfeição, a finalidade que a animou. Em outras palavras, a lei só quer aquele específico ato que venha a calhar à fiveleta para o atendimento do interesse público. Tanto faz que se trate de vinculação, quanto de discrição. O comando da norma sempre propõe isto. Se o comando da norma sempre propõe isto e se uma norma é uma imposição, o administrador este então nos casos de discricionariedade, perante o dever jurídico de praticar, não qualquer ato dentre os comportados pela regra, mas, única e exclusivamente aquele que atenda com absoluta perfeição à finalidade da lei" (p. 32/33).

            "É exatamente porque a norma legal só quer a solução ótima, perfeita, adequada às circunstâncias concretas, que, ante o caráter polifacético, multifário, dos atos da vida, se vê compelida a outorgar ao administrador – que é quem se confronta com a realidade dos fatos segundo seu colorido próprio – certa margem de liberdade para que este, sopesando as circunstâncias, possa dar verdadeira satisfação à finalidade legal. Então, a discrição nasce precisamente no propósito normativo de que só se tome a providência excelente, e não a providência sofrível e eventualmente ruim, porque, se não fosse por isso, ela teria sido redigida vinculadamente" (p. 35)

            "Logo, discrição administrativa não pode significar campo de liberdade para que o administrador, dentre as várias hipóteses abstratamente comportadas pela norma, eleja qualquer delas no caso concreto. Em última instância, o que se está dizendo é o seguinte: o âmbito de liberdade do administrador perante a norma, não é o mesmo âmbito de liberdade que a norma lhe quer conferir perante o fato. Está-se afirmando que a liberdade administrativa, que a discrição administrativa, é maior na norma de direito, do que perante a situação concreta. Em outras palavras: que o plexo de circunstâncias fáticas vai compor balizas suplementares à discrição que está traçada abstratamente na norma (que podem, até mesmo, chegar ao ponto de suprimi-la), pois é isto que, obviamente, é pretendido pela norma atributiva de descrição, como condição de atendimento de sua finalidade" (p. 36)

            A abordagem dada à discricionariedade administrativa parte sempre da noção de que é esta a liberdade que detém o administrador em optar, dentre as várias possibilidades, de acordo a oportunidade e a conveniência da Administração, pela melhor solução para o caso concreto.

            Quando, porém, se enfoca a discricionariedade à luz da finalidade administrativa e dos princípios constitucionais, o campo de liberdade do administrador é reduzido.

            Portanto, se por um lado já é pacífica a impossibilidade de interferência no mérito administrativo, cabendo ao administrador a opção que melhor atenda às necessidades públicas, por outro, a previsão constitucional do zelo pelo efetivo respeito aos direitos constitucionais assegurados por parte dos Poderes Públicos, dos serviços de relevância pública, conferem ao Ministério Público (arts. 127 e 129, II e III da CF) o dever institucional de exigir ações e não tolerar as omissões dos administradores, no exercício da discricionariedade.

            O desafio está na percepção e na sensibilidade do momento e do caso concreto em que, sob a justificativa da discricionariedade, o Poder Público está sendo omisso na sua função de atender aos interesses sociais específicos.

            Aqui é preciso está atento para o mecanismo do desvio de poder, ou do seu uso travestido para atender finalidade diversa do interesse público. Sobre o tema diz CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, ob. cit.:

            "O que o Direito sanciona no desvio de poder, consoante entendemos, é sempre o objetivo descompasso entre a finalidade a que o ato serviu e a finalidade legal que por meio dele poderia ser servida. É, pois, um desacordo entre a norma abstrata (lei) e a norma individual (ato). Como a norma abstrata é fonte de validade da norma individual, se esta (ato) não expressa, in concreto, a finalidade daquela (lei), terá desbordado de sua fonte de validade. Daí o ser invalida" (p. 73)

            "Não é logicamente repugnante a hipótese de desvio de poder por omissão. Com efeito, como disse Afonso Rodrigues Queiro: "não agir é também agir (não autorizar é decidir não autorizar)" (...). Tem-se, pois, que o agente administrativo pode decidir abster-se de praticar um ato que deveria expedir para correto atendimento do interesse público, animado por intuitos de perseguição, favoritismo ou, de todo modo, objetivando finalidade alheia à da regra de competência que o habilitava" (p. 75)

            "Concorrem para identificar o desvio de poder fatores como a irrazoabilidade da medida, sua discrepância com a conduta habitual da administração em casos iguais, a desproporcionalidade entre o conteúdo do ato e os fatos em que se embasou, a incoerência entre as premissas lógicas ou jurídicas firmadas na justificativa e a conclusão que delas foi sacada..." (p. 80)

            A discricionariedade administrativa, geralmente invocada como forma de legitimar a omissão do Poder Público no caso concreto e afastar o controle pelo Judiciário, necessita de critérios objetivos para ser auferida.

            Há muito já se consolidou a idéia da limitação da discricionariedade da ação administrativa aos ditames legais, de maneira que não haja afronta aos direitos dos particulares. A omissão administrativa que, por via oblíqua, inviabiliza o exercício dos direitos e a concretização da implementação das políticas públicas não é mais admitida.

            MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, in "Direito Administrativo", 8ª ed., Atlas, p. 176, adverte:

            "O poder de ação administrativa, embora discricionário, não é totalmente livre, porque, sob alguns aspectos, em especial a competência, a forma e a finalidade, a lei impõe limitações. Daí porque se diz que a discricionariedade implica liberdade de atuação nos limites traçados pela lei; se a Administração ultrapassa esses limites, a sua decisão passa a ser arbitrária, ou seja, contrária à lei".

            Possível então o controle da discricionariedade pautado em critérios que possibilitem a efetivação dos direitos e a implementação de uma Política Pública de ação compatível com a exigência dos preceitos constitucionais.

            Vejam-se algumas decisões judiciais que corroboram com esse entendimento:

            "Do estudo atento desses dispositivos legais e constitucionais, dessume-se que não é facultado à Administração alegar falta de recursos orçamentários para a construção dos estabelecimentos aludidos, uma vez que a Lei Maior exige prioridade absoluta – art. 227 – e determina a conclusão de recursos no orçamento. Se, de fato, não os há, é porque houve desobediência, consciente ou não, pouco importa, aos dispositivos constitucionais precitados, encabeçados pelo § 7º, do art. 227". (TJDF, Ap. civ.62, de 16.04.93, Acórdão 3.835)

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            "AÇÃO CIVIL PÚBLICA. É DEVER DO ESTADO ASSEGURAR À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE, COM ABSOLUTA PRIORIDADE, O DIREITO À VIDA, À SAÚDE, À ALIMENTAÇÃO, À EDUCAÇÃO, AO LAZER, À PROFISSIONALIZAÇÃO, À CULTURA, À DIGNIDADE, AO RESPEITO, À LIBERDADE E À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA (ART. 227, CAPUT DA CF/88 C/C O ART. 7º DO ECA) AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência. (art. 7º, da Lei 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente), às quais o Poder Público não pode eximir-se de sua responsabilidade." (TJPR, Conselho da Magistratura, Ag. DE instrum. 2624-0, Ac. n. 8474, Rel. Des. Octávio Valeixo, publicado na Revista Igualdade, v. 7, n. 25, out/dez 1999, pg. 124).

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            "AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ADOLESCENTE INFRATOR. ART. 227, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. OBRIGAÇÃO DE O ESTADO MEMBRO MANTER E INSTALAR PROGRAMAS DE INTERNAÇÃO E SEMILIBERDADE PARA ADOLESCENTES INFRATORES. (...)2. Obrigação de o Estado-Membro instalar (fazer as obras necessárias) e manter programas de internação e semiliberdade para adolescentes infratores, para o que deve incluir a respectiva verba orçamentária. Sentença que corretamente condenou o Estado a assim agir, sob pena de multa diária, em ação civil pública proposta pelo Ministério Público. Norma constitucional expressa sobre a matéria e de linguagem por demais clara e forte, a afastar a alegação de que o Judiciário estaria invadindo critérios administrativos de conveniência e oportunidade e ferindo regras orçamentárias. (...) Discricionariedade, conveniência e oportunidade não permitem ao administrador se afaste dos parâmetros principiológicos e normativos da Constituição e de todo o sistema legal..." (TJRS, 7ª C.civ., Ac. 596017897, Rel. Des. Sérgio Grischkow Pereira, v.u., 12/02/97, in Biblioteca dos Direitos da Criança, ABPM, vol. 01/97. (grifos nossos)

            Ressalte-se, ainda, que, sendo a eficiência um dos princípios a que deve obedecer a administração pública (CF/88, art. 37, caput – redação dada pela EC nº 19/98), o serviço público prestado pelo Estado através de sua Defensoria Pública deve ser apto à obtenção de resultados positivos em sua execução, satisfazendo as necessidades básicas dos administrados [08].

            Em resumo, se pode dizer que, no estado democrático de direito, a única discricionariedade que se admite, é a discricionariedade constitucionalmente regrada [09].

Sobre o autor
Leonardo Gurgel Carlos Pires

Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Ceará. Especialista em Direito Penal e Processual Penal. Professor de Direito Penal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PIRES, Leonardo Gurgel Carlos. Ministério Público pede Defensor Público em município. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1978, 30 nov. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16874. Acesso em: 5 nov. 2024.

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