A ilegalidade do controle de frequência dos professores EBTTs

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Por Ricardo Russell Brandão Cavalcanti.

Defensor Público Federal, professor efetivo do IFPE, mestre e doutor em Direito, especialista em Ciência Política.

 

Introdução

O TCU emitiu o Aviso 1916/GP/TCU informando que acolheu proposição (...) no sentido de iniciar ação de controle para fiscalizar o efetivo cumprimento das jornadas de trabalho dos docentes e demais servidores no âmbito dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, em especial no controle eletrônico de frequência, sem prejuízo de verificar o cumprimento pelos docentes da carga horária de dedicação exclusiva de 40 horas. (Grifos Nossos).

A dúvida é: a referida decisão está em consonância com o nosso ordenamento jurídico?

É o que se pretende analisar no presente artigo por meio de uma metodologia exploratória e explicativa.

1.Dos Professores da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica

A lei Federal 11.892 de 2008 prevê o seguinte:

"Art. 1o Fica instituída, no âmbito do sistema federal de ensino, a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, vinculada ao Ministério da Educação e constituída pelas seguintes instituições:

I - Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia - Institutos Federais;

II - Universidade Tecnológica Federal do Paraná - UTFPR;

III - Centros Federais de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca - CEFET-RJ e de Minas Gerais - CEFET-MG;

IV - Escolas Técnicas Vinculadas às Universidades Federais; e 

V - Colégio Pedro II. (BRASIL, 2008)". 

Desse modo, conforme se percebe, as antigas escolas técnicas federais espalhadas por todo o Brasil foram reunidas para criar a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, a maior parte delas se transformando em Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia e outras, por uma opção política, mantendo a sua terminologia originária, como é o caso do Colégio Pedro II do Rio de Janeiro, previsto na própria Constituição da República como entidade integrante da Rede Federal e que é uma das instituições públicas de ensino básico mais antiga do Brasil, tendo sido criado no ano de 1837[1], possuindo, assim, mais de 180 anos.  

Dentro desse panorama, os professores da referida rede irão integrar a carreira de Professores do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico-EBTT, que, naturalmente, ao lado de algumas semelhanças, possuirá algumas características diferentes dos professores do Magistério Superior das Universidades Federais.

Naturalmente, não o há que se falar em uma carreira de professor ser mais importante do que a outra, mas sim em cada uma precisar ter uma caraterística própria condizente com as peculiaridades do seu alunado, tendo em vista que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional-LDB prevê: 

"Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. § 1º Esta Lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve, predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias. § 2º A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e a prática social. (BRASIL, 1996)." 

Assim, as diferenças entre os professores dos Institutos Federais e similares e os professores das Universidades Federais deverão levar em consideração a formação que cada instituição de ensino buscará dar aos seus alunos e alunas.

Nesse sentido, a título de exemplo, a LDB prevê:

"Art. 62.  A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura plena, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nos cinco primeiros anos do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade normal. (Grifos nossos) (BRASIL, 1996)".

Desse modo, como professores também do Ensino Básico, diferentemente dos professores das Universidades Federais, o professor EBTT deve ter formação em licenciatura ou uma formação complementar para lecionar no ensino básico[2], não bastando, como regra, ser meramente graduado na sua área de conhecimento.

Mas em relação ao controle de ponto, existe a mesma diferença entre professores das Universidades Federais e os professores dos Institutos Federais e similares? É o que veremos no próximo tópico.

2.Do controle de frequência para os professores do Magistério Superior

O decreto federal 1.590 de 1995 prevê o seguinte:

"Art. 6º (...) § 7º São dispensados do controle de freqüência os ocupantes de cargos:   (...) e) de Professor da Carreira de Magistério Superior do Plano Único de Classificação e Retribuição de Cargos e Empregos".

Conforme se percebe, os professores do Magistério Superior do serviço público federal não batem ponto e isso se dá porque a atividade do professor não começa quando ele entra em sala de aula nem termina quando ele sai da sala; assim como não começa quando ele inicia a escrita de um artigo nem termina quando o artigo é publicado, não havendo, assim, qualquer sentido nem qualquer possibilidade de fazer um efetivo controle de ponto da atividade docente.

Desse modo, já podemos dizer que a lógica para o professor EBTT é a mesma para os professores das Universidades Federais e que por causa disso ambos não devem bater ponto, o que nos faz crer também que o decreto 1590/95 só não falou expressamente em professores EBTTs porque a lei regulamentando essa última carreira só foi editada em 2012.

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De qualquer forma, como o referido decreto isenta de ponto os professores do Magistério Superior, para se ter plena convicção de que os professores EBTTs também são isentos de controle de frequência, urge a necessidade de saber se eles também são professores do Magistério Superior.

Assim, a lei Federal 12.772 de 2012, que regulamenta a Carreira de Magistério do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico e do Cargo Isolado de Professor Titular-Livre do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico, prevê o seguinte:

"Art. 10. O ingresso nos cargos de provimento efetivo de Professor da Carreira de Magistério do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico e da Carreira do Magistério do Ensino Básico Federal ocorrerá sempre no Nível 1 da Classe D I, mediante aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos. (Grifos nossos)".

Desta feita, o professor EBTT leciona no ensino básico, técnico e tecnológico e a LDB prevê seguinte:  

"Art. 44. A educação superior abrangerá os seguintes cursos e programas:       

I - cursos seqüenciais por campo de saber, de diferentes níveis de abrangência, abertos a candidatos que atendam aos requisitos estabelecidos pelas instituições de ensino, desde que tenham concluído o ensino médio ou equivalente;           

II - de graduação, abertos a candidatos que tenham concluído o ensino médio ou equivalente e tenham sido classificados em processo seletivo; (grifos nossos)".

"Art. 39.  A educação profissional e tecnológica, no cumprimento dos objetivos da educação nacional, integra-se aos diferentes níveis e modalidades de educação e às dimensões do trabalho, da ciência e da tecnologia.          

(...)

§ 2º  A educação profissional e tecnológica abrangerá os seguintes cursos: 

(..)

II de educação profissional técnica de nível médio;

III de educação profissional tecnológica de graduação e pós-graduação.    (Grifos Nossos).

Desse modo, a LDB prevê que os cursos de graduação são cursos superiores e prevê também que os cursos tecnológicos são cursos de graduação, ou seja: os cursos tecnológicos são cursos superiores.

Diante do aludido e dentro de um silogismo puro e simples podemos fixar o seguinte entendimento lógico: a partir do momento em que os professores EBTTs ensinam em cursos tecnológicos, que são cursos superiores, não existe qualquer dúvida de que eles são professores do Magistério Superior também e, nos termos do 1.590 de 1995, não estão sujeitos ao controle de frequência.

Conclusão

Em face de um juridiquês exagerado[3], comumente os juristas usam a seguinte expressão: "ubi eadem ratio", "ibi eadem legis dispositio", que em tradução livre quer dizer: onde há a mesma razão, aplica-se o mesmo direito.

Desse modo, as mesmas razões que justificam um professor ou uma professora de uma universidade federal não bater ponto justificam que os professores de um instituto federal também não tenham o controle de frequência.

Entretanto, a questão aqui vai além de uma equiparação quanto ao tema em relação aos professores federais, tendo em vista a existência de várias necessárias diferenças, mas o fato é: a legislação federal prevê que a professora e o professor do magistério superior não sofrem controle de jornada e, por expressa disposição legal, as professoras e professores EBTTs também exercem o magistério superior.

Desta feita, o entendimento do TCU buscando o controle de frequência das professoras e professores EBTTs deve ser rechaçado, ainda que por intermédio do Poder Judiciário.

REFERÊNCIAS

BRASIL, Lei nº 11.892/2008, de 29 de dezembro de 2008. Institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, cria os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. Disponível em:  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11892.htm Acesso em: 15 de junho de 2020.

BRASIL, Lei nº 9394/1996 de 220 de dezembro de 1996. Lei de diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm .Acesso em 15 de junho de 2020.

 


[1]Fonte: http://www.cp2.g12.br/historia_cp2.html. Acesso em 05/09/2022.

[2]Sobre a referida formação complementar, já a abordamos no seguinte artigo: https://jus.com.br/artigos/83193/a-formacao-complementar-docente-dos-professores-graduados-nao-licenciados-da-rede-federal-de-educacao-profissional-cientifica-e-tecnologica

[3]Sobre a crítica ao juridiquês sugiro outro artigo de nossa autoria: https://jus.com.br/artigos/92777/manifesto-do-jurista-informalista

Sobre o autor
Ricardo Russell Brandão Cavalcanti

Doutor em Ciências Jurídicas-Públicas pela Universidade do Minho, Braga, Portugal (subárea: Direito Administrativo) com título reconhecido no Brasil pela Universidade de Marília. Mestre em Direito, Processo e Cidadania pela Universidade Católica de Pernambuco. Especialista em Ciência Política pela Faculdade Prominas. Especialista em Direito Administrativo, Constitucional e Tributário pela ESMAPE/FMN. Especialista em Filosofia e Sociologia pela FAVENI. Especialista em Educação Profissional e Tecnologia pela Faculdade Dom Alberto. Capacitado em Gestão Pública pela FAVENI. Defensor Público Federal. Professor efetivo de Ciências Jurídicas do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco - IFPE.

Informações sobre o texto

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