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Petição de mandado de segurança: fornecimento de medicamento

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Agenda 13/05/2015 às 13:02

Mandado de Segurança, em que foi concedida liminar, garantindo o fornecimento do medicamento canabidiol a criança com epilepsia e paralisia cerebral.

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ

TRAMITAÇÃO PRIORITÁRIA

CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - ART. 1211-A

IMPETRANTE COM 02 ANOS DE IDADE, EPILÉPTICO e portador de PARALISIA CEREBRAL

NOME , brasileiro, menor impúbere, portador do RG nº ------------SSP/PI, inscrito no CPF sob nº, portador do cartão do SUS nº -------------------(docs. 01/02), representado por seu genitor NOME , brasileiro, casado, engenheiro, RG nº -------- SSP PI, CPF Nº -----------, ambos residentes e domiciliados na Rua -------------------------------------------------------------------------------- (doc. 03), telefone de contato nº (86) ------------------ (86) --------------------------- através da DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO PIAUÍ, cuja Defensora Pública, no uso de suas atribuições institucionais de assistência jurídica, esta subscreve, (intimações, e demais comunicações processuais de praxe, para o Núcleo Especializado da Saúde, na ..., vem, à honrosa presença de Vossa Excelência, com fulcro no art. 5°, inciso LXIX, da Constituição Federal, nos dispositivos da Lei n° 12.016/2009, no artigo 282 e seguintes, do Código de Processo Civil, impetrar o presente MANDADO DE SEGURANÇA COM PEDIDO DE LIMINAR INAUDITA ALTERA PARTE em face de ato do SECRETÁRIO DE ESTADO DA SAÚDE DO PIAUÍ, Sr. ..., que detém a gestão Estadual do Sistema Único de Saúde - SUS, podendo ser encontrado na ..., nesta capital, vinculado ao ESTADO DO PIAUÍ, Pessoa Jurídica de Direito Público interno, representado pelo seu Procurador-Geral do Estado (art. 6º da Lei nº 12.016/09), podendo ser encontrado na ..., nesta cidade, com fulcro nos argumentos de fato e de direito adiante aduzidos.


1. DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA

Requer os benefícios da Justiça Gratuita por ser pobre na forma da lei, conforme comprovante de hipossuficiência anexado e comprovante de renda (docs. 04A) não podendo, portanto, arcar com as despesas das custas processuais e honorários advocatícios, sem prejuízo do próprio sustento e de sua família, com fulcro na Lei 1.060/50, acrescida das alterações estabelecidas pela Lei 7.115/83 e Lei 10.317/01, tudo em consonância com o artigo 5o, LXXIV, da Constituição Federal.


2. DOS FATOS

O Impetrante é portador de EPILEPSIA E PARALISIA CEREBRAL INFANTIL, CID 10 G-40 e G-80, conforme relatório médico e exames contidos nos autos (docs.05/07), mormente o laudo do exame de eletrroencefalograma que aponta:

EEG, com descargas de pontas tipo “Sharp” em todas as regiões cerebrais (doc. 07).

Como ensina o Prof. Luciano Ribeiro Pinto Jr 1, no EEG PATOLÓGICO os grafo-elementos podem se alterar na morfologia, amplitude e freqüência, de maneira localizada ou difusa, contínua ou intermitente, circunstâncias que podem caracterizar diversas patologias do sistema nervoso central.

Grafo-elementos epileptiformes: comumente relacionados com epilepsia. São representados pelas ondas agudas ou ondas sharp (Figura 2), as pontas ou espículas, as polipontas e as pontas-ondas (combinação de uma ponta com onda lenta) (Figura 3).

Em função disso, o médico que o acompanha, Dr. --------------------------, especialista em Neuropediatria, CRM-PI sob nº ..., prescreveu o uso do medicamento CANNABIDIOL, em uso contínuo (receita junta, doc.08), com justificativa em laudo formal (doc.05), que ora se passa a transcrever:

NOME, 2 anos e 4 meses, faz tratamento neste serviço devido a crises epilépticas refratárias ao tratamento (em politerapia), classificadas como espasmos infantis, e com atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, sendo formado o diagnóstico de Síndrome de West, em uso das medicações valpakine, sabril, lamotrigina.

Paciente persiste com crises apesar do uso de politerapia e também com atraso no desenvolvimento neuropsicomotor.

Atualmente o paciente já fez uso de todas as terapias possíveis disponíveis no Brasil, sem controle adequado das crises e com prejuízo ou não melhora do seu desenvolvimento neuropsicomotor.

Tendo em vista o fato acima relatado e a possibilidade de melhora com o produto cannabidiol medicinal, segundo relatos de vários pacientes no Brasil e após manter contato com centros de epilepsia que estão usando tal medicação foi solicitado tal medicação como alternativa terapêutica ou complementar ao tratamento atual.

Frise-se que embora seja um derivado da Cannabis sativa, vulgarmente conhecida como maconha, o Cannabidiol é apenas um dos 80 carabinóides presentes na maconha, tem evidências de que o uso do Cannabidiol, desde o ano de 1970 é eficiente no tratamento de crise epilépticas e o mesmo não causa o efeito típico da Cannabis.(docs.26/28).

Ilustrando o acima afirmado, o Professor Antonio Waldo Zuardi, do Departamento de Neurologia, Psiquiatria e Psicologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão preto, Universidade de São Paulo, em artigos publicados na Revista Brasileira de Psiquiatria, explica que:

Early evidence (1970's) on CBD pharmacological activity

1. Antiepileptic action

The first pharmacological actions of CBD described were the antiepileptic and the sedative ones. In 1973, a Brazilian group reported that CBD was active in reducing or blocking convulsions produced in experimental animals by a variety of procedures, which was confirmed by another group one year later. At the end of that decade, the same Brazilian group has tested CBD as a treatment for intractable epilepsy in 16 grand- mal patients. Each patient received, in a double-blind procedure, 200 to 300 mg daily of CBD or placebo for as long as four and a half months. Throughout the experiment, the patients did not stop taking the antiepileptic drugs prescribed before the experiment (which had not eliminated their seizures). Only one of the eight patients getting CBD showed no improvement, while among the patients who received the placebo, 1 improved and 7 remained unchanged. In a less successful study, no significant improvement in seizure frequency was observed among 12 epileptic patients who received 200-300 mg of cannabidiol per day, in addition to standard antiepileptic drugs. No further clinical trials with CBD have been published since then. Therefore, the clinical efficacy of CBD on epilepsy is still uncertain.

Resultados

1. Canabidiol (CBD)

Desde o início da década de 70 é descrito que outros canabinoides interferem com os efeitos do Δ9-THC, particularmente o CBD, presente em grande quantidade na Cannabis Sativa e destituído de efeitos típicos da planta. 2

Entretanto, após solicitação (doc.09.) à Secretaria Estadual de Saúde dos referidos medicamentos, essenciais para a manutenção da saúde do impetrante, foram-lhe os mesmos negados, em sede de despacho, in verbis:

Informamos que conforme Portaria SESAPI/GAB n° 0397/10 e Recomendação Administrativa n° 005/09 MP, esta DUAF não disponibiliza medicamentos fora do PCDT (Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas) do Ministério da Saúde (MS). O medicamento HEMP OIL (RSHO) CANNABIDIOL (CDB) 18 a 21% não é disponibilizado pelos PCDT do Ministério da Saúde” (doc.10 ).

E, nesse ponto, ressalte-se que embora o CANNABIDIOL (CDB) HEMP OIL (RSHO) NÃO SER REGISTRADO NA ANVISA, SUA COMERCIALIZAÇÃO NÃO É PROIBIDA, a teor da autorização excepcional, concedida pela ANVISA – Processo nº 25351.535.770/2014-39, ao Impetrante para a importação do produto HEMP OIL (RSHO) Cannabidiol (CBD) 14 a 25%, como se infere do documento junto nº11.

Com base nessa autorização, a genitora do Impetrante conseguiu a compra de três seringas, custando cada uma, o valor de R$1.400,00 (hum mil e quatrocentos reais), com 10gramas cada uma, a qual porém, como comprou em conjunto com outras pessoas, saiu por R$700,00 (setecentos reais) cada, porém, não tem condições financeiras de arcar com o custo dessa medicação, que será de uso contínuo.

A título de ilustração, segue preço do referido medicamento em sítio eletrônico da internet (docs.11A/B/C).

Importa notar o custo inferior do medicamento, quando adquirido pelo Estado, considerando o artigo 5° da lei 10.742 de 20033, que criou a CMED (Câmara de Regulação de Mercado de Medicamentos), a qual publicou a Resolução n° 4 no Diário Oficial da União, em 12 de março de 2007, estabelecendo, em favor dos entes da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, preço diferenciado do de mercado, mediante a aplicação do que chamou de Coeficiente de Adequação de Preço - CAP 4, com desconto de 24,69%.

Não há duvidas de que o Estado deve responder às demandas por medicamentos e garantir o exercício dos fundamentais direitos à saúde e à vida. Os tratamentos de alto custo, não obstante, devem ser fornecidos em razão de premente necessidade, à míngua de alternativas terapêuticas oferecidas pelo poder público, não podendo este se desonerar de suas obrigações constitucionais e legais em relação à saúde.

Portanto, em razão da ausência de condições financeiras, ao impetrante MESMO COM AUTORIZAÇÃO DA ANVISA PARA IMPORTAÇÃO do medicamento, não lhe restou alternativa, senão a busca pela tutela jurisdicional do Estado, por meio deste mandamus, para que seu direito líquido e certo de receber medicamento do Estado seja resguardado, corrigindo-se a ilegalidade perpetrada pela autoridade coatora, que põe em risco o próprio direito à vida do Impetrante.


4. DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS

a) Da competência comum e da responsabilidade solidária entre os entes públicos

Nossa Carta Magna em diversas passagens trata da proteção do direito da Impetrante a saúde, a começar pelo art. 1º, que elegeu a dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil, conforme supracitado. O artigo 3º complementa, constituindo como objetivo desta República a promoção do bem de todos. Por sua vez, o artigo 5º assegura a inviolabilidade do direito à vida; e no dispositivo seguinte, artigo 6º, o direito à saúde é expressamente garantido dentro os direitos sociais.

Mais especificamente no art. 196, a Constituição de 1988 prescreve a saúde como direito de todos e dever do Estado, indicando ao Poder Público o caminho para assegurá-lo: mediante políticas socais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

A competência comum opera a listagem de obrigações e deveres indeclináveis do Poder Público em relação às instituições. Pelas matérias especificadas no artigo 23 da Constituição Federal de 1988, percebe-se que o chamamento de todos os Poderes é feito em função do interesse público existente na preservação de certos bens (alguns particularmente ameaçados) e no cumprimento de certas metas de alcance social, a demandar uma soma de esforços.

É manifesto o desejo do constituinte de que os Poderes Públicos em geral cooperem na execução das tarefas e objetivos enunciados. Trata-se, portanto, de uma responsabilidade solidária em matérias de grande relevância social, como é o caso da saúde, cuja implementação não pode ser prejudicada por questões de conflitos de competência, portanto, todos os entes federados são chamados à responsabilidade diante de obrigações que cabem a todos.

Nossa Egrégia Corte Estadual também já se manifestou por intermédio da Súmula nº 02, sobre a responsabilidade solidária entre Estado e Município no fornecimento de medicamentos. Dada a importância segue a transcrição da mesma:

O Estado e os Municípios respondem solidariamente pelo fornecimento de medicamentos para tratamento de saúde das pessoas necessitadas, na forma da lei, podendo ser acionadas em juízo em conjunto ou isoladamente. (grifos nossos)

Em recente decisão, o Supremo Tribunal reforçou a responsabilidade de todos os entes públicos quanto à assistência farmacêutica devida àqueles que não têm condições de arcar com o tratamento:

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AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. CONSTITUCIONAL. DIREITO À SAÚDE. DEVER DO ESTADO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA DOS ENTES DA FEDERAÇÃO. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

I - A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que é solidária a obrigação dos entes da Federação em promover os atos indispensáveis à concretização do direito à saúde, tais como, na hipótese em análise, o fornecimento de medicamento à recorrida, paciente destituída de recursos materiais para arcar com o próprio tratamento. Desse modo, a usuária dos serviços de saúde, no caso, possui direito de exigir de um, de alguns ou de todos os entes estatais o cumprimento da referida obrigação. Precedentes.

II - Agravo regimental a que se nega provimento.5

b) Da ilegalidade do ato e do direito líquido do e certo do Impetrante – hipossuficiente – ao direito à saúde

Incontestável a existência do direito líquido e certo do Impetrante ao recebimento dos remédios. Vejamos: nossa Carta Magna em diversas passagens (v.g arts. 6º; 23; 196 e 197) trata do tema saúde o erigindo à categoria de um direito social fundamental e extremamente necessário; a saúde deve ser reconhecida em sentido amplo como uns dos direitos fundamentais de todo ser humano, sem distinção de raça, credo, crença política, condição social ou econômica.

Nesse diapasão, a lei 8.080/90 (LOS – Lei Orgânica do SUS) delineia os princípios do sistema de saúde nacional e, em seu art. 2°, reconhece o direito à saúde como direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício e logo a seguir, no art. 6°, I, inclui, de modo peremptório, no campo de atuação do SUS a execução de ações de assistência terapêutica integral , inclusive farmacêutica .

Atente-se ainda para o fato de que a paciente em foco é menor, possui apenas 02anos de idade, portanto usufrui da especial proteção que lhe concede o Estatuto da Criança e do Adolescente:

“Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:

a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;

b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;

c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;

d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.

Art. 7º. A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.

Art. 11. É assegurado atendimento médico à criança e ao adolescente, através do Sistema Único de Saúde, garantido o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde.

§ 2º Incumbe ao poder público fornecer gratuitamente àqueles que necessitarem os medicamentos, próteses e outros recursos relativos ao tratamento, habilitação ou reabilitação.

Art. 19. Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.

Art. 208. Regem-se pelas disposições desta Lei as ações de responsabilidade por ofensa aos direitos assegurados à criança e ao adolescente, referentes ao não oferecimento ou oferta irregular:

VII - de acesso às ações e serviços de saúde;”

Ademais, o que se espera do poder público é a realização de uma política social voltada ao interesse da criança e do adolescente. E para que isso ocorra é imprescindível o cuidado do poder público, através de seus entes federativos, a fim de que se tenha um desenvolvimento integral e sadio daqueles para que possam ter assegurados o seu direito à dignidade humana, à vida e à saúde.

Portanto, a Constituição e a Lei do SUS estabelecem que a atenção à saúde deve ser integral, ou seja, deve abranger tudo aquilo que for necessário para prevenir e curar as doenças, inclusive os medicamentos

Essa assistência do Estado, universal e igualitária, busca exatamente proporcionar os medicamentos e tratamentos necessários a quem não dispõe de recursos econômicos próprios para obtê-los, que não se adstringe à RENAME (Relação Nacional de Medicamentos Essenciais). Isto porque o preceito constitucional é bem mais abrangente, garantindo o fornecimento de qualquer medicamento prescrito, desde que aprovado pela ANVISA - que lhe reconhece a eficácia terapêutica.

b.1) do suporte científico - eficácia do medicamento

O ponto controvertido, portanto, estaria em que o medicamento em tela não está registrado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, que detém a atribuição de realizar o controle dos medicamentos em uso no território nacional, com vistas à avaliação da eficácia para os fins a que se propõem e da segurança dos pacientes aos quais se destinam.

Porém, embora não registrado, pode ser comercializado ou utilizado no Brasil. E, nesse ponto, ressalte-se que o Impetrante, representado por seu genitor, conseguiu autorização excepcional da ANVISA – Processo nº 25351.535.770/2014-39 para a importação do produto HEMP OIL (RSHO) Cannabidiol (CBD) 14 a 25%, como se infere do documento junto nº11.

Releve-se, aliado ao fato de a própria ANVISA ter autorizado a importação do medicamento solicitado pelo médico do Impetrante, permitindo, portanto a sua comercialização e uso no Brasil, a este Impetrante, que o fato de o medicamento, receitado pelo médico do paciente, como sendo o mais adequado e eficiente para o caso específico, não ser liberado pelo Ministério da Saúde (não constar na Lista da ANVISA), ou, mesmo, só existir no mercado internacional, não isenta o Poder Público de cobrir o custo, sob pena de abrir-se orifício de esvaziamento da garantia constitucional, pois bastará não listá-lo.

A despeito da vigência de regra que condiciona a comercialização de um medicamento à prévia realização de seu registro na Anvisa e , no caso concreto, foi permitida a importação para o uso do Impetrante, tal norma deve ser excepcionalmente afastada diante de casos como este, em que se tem por inequívoca a precariedade do estado de saúde da paciente bem como a situação em que o único tratamento viável é a utilização do medicamento solicitado. O direito à assistência à saúde, no que tange aos medicamentos, não se exaure na Lista da ANVISA.

De mais a mais, os documentos médicos e artigos científicos que acompanham a presente inicial (docs.12/28) apontam uma série de evidências e estudos científicos em que ficou assente a propriedade antiepiléptica do Cannabidiol, bem como de que o Cannabidiol não produz os efeitos típicos da planta Cannabis sativa, por não conter THC, ao contrário, antagoniza os principais efeitos psicoativos da planta (junta, doc.26 a 28).

Pontue-se que o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, inclusive, regulamentou o uso do CANNABIDIOL o uso do canabidiol nas epilepsias mioclônicas graves do lactente e da infância, refratárias a tratamentos convencionais já registrados na ANVISA, através da RESOLUÇÃO CREMESP Nº 268, de 07 de outubro de 2014, publicada no D.O seção I, volume 124, número 191, de 09/10/2014 (diário oficial junto, doc.29) esclarecendo que:

(...)

CONSIDERANDO que a Cannabis sativa contém, dentre seus inúmeros componentes, ora designados canabinóides, o canabidiol (CBD) e que este pode ser isolado ou sintetizado por métodos laboratoriais seguros e confiáveis;

CONSIDERANDO que o CBD não induz efeitos alucinógenos ou indutores de psicose, ou mesmo efeitos inibitórios relevantes na cognição humana; e que possui, nos estudos disponíveis até então, um perfil de segurança adequado e com boa tolerabilidade;

CONSIDERANDO que o CBD tem mostrado em alguns ensaios clínicos placebo-controlados redução de crises convulsivas em pacientes com epilepsia refratária a tratamentos convencionais, ainda que os estudos até agora não exibam, em face do pequeno número de casos, significância estatística comprovada;

CONSIDERANDO que formulações estrangeiras já disponíveis em veiculações para uso oral e com alto nível de pureza de CBD, apresentando teor de delta-9- tetrahidrocanabinol (THC) menor do que 0,6% da solução, tal como o recomendado pelo Food and Drug Administration (FDA/USA);

CONSIDERANDO que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA/Brasil) tem permitido a importação de CBD, em formulações como a referida acima, mediante prescrição e laudo médico que contenha o CID, descrição do caso e justificativa para a utilização do medicamento não registrado no Brasil, em face de refratariedade a alternativas terapêuticas convencionais e já registradas;

CONSIDERANDO que a ANVISA, além do referido acima, tem exigido, para liberar a importação e o uso clínico do fármaco, termo de responsabilidade assinado pelo médico e paciente, ou responsável legal, mediante ciência de que a medicação ainda não foi submetida a eficácia e segurança comprovadas pela referida Agência Nacional;

CONSIDERANDO que algumas das epilepsias mioclônicas graves do lactente e da infância, segundo classificação da Liga Internacional contra a Epilepsia (ILAE), como a síndrome de Dravet, síndrome de West, síndrome de Lennox-Gastaut, assim como a síndrome de Doose, têm evolução natural com alta morbidade e mortalidade, e podem evoluir, em casos refratários a medicações convencionais, para encefalopatia crônica com retardo mental grave, ou profundo, e autismo;

CONSIDERANDO que o uso do CBD é um procedimento terapêutico restrito e excepcional, ainda não registrado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, porém promissor e de boa tolerabilidade nas situações clínicas acima especificadas e quando adequadamente diagnosticadas;

CONSIDERANDO que a criteriosa ponderação entre os princípios bioéticos da beneficência, não maleficência, justiça e autonomia permitem, nas situações clínicas acima referidas, o uso do CBD, conforme os requisitos justificados acima;

CONSIDERANDO, finalmente, a aprovação na 51ª Reunião de Diretoria de 07/10/2014 e a homologação na 4626ª Sessão Plenária de 07/10/2014;

RESOLVE:

Art. 1º. O canabidiol poderá ser prescrito pelo médico mediante assentimento do paciente e consentimento livre e esclarecido assinado pelo seu responsável legal, para o tratamento das epilepsias mioclônicas graves do lactente e da infância refratárias a tratamentos convencionais.

Art. 2º. A presente Resolução entrará em vigência na data de sua publicação, revogando-se as disposições em contrário.

São Paulo, 07 de outubro de 2014.

João Ladislau Rosa – Presidente do CREMESP

Como se viu do laudo médico e receita juntos, o medicamento prescrito para o Impetrante, o CANNABIDIOL, somente foi prescrito para o Impetrante exauridas todas as terapias convencionais para a debelação das reiteradas crises epilépticas sofridas pela criança (impetrante), de apenas 02 (dois) anos de idade, que chegaram a um número impressionante de 42 (quarenta e duas) por semana, em face de notícias veiculadas na literatura especializada sobre a eficácia dessa substância no controle dos sintomas da doença.

Não bastasse isso, esses medicamentos, além de não debelarem as severas crises, ainda provocam sérios efeitos colaterais, que trazem uma segunda preocupação para os responsáveis pelos pacientes. A continuidade das crises ainda agrava o quadro de saúde mental e psicomotora do Impetrante, pois a recuperação do tecido neural do mesmo fica cada vez mais comprometida após os episódios, frisando o perigo da demora da prestação jurisdicional pretendida.

Releve-se que reconhecer e garantir a igualdade de direitos não implica ingerência do Poder Judiciário na área de atuação de outro Poder, mas efetivo cumprimento de seu próprio dever constitucional que deve ser exercido mesmo contra o Estado.

Nesse sentido julgados de Tribunais Federais e Estaduais, verbo ad verbo:

TRF-1 - AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO SEM REGISTRO ANVISA. HEMOGLOBINÚRIA PAROXISTA NOTURNA - HPN (DECOMPOSIÇÃO DOS GLÓBULOS VERMELHOS). POSSIBILIDADE. 1. O Supremo Tribunal Federal, em recente precedente, firmou o entendimento no sentido de que é possível "o Poder Judiciário vir a garantir o direito à saúde, por meio do fornecimento de medicamento ou de tratamento imprescindível para o aumento da sobrevida e a melhoria na qualidade de vida da paciente" (STA 175 AgR/CE, Tribunal Pleno, Rel. Min Gilmar Mendes, DJe 30.4.2010). 2. Partindo de tal premissa, o fato de determinada medicação não possuir registro na ANVISA, por si só, não afasta o direito do portador de doença grave ao recebimento do remédio, ainda mais por ser, na atualidade, amplamente noticiada a eficácia do fármaco em questão. 3. O Supremo Tribunal Federal (STA 175 AgR/CE) admite, em casos excepcionais, que a importação de medicamento não registrado possa ser autorizada pela ANVISA, quando "adquiridos por intermédio de organismos multilaterais internacionais, para uso de programas em saúde pública pelo Ministério da Saúde", nos termos da Lei 9.782/99, o que em princípio, não se coaduna com o caso em exame. 4. Agravo regimental da União improvido.6

TRF-1- AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL. MEDICAMENTO. REGISTRO PROVISÓRIO NOS ESTADOS UNIDOS E NA UNIÃO EUROPÉIA. AUSENCIA DE REGISTRO NA ANVISA. DOENÇA RARA. CUSTEIO. LIMINAR. RISCO DE VIDA. PODER JUDICIÁRIO

1. O direito à saúde é garantido pela Constituição, de forma coletiva e individual. Existe política estatal voltada ao custeio de medicamentos de alto custo, em situações excepcionais (Portaria 3916/98, do Ministério da Saúde e Resolução 338/2004, do Conselho Nacional de Saúde).

2. A regra de registro do medicamento na ANVISA, para que seja comercializado no Brasil, tem como escopo garantir a segurança do usuário. O registro assegura que o remédio não oferece risco para a saúde e é eficaz para a finalidade a que se destina.

3. Sendo incontroverso que a doença de que padece o autor (Síndrome de Maroteaux Lamy, MPS VI) é raríssima (o que impede a aplicação do teste no número mínimo exigível de pacientes antes da comercialização – fase III, requisito para o registro definitivo do medicamento nos órgãos de saúde); que para ela não existe outro tipo de tratamento exceto o medicamento experimental postulado, registrado em caráter provisório nos Estados Unidos e na Europa; e que seu estado tende a evoluir para óbito se não obtiver o tratamento pretendido, afasta-se, excepcionalmente, a exigência legal de registro na ANVISA para o caso concreto.

4. Agravo deinstrumento a que se dá provimento.7

TRF-1 - AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL. MEDICAMENTO. REGISTRO. DOENÇA RARA. CUSTEIO. LIMINAR. RISCO DE VIDA.

1. O direito à saúde é garantido pela Constituição, de forma coletiva e individual.

2. Se, por um lado, é altíssimo o custo do medicamento postulado pelos Autores, de outro, o pequeno número de atingidos pela raríssima doença (Síndrome de Maroteaux Lamy, MPS VI) enfraquece o dano ao orçamento da saúde decorrente da concessão da liminar. Além disso, existe política estatal voltada ao custeio de medicamentos de alto custo, em situações excepcionais (Portaria 3916/98, do Ministério da Saúde e Resolução 338/2004, do Conselho Nacional de Saúde).

2. Medicamento registrado na ANVISA para uso restrito aos hospitais, circunstância que depõe em favor da eficácia de sua utilização, bem como da segurança do usuário. Ainda que assim não fosse, o risco decorrente do tratamento com remédio ainda não registrado na ANVISA seria, sem dúvida, menor do que o risco de não receber nenhum tratamento, dada a incontroversa precariedade do estado de saúde dos pacientes.

3. Agravo regimental de que não se conhece. Agravo de instrumento a que se dá provimento.8

TRF-4 - AGRAVO. DECISÃO TERMINATIVA. DOENÇA RARA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO SEM REGISTRO NA ANVISA - POSSIBILIDADE.

1. Para fazer jus ao recebimento de medicamentos fornecidos por entes políticos, deve a parte autora comprovar a sua atual necessidade e ser aquele medicamento requerido insubstituível por outro similar/genérico no caso concreto.

2. A inexistência de registro na ANVISA, por si só, não afasta o direito do portador de doença grave ao recebimento do medicamento para tratamento de doença rara.

3. A parte agravante não trouxe nenhum argumento capaz de modificar a conclusão do julgado, a qual deve ser mantida por seus próprios fundamentos. 9

TJ-SP - AGRAVO DE INSTRUMENTO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONCESSÃO DA TUTELA ANTECIPADA. PLANO DE SAÚDE. TRATAMENTO CONTRA MIELOMA MÚLTIPLO. NEGATIVA DE FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO SOB A ALEGAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE REGISTRO NA ANVISA. POSSIBILIDADE DE IMPORTAÇÃO DO REMÉDIO. AUSÊNCIA DE RESPOSTA DA AGRAVADA A PROTOCOLOS ANTERIORES. SOBREVIDA DA PACIENTE QUE DEPENDE DA UTILIZAÇÃO DO MEDICAMENTO. DEFINIÇÃO EXCLUSIVA DO PROFISSIONAL MÉDICO. PREVISÃO CONTRATUAL EXPRESSA DE COBERTURA PARA A REALIZAÇÃO DE QUIMIOTERAPIA. PRESENÇA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DO DEFERIMENTO DA MEDIDA. RECURSO DESPROVIDO. I - Tratando-se de medida emergencial de caráter excepcionalíssimo, a antecipação da tutela somente deve ser concedida quando demonstrados no caso concreto a verossimilhança das alegações (requisito genérico) e o perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, ou, ainda, a ocorrência de defesa temerária (requisitos específicos), tudo conforme o disposto no art. 273, I e II, do Código de Processo Civil. Assim, verificada a verossimilhança do direito alegado, matizada na previsão contratual expressa de cobertura para quimioterapia e na necessidade de utilização da medicação subscrita por médico especialista, como única forma de prolongar a vida da paciente, que já foi submetida a todos os outros tratamentos existentes, sem sucesso. Ademais, embora o remédio não possua registro na ANVISA, sua venda é autorizada por meio de importação, o que torna possível o seu uso. Por sua vez, o perigo de dano irreparável ou de difícil reparação é manifesto, pois a Recorrida, sem o uso do medicamento, certamente terá seu estado de saúde agravado, uma vez que a manutenção da sua vida depende do tratamento com a medicação prescrita.10

Restou, pois, comprovada a necessidade do uso dos medicamentos por parte do Impetrante, tendo o Poder Público, por intermédio da União, dos Estados e dos Municípios, a obrigação de fornecê-lo, gratuitamente, de forma a concretizar os princípios constitucionais maiores que são a proteção à dignidade da pessoa humana e o direito à vida.

Ademais, o direito à vida exige prestações positivas, e, portanto, não se submete à "reserva do possível", ou seja, independe das disponibilidades orçamentárias do órgão público responsável pela sua prestação, de forma que tal preceito não justifica a negativa do fornecimento de medicamentos e ou exames de alto custo a pessoas desprovidas de recursos financeiros para adquiri-los, como é o caso da Impetrante.

Desse modo, o Poder Público não pode se furtar à responsabilidade de fornecer gratuitamente medicamentos de alto custo, considerando o estado grave de saúde do impetrante, tendo em vista que a doença pode levar o demandante à morte, por já se encontrar em estágio bastante avançado.

Não se pode negar que, embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão - por importar em descumprimento dos encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório - mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional.

Cumpre, pois, advertir, que, consoante bem assinala o magistério de Otávio Henrique Martins Port11

a cláusula da ‘reserva do possível’ – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se, dolosamente, do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.

Desta forma, não pode o Poder Judiciário interferir nas previsões orçamentárias, mas é inevitável assegurar o exercício de direito cuja existência força o Estado a fazer essas previsões, posto que não é dado à Administração ignorar as determinações constitucionais e legais que lhe são dirigidas e estabelecer discriminações entre os contribuintes e destinatários dos serviços públicos. Mesmo as normas programáticas condicionam a atividade discricionária da Administração e do Judiciário.

c) Da concessão da medida liminar

Nos termos do que preconiza o art. 7º, III da Lei n. 12.016/2009, os requisitos para a concessão de liminares que antecipam os efeitos de sentenças concessivas de Mandados de Segurança são singelamente dois: relevância dos motivos que se assenta o pedido na inicial e a possibilidade de ocorrência de lesão irreparável ao direito da Impetrante se vier ser reconhecido somente quando da decisão de mérito (fumus boni juris e periculum in mora).

A fumaça do bom direito está, inequivocamente, provada pelo comprovante de hipossuficiência do Impetrante, bem como pela prescrição e relatório médico, reveladores da grave doença que acomete o autor e da necessidade dos medicamentos específicos para o seu tratamento e cura. O conjunto probatório, seu inquestionável direito à saúde – inalienável e irrenunciável – e a obrigação imposta constitucional e legalmente ao Poder Público de custeio de seu tratamento - restaram demonstrados pelas razões de fato e de direito expostas, o que torna relevante o fundamento da demanda.

Já em relação ao perigo na demora, como destacado na fundamentação fática o tratamento inadequado ou falta de tratamento pode levar a um estado de progressão da doença, agravando ainda mais a saúde do impetrante, podendo o mesmo chegar ao óbito. Desta feita, configurado está o perigo de dano, caso não sejam fornecidas, ou sejam fornecidas tardiamente as medicações prescritas.

Para a Eminente Professora Teresa Arruda Alvim Pinto, a possibilidade de perigo de dano irreparável constitui o periculum in mora, e assim se justifica:

O perigo de que, não sendo provavelmente concedida a medida pleiteada, ocorram graves danos ao Autor, de molde a que a sentença a final, ainda que lhe conceda pedido, terá sua eficácia concreta prejudicada pelo lapso de tempo decorrido entre a propositura de ação e o seu desfecho. A medida desta "irreparabilidade" é a perspectiva futura de sentença ter poder e força de satisfazer a pretensão do requerente "in natura". Não trata aqui, meramente, da invalidação do ato violador de direito, pois esta, no campo estritamente jurídico, sempre poderá ser realizada. Trata-se, isto sim, da possível inocuidade da sentença na esfera dos fatos, no mundo, por assim dizer, material. (In. Mandado de Segurança contra Ato Judicial, RT, pág. 20)

Frise-se, ainda, por oportuno que, embora seja vedada a concessão de liminar que esgote o objeto da ação, no todo ou em parte, a jurisprudência emanada do Superior Tribunal de Justiça excetua os casos de medidas médicas de urgência, verbis:

PROCESSUAL CIVIL. MEDIDA CAUTELAR. LIMINAR DE CARÁTER SATISFATIVO.SAÚDE PÚBLICA. DIREITO DO CIDADÃO E DEVER DO ESTADO. DECISÃOASSENTADA EM DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO.

É vedada, como princípio geral, a concessão de liminar de caráter eminentemente satisfativo, excepcionando-se as hipóteses de providências médicas urgentes. 12

Conquanto, em face da gravidade e urgência da situação em tela, que exige a pronta e eficaz intervenção do Poder Judiciário, resta claro a possibilidade de concessão da tutela antecipada, ainda que mediante uma cognição superficial ou sumária, a fim de se determinar que a autoridade coatora forneça os medicamentos necessários ao tratamento da patologia suportada pelo Impetrante.

Ressalve-se também que, caso a medida não seja deferida, estará sendo usurpado o direito constitucional à saúde e à vida do Impetrante. Ademais, a busca pela entrega da prestação jurisdicional deve ser prestigiada pelo magistrado, de modo que o cidadão tenha cada vez mais facilitado, com a contribuição do Poder Judiciário, a sua atuação em sociedade e a garantia de exercício pleno de seus direitos individuais.

Vale consignar ainda, dada à aplicabilidade subsidiária, das regras do Código de Processo Civil, em especial sobre a efetivação do provimento antecipatório, previsto no § 3º do artigo 273 do CPC, o qual aduz que se aplica no que couber e conforme sua natureza, as normas previstas no arts. 588. (revogado pelo art. 475-O), 461, §§ 4o e 5o, e 461-A, todos do CPC.

Desta feita, na busca pela efetivação da tutela antecipada, pode o juiz se valer de todos os atos materiais de execução diretos e indiretos previstos no art. 461, § § 4º e 5º do CPC. Lembrando que as medidas previstas no § 5º do artigo 461 do CPC não compõem um rol exaustivo.

Sendo urgente e inadiável a aquisição dos medicamentos, sob pena de comprometimento grave da saúde do Impetrante, é legítima a determinação judicial de bloqueio de verbas públicas para efetivação do direito, bem como a fixação de Astreintes contra a pessoa física do agente público, diante da omissão do agente do Estado, que de já se requer.

Quanto à aplicação de Astreintes contra a pessoa física do Agente Público, trago à colação entendimento do Desembargador do Tribunal de Justiça da Bahia, Des. Antonio Pessoa Cardoso, quando ele explica que:

A boa ou má administração não é atribuída à pessoa jurídica, autarquia, fundação, sociedade de economia mista, Prefeitura, Estado, União, mas sim aos seus governantes.

Daí porque indispensável o direcionamento da penalidade ao agente político ou administrador, único responsável pelo retardamento da eficácia judicial e único capaz de efetivar o cumprimento da obrigação imposta. E o raciocínio é muito simples: a pena anotada pelo julgador destina-se a fazer com que alguém cumpra decisão judicial; somente este alguém, pessoa que pensa, sente e pode ser convencida a tomar essa ou aquela posição, somente esse agente político, é capaz de imprimir qualquer direcionamento à pessoa jurídica, ente inanimado e, portanto, destituído de vontade para praticar ato, muito menos para intimidar-se com a pena. E tanto é assim, que o magistrado ao aplicar a multa deverá observar o caráter psicológico, social e econômico do agente.13

Desta forma, o administrador público, quando desobedece à ordem judicial, age com sua própria vontade, contrariando os princípios traçados pelo próprio órgão público, vez que este forma o próprio Estado e não pode impedir decisão do Estado-Juiz. Dessa forma, na representação, o agente não pode desvestir-se da condição de membro integrante da ordem constitucional.

Ainda, quanto à cobrança das Astreintes, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em decisão unânime, assentou que: a "(...) função das astreintes é vencer a obstinação do devedor ao cumprimento da obrigação de fazer ou de não fazer, incidindo a partir da ciência do obrigado e da sua recalcitrância" (REsp nº 699.495/RS, Rel. Min. LUIZ FUX, DJ de 05.09.05), é possível sua execução de imediato, sem que tal se configure infringência ao artigo 475-N, do então vigente Código de Processo Civil" (REsp 885737/SE, PRIMEIRA TURMA, DJ 12/04/2007).

Nesta senda, relatório apresentado pelo ministro Luiz Fux, em julgamento do RECURSO ESPECIAL Nº 1.098.028 - SP (2008/0238774-0)

De fato, a tutela antecipada efetiva-se via execução provisória que hodiernamente se processa como definitiva (art. 475-O, do CPC).

Ademais, a jurisprudência desta Corte no julgamento de hipóteses análogas, assentou que a decisão interlocutória que fixa multa diária por descumprimento de obrigação de fazer é título executivo hábil para a execução definitiva:

FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. INTERRUPÇÃO. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. RELIGAMENTO. DESCUMPRIMENTO. ASTREINTES. EXECUÇÃO. POSSIBILIDADE.

I - Trata-se de recurso especial interposto contra o acórdão que manteve decisão interlocutória que determina a imediata execução de multa diária pelo descumprimento da ordem Judicial.

II - Considerando-se que a "(...) função das astreintes é vencer a obstinação do devedor ao cumprimento da obrigação de fazer ou de não fazer, incidindo a partir da ciência do obrigado e da sua recalcitrância" (REsp nº 699.495/RS, Rel. Min. LUIZ FUX, DJ de 05.09.05), é possível sua execução de imediato, sem que tal se configure infringência ao artigo 475-N, do então vigente Código de Processo Civil.

III - "Há um título executivo judicial que não se insere no rol do CPC 475-N mas que pode dar ensejo à execução provisória (CPC 475-O). É a denominada decisão ou sentença liminar extraída dos processos em que se permite a antecipação da tutela jurisdicional, dos processos cautelares, ou das ações constitucionais" (CPC comentado, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, Editora Revista dos Tribunais, 9ª ed, pág. 654).

IV - A hipótese em tela se coaduna com o que disposto no artigo 461, § 4º, do CPC, tendo em vista o pleno controle da recorrente sobre a execução da ordem judicial.

V - Recurso especial improvido."

(REsp 885.737/SE, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 27/02/2007, DJ 12/04/2007 p. 246).

O STJ entende, pois que a astreinte fixada em liminar não depende do julgamento do mérito para ser executada. Assim, o descumprimento de obrigação de fazer imposta por liminar pode levar à cobrança da multa diária nos próprios autos da ação, independentemente do trânsito em julgado da sentença final.

Sendo inclusive possível o seqüestro ou bloqueio de valores em contas públicas do Estado, do quantum suficiente à aquisição do medicamento objeto da tutela deferida, providência excepcional adotada em face da urgência e imprescindibilidade da prestação dos mesmos, o que de já se requer, conforme o prescrito em receita médica.

Como exposto nesse sentido à jurisprudência do STJ:

ADMINISTRATIVO PROCESSUAL CIVIL. CUSTEIO DE TRATAMENTO MÉDICO. MOLÉSTIA GRAVE. BLOQUEIO DE VALORES EM CONTAS PÚBLICAS. POSSIBILIDADE. ART. 461,CAPUT E § 5º DO CPC.

1. Além de prever a possibilidade de concessão da tutela específica e da tutela pelo equivalente, o CPC armou o julgador com uma série de medidas coercitivas, chamadas na lei de "medidas necessárias",que têm como escopo o de viabilizar o quanto possível o cumprimento daquelas tutelas.

2. As medidas previstas no § 5º do art. 461. do CPC foram antecedidas da expressão "tais como", o que denota o caráter não-exauriente da enumeração. Assim, o legislador deixou ao prudente arbítrio do magistrado a escolha das medidas que melhor se harmonizem às peculiaridades de cada caso concreto.

3. Submeter os provimentos deferidos em antecipação dos efeitos da tutela ao regime de precatórios seria o mesmo que negar a possibilidade de tutela antecipada contra a Fazenda Pública, quando o próprio Pretório Excelso já decidiu que não se proíbe a antecipação de modo geral, mas apenas para resguardar as exceções do art. 1º da Lei 9.494/97.

4. O disposto no caput do artigo 100 da CF/88 não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em lei como de pequeno valor, de modo que, ainda que se tratasse de sentença de mérito transitada em julgado, não haveria submissão do pagamento ao regime de precatórios.

5. Em casos como o dos autos, em que a efetivação da tutela concedida está relacionada à preservação da saúde do indivíduo, a ponderação das normas constitucionais deve privilegiar a proteção do bem maior que é a vida.

6. Recurso especial improvido.

(REsp 770.969/RS, DJ 03/10/2005, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira).

Advirta-se, ainda, que na dicção do art.26 da Lei nº 12.016/2009,

Constitui crime de desobediência, nos termos do art.330 do Decreto –Lei nº 2848, de 7 de dezembro de 1940, o não cumprimento das decisões proferidas em mandado de segurança, sem prejuízo das sanções administrativas e da aplicação da Lei nº1.079, de 10 de abril de 1950, quando cabíveis.

Quanto ao mais, vale consignar que o Impetrante é beneficiário da justiça gratuita e assistido pela Defensoria Pública, o que corrobora a presença de hipossuficiência econômica e a possibilidade de dano irreparável ou de difícil reparação, dada à carência de recursos para custear seu tratamento.

Sobre a autora
Ana Patrícia Paes Landim Salha

Defensora Pública Titular do Núcleo da Saúde da Defensoria Pública do Estado do Piauí,Membro Titular do Comitê Estadual do Fórum do Judiciário para a Saúde.

Informações sobre o texto

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