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Petição referente à violação de direitos humanos:

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Agenda 12/07/2021 às 16:00

A prisão da autora, tornada escrava, foi abafada em pacto com policiais na tentativa de preservar indústria têxtil de nome reconhecido mundialmente.

EXMO. SR. PRESIDENTE DA COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,

Sylvana Isabel, boliviana, divorciada, operária, portadora do RG de número 4822012-1B/BOL, domiciliada e residente na Av. Tamboré, 451, Tamboré, Barueri-SP, CEP:  06460-000, por meio de suas advogadas infra-assinadas, já devidamente qualificadas na procuração que segue em anexo, integrantes do Grupo de Trabalho de Direitos Humanos da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo/SP, com fundamento no artigo 44 da Convenção Americana de Direitos Humanos, ratificada pelo Brasil em 25 de setembro de 1992, vêm, respeitosamente, à presença de V. Exa., apresentar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a PETIÇÃO REFERENTE À VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS, diante da violação dos artigos 5º, 6º e 7º da Convenção Americana, pelos motivos de fato e de direito a seguir expostos:

DOS FATOS:

A Autora deixou seu país de origem cerca de 3 (três) anos atrás, migrando para o Brasil em busca de melhores condições de vida. Ao chegar na fronteira entre Brasil e Bolívia, lhe foi oferecida uma oportunidade de emprego para trabalhar em uma oficina de costura na cidade de São Paulo-SP. Foi informada de que quitaria sua dívida com o empregador referente à passagem por meio de seu próprio trabalho, bem como o pagamento de moradia, alimentação e regularização de seus documentos de imigração.

Ao chegar no local designado, porém, se deparou com com uma situação muito diferente daquela que lhe foi “vendida”: a oficina se localizava no porão de uma casa, local insalubre, devido à ausência de janelas e ventilação; o local de moradia era o mesmo onde executava suas tarefas laborais; a comida que era entregue às trabalhadoras (todas bolivianas que passaram pela mesma situação de Sylvana) chegava constantemente estragada; o horário de trabalho era flexível e, por isso, as jornadas eram excessivamente longas e exaustivas, geralmente das 8h às 21h, sem tempo para intervalo; e remuneração muito aquém do que lhe fora prometido.

A Autora aceitou essas condições precárias de vida por aproximadamente 8 (oito) meses. No entanto, cansada de ser maltratada e viver com o constante sentimento de medo, uma vez que, além de tudo o que já foi mencionado, tinha seus documentos retidos e não regularizados, de forma que se encontrava em situação de imigração irregular, resolveu buscar informações. Enfrentou vários obstáculos, pois tinha de sair escondido para conseguir buscar ajuda, lidar com a discriminação nas ruas da cidade, com as dificuldades de locomoção, pois não tinha dinheiro nem para pagar a passagem dos transportes públicos.

Sofrendo tais efeitos e em meio a este cenário de falta de informações, Sylvana se viu desesperada, o que a levou a organizar uma manifestação, reunindo cerca de 1,4 mil pessoas, na tentativa de conseguir algum tipo de apoio popular e na defesa dos direitos das mulheres imigrantes que viviam em tal situação. Durante o protesto, liderado pela Autora, as mulheres relataram a situação precária em que viviam, em condições análogas à escravidão, privadas de sua liberdade, sob maus tratos físicos, inclusive abusos sexuais, além da pressão psicológica sofrida por precisarem estar constantemente produzindo, costurando, confeccionando.

Acontece que, em determinado momento, houve interferência policial e Sylvana acabou presa, sob o argumento de que não poderia ocorrer o fechamento da rua, impedindo o trânsito de veículos. Tal prisão ocorreu de forma arbitrária, pois o protesto ocorria em conformidade com a lei, que assegura ao ser humano a liberdade de expressão por meio de manifestações pacíficas, de forma que não havia necessidade da prisão da líder.

A prisão tentou ser abafada pelo fato de que a autora era vítima de trabalho escravo em indústria têxtil de nome reconhecido mundialmente, que, somente após o ato de prisão, foi constatado pacto com polícias para ocorrência de tal ato na surdina. 

Com a atuação da Defensoria Pública do Estado em defesa da Autora, foi tramitado um processo, que chegou até a última instância, o Supremo Tribunal Federal, sendo-lhe indeferidos os seus direitos negado o pedido de habeas corpus.

Ora, direitos humanos são públicos e permitem a efetivação da cidadania, além disso também causam um aumento econômico. Seres humanos são projetos em conclusão, capazes de criar e buscar objetivos pessoais, portanto, a realização de todas as partes dos seres humanos depende do acesso a oportunidades e  à garantias. Isso é chamado direitos humanos, sendo seu princípio básico o conhecimento da moral individual, que têm como intuito promover uma sociedade justa. 

Diante desses conceitos torna-se claro o não cumprimento dos mesmos nessa presente ação. Quando vive-se em uma condição de pobreza, sendo mulher, estrangeira, chefe de família, torna-se  inevitável aceitar qualquer tipo de trabalho, no caso, em condições indignas, violando propriamente os direitos básicos humanos. 

Pleiteia-se, portanto, a indenização como fundamento do Estado de Direito, a culpa do serviço público e o erro judiciário como fundamentos para a responsabilidade estatal, e a ação direta independentemente de prévia rescisão do julgado. É o que determina a regra constitucional do art.5º, LXXV, da Constituição Federal (CF): O Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença. Acrescente-se que a nova regra do dispositivo constitucional não depende de ter havido prisão, bastando a condenação errônea, para ser postulada a reparação dos danos materiais e morais porventura decorrentes da atividade jurisdicional.

DOS REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE:

A priori, cumpre estabelecer a importância da petição inicial, haja vista que ela inaugura o procedimento e delimita a prestação jurisdicional, determinando qual a matéria de direito será discutida e decidida, a mesma de acordo com os requisitos de admissibilidade traçados nos artigos 44, 46 e 47 da Convenção Americana de Direitos Humanos, e dos artigos 37, 38 e 39 do Regulamento da Comissão Interamericana, como será a seguir demonstrado, e o direito de acesso à justiça, com previsão no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição da República, tem-se que a exigência de preenchimento dos pressupostos processuais e condições da ação não mitigam ou limitam o direito de ação, que por si só é um direito condicionado, mas sim regulamentam o seu exercício, garantindo que o processo alcance seu objetivo.

DO REQUISITO DO EXAURIMENTO:

De início, é importante registrar que têm os peticionários legitimidade para figurar no polo ativo da demanda, de acordo com o que determina o preceito do artigo 44 da Convenção. Este artigo permite a qualquer pessoa ou grupo de pessoas ou entidade não-governamental submeter à Comissão denúncias, queixas ou violações à Convenção por um Estado-Parte.

Verifica-se que, no presente caso, os remédios de direito interno foram exauridos, conforme o determinado no artigo 46.1.a da Convenção, uma vez que, após ter os pedidos indeferidos pelo M. Juízo de primeiro grau, houve interposição de recurso ao Tribunal de São Paulo. Após novo indeferimento, os pedidos foram remetidos ao Superior Tribunal de Justiça, e então após negados, levados ao Supremo Tribunal Federal, o qual também os indeferiu (cópias anexas), configurando assim o esgotamento das vias internas e caracterizando os motivos pelos quais a presente merece ser aceita por V. Senhoria.

Na eventualidade de a Comissão considerar não preenchido o requisito do exaurimento, o que verdadeiramente não se acredita, pois a regra do esgotamento não seria, por conseguinte, aplicável à espécie, já que se trata de caso típico, ou seja, sucessivamente repetido na justiça brasileira, conforme demonstrado.

Ademais, tem-se que a regra do esgotamento apenas se verifica quando existem recursos efetivamente eficazes para a proteção do direito tutelado pela Convenção. No caso em questão, tendo em vista a quase unanimidade sobre o direito de xx, qualquer recurso a ser ajuizado perante o Supremo Tribunal não ganharia posicionamento favorável e, portanto, a efetiva proteção pretendida.

DA TEMPESTIVIDADE:

Acerca dos requisitos temporais, esta petição se adequa aos limites traçados pelo artigo 46.1.b da Convenção, na medida em que se apresenta dentro do prazo de seis meses da data em que se tomou conhecimento da violação do direito protegido, isto é, da data de publicação da decisão do Supremo Tribunal Federal proferida em  12 de fevereiro de 2020.

Não há, ademais disso, qualquer outro caso com o mesmo objeto pendente em sistemas internacionais de justiça, restando satisfeito o requisito estabelecido pelo artigo 46.1.c da Convenção. Tampouco já foi a matéria em questão estudada seja pela Comissão, seja por outra organização internacional, estando, dessa forma, também preenchido o requisito exposto no artigo 47.d do mesmo diploma.

Por fim, na medida em que se pleiteia os direitos das mulheres imigrantes bolivianas em situação irregular no Brasil em condições de trabalho análogas à escravidão, a presente petição visa coibir a violação dos direitos de liberdade, de uma vida digna e dos direitos trabalhistas.

DO DIREITO:

Como já mencionado, os direitos humanos são direitos públicos subjetivos, conferidos a todos os seres humanos, que permitem o exercício da cidadania. A Escola do Direito Natural entende que os direitos humanos são verdades transcendentais e metafísicos, designados a todos os seres humanos pelo simples fato de serem humanos, ou seja, eles são positivados, legítimos e inerentes ao ser humano porque já existem no que os pensadores desta escola denominam “estado de natureza”. Esta visão é adotada pela grande maioria dos documentos internacionais que objetivam a defesa dos direitos humanos, inclusive pelos tratados americanos que fundamentam a presente (pela Carta da OEA e, explicitamente, pelo preâmbulo e nos artigos 1º e 2º da Declaração Americana de Direitos Humanos e pelo artigo 1º da Convenção Americana de Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica). 

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Inicialmente, apresenta-se a violação dos direitos da Autora relacionados à prisão injusta. A Convenção Americana traz consigo, em seu artigo 8º, as garantias judiciais, assim como a Constituição Federal, que em seu artigo 5º, LIV, garante aos indivíduos o direito ao devido processo legal. 

Por direito ao devido processo legal deve-se entender que ninguém poderá ser privado de sua liberdade ou de seus bens sem antes ter o direito a um processo justo, isto é, o direito de ser julgado de maneira justa. Portanto, ocorre no caso em tela a violação deste direito fundamental, uma vez que o processo de Sylvana não foi julgado de forma justa em território nacional. Como pessoa residente no país, mesmo que estrangeira, a Autora possui acesso aos direitos fundamentais designados na Carta Magna, conforme pleiteia o caput do artigo 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...], restando, desta forma, completamente violado o seu direito ao devido processo legal.

Ademais, Sylvana teve violado seu direito de liberdade de expressão expressos tanto na Constituição Federal (artigo 5º, IX), como na Convenção Americana (artigo 13) e na Declaração Americana de Direitos Humanos (artigo 4º), pois a manifestação organizada pro ela não excedeu os limites previstos em lei.

No que tange aos direitos humanos relacionados às mulheres bolivianas que trabalham nas oficinas de costura em São Paulo em condições precárias e análogas à escravidão, primeiramente é preciso conhecer o significado de escravo inserido no dicionário: Indivíduo que está ou foi privado de sua liberdade, sendo submetido à vontade de outrem, definido como propriedade. [Por Extensão] Dependente; quem não se consegue livrar da influência de: escravo do álcool; escravo do trabalho.

Escravidão é, portanto, a prática social na qual um ser humano assume direito de propriedade em relação a outro, tratando-o como se fosse um bem, uma mercadoria que pode ser comprada e vendida a qualquer tempo. A escravidão foi praticada por muitos motivos na antiguidade, sendo submetidos à escravidão, a princípio, prisioneiros de guerra ou pessoas com dívidas que, ao não possuírem meios pecuniários para o pagamento, utilizaram-se de seu trabalho como forma de pagamento das dívidas. No Brasil, a escravidão de índios e negros surgiu posteriormente baseada em razões morais e religiosas tendo seu ápice na era colonial. Apesar de a abolição da escravatura ter ocorrido em 13 de maio de 1988, no Brasil, ainda se convive com resquícios de tal atrocidade, cuja violação ao princípio da dignidade da pessoa humana é realçada, de modo a identificar-se, na atualidade, tipos de trabalho escravo contemporâneo, ou seja, condições de trabalho análogas à escravidão que consistem em trabalhos forçados com restrição da liberdade dos trabalhadores que se sujeitam à prestação de serviços sem receber pagamento pela execução de seu trabalho, vivem sob ameaças e em situação de indigência, detenção e violência. Tais situações encontram-se excluídas dos sistemas reguladores da legislação trabalhista de forma a dificultar a fiscalização e repreensão das atividades ilegais.

O grupo tratado pela presente se enquadra neste cenário, uma vez que têm suas vidas perdidas ao serem submetidas à condições insalubres de trabalho e de vida, ferindo o princípio da dignidade humana contido na Constituição Federal. O Código Penal brasileiro tipifica o crime de reduzir alguém à condição análoga à de escravo em seu artigo 149, e prevê pena de reclusão e de multa: Reduzir alguém à condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. Note-se que os empregadores destas imigrantes bolivianas realizam todas as ações classificadas como trabalho escravo pelo referido dispositivo. No entanto, sem informações exatas, o poder público e a sociedade organizada ainda lutam para prevenir e erradicar essa prática. O país enfrenta grandes dificuldades para punir os responsáveis pelo trabalho escravo atualmente.

Ademais, nesta situação não segue o que determina o artigo 6º da Convenção Americana, o qual proíbe a escravidão e a servidão, bem como os artigos 14 e 15 da Declaração Americana de Direitos Humanos, que preveem o direito ao trabalho em condições dignas e ao descanso, respectivamente. Também restam violados os direitos dispostos nos artigos 5º e 7º da Convenção Americana, uma vez que estas mulheres têm sua integridade pessoal ferida, quando submetidas a maus tratos e jornadas de trabalho excessivas, bem como sua liberdade pessoal, por necessitarem ficar o tempo todo dentro das oficinas produzindo, até porque estas constituem também suas moradias.

A situação de vulnerabilidade vivida por elas tem a ver com a falta de recursos. A falta de trabalho faz com que essas mulheres aceitem propostas muito desfavoráveis de emprego colocando em jogo suas condições trabalhistas. Ganham pouco dinheiro para trabalhar muitas horas, não tem o cuidado essencial com a saúde, com isso, o desequilíbrio entre as partes envolvidas nas relações de trabalho levou à criação do direito do trabalho como forma de proteção à parte hipossuficiente. Ocorre que nem todas as relações de trabalho enquadram-se em modelos de empregos formais e legalizados, fato que dificulta a fiscalização do cumprimento da legislação trabalhista por parte dos auditores fiscais do trabalho e do Ministério Público do Trabalho, por meio de seus procuradores. Nesse contexto, pessoas com má índole aproveitam-se da insuficiência e ineficiência da fiscalização, da situação de pobreza extrema vivenciada por percentuais significativos.

O trabalho é composto de cinco enfoques ou valores, quais sejam: o econômico, o jurídico, o político, o sociológico e o psicológico. O valor econômico refere-se à fonte de obtenção de renda e visa à satisfação das necessidades humanas. O valor jurídico é o fator que cria a relação jurídica entre o prestador e o tomador de serviços, ou seja, é a fonte de direitos e obrigações. O valor político relaciona-se ao crescimento da economia do Estado no intuito de atingir o bem-estar social para a população. O valor sociológico propicia a intensidade do desenvolvimento societário a partir do bom funcionamento do mercado com a colaboração da classe trabalhadora. Por fim, o valor psicológico relaciona-se com a projeção e afirmação social adquirida pelo trabalhador advindas da função exercida em seu trabalho e do poder econômico obtido através dele.

O Direito do Trabalho recepciona os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da valorização social do trabalho, da cidadania e da livre iniciativa. Quanto ao trabalho, dentro da Constituição Federal Brasileira este se traduz em princípio, fundamento, valor e direito social. Uma vez considerado o trabalho como um direito fundamental, necessariamente ele deve pautar-se na dignidade da pessoa humana, conforme artigo 1°, inciso III da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Assegura-se, portanto, que a interpretação de trabalho a ser feita pelo contexto constitucional é a de que o trabalho deve ser decente.

O trabalho decente é aquele no qual estão assegurados ao trabalhador os direitos de alcance político próprios do mundo laboral, dentre eles estão a liberdade de associação, a liberdade ao direito de greve, liberdade de expressão.

A dignidade humana é inalienável, bem como possui caráter econômico e ético, contemplando valores de natureza moral como a satisfação das necessidades humanas e a afirmação da personalidade do trabalhador. A dignidade econômica da pessoa rejeita o desequilíbrio de mercado no qual algumas pessoas tenham o máximo proveito em detrimento de outras.

São as chamadas “fábricas de suor” as empresas envolvidas em exploração extrema de trabalhadores, que oferecem salários abaixo do mínimo necessário à sobrevivência e os submetem a condições de trabalho degradantes, ameaças físicas e psicológicas, bem como à ausência de qualquer forma de garantia ou proteção trabalhista, onde trabalhadores são considerados meros meios de produção, não havendo qualquer respeito à dignidade humana, como ocorre no caso em tela.

Definitivamente não era isso que essas mulheres esperavam quando deixaram a Bolívia em busca de melhores condições de vida. Na maioria das vezes empregadas por outros bolivianos através do regime de subcontratação/terceirização e da submissão a empregos informais, geralmente ilegais, são, diariamente, vítimas de vários tipos de discriminação negativa e preconceito: sexuais, raciais, étnicos.

Sendo discriminação o ato de classificar as pessoas em detrimento de grupos majoritários, tais discriminações se dão a partir de estereótipos: pela dimensão descritiva, é suposto que, por serem mulheres, são mais frágeis, vulneráveis e delicadas, e que, por serem imigrantes bolivianas, são criminosas, inferiores; pela dimensão prescritiva, supõe-se, e isso ocorre principalmente por seus empregadores no momento do recrutamento na fronteira, que devem trabalhar na área de costura, pois foram educadas para tanto.

Perante a isso, é possível notar a existência de uma interseccionalidade nos fatores de discriminação direta, pelo fato de pertencerem a diferentes grupos minoritários, conforme pontua Zanella: [...] as imigrantes ocupam um papel marginal na cidade pelo fato de serem estrangeiras. Porém, não somente a categoria estrangeira as coloca em posição de inferioridade, mas o conjunto interseccional estrangeira, pobre, indígena, latino-americana, irregular, mulher. Ou seja: sofrem preconceitos por serem de uma nacionalidade não considerada “pura”, já que predomina-se os estereótipos europeus como “corretos”; sofrem discriminações por serem mulheres vivendo em uma sociedade que, apesar de muitos avanços, ainda é predominantemente machista; sofrem os efeitos da pobreza em virtude dos baixíssimos salários; e ainda precisam aguentar viver e trabalhar em condições precárias, por estarem em frequente dívida com seus empregadores, relativas à passagem, alimentação e moradia, dificultando a possibilidade de aceitar propostas melhores, caracterizando o modelo de escravidão por dívida.

Tais discriminações violam o que dispõe o artigo 2º da Declaração Americana de Direitos Humanos: Todas as pessoas são iguais perante a lei e têm os direitos e deveres consagrados nesta Declaração, sem distinção de raça, língua, crença, ou qualquer outra. E também o disposto no artigo 1º da Convenção Americana: Obrigação de respeitar os direitos. 1. Os Estados-partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma, por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social. 2. Para efeitos desta Convenção, pessoa é todo ser humano.

Ainda a este respeito, destaca-se a discriminação institucional, pois lhe é negado o acesso a instituições de saúde pública e de educação, e até mesmo a utilização de transportes públicos, sob a alegação de que elas não possuem documentação legal para tanto. Essa prática viola o disposto no supracitado artigo 5º da Constituição Federal, o qual garante tanto aos brasileiros quanto aos estrangeiros residentes no país, os direitos fundamentais, nos quais estão incluídos o acesso à educação e saúde públicas.

Outrossim, a Declaração Americana dos Direitos Humanos dispõe, em seu artigo 17: Toda pessoa tem direito a ser reconhecida, seja onde for, como pessoa com direitos e obrigações, e a gozar dos direitos civis fundamentais. Logo, este direito também se encontra violado, tendo em vista as inúmeras discriminações sofridas pelo grupo em questão. As mulheres devem dispor de acesso à saúde, educação e informação, mesmo que em território estrangeiro.

Neste condão, extrai-se a responsabilidade do Estado brasileiro em arcar com as consequências da violação de tais direitos. A Carta da OEA, em seus artigos 33 e 34, g, estabelece, respectivamente: O desenvolvimento é responsabilidade primordial de cada país e deve constituir um processo integral e continuado para a criação de uma ordem econômica e social justa que permita a plena realização da pessoa humana e para isso contribua; e Os Estados membros convêm em que a igualdade de oportunidades, a eliminação da pobreza crítica e a distribuição eqüitativa da riqueza e da renda, bem como a plena participação de seus povos nas decisões relativas a seu próprio desenvolvimento, são, entre outros, objetivos básicos do desenvolvimento integral. Para alcançá-los convêm, da mesma forma, em dedicar seus maiores esforços à consecução das seguintes metas básicas: [...] g) Salários justos, oportunidades de emprego e condições de trabalho aceitáveis para todos. Nestes dispositivos, está implícito o que Amartya Sen chamou de teoria do desenvolvimento, segundo a qual a liberdade é o meio de se atingir o desenvolvimento. Isto é, o Estado deve garantir aos seus indivíduos as liberdades fundamentais, previstas em sua constituição, proporcionando que, ao exercê-las, sendo livres para escolher ser e fazer o que apreciem, eles descubram suas capacidades e potenciais e, com isso, se desenvolvam.

Como é dever do Estado promover tal desenvolvimento por meio da garantia e concretização das liberdades individuais, tem-se que, quando há a violação de direitos fundamentais e a privação de liberdades, este não está cumprindo o seu papel, definido pela Carta da Organização dos Estados Americanos, como ocorre no presente caso.

Neste sentido, Amartya Sen explica as desigualdades sociais sob o argumento de que as pessoas acabam se desenvolvendo de formas diferentes porque não têm acesso às mesmas ferramentas e oportunidades. Para ele, a pobreza existe porque os recursos não não oferecidos a estas pessoas não são os mesmos que são oferecidos a outras, de classe social mais alta. Assim, propõe a ideia de igualdade como capacidade: se todos tivessem acesso aos mesmos direitos, todos desenvolveriam suas respectivas capacidades efetivamente, o que constitui a teoria de justiça para ele. Conforme apontou Lama: Sen pretende, mais do que propor um paradigma único ou definitivo de justiça, prevenir injustiça, e ainda: [...] a perspectiva de justiça de Amartya Sen configura-se como uma perspectiva direcionada essencialmente para a igualdade social. Ela permite manter a ordem social através de preservação dos direitos dos cidadãos e a sua aplicação na sociedade

Segundo Sen, é necessário investir em capital humano e suas capacidades para que haja desenvolvimento e resgate da dignidade humana de trabalhadores submetidos a trabalhos degradantes e a condições análogas à escravidão. Nessa perspectiva, o autor passa a defender que esse desenvolvimento está diretamente relacionado à ampliação das capacidades do ser humano, isto é, a possibilidade de escolher ser e fazer aquilo que livremente valoriza, manifestando, portanto, a sua condição de agente.

Como aprimoramento de sua teoria, Sen elabora os conceitos de liberdades instrumentais e liberdade substantiva. Liberdades instrumentais são os meios para o desenvolvimento e a liberdade substantiva é a liberdade como fim, ou seja, liberdade efetiva e concreta para realizar as escolhas que se deseje e viver da forma que se idealiza. As liberdades instrumentais compõem-se de liberdades políticas, possibilidade de votar, fiscalizar e criticar autoridades; facilidades econômicas, liberdade de troca de mercadorias e produção; oportunidades sociais, exercício dos direitos de saúde, educação, alimentação e moradia; garantias de transparência, possibilidade de fiscalização a partir de uma administração transparente e segurança protetora, rede de proteção social implementada para garantir o mínimo à população. Cada tipo de liberdade instrumental promove a capacidade geral de uma pessoa.

As capacidades surgem com a prestação pelo Estado das liberdades instrumentais. Portanto, são as oportunidades oferecidas pelo Estado a cada indivíduo para que possam perseguir a liberdade substantiva que almejam, ou seja, realizações consideradas bem-estar para si. 

Perante a teoria apresentada, pode-se inferir que, ao serem mantidas em condições de trabalho degradantes, sob maus tratos, em ambientes insalubres e sujos, sem um tempo para si próprias e para o lazer, privadas do acesso à direitos trabalhistas, realizando jornadas de trabalho exaustivas e recebendo salários miseráveis, as imigrantes bolivianas que trabalham nas oficinas de costura na Região Metropolitana de São Paulo constituem apenas um dos exemplos de muitos grupos minoritários que configuram a falha do Estado em promover o desenvolvimento, a igualdade e a justiça de forma efetiva.

A falta de aplicação de políticas públicas em direitos humanos fundamentais está representada pela pirâmide da violência de Johan Galtung. A pirâmide da violência é formada pelas violências física, violência visível, bem como estrutural e cultural, violências invisíveis. Nesse sentido, Galtung refere-se às violências física e estrutural:

Nós nos referimos ao tipo de violência onde há um agente que comete a violência como violência pessoal ou direta, e a violência onde não há tal ato como violência estrutural ou indireta. Em ambos os casos indivíduos podem ser mortos ou mutilados, atingidos ou machucados em ambos os sentidos dessas palavras, e manipulados por meios de estratégias de cenoura e porrete. Mas enquanto no primeiro caso essas consequências podem ter sua origem traçada de volta até pessoas e agentes concretos, no segundo caso isso não é mais significativo. Talvez não haja nenhuma pessoa que diretamente cause dano a outra na estrutura. A violência é embutida na estrutura e aparece como desigualdade de poder e consequentemente como chances desiguais de vida. (GALTUNG, 1969, p.171)

No caso do trabalho escravo, detecta-se a violência física quando há maus tratos aos trabalhadores e punições aos agressores e há detecção da violência estrutural a partir da continuidade da prática da exploração do trabalho mediante situação degradante aos indivíduos, ainda que a abolição da escravatura tenha ocorrido em outro século. A violência cultural aparece como legitimadora ou justificadora da violência. Segundo Galtung:

Por ‘violência cultural’ nós queremos dizer aqueles aspectos da cultura, a esfera simbólica da nossa existência – exemplificada pela religião e a ideologia, a linguagem e a arte, a ciência empírica e formal (lógica, matemática) – que pode ser utilizada para justificar ou legitimar a violência direta ou estrutural. [...] A violência cultural faz com que a violência direta e estrutural apareça, ou mesmo seja sentida como, correta – ou ao menos não errada. Assim como a ciência política trata de dois problemas – o uso do poder e a legitimação do uso do poder – os estudos da violência são sobre dois problemas: o uso da violência e a legitimação desse uso. (GALTUNG, 1990, p.291).

Como sabemos, a educação é a base de tudo. Não seria diferente com relação a essa modalidade de exploração. Partindo do princípio de que a educação abre portas, podemos entender a importância da mesma para o fim desse ciclo vicioso. Muitos trabalhadores se veem obrigados a aceitar cumprir atividades absurdamente exaustivas por não terem outra opção. Sem formação, informação ou qualificação, as pessoas acabam por ter de se sujeitar a trabalhos muitas das vezes desumanos. A melhor forma de prevenir essa situação é educando e assim alertando dos perigos de concordar a prestar serviços aos indivíduos envolvidos nesse tipo de crime.

Mesmo depois que alguém é vítima de trabalho escravo contemporâneo, há artifícios de amenizar os traumas (físicos e, principalmente, psicológicos) e auxiliar aqueles que foram lesados. Acolhimento e inserção em programas sociais assistenciais são de extrema relevância para a recuperação desses homens e mulheres. Eles caracterizam o socorro necessário para que os resgatados não sejam novamente colocados em condições abusivas de trabalho. O desenvolvimento econômico e social das populações vulneráveis é essencial.

Além disso, a prevenção só se fortalece com a coibição de tais atos. Atualmente existem instrumentos legislativos que protegem os trabalhadores dessas armadilhas. Projetos como a "PEC do trabalho escravo", o Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado, o Primeiro e Segundo Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo e o Sistema de Acompanhamento e Combate ao Trabalho Escravo são esforços feitos com o propósito de extinguir esse mal. A fiscalização governamental e a punição dos responsáveis por essa espécie de atrocidade são fatores decisivos no combate ao trabalho escravo contemporâneo.

Diante deste cenário, propõe-se a intervenção estatal por meio de políticas públicas que reforcem a fiscalização e investigação dessas oficinas nas quais se encontram centenas de mulheres imigrantes da Bolívia sendo submetidas à condições de trabalho análogas à escravidão e mantidas irregularmente no país, a fim de identificar e punir os empregadores, uma vez que tal ato constitui-se crime devidamente tipificado pelo Código Penal, como já fora mencionado. 

Outrossim, também se propõe que o Estado promova um reforço nas atitudes da Polícia Federal localizada na fronteira pela qual entram estas imigrantes, para que elas sejam informadas e orientadas de como proceder para regularizar sua situação de imigrante e permanecer de forma legal no Brasil, pois assim terão mais segurança jurídica e psicológica para pleitear e reivindicar seus direitos.

Por fim, é notável que resta completamente configurada a violação dos direitos humanos garantidos pela Convenção Americana e pela Constituição Federal, bem como a violação do direito de liberdade de expressão e do devido processo legal de Sylvana. 

Vale lembrar que em caso semelhante, Norín Catríman e outros vs. Chile, no qual líderes do povo indígena Mapuche foram condenados à prisão arbitrariamente sob o fundamento de terem praticado atos terroristas durante protestos que objetivavam a conquista de direitos, a jurisprudência da E. Corte Interamericana de Direitos Humanos entendeu que as decisões judiciais que condenaram as vítimas foram fundamentadas sob argumentos preconceituosos e discriminatórios contra o povo Mapuche, o que viola o princípio da igualdade e da não discriminação garantidos pela Convenção Americana.

Requer-se, portanto, a apreciação, por esta E. Comissão, de todos os argumentos aqui apresentados.  

DOS PEDIDOS:

Ante o exposto, requer-se a admissão da presente petição, com a consequente condenação do Estado Brasileiro, em face da violação, dentre outros, dos artigos 5º, 6º e 7º da Convenção Americana de Direitos Humanos, para o fim de ser determinado:

1) A expedição de medida cautelar para soltura imediata da Autora presa indevidamente; 

2) O processamento do recurso de apelação interposto no caso concreto;

3) Pedido de tutela provisória com urgência vislumbrando o perigo a vida e saúde da autora;

4) Indenização no valor de R$ 30 (trinta) mil reais, conforme prevê o artigo 10 da Convenção Americana, pelo fato de ter ocorrido evidente e grave erro judiciário, além do cerceamento indevido do direito de ir e vir, que agravou o abalo psíquico e emocional da autora, já existente antes pelas condições de escravidão submetidas e não verificadas pelos órgãos protetores, com sua vida de extrema pobreza e insalubridade;

6) E, finalmente, a responsabilização do Estado brasileiro pela violação dos direitos humanos fundamentais referentes ao devido processo legal e à preservação da dignidade humana, previstos na Constituição Federal, Convenção Americana de Direitos Humanos, Declaração Americana de Direitos Humanos e Carta da OEA, citados e fundamentados ao longo da presente.

Termos em que pede-se deferimento.

São Paulo/SP - 20 de abril de 2020.

 Amanda Egami  Luísa Greghi

 TIA: 41902841  TIA: 31941591

Sobre as autoras
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FACCA, Amanda Egami; GREGHI, Luísa. Petição referente à violação de direitos humanos:: Escravidão levada à Corte Interamericana de Direitos Humanos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6585, 12 jul. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/91799. Acesso em: 24 nov. 2024.

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