Breves comentários. Como se sabe, a Constituição Federal de 1988 autoriza a prisão civil do devedor de alimentos (art. 5º, inc. LXVII). De acordo com o Código de Processo Civil, o débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende até as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo (art. 528, § 7º). Esta não é a única forma de o credor promover a execução de alimentos, pois ele pode optar por promovê-la pelo rito procedimental convencional (art. 523, caput, c.c. art. 528, § 8º, ambos do CPC), hipótese em que poderá requerer a penhora de bens móveis e/ou imóveis, não podendo, porém, postular a prisão do devedor.
Nada obstante a opção de promover a execução pelo rito do art. 523, § 1º, do CPC, a praxe forense demonstra que a execução pelo rito coercitivo (prisão civil) costuma ser mais efetiva que a convencional.
Não é raro de ocorrer, porém, que quando o credor resolve promover a execução, o devedor já está inadimplente em mais de três prestações. Nesse caso, é possível requerer que, no mesmo processo, seja promovida a execução cível das três parcelas anteriores ao pedido da execução pelo procedimento coercitivo, e as vencidas há mais de três meses pelo rito convencional? Marcus Vinicius Rios Gonçalves responde a essa indagação:
“É comum que o exequente postule, no mesmo processo, a execução de parcelas mais recentes pelo procedimento especial, e de parcelas mais antigas pelo procedimento convencional. Mas isso não pode ser admitido, já que um dos requisitos da cumulação é que os procedimentos sejam compatíveis. Ora, o procedimento do art. 528, caput, é diferente do cumprimento de sentença do art. 528, § 8º. No primeiro, o devedor é intimado a pagar em três dias, provar que o fez, ou justificar a impossibilidade de fazê-lo, sob pena de prisão. Não é possível conciliar esse procedimento com o dos arts. 523 e ss., no qual o devedor é apenas intimado para pagar em quinze dias, sob pena de multa de 10% e expedição de mandado de penhora e avaliação. Só será possível a cobrança das parcelas recentes e das mais antigas no mesmo processo de execução se o credor abrir mão do procedimento especial em relação àquelas e optar pelo procedimento comum [convencional]. Mas isso terá a desvantagem de não lhe permitir o uso da prisão civil como meio de coerção.” (GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito processual civil esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2019, págs. 819-820).
Assim, diante de casos como esse, o credor poderá seguir dois caminhos:
- promover a execução das parcelas mais antigas (vencidas há mais de três meses) e das mais recentes (até três parcelas antes do início da execução) no mesmo processo adotando o rito procedimental convencional (art. 528, § 8º e art. 523, § 1º, ambos do CPC); ou
- promover a execução em dois processos, sendo que em um se adotará o procedimento convencional para as parcelas mais antigas, e em outro se adotará o rito coercitivo para as parcelas atuais.
O modelo abaixo apresenta fundamentos jurídicos para o caso de o devedor estar inadimplente em mais de três parcelas e o credor quiser seguir a segunda opção, conforme descrita acima.
EXCELENTÍSSIMO (A) SENHOR (A) JUIZ (A) DE DIREITO DA PRIMEIRA VARA DE FAMÍLIA DA COMARCA DE CUIABÁ – ESTADO DE MATO GROSSO
Conexo ao Proc. nº 1234567-12.2019.8.11.0012
FULANA DE TAL, brasileira, menor impúbere, neste ato representado por sua genitora, SICRANA DE TAL, brasileira, casada, recepcionista, portadora do RG nº XXXXXXX-X SSP/MT, inscrita no CPF nº XXX.XXX.XXX-XX, email: XXXXXXXXX, residente e domiciliada na Rua XXXXXXXX, Quadra XXXX, casa nº XXXXX, Bairro XXXXXX, Cuiabá/MT, vem, por meio do seu Advogado, com fundamento nos artigos 523, caput e § 1º, e 528, § 8º, do Código de Processo Civil, promover CUMPRIMENTO DE SENTENÇA DE PRESTAÇÃO ALIMENTÍCIA em desfavor de BELTRANO, brasileiro, solteiro, eletricista, autônomo, portador do RG nº XXXXXXX-X SSP/MT, inscrito no CPF nº XXX.XXX.XXX-XX, (endereço eletrônico desconhecido), residente e domiciliado na Rua XX, Quadra nº XX, Casa nº XX, CEP nº XX.XXX-XXX, Bairro XXXXX, Cuiabá-MT, pelos fundamentos de fato e de direito a seguir expostos.
I - DOS FATOS
A Exequente, representada por sua Genitora, e o Executado firmaram acordo, nos autos do Processo nº 1234567-12.2019.8.11.0012, devidamente homologado pelo Juízo da Primeira Vara de Família da Comarca de Cuiabá/MT, em que se regulamentou pensão alimentícia, guarda e visitas.
No referido acordo, o executado firmou o compromisso de pagar, até o dia 10 (dez) de cada mês, 60% (sessenta por cento) do salário mínimo a título de pensão alimentícia.
O Executado está inadimplente com relação às pensões de março/2019 a agosto/2019.
II – CONSIDERAÇÕES ACERCA DOS RITOS PROCEDIMENTAIS A SEREM ESCOLHIDOS PELO CREDOR NA EXECUÇÃO DE DÉBITO ALIMENTAR
É sabido que o credor de alimentos tem a sua disposição duas formas de promover cumprimento de sentença/execução:
1) pelo rito da prisão civil – art. 528, caput, do CPC; ou
2) pelo rito da expropriação de bens por quantia certa - art. 523, § 1º c.c. art. 528, § 8º, ambos do CPC).
Cabe, portanto, ao credor escolher aquele rito procedimental que segundo seu critério lhe será mais efetivo e conveniente para ver satisfeito seu crédito alimentar.
Para o rito coercitivo, o Código de Processo Civil dispõe que o débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende até as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo (art. 528, § 7º).
Em casos em que o devedor está devendo mais de três parcelas, deve-se atentar que o Código de Processo Civil, ao dispor sobre a cumulação de execuções, assevera que esta somente é possível se o procedimento de cada execução for idêntico. Nesse sentido:
Art. 780. O exequente pode cumular várias execuções, ainda que fundadas em títulos diferentes, quando o executado for o mesmo e desde que para todas elas seja competente o mesmo juízo e idêntico o procedimento. – Sem grifos no original.
Assim, no caso do credor de alimentos, este deve estar ciente de que, ao optar por um dos ritos previstos no Código Processual Civil, não poderá praticar atos executivos típicos do outro procedimento, para não causar embaraço ou tumulto no processo. Neste caminhar, caso opte pelo rito do cumprimento de sentença por quantia certa, não pode, por exemplo, pedir a prisão do devedor como meio coercitivo. Vejamos:
CPC/2015
Art. 528 (...)
§ 8º - O exequente pode optar por promover o cumprimento da sentença ou decisão desde logo, nos termos do disposto neste Livro, Título II, Capítulo III, caso em que não será admissível a prisão do executado, e, recaindo a penhora em dinheiro, a concessão de efeito suspensivo à impugnação não obsta a que o exequente levante mensalmente a importância da prestação. – Sem destaques no original.
De outro lado, caso o credor opte pelo rito procedimental da prisão civil, não poderá praticar atos executivos típicos da execução por quantia certa (penhora de bens móveis ou imóveis, valores pecuniários, etc.). Nesse sentido:
EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. Pedido de adoção de medidas constritivas em execução de alimentos regida pelo rito do art. 733 do CPC. Inviabilidade. Incompatibilidade de procedimentos. Impossível a criação de processo híbrido, sob pena de tumulto processual. Necessidade de se requerer a cisão do processo e conversão da cobrança mais antiga para o rito do art. 732 do CPC. Impossibilidade de manifestação em sede de agravo sobre a prisão civil do devedor, à falta de fundamentação a respeito no despacho recorrido, pena de supressão de um grau de jurisdição. Recurso desprovido. (TJSP, 6ª Câmara de Direito Privado, Agravo de Instrumento nº 2026620-59.2016.8.26.0000, Rel. Des. PERCIVAL NOGUEIRA, julgado em 21.03.2016). – Sem grifos no original.
Diante da impossibilidade de se “misturar" os procedimentos executivos em um mesmo processo, admite o Superior Tribunal de Justiça que sejam ajuizados dois processos, um para cada procedimento. Vejamos:
RECURSO EM HABEAS CORPUS. ALIMENTOS. INADIMPLÊNCIA DE DÉBITO ALIMENTAR ATUAL E PRETÉRITO. AJUIZAMENTO DE DUAS AÇÕES DE EXECUÇÃO. DÉBITOS DIVERSOS. RITOS DISTINTOS. INEXISTÊNCIA DE LITISPENDÊNCIA. INADIMPLEMENTO DOS TRÊS ÚLTIMOS MESES E DOS VENCIDOS APÓS O AJUIZAMENTO DA EXECUÇÃO. PRISÃO CIVIL. CABIMENTO. SÚMULA N. 309/STJ. ALEGAÇÃO DE INCAPACIDADE DE PAGAMENTO DO VALOR INTEGRAL DA PRESTAÇÃO ALIMENTAR. EXAME DE PROVAS. DESCABIMENTO NO WRIT.
1. É cabível o decreto de prisão civil em razão do inadimplemento de dívida atual, assim consideradas as parcelas alimentares vencidas nos três meses antecedentes ao ajuizamento da execução, bem como aquelas que se vencerem no curso da lide. Súmula n. 309/STJ.
2. A cobrança de dívida pretérita composta pelas prestações vencidas há mais de três meses deve seguir o rito da execução por quantia certa contra devedor solvente, prevista no art. 732 do CPC.
3. Não há litispendência entre duas ações de execução que versam acerca de prestações alimentares distintas, se uma cobra dívida pretérita pelo rito do art. 732 do CPC e a outra cobra dívida atual, nos moldes do art. 733 do CPC.
4. O recurso ordinário em habeas corpus não é a via adequada para o exame aprofundado de provas relativas à condição econômica do devedor e à necessidade do credor dos alimentos.
5. Ordem de habeas corpus denegada.
(Superior Tribunal de Justiça, 3ª Turma, Recurso em Habeas Corpus nº 33269/PB, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, publicado no DJE de 12.06.2013). [1]
Conforme se nota, é perfeitamente possível o ajuizamento de duas execuções, uma para rito procedimental, visando obter a satisfação de crédito alimentar de forma mais efetiva. Tal estratégia judiciária é necessária e se justifica justamente pelo fato de o crédito cobrado nestes casos ter natureza alimentar e terem como destinatários, em geral, crianças e adolescentes.
III - DA CONEÇÃO COM O PROCESSO nº 1234567-12.2019.8.11.0012
No Processo nº 1234567-12.2019.8.11.0012 a Exequente está promovendo cumprimento de sentença pelo rito coercitivo (prisão civil) das parcelas alimentícias dos meses de junho/2019, julho/2019 e agosto/2019, e das que se vencerem no curso daquele processo.
Na presente execução a exequente pretende obter a satisfação do seu crédito alimentar referente aos meses de março/2019, abril/2019 e maio/2019.
Assim, nos termos do art. 55, caput e § 2º, inc. II, do Código de Processo Civil [2], por estarem fundados no mesmo título executivo, ou seja, o acordo homologado pelo Juízo da Primeira Vara de Família da Comarca de Cuiabá/MT, há que se reconhecer a conexão entre este feito e o Processo nº 1234567-12.2019.8.11.0012.
IV – DOS PEDIDOS
EM RAZÃO DO EXPOSTO, a Exequente Requer:
- a concessão dos benefícios da gratuidade de justiça, nos termos do artigo 98 e ss. do Código de Processo Civil;
- seja o Executado intimado, nos termos do artigo 523, caput, do Código de Processo Civil, para, no prazo de 15 (quinze) dias, pagar a importância de R$ XXX,XX, referente às pensões alimentícias dos meses de março/2019, abril/2019 e maio/2019;
- caso o executado, no referido prazo, não efetue o pagamento, requer seja acrescida multa de 10% (dez por cento) sobre o valor do débito, bem como arbitrado honorários advocatícios, nos termos do § 1º do art. 523 do Código de Processo Civil, sem prejuízo da inserção do nome dele em órgãos de proteção ao crédito (SPC, SERASA, etc.), do protesto da dívida em Cartórios Extrajudiciais, penhora de bens e restrição de veículos automotores de propriedade do demandado (RENANJUD);
- a intimação do Ministério Público para atuar na condição de fiscal da ordem jurídica;
- seja o executado condenado a pagar as custas e os honorários advocatícios.
Dá-se à causa o valor de R$ XXX,XX.
Cuiabá/MT, 11 de Agosto de 2019
THIAGO BORGES MESQUITA DE LIMA
OAB/MT nº 19.547/O
[[1] O artigo 733 do Código de Processo Civil de 1973, mencionado neste julgado e no anterior, disciplinava a execução civil de alimentos pelo rito da prisão civil, sendo equivalente ao artigo 528, parágrafo 3º, do atual Estatuto Processual Civil.
[[2]] Art. 55. Reputam-se conexas 2 (duas) ou mais ações quando lhes for comum o pedido ou a causa de pedir.
§ 2º Aplica-se o disposto no caput:
(...)
II - às execuções fundadas no mesmo título executivo