A inconstitucionalidade e ilegalidade decorrentes da permissão aos planos de saúde quanto à negativa de execução de procedimentos ainda que não regulamentados pela ANS e a ofensa ao artigo 196 da CF e das Leis 8.080 de 19 de setembro de 1990

Exibindo página 1 de 2
06/09/2022 às 09:23
Leia nesta página:

RESUMO: A presente pesquisa teve por objetivo trazer algumas considerações acerca da defesa e garantia do direito à saúde no ordenamento constitucional brasileiro desde o Brasil Império, bem como delinear os pressupostos jurídicos de interpretação das normas atinentes à garantia fundamental à saúde, trazida pelo Artigo 196 da Constituição Federal de 1988, além da regulamentação do Sistema Único de Saúde (SUS), trazido pela Lei 8.080 de 19 de setembro de 1990 em seus artigos 1º e seguintes, e sua relação com a Lei de Concessões (Lei 8.987 de 13 de fevereiro de 1995) em seus artigos 1º; 2º; 6º e 7º) bem como na Lei 9.656 de 3 de junho de 1998, o Decreto 3.237 de 5 de janeiro de 2000 em seu artigo 3º, a Resolução Normativa RN Nº 465 de 24 de fevereiro de 2021, expedida pela Agência Nacional de Saúde (ANS), e as decisões prolatadas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento do AgInt no REsp 1764928 / RN; AgInt no REsp 1981786 / SP, e a constitucionalidade da negativa decorrente do status do Art. 196 da Constituição Federal de 1988 como cláusula pétrea.

Palavras-chave: Direito à Saúde; Resolução Normativa; Agência Nacional de Saúde.

ABSTRACT: The present research aimed to bring some considerations about the defense and guarantee of the right to health in the Brazilian constitutional order since the Empire Brazil, as well as to outline the legal assumptions for the interpretation of the norms related to the fundamental guarantee to health brought by article 196 of the Federal Constitution of 1988, the regulation of the single health system brought by law 8,080 of September 19, 1990 in its articles 1 and following, its relationship with the concessions law (law 8,987 of February 13, 1995) in its articles 1; 2; 6 and 7), in law 9,656 of June 3, 1998, decree 3,237 of January 5, 2000 in its article 3, Normative Resolution - RN No. 465 of February 24, 2021 issued by the National Health AGENCY (ANS) and the decisions handed down by the Superior Court of Justice (STJ) in the judgment of AgInt in REsp 1764928 / RN; AgInt in REsp 1981786 / SP, and the constitutionality of the denial arising from the status of Art. 196 of the Federal Constitution of 1988 as a stony clause.

Keywords: Right to Health; Normative Resolution; National Health Agency.

SUMÁRIO:

1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO À SÁUDE NO BRASIL 

2. PANORAMA ATUAL DA SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL COM O ADVENTO DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 

3. DA POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO, DELEGAÇÃO OU AUTORIZAÇÃO PARA OPERAÇÃO DO SISTEMA DE SAÙDE PELA INICIATIVA PRIVADA COM O ADVENTO DA CONSTITUIÇÃO DE 1988

4. DA AUTORIZAÇÃO DE OPERAÇÂO DOS PLANOS DE SAÚDE NA LEI DE CONCESSÕES 

5. DA REGULAMENTAÇÃO DO SERVIÇO DE SAÚDE PELO CDC 

5.1) DAS ESPÉCIES DE SERVIÇO OFERTADOS PELOS PLANOS DE SAÚDE NO BRASIL 

6. DA LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA REGULAMENTADORA DOS PLANOS DE SAÚDE NO BRASIL

7. DAS ATRIBUIÇÕES DA AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR ANS ENQUANTO REGULADORA DO SISTEMA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE SAÚDE PELAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO (PLANOS DE SAÚDE) 

8. DA DESIGNAÇÃO LEGAL DO MICROSSISTEMA QUE ENGLOBA OS PLANOS DE SAÚDE NO PAÍS 

9. DA NECESSIDADE DE REGULAMENTAÇÃO DOS PLANOS DE SAÚDE PELO ESTADO PARA COIBIR ABUSOS 

10. DA INTERDEPENDÊNCIA DAS LEGISLAÇÕES REGULADORAS DOS PLANOS DE SAÚDE E O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR 

11. DO CONCEITO DE HIPOSSUFICIÊNCIA PARA O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR 

12. DA INTERPRETAÇÃO DOS CASOS PELO PODER JUDICIÁRIO 

13. ROL DE EVENTOS E PROCEDIMENTOS EM SAÚDE 

14. DA RESPONSABIILIDADE CIVIL DO ESTADO ENQUANTO GESTOR DOS PLANOS DE SAÚDE 

15. DA PREVISÃO CONSTITUCIONAL DE REPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO ENQUANTO REGULADOR E GESTOR DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE - SUS 

15.1) DAS MODALIDADES DE DOLO TRAZIDAS NA DOUTRINA 

16. DO CARÁTER DE ESSENCIALIDADE DO SERVIÇO DE SAÚDE SEGUNDO O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR CDC 

17. DA INCONSTITUCIONALIDADE DECORRENTE DA NEGATIVA DE CONCESSÃO DE ATENDIMENTO URGENTE AO BENEFICIÁRIO CONTRANTANTE DE PLANOS DE SAÚDE 

18. DO SIGILO MÉDICO OBRIGATÓRIO 

18.1) O SIGILO PROFISSIONAL E A LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS: 

19. CONSIDERAÇÕES FINAIS 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO À SÁUDE NO BRASIL

Como é cediço, a saúde nos dias atuais é trazida como garantia fundamental, e nos tempos do Brasil Colônia não havia até então uma previsão oriunda da Coroa Portuguesa. Antes da chegada dos navios europeus ao Brasil, o território era ocupado unicamente por povos indígenas que já tinham algumas enfermidades, mas a colonização portuguesa trouxe diversas outras comuns na Europa que não existiam por aqui. Isso causou um grande problema de saúde entre a população, já que os nativos não tinham imunidade para combater determinadas enfermidades e, como consequência, milhares deles morreram.

Nessa época, a preocupação com o desenvolvimento da área da saúde no Brasil era praticamente nula. Não havia infraestrutura e quem precisava buscar auxílio geralmente recorria a pajés, curandeiros ou boticários que viajavam de maneira informal e sem qualquer planejamento público.

            Com a chegada da família real portuguesa e de sua corte em 1808, quando estavam tentando escapar da tropa de Napoleão Bonaparte, o Brasil começou a receber mais investimento em infraestrutura. Uma das primeiras medidas foi a criação dos cursos universitários de Medicina, Cirurgia e Química.[1]

Em 1822, D. Pedro II declarou a independência do Brasil. Como imperador, transformou escolas em faculdades, fundou órgãos para fiscalizar a higiene pública e, especialmente na capital da época, Rio de Janeiro, promoveu diversas mudanças para higienizar o centro urbano. Durante esse período, a vacina contra a varíola foi instaurada para todas as crianças, houve a criação do Instituto Vacínico do Império e medidas foram tomadas para controlar a disseminação da tuberculose, da febre amarela e da malária.

Após a abolição da escravatura, em 1888, e a instauração da República do Brasil, em 1989, o país continuava sofrendo com epidemias e falta de saneamento básico. Sanitaristas nacionais, com destaque para Oswaldo Cruz, começaram a buscar soluções para melhorar esse cenário.

Para impedir que essas doenças se espalhassem, o governo destruiu casas, desalojou pessoas e tornou a vacinação obrigatória, o que ocasionou uma revolta em 1904. Carlos Chagas sucedeu a Oswaldo Cruz e conseguiu avançar com menos oposição popular.

Durante o período getulista houve mudanças no sistema para centralizar a saúde pública brasileira. O Ministério da Educação e Saúde foi criado e aplicou algumas iniciativas para controlar epidemias e endemias. A Constituição de 1934 concedeu assistência médica e “licença-gestante” para trabalhadoras.

O Ministério da Saúde foi criado em 1953 com o objetivo de definir políticas públicas de saúde e melhorar o atendimento em zonas rurais. Na época também aconteceram as primeiras conferências sobre saúde pública no Brasil, que tiveram um papel muito importante ao levantar a discussão sobre a criação de um sistema de saúde para toda a população, garantindo que o acesso à saúde fosse universal.

Durante a ditadura militar em 1970, apenas 1% do orçamento da União era destinado à saúde, e os cortes orçamentários resultaram na intensificação de doenças como dengue, meningite e malária. Para reverter a situação, o governo criou o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), unindo todos os órgãos previdenciários que funcionavam desde 1930 e melhorando o atendimento médico. Além disso, foram definidos o Conselho Consultivo de Administração da Saúde Previdenciária (CONASP), o Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Saúde (CONASS) e o Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS). Mais tarde, eles ajudaram na criação do Sistema Único de Saúde (SUS).

Durante os 389 anos da Colônia e do Império, pouco ou nada foi feito com relação à saúde. Não havia políticas públicas estruturadas, muito menos a construção de centros de atendimento à população. Além disso, o acesso a tratamentos e cuidados médicos dependia da classe social: pessoas pobres e escravos viviam em condições árduas e poucos sobreviviam às doenças que eram contraídas. As pessoas nobres e colonos brancos, que tivessem terras e posses, tinham maior facilidade de acesso a médicos e remédios da época. Portanto, suas chances de sobrevivência eram maiores.

A saúde sofreu com o corte de verbas durante o período de regime militar e doenças como dengue, meningite e malária se intensificaram. Houve aumento das epidemias e da mortalidade infantil, até que o governo buscou fazer algo. Uma das medidas foi a criação do INPS, que foi a união de todos os órgãos previdenciários que funcionavam desde 1930, a fim de melhorar o atendimento médico

Passou-se a enxergar a atenção primária de pacientes cada vez mais como responsabilidade dos municípios, enquanto os casos mais complexos eram responsabilidade dos governos estadual e federal.

De acordo com o Dr Gilson de Carvalho, houve[2]:

projetos privatizantes como o do Vale Consulta e para as regiões mais pobres uma reedição da Fundação Sesp denominado Programa de Interiorização de Ações e Serviços de Saúde (Piass). O Piass não se implantou por falta de vontade política dos governos à época. Tinha mais virtudes que defeitos. Faltou interesse público para levá-lo à frente (CARVALHO, 2013, p. 8).

2. PANORAMA ATUAL DA SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL COM O ADVENTO DA CONSTITUIÇÃO DE 1988

O Sistema Único de Saúde (SUS) é uma grande conquista para a população brasileira e se tornou um modelo para outros países. Entretanto, a falta de investimento financeiro e o mau gerenciamento resultam em diversos desafios, como a falta de médicos e leitos nos hospitais e a grande espera para atendimento.

Como conseguir implantar um sistema universal de fazer saúde como os países da Europa iniciaram no pós-guerra dentro da política denominada welfare state? Como conseguir que o Estado brasileiro se responsabilizasse e garantisse esse direito de forma universal? Entre os vários protagonistas envolvidos nesta luta destacavam-se alguns: 

  • Movimentos populares – Em primeiro lugar, o cidadão politizado de bairros periféricos, principalmente de São Paulo, e que nenhuma cobertura tinha acesso à saúde e vivia as consequências de ser indigente.

Destacam-se nessa luta social do cidadão três grandes protagonistas: os movimentos populares, as associações de bairros e vilas e a Igreja Católica que sofria um choque de povo com a dita preferência pelos mais pobres. Nasciam na Igreja as Comunidades Eclesiais de Base, que também voltadas para o terreno de combate às iniquidades sociais traziam lutas pela justiça, sendo uma das bandeiras o direito à saúde. Essa efervescência começa a buscar por propostas concretas. Algo que não ficasse apenas no discurso ou na simples reivindicação.

  • Universidades – Outro protagonista veio das faculdades de Medicina com dois momentos inovadores.

O primeiro, a necessidade de colocar os estudantes em contato com a realidade local, saindo do ambiente hospitalar. Desenvolveu projetos de integração docente assistencial. O segundo, a transformação dos antigos departamentos de higiene em departamentos de medicina social, mais engajados com a realidade.

O debate continuava e as experiências e modelos práticos aconteciam Brasil afora. A crise da previdência na década de 1980 provocou que se levasse a cabo uma associação mais forte entre o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps) e os serviços públicos de saúde. Esses dois meios começaram a gerar profissionais com uma nova visão do Brasil e seu momento mais comprometidos com o social. Passamos a ter assim um outro protagonista dessa história, os médicos dedicados ao social, muitos deles especializados em saúde pública.

  • Partidos políticos progressistas – Na década de 1970 estava o Brasil colocado dentro dos limites do bipartidarismo estrito.

De um lado, a Arena, que era considerada o partido dos conservadores guiado pelos militares da ditadura. De outro lado, o MDB histórico, representando a resistência à ditadura, abrigando progressistas ditos de esquerda.

O MDB abrigava em suas fileiras todos os militantes da esquerda que eram impossibilitados de se constituírem como partidos. Todas as correntes ditas comunistas lá estavam. Nasce aí o que se denominou Ações Integradas de Saúde (AIS). O cerne: parceria da previdência com a saúde pública municipal e estadual; prestação de cuidados, principalmente primários ambulatoriais; transferência de recursos da previdência para que fossem realizadas essas ações pelos estados e municípios.

A partir de 1987, as AIS foram aprimoradas com o que se denominou Sistemas Unificados e Descentralizados de Saúde (SUDS), que durou até 1991 quando se implantou o Sistema Único de Saúde (SUS).

A discussão de uma proposta inovadora e universal com a comunidade e os técnicos resultou naquilo que se denominou Projeto da Reforma Sanitária. Foi emprestada a Tancredo Neves e apropriada como Proposta de Saúde da Nova República.

Ainda com o advento da constituição de 1988, a discussão continuou, pois nem todas as questões eram prontamente absorvidas pelos constituintes.

O Sistema Único de Saúde nasce num grande acordo entre conservadores e progressistas. Para entender exatamente o que representa o SUS, analiso a seguir suas definições básicas como saúde seus objetivos, suas funções e seus princípios e diretrizes técnico-assistenciais e gerenciais. A base desta análise é exclusivamente a Constituição Federal (CF) Art.193-200 e as Leis 8.080 e 8.142.

3. DA POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO, DELEGAÇÃO OU AUTORIZAÇÃO PARA OPERAÇÃO DO SISTEMA DE SAÙDE PELA INICIATIVA PRIVADA COM O ADVENTO DA CONSTITUIÇÃO DE 1988

A iniciativa privada é autorizada a operar o sistema de saúde no Brasil obedecendo ao regime de complementaridade dos serviços privados ao Sistema Único de Saúde (SUS), mediante contrato ou convênio, conforme disposto no Art. 199[3], § 1º, da Constituição Federal (CF)[4] e no Art. 24[5] da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990.

O regime de complementaridade dos serviços privados aos serviços públicos de saúde tem sido discutido de maneira bastante simplificada, requerendo maior aprofundamento em razão da lei mencionada no parágrafo acima, que agora exigirá esforços no sentido de melhor situar a complementaridade na saúde pública, devido às características essenciais dos serviços de saúde, por decorrerem de direito fundamental, essencial à manutenção da vida e da garantia de sua dignidade. A política de saúde e os serviços dela decorrentes são regidos pelos artigos 196 a 200 da CF e por um conjunto de leis que lhes dão configuração técnico-administrativa bastante diferenciada dos demais setores públicos no tocante à sua organização e ao seu funcionamento.

Por determinação constitucional, o SUS é um sistema que integra ações e serviços públicos de saúde, em rede regionalizada e hierarquizada, o qual pode contar de forma complementar com os serviços privados de saúde, com ou sem fins lucrativos, com preferência para estes últimos 

4. DA AUTORIZAÇÃO DE OPERAÇÂO DOS PLANOS DE SAÚDE NA LEI DE CONCESSÕES

A própria CF, ao permitir que o setor privado nela atue, por não ser considerada como monopólio nem exclusividade pública, referiu-se à “assistência à saúde” e não ao termo “saúde” lato sensu. O setor privado não pode, por exemplo, atuar na proteção pública da saúde, atividade reservada à vigilância em saúde, privativa do poder público.

O Art. 4º[6] da Lei nº 8.080/1990[7], bem como o Art. 24, reforça o entendimento de que a complementaridade de serviços é um regime diferenciado do regime de parceria e fomento, conforme vimos acima no tocante ao seu elemento orçamentário. A complementaridade na Lei nº 8.080/1990 está definida no § 2º [8]do Art. 4º.

A Lei de Concessões (Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995[9]) não traz em seu corpo nenhuma determinação ou comando direto no que tange à autorização para operação dos planos de saúde, porém traz regras gerais para tais atos.

Diante de tais considerações podemos aquilatar que o disposto na Lei de Concessões pode ser aplicado por analogia ao caso de operação dos planos de saúde pela iniciativa até por conta da incidência do princípio da proteção ao consumidor. Seriam necessários regramentos sobre essa complementaridade, tendo em vista tratar-se de uma rede pública de saúde, integrada pelo setor privado, lucrativo ou não, os quais se sujeitam a regras próprias de contratação, nunca reguladas. 

O fundamento principal da complementaridade está na “insuficiência” dos serviços públicos para a garantia da assistência à saúde ao cidadão de uma determinada área e, como consequência, na existência desses serviços no setor privado.

Havendo comprovada insuficiência, a rede pública poderá ser complementada pelos serviços privados, que passarão a integrá-la nos limites de sua insuficiência, com preferência na contratação dos serviços das entidades sem finalidades lucrativas. Isso significa dizer que a instituição privada irá prestar os seus serviços nas suas próprias instalações, observadas as diretrizes do SUS.

Os critérios e valores de remuneração são definidos pela direção nacional do SUS e aprovados no Conselho Nacional de Saúde, sem distinção de remuneração para serviço privado lucrativo ou sem fins lucrativos. Ambos se sujeitam ao que usualmente se denomina tabela de procedimentos do SUS. Os critérios e valores para a remuneração de serviços e os parâmetros de cobertura assistencial já eram definidos pelo Inamps em tabela, e assim continuaram, com modificação ao longo do tempo.

O SUS manteve, no início, o mesmo procedimento de pagamento e foi garantido, na lei, que seus preços fundar-se-iam em demonstrativo econômico-financeiro – em razão da alta inflação da época –, de garantia da qualidade, submetendo-se às normas técnicas e administrativas e aos princípios e diretrizes do próprio SUS, sendo mantido, ainda, o equilíbrio econômico-financeiro do contrato.

São elementos do regime de complementaridade, conforme a Lei nº 8.080/1990:

a-) insuficiência de serviços públicos;

b-) existência de serviços privados;

c-) pagamento fundado em tabela de preço;

d-) celebração de contrato ou convênio, com preferência para as entidades sem fins lucrativos;

e-) observância das diretrizes do SUS.

5. DA REGULAMENTAÇÃO DO SERVIÇO DE SAÚDE PELO CDC

A Dra. Vanessa dos Santos Vieira [10]nos explica que, em que pese as normas acima mencionadas, todo e qualquer fornecedor – inclusive os de serviços de assistência à saúde – têm sua atividade regida pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), inclusive, tal entendimento foi consolidado em julgamentos do Superior Tribunal de Justiça, motivo pelo qual restou editada a Súmula 469[11], posteriormente cancelada e substituída pela Súmula 608, que determina: Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão.

Como é sabido, o CDC estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, garantindo e resguardando os direitos básicos de nossas vidas, como por exemplo, a saúde.

5.1) DAS ESPÉCIES DE SERVIÇO OFERTADOS PELOS PLANOS DE SAÚDE NO BRASIL

As Operadoras de Autogestão trabalham com planos de assistência à saúde destinados exclusivamente a empregados ativos, aposentados, pensionistas ou ex-empregados de uma ou mais empresas ou a participantes de associações de pessoas físicas ou jurídicas, fundações, sindicatos, entidades de classes profissionais ou assemelhados e seus dependentes. São entidades sem fins lucrativos, cujas regras de funcionamento foram estabelecidas em 2006, pela Resolução Normativa (RN) n.º 137 da Agência Nacional de Saúde (ANS) e atualizadas no ano seguinte pela RN n.º 148. Por sua natureza, elas estão impedidas de comercializar planos de saúde para o público em geral, devendo manter seu foco em um grupo fechado de pessoas de uma mesma classe profissional ou que tenham vínculo empregatício com a empresa que as instituíram, patrocinam ou mantêm.

Outra modalidade de operadora de planos de saúde são as Administradoras de Benefícios, que são pessoas jurídicas que propõem a contratação de plano coletivo na condição de estipulante ou que preste serviços para pessoas jurídicas contratantes de planos privados de assistência à saúde coletivos, desenvolvendo atividades previstas em regulamentação específica. Estão definidas na RN n.º 196/2000, expedida pela ANS.

Basicamente, as administradoras são responsáveis apenas pela administração de planos de saúde financiados por outras operadoras. Sendo assim, por não contarem com rede própria, credenciada ou referenciada de serviços médico-hospitalares ou odontológicos, elas não correm os riscos decorrentes da operação desses planos.

Os planos administrados devem ser disponibilizados para as pessoas jurídicas legitimadas para contratá-los, cabendo à administradora oferecer apoio técnico na discussão de aspectos operacionais, como negociação de reajuste, aplicação de mecanismos de regulação pela operadora ou alteração de rede assistencial.

Outra modalidade de plano de saúde são as Cooperativas Médicas que podem ser definidas como “sociedades sem fins lucrativos coordenadas por profissionais de Medicina e que operam planos de saúde que incluam serviços médicos” (RN ANS  196/2000, 2000). Uma cooperativa médica deve ser constituída conforme as regras estabelecidas na Lei 5.764 de 16 de dezembro de 1971[12], que define a Política Nacional de Cooperativismo. As operadoras enquadradas nessa modalidade são autorizadas a comercializar planos de assistência médico-hospitalar para pessoas físicas ou jurídicas, além de constituir rede de serviços própria e contratar terceiros.

As Cooperativas Odontológicas, da mesma forma que as Cooperativas Médicas, são sociedades sem fins lucrativos constituídas dentro das regras da Política Nacional de Cooperativismo. A diferença é que elas operam exclusivamente planos de assistência odontológicas e devem ser coordenadas por profissionais de Odontologia.

Outra modalidade de operação de planos de saúde é a de Medicina em Grupo, que pode ser definida como aquelas empresas ou entidades que operam planos de saúde cujas características não se adequam às outras modalidades definidas. Elas são autorizadas a comercializar planos de saúde tanto para pessoas físicas quanto para pessoas jurídicas, além de contar com estrutura própria ou contratada para o uso dos beneficiários, incluindo consultórios médicos, hospitais, laboratórios e clínicas.

Da mesma forma, as Operadoras De Odontologia de Grupo são aquelas empresas ou entidades que atuam exclusivamente com planos odontológicos, sem, contudo, estarem constituídas como cooperativas. Assim como ocorre com a Medicina em Grupo, as operadoras nesta modalidade são autorizadas a comercializar seus planos para pessoa física ou jurídica, além de constituir uma rede de serviços própria ou contratar terceiros.

Por último e não menos importante, agora temos as Operadoras de Filantropia[13], que podem ser conceituadas e definidas como:

Entidades sem fins lucrativos que operam planos privados de assistência à saúde e são certificadas junto ao Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), com declaração de utilidade pública pelo Ministério da Justiça e pelos órgãos dos governos estaduais e municipais[14] (CONHEÇA as modalidades, 2022).

Neste contexto temos também as Seguradoras Especializadas em Saúde, que são “sociedades com fins lucrativos que comercializam seguros de saúde e oferecem a seus usuários o reembolso das despesas médico-hospitalares ou odontológicos” (CONHEÇA as modalidades, 2022).

Conforme determina a Lei 10.185 de 12 de fevereiro de 2001, elas somente serão autorizadas a operar planos de saúde se estiverem constituídas como seguradoras especializadas nesse tipo de seguro. Portanto, seus estatutos sociais devem vedar sua atuação em quaisquer outros ramos ou modalidades de seguro.

Diferente dos planos de saúde, o consumidor do seguro tem um contrato (apólice) que define as condições e os limites de reembolso, bem como a cobertura e a abrangência geográfica dos serviços.

As seguradoras não possuem rede própria para a assistência dos segurados, operando por meio de uma rede terceirizada de prestadores de serviços. Além disso, devem oferecer aos segurados o direito de escolher estabelecimentos ou profissionais de saúde não referenciados pela seguradora.

6. DA LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA REGULAMENTADORA DOS PLANOS DE SAÚDE NO BRASIL

Nos casos dos contratos cujo objeto é o plano/assistência de saúde, temos regulamentação da Lei de Planos de Saúde (Lei nº. 9.656/1998), as resoluções da Agência Nacional de Saúde (ANS), o Estatuto do Idoso e da Pessoa com Deficiência, dentre outras, conforme narrado anteriormente. Assim podemos concluir que a gestão do sistema de prestação de serviços de saúde no Brasil funciona como um sistema ainda que previsto em legislação diversa da reguladora do Sistema Único de Saúde (SUS).

Ainda levando em conta o contido no Artigo 196 da Constituição da República Federativa do Brasil e o caráter de garantia fundamental dado à saúde do cidadão, a Lei 9.656/1998[15] obrigou os planos de saúde a atenderem brevemente quaisquer situações descritas como emergenciais pelos profissionais de saúde sem quaisquer exigências. A exemplo de atendimento emergencial hospitalar, podemos citar o acidente vascular cerebral, conhecido como AVC. Ainda que o paciente esteja em período de carência, o convênio médico está obrigado a prestar todo e qualquer tipo de procedimentos/coberturas, caso contrário, a garantia à vida e saúde estaria desprotegida e desamparada, o que poderia trazer sérios e graves prejuízos ao paciente, senão irreversíveis.

Outra situação bastante corriqueira é a negativa à internação de emergência. Neste caso, o convênio médico também poderá responder judicialmente e ser obrigado a indenizar o contratante lesado por submetê-lo a tal transtorno, afinal, negando-lhe o atendimento para tratamento de determinada enfermidade, sem prover a prestação dos cuidados necessários e, diga-se, contratados, estará colocando a sua integridade em risco.

Logo, o fornecimento de serviços de saúde está submetido e resguardado pelas regras constantes no Código de Defesa do Consumidor e, ainda que os contratos deste serviço possuam cláusulas com previsões, prazos e limitações de carência e coberturas/procedimentos, certamente aceitas no ato da contratação, a garantia à saúde deve sempre ser priorizada, sob pena de responsabilização dos danos decorrentes da recusa e/ou omissão.

                                   

7. DAS ATRIBUIÇÕES DA AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR – ANS ENQUANTO REGULADORA DO SISTEMA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE SAÚDE PELAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO (PLANOS DE SAÚDE)

A Agência Nacional de Saúde (ANS) terá por finalidade institucional promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, regulando as operadoras setoriais, inclusive quanto às suas relações com prestadores e consumidores, contribuindo para o desenvolvimento das ações de saúde no país.[16]

Ao estudarmos a relação entre operadoras de planos de saúde e prestadores de serviços, na verdade, estamos analisando o fulcro do maior objetivo desejado pelo cliente ao subscrever um plano de saúde: a segurança de ter acesso aos serviços de saúde. Portanto, o plano de saúde seria o meio e o serviço de saúde, o fim.

O Poder Público, de sua parte, contemplou da margem oposta a evolução da saúde suplementar no Brasil. Em período anterior à Lei 9656/98, os consumidores passaram a ser mais protegidos com a adoção do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e do sistema consubstanciado nos PROCON – Órgão de Defesa e Proteção ao Consumidor estaduais e municipais.

O acolhimento de demandas pelos PROCON beneficiou os consumidores em seus conflitos com as Operadoras de Planos de Saúde. Mesmo assim, a atuação desses organismos estatais mostrou-se insuficiente para regular as relações entre consumidores e Operadoras.

Como tutor pleno (como tem sido com o setor público), onde legisla, planeja, executa, compra, financia e fiscaliza os serviços de saúde? Como um observador pleno permite o exercício do livre mercado?  A resposta seria como regulador e fiscalizador (como vem fazendo através da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS), atuando como co-partícipe do sistema.

Então, em torno das diretrizes estratégicas definidas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), as operadoras de planos de saúde, prestadores de serviços, usuários e demais agentes dessa cadeia, deverão estar gravitando e desenvolvendo esforços para, com a participação de todos, realizar as reformas necessárias.

Acrescente-se, na agenda, a articulação com os órgãos de defesa do consumidor e observe-se que foram incorporadas novas atribuições à ANS – como a de monitorar a evolução de preços de planos de assistência à saúde e seus prestadores de serviços.

O desenvolvimento das diretrizes com foco na defesa do usuário, certamente é outro ponto fundamental dessa equação. Não podemos, além de reconhecer a vulnerabilidade do usuário frente a todas as variáveis do sistema, ignorar que a população brasileira, para ter acesso à saúde suplementar, faz um pagamento por um direito que não deveria ser. Isso porque a constituição brasileira lhe assegura o acesso universalizado, igualitário, integral e gratuito ao sistema público de saúde, princípios que, intrinsecamente, pressupõem qualidade da assistência.

A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) priorizou, claramente, a sua ação de proteção aos usuários junto às Operadoras de Planos de Saúde, praticamente abandonando as faces do relacionamento que se estabelecem junto aos prestadores de serviços.

Com as luzes voltadas para a relação com as Operadoras de Planos de Saúde, a regulamentação criou um elenco enorme de novas regras que trouxeram grande impacto no setor. Com a finalidade de contextualizar a análise da relação entre operadoras de planos de saúde e prestadores de serviços, sem nenhuma intenção de esgotá-las, algumas dessas novas regras são extremamente relevantes. O foco está colocado naquelas que criaram uma clivagem na antiga sustentação econômico-financeira das Operadoras:

  • ampliação das coberturas assistenciais, não admitindo qualquer tipo de exclusão ou de exceção, mesmo em planos exclusivamente ambulatoriais. Naturalmente essa regra levou ao atendimento de uma demanda maior por procedimentos de complexidade, antes realizados no setor público;
  • expansão dos direitos dos usuários e proibição de rompimento unilateral dos contratos nos planos individuais, proibição da recontagem dos prazos de carência, da seleção de risco e da exclusão indiscriminada de usuários. Mesmo os contratos antigos não podem ser rescindidos unilateralmente;
  • rigoroso monitoramento de preços e das condições de reajuste, com regras de proteção ao consumidor. Retiram-se, então, as possibilidades de recuperação do equilíbrio econômico nas bases antes realizadas, ou seja, utilizando o realinhamento da receita através dos reajustes por desequilíbrio ou por sinistralidade, redução da massa de expostos, exclusão dos contratos deficitários e de maiores controles de acesso e cobertura assistencial;
  • estabelecimento do pagamento de multas pelo não cumprimento contratual e pela desobediência da legislação regulamentadora;
  • integração do sistema de saúde suplementar ao SUS, estabelecendo as normas de ressarcimento pela utilização dos recursos públicos;
  • exigências de solidez empresarial, impedindo Operadoras de recorrer à concordata e de seus credores pedirem falência. As Operadoras somente podem ser liquidadas a pedido da ANS e, também estão sujeitas a constituição de reservas e garantias de capacidade econômico-financeira para cumprimento dos contratos.

A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) é a grande representante do Estado e, portanto, da sociedade. Deverá ser o grande agente público, com autonomia, inteiramente ativo no seu papel de regulamentar a relação entre os 60 interesses do Estado, como sociedade, e o capital privado.

As operadoras de planos de saúde e prestadores de serviços deverão criar as condições necessárias para que o setor de saúde suplementar seja fortalecido, dentro das condições inalienáveis de garantir os direitos, o acesso e a qualidade da assistência prestada aos usuários.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

O cidadão hoje, desde que possua recursos suficientes, pode ter acesso à saúde por meio:

(I)      do acesso universal e gratuito à rede pública, com financiamento compartilhado entre as três esferas de governo, prestado diretamente ou por intermédio da rede credenciada;

(II) da rede particular financiada, indiretamente, mediante renúncia fiscal e, diretamente, pelo pagamento dos serviços utilizados, sendo uma realidade apenas para uma parcela ínfima da população que tem condição de arcar com os altos custos médico-hospitalares sem prejuízo de sua subsistência;

(III) do sistema de saúde suplementar mediante a contratação de um plano de saúde, para usufruir de uma rede de atendimento em saúde previamente definida;

(IV) seu acesso é garantido apenas a uma parcela da população (atualmente cerca de 25% da população brasileira possui um plano de saúde), em virtude da necessidade de renda suficiente para encontrar uma mensalidade que se ajuste ao orçamento. Ainda que com características diferentes, os componentes públicos e privados estão interconectados na prestação dos serviços, não sendo incomum, especialmente em se tratando de rede hospitalar, que um estabelecimento atenda concomitantemente aos pacientes do SUS, da saúde suplementar e particulares.

8. DA DESIGNAÇÃO LEGAL DO MICROSSISTEMA QUE ENGLOBA OS PLANOS DE SAÚDE NO PAÍS

A designação mais usual, e adotada pela legislação, para designar o microssistema que engloba os planos de assistência à saúde no Brasil é saúde suplementar, embora etimologicamente seja inadequada sua utilização. O termo suplementar pressupõe preencher, inteirar o que está incompleto, o que não é o caso do Brasil, que possui um sistema de saúde público de atendimento integral e universal.

A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) divide os sistemas privados de saúde em suplementar, complementar, duplicado e principal. A classificação é feita levando em consideração o desenvolvimento do setor público de saúde e da política governamental para o setor de saúde. Uma categoria não exclui a outra, podendo o setor de assistência à saúde ter características de mais de uma categoria no mesmo país.

Por essa classificação, o Brasil não possui um sistema privado de saúde suplementar – o que pressupõe a cobertura de serviços não disponibilizados pelo sistema público –, mas sim um sistema duplicado, em que os serviços são semelhantes aos ofertados pelo setor público, mas com acesso a diferentes profissionais e prestadores de saúde, ou com uma maior liberdade na escolha deles.

Como se trata de sistemas que funcionam paralelamente, em que o acesso se dá, via de regra, pela escolha do beneficiário, existe a previsão de ressarcimento ao SUS quando o atendimento na rede pública era previsto em cobertura assistencial contratada pelo consumidor de plano de saúde.

Após o advento do Código de Defesa do Consumidor, no início dos anos 1990, abusos praticados pelos planos privados de atenção à saúde começaram a ficar mais evidentes e foram explicitados nos índices de reclamação nos órgãos criados para a defesa do consumidor, despontando um sem-número de demandas quanto a reajustes indevidos e cláusulas abusivas e obscuras nos contratos, permitindo às operadoras exclusão de procedimentos, negativas de cobertura, limitação temporal em internações etc.

Visando regulamentar o sistema de saúde suplementar e, por outro lado, fiscalizar mais efetivamente e dar maior proteção aos consumidores, foi promulgada a Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998, que regula os planos e seguros privados de assistência à saúde. Entre a aprovação do projeto na Câmara e o início de sua discussão no Senado, houve a mudança do entendimento do governo em relação à saúde suplementar.

No Senado Federal, o senador José Serra, então Ministro da Saúde, propôs a aprovação integral do Projeto de Lei Substitutivo, assumindo a responsabilidade de editar medida provisória para tratar dos tópicos polêmicos ou omissos, entre eles a criação de órgão específico para a regulação do setor vinculado ao Ministério da Saúde.

Assim, o projeto foi sancionado e promulgado, e no dia seguinte foi editada a Medida Provisória nº 1.665/1998, alterando substancialmente o texto original, tendo posteriormente 44 reedições (até a última, por meio da MP 2177-44, de 24 de agosto de 2001, em vigor por força do Art. 2º da Emenda Constitucional nº 32, embora ainda, formalmente, tramite no Congresso Nacional).

Entretanto, a partir do advento da Lei nº 9.656/1998, diversas práticas encontradas nos contratos – como a limitação temporal em internação hospitalar – passaram a ser vedadas, em evidente proteção aos consumidores, bem como as operadoras passaram a ter que garantir a seus usuários uma cobertura mínima, prevista em um rol de procedimentos em saúde.

Hoje em dia, longe de ser um serviço de excelência, os planos privados de saúde suplementar recebem reclamações não muito diferentes daquelas ouvidas em relação ao SUS. Com aproximadamente 47 milhões de consumidores (julho de 2019), a garantia de atendimento eficiente e célere é uma ilusão ante a insuficiência da rede e os altos custos da saúde. Entretanto, sua indispensabilidade é inequívoca, em vista da impossibilidade de o sistema público suprir integralmente a demanda existente.

O setor da saúde suplementar é formado por uma intricada relação entre diversos agentes, e reclamações são constantes de todas as partes: consumidores em relação a reajustes abusivos e à negativa de cobertura; prestadores de serviços de saúde quanto às suas remunerações, que não acompanham o aumento dos custos dos serviços prestados; e operadoras, em razão de não possuírem condições de manter o serviço de qualidade sem a possibilidade de ajustar livremente a mensalidade e em virtude do excesso de exigências regulatórias do setor.

9. DA NECESSIDADE DE REGULAMENTAÇÃO DOS PLANOS DE SAÚDE PELO ESTADO PARA COIBIR ABUSOS

Ante a necessidade de regular o mercado de uma forma mais harmônica e de uma melhor aplicação da Lei de Planos de Saúde, foi criada a Agência Nacional de Saúde Suplementar (por meio da Medida Provisória nº 1.928, de 25 de novembro de 1999, convertida na Lei n° 9.961, de 28 de janeiro de 2000), autarquia sob regime especial, que atua como órgão de regulação, normatização, controle e fiscalização das atividades que envolvem a assistência suplementar à saúde. As ações regulatórias geram consequências para a sociedade e a economia, e podem ter um efeito positivo (resolução de conflitos sociais) ou negativo (custos desnecessários).

Para atenuar os possíveis efeitos negativos, estabelece-se a necessidade de a tomada de decisão nesse campo ser pautada em análise racional, e não política. É nesse contexto que se inclui a Análise de Impacto Regulatório (AIR), prevista no Art. 5º da Medida Provisória nº 881/2019, considerado um instrumento que visa a melhoria da qualidade regulatória.

A AIR pressupõe uma análise dos benefícios, custos e impactos, reais ou potenciais, de medidas regulatórias, sendo utilizada para melhorar a qualidade da tomada de decisão sobre tais medidas. É um processo que questiona propostas regulatórias e justifica as opções a serem tomadas pelos órgãos. Não há dúvidas da necessidade de haver uma regulação mais rígida do setor de saúde suplementar tanto por se tratar de um mercado que envolve direito fundamental quanto pela existência de assimetria de informação.

A assimetria de informação abrange os diversos vértices da relação: consumidores, operadoras e prestadores de serviços em saúde. E sem a perfeita informação, a qualidade dos produtos ofertados e os preços por eles exigidos afastam-se do ótimo.

10. DA INTERDEPENDÊNCIA DAS LEGISLAÇÕES REGULADORAS DOS PLANOS DE SAÚDE E O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Os consumidores possuem informações (ou indicativos relevantes) sobre suas condições de saúde, mas cabe aos profissionais de saúde prescrever os tratamentos mais adequados.

As operadoras têm dificuldades em precisar os riscos de determinado beneficiário adoecer e, em certo grau, de avaliar se os procedimentos prescritos pelos prestadores em saúde são os necessários e adequados ao caso concreto.

Os consumidores, em maioria, também não têm capacidade técnica para compreender todas as cláusulas contratuais, nem para avaliar se o plano poderá suprir suas reais necessidades de atendimento. Assim, há espaço para comportamentos que distorcem o sistema, como a seleção adversa (consumidores que potencialmente utilizam os serviços com mais frequência tendem a aderir aos planos de saúde, o que leva à entrada de pacientes de maior risco, não servindo a população em geral como referência para mapear o perfil de beneficiários) e o risco moral (em que prestadores de serviço em saúde, dependendo dos incentivos oferecidos e da forma de remuneração, solicitam a utilização de serviços nem sempre necessários).

As operadoras, por sua vez, buscam criar mecanismos de seleção de risco e monitoramento de utilização dos planos para tentar limitar o uso dos procedimentos em saúde.

Ou seja, os efeitos da assimetria de informação pressionam o preço do produto, sendo imprescindível a regulação para trazer melhor equilíbrio e reduzir o conflito existente entre os atores envolvidos no sistema de saúde suplementar. O acesso aos serviços de saúde suplementar pressupõe a existência de um contrato que vincula o consumidor (individual ou coletivamente) a uma operadora de planos de saúde. Assim, o plano privado de assistência à saúde é o contrato de prestação continuada de serviços ou cobertura de custos assistenciais a preço pré ou pós-estabelecido, por prazo indeterminado, com a finalidade de garantir, sem limite financeiro, a assistência à saúde, pela facilidade de acesso e atendimento por profissionais ou serviços de saúde livremente escolhidos mediante pagamento direto ao prestador, por conta e ordem do consumidor, às expensas da operadora ou mediante reembolso.

A essência dos planos de saúde, portanto, é a cobertura contratual financeira das despesas associadas a doenças e a acidentes pessoais que afetem a saúde do beneficiário, os quais são, por sua vez, eventos indesejados, imprevisíveis e de natureza aleatória, isto é, assemelham-se aos contratos de seguros, seguindo os mesmos princípios técnicos, econômicos, financeiros e atuariais.

O contrato de plano de saúde é típico contrato de adesão, não tendo o consumidor qualquer ingerência nas cláusulas elaboradas pelas operadoras de saúde. Entretanto, a liberdade da operadora em definir os termos do contrato não é ampla, na medida em que, para comercializarem os produtos, deve haver um conteúdo mínimo, previsto na regulação da ANS.

A lei define determinados direitos e obrigações, e a operadora somente possui uma margem maior no estabelecimento de cláusulas quando ofertar serviços mais abrangentes do que o plano-referência. Conforme a Lei nº 9.656/1998, os contratos devem indicar com clareza: (a) as condições de admissão; (b) o início da vigência; (c) os períodos de carência; (d) os eventos cobertos e excluídos; (e) o regime de contratação; (f) a franquia, os limites financeiros ou a coparticipação; (g) os bônus, descontos ou o agravamento da prestação; (h) a área de abrangência geográfica; (i) os critérios de reajuste e revisão da prestação e o número de registro da ANS.

Por sua natureza, os contratos de plano de saúde possuem um trato sucessivo e contínuo, não raro, mantendo entre as partes um vínculo por muitos anos, e têm por finalidade assegurar ao contratante a cobertura em saúde prevista, mediante o pagamento de um preço fixo (ao qual pode haver acréscimos em razão da coparticipação), sendo os serviços prestados por uma rede de assistência em saúde (própria, contratada, cooperada etc.).

Trata-se também de um contrato bilateral, comutativo, oneroso e aleatório, na medida em que não se pode afirmar se as partes obterão a vantagem econômica que almejam no contrato. Os valores iniciais são definidos atuarialmente e o contrato pressupõe uma solidariedade entre seus usuários, apesar de ser uma relação direta entre consumidor e operadora, ligados pelo mutualismo para garantir que os custos dos cuidados com a saúde poderão ser suportados pela operadora.

As relações existentes para o cumprimento do plano de assistência à saúde são mais abrangentes envolvendo, além do consumidor (beneficiário) e das operadoras de planos de saúde, os prestadores de serviços de saúde.

Assim temos três vértices principais:

1. O consumidor ou beneficiário, ou seja, a pessoa física, titular ou dependente, que possui direitos e deveres com a operadora. Não existe impedimento para que se contrate mais de uma operadora e/ou para que se adquira mais de um produto da mesma operadora, cada qual constituindo um vínculo distinto.

            2. As operadoras de planos de saúde, ou seja, a pessoa jurídica de natureza privada constituída sob a modalidade empresarial, de associação, fundação, cooperativa ou entidade de autogestão, que opera ou comercializa planos privados de assistência à saúde, e registradas perante a ANS.

3. Os prestadores de serviços em saúde, que formam a rede de atendimento ao beneficiário, abrangendo hospitais, clínicas, laboratórios e demais profissionais de saúde.

11. DO CONCEITO DE HIPOSSUFICIÊNCIA PARA O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Após discorrermos sobre a estrutura da ANS, bem como a relação da mesma com os conceitos de prestação de serviço e consumidores, faz-se necessário que passemos a conceituar o que seria uma parte hipossuficiente para fins de proteção do CDC. 

A definição de consumidor para o CDC está em seu Artigo 2º que assim dispõe:

Art. 2º Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo (CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, 1990, p. 1).

Assim, entende-se por Consumidor Hipossuficiente aquele que se encontra em situação de impotência ou de inferioridade na relação de consumo, isto é, está em desvantagem em relação ao fornecedor, decorrente da falta de condições de produzir as provas em seu favor ou comprovar a veracidade do fato constitutivo de seu direito.

Nota-se que no caso dos planos de saúde isso fica muito claro, uma vez que em sua esmagadora maioria os consumidores são pessoas físicas e muitas vezes não possuem conhecimento técnico para interpretar os contratos de prestação de serviços oriundos desta prestação de serviço qual seja atendimento imediato à sua saúde.

O consumidor por princípio (Inciso I, Artigo 4º, CDC)[17] é vulnerável perante o fornecedor de produtos e serviços, uma vez que este, no sistema capitalista, impõe sua vontade no mercado de consumo.

Podemos identificar quatro tipos de vulnerabilidade do consumidor:

a)         TÉCNICA: o consumidor não possui conhecimentos específicos sobre o produto ou serviço, seja com relação às suas características ou à sua utilidade;

b)         JURÍDICA (OU CIENTÍFICA): reconhece o legislador que o consumidor não possui conhecimentos jurídicos, de contabilidade, de economia, matemática financeira e outros, por exemplo, acerca dos juros cobrados;

c)         FÁTICA (SOCIOECONÔMICA): o fornecedor é o detentor do poderio econômico, encontrando-se em posição de supremacia;

d)        INFORMACIONAL (DA INFORMAÇÃO): que decorre da vulnerabilidade técnica, mas que deve ser tratada de forma autônoma, por força da dinâmica que as relações de consumo têm diante da era digital, onde o acesso à informação foi ampliado de forma a ser determinante para a decisão de compra do consumidor, assim, a proteção a vulnerabilidade informacional do consumidor pressupõe o controle da qualidade da informação transmitida pelos fornecedores (e não a sua quantidade).

Estas vistas de forma clássica, contudo, com a evolução da sociedade há de se notar uma quarta forma de vulnerabilidade a da informação. Assim, o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor é a principal razão da existência e do desdobramento dos direitos previstos no Código de Defesa do Consumidor, preponderantemente protecionista, ou seja, se o consumidor é a parte vulnerável (mais fraca), faz-se mister equacionar sua relação perante o fornecedor (isonomia) e, portanto, deve-se protegê-lo.

Importante salientarmos que a doutrina evidencia a necessidade de se distinguir o princípio da vulnerabilidade do termo hipossuficiência. Para o Código de Defesa do Consumidor, todo consumidor é vulnerável, mas nem todo consumidor é hipossuficiente, visto que esta é analisada como requisito próprio para a possibilidade de inversão do ônus da prova, nos termos do Inciso VIII, do Artigo 6º, do CDC, que é um direito básico do consumidor.

Tal distinção se mostra necessária uma vez que a análise da vulnerabilidade – por ser um princípio – é objetiva, ou seja, ser consumidor é ser vulnerável, sendo, portanto, merecedor de toda a proteção do CDC. Já quanto à hipossuficiência, sua análise deve ser realizada de maneira subjetiva pelo juiz em cada demanda, posto que a consequência da sua existência é a decretação da inversão do ônus da prova a favor do consumidor.

12. DA INTERPRETAÇÃO DOS CASOS PELO PODER JUDICIÁRIO

Faz-se importante salientar que, nos termos do Art.143 do CPC[18] vigente, o magistrado poderá ser responsabilizado por eventuais danos que causar às partes, ainda que o estado não seja diretamente envolvido na relação paciente-plano de saúde, devemos levar em conta que o paciente pode acabar desaguando nos hospitais públicos em caso de doenças de alta complexidade e o Estado acabando por ter que arcar com a despesa e tendo assim prejuízo no erário que pode ser interpretado como dano.

Ainda que entendamos que o dispositivo do Artigo 143 do CPC esteja com sua eficácia suspensa, uma vez que a decisão proferida na ADPF 774 não abrange as ações de responsabilização civil do Estado propostas com base no Art. 5º, LXXV, da Constituição da República, tampouco aquelas propostas exclusivamente com base no artigo 49 da LOMAN e/ou no Art. 143 do CPC.

Outro impacto econômico que a regulação provocou no mercado de saúde suplementar foi previsto no Art. 32 da Lei de Planos de Saúde. Trata-se do ressarcimento ao SUS, ou seja, toda vez que uma pessoa vinculada a um contrato de plano de saúde é atendida no sistema público de saúde, a operadora deverá ressarcir as despesas daquele atendimento, desde que o procedimento realizado esteja coberto pelo contrato daquele usuário atendido no SUS. O principal fundamento do ressarcimento ao SUS é o princípio que veda o enriquecimento ilícito, na medida em que, se o cidadão contrata um plano de saúde, mas acaba por não se utilizar deste, estaria a operadora contratada a auferir um lucro injustificado.

 Após anos de discussão judicial, a questão somente foi decidida em definitivo recentemente no Recurso Extraordinário nº 597.064/RJ, ao qual foi dada repercussão geral e o STF, em 15 de maio de 2018, fixou a seguinte tese:

É constitucional o ressarcimento previsto no art. 32 da Lei nº 9.656/1998, o qual é aplicável aos procedimentos médicos, hospitalares ou ambulatoriais custeados pelo SUS e posteriores a 4/6/1998, assegurados o contraditório e a ampla defesa, no âmbito administrativo, em todos os marcos jurídicos (STF – RE 597064. ÓRGÃO JULGADOR: TRIBUNAL PLENO; RELATOR: MIN. GILMAR MENDES; DATA DO JULGAMENTO: 07/02/2018; DJe: 16/05/2018).

13. ROL DE EVENTOS E PROCEDIMENTOS EM SAÚDE

O Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde é a cobertura mínima obrigatória de procedimentos e eventos em saúde que deve ser garantida por operadora de plano de saúde de acordo com a segmentação do plano em questão contratado. Além disso, ele prevê Diretrizes de Utilização (DUT), definida como o conjunto de critérios, clínicos ou não, que condicionam a obrigatoriedade de cobertura, pela operadora de determinados procedimentos ou eventos em saúde com a finalidade de estabelecer a melhor indicação para sua execução, estando a obrigatoriedade da cobertura condicionada à presença dos seus critérios atestada em declaração do profissional de saúde.

Atualmente o processo de atualização periódica do rol é previsto na Resolução Normativa no 439/2018, que prevê um ciclo de dois anos para cada revisão. Encontra-se fundamento legal na Lei de Planos de Saúde (Art. 10) que define o chamado plano-referência, cuja cobertura deve abranger todas as doenças previstas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID).

A própria Lei nº 9.656/1998 traz os procedimentos que não possuem cobertura obrigatória pelos planos de saúde:

I.       tratamento clínico ou cirúrgico experimental;

II.      procedimentos clínicos ou cirúrgicos para fins estéticos, bem como órteses e próteses para o mesmo fim;

III. inseminação artificial;

IV. tratamento de rejuvenescimento ou de emagrecimento com finalidade estética;

V. fornecimento de medicamentos importados não nacionalizados;

VI. fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar (exceto tratamentos antineoplásicos ambulatoriais e domiciliares de uso oral, procedimentos radioterápicos para tratamento de câncer e hemoterapia);

VII. fornecimento de próteses, órteses e seus acessórios não ligados ao ato cirúrgico;

VIII. tratamentos ilícitos ou antiéticos, assim definidos sob o aspecto médico, ou não reconhecidos pelas autoridades competentes; e

IX. casos de cataclismos, guerras e comoções internas, quando declarados pela autoridade competente.

A majoritária jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça considera que o rol não pode ser entendido como exaustivo, mas meramente exemplificativo, já que todas as doenças constantes do CID e todas as ações necessárias à prevenção das doenças e à recuperação, manutenção e reabilitação da saúde devem estar abrangidas pela cobertura do plano.

Um exemplo recente é o Agravo Interno no REsp 1760883/CE, julgado em 12/8/2019, pelo ministro Marco Aurélio Belizze do STJ, que no acórdão refere que

é abusiva aquela [cláusula] que exclui o custeio dos meios e materiais necessários ao melhor desempenho do tratamento indicado pelo médico, voltado à cura de doença com cobertura contratual” e que “não se pode excluir um tratamento simplesmente por não constar da lista de procedimentos da ANS, haja vista se tratar de rol meramente exemplificativo e que, por isso, não afasta o dever de cobertura do plano de saúde (STJ REsp 1760883/CE; ÓRGÃO JULGADOR :3ª TURMA; DATA DO JULGAMENTO: 12/8/2019; DJe: 20/08/2019).

Ao desconsiderar o rol de procedimentos, baseando-se no fundamento de que não seria taxativo, leva-se à conclusão lógica de que se pode, judicialmente, ampliar a cobertura. Com o objetivo de promover justiça ao caso concreto, existe o risco de que o equilíbrio das relações entre a operadora de plano de saúde e seus consumidores seja abalado.

14. DA RESPONSABIILIDADE CIVIL DO ESTADO ENQUANTO GESTOR DOS PLANOS DE SAÚDE

A Constituição Federal de 88 estabelece, no parágrafo 6º do Artigo 37, a responsabilidade das pessoas jurídicas de direito público e de direito privado prestadoras de serviços públicos diante dos danos que seus agentes causarem a terceiros.

No caso do presente trabalho, ainda que partamos do pressuposto de que o Estado não teria responsabilidade civil direta pelos atos de seus prepostos ou representantes, tal argumento não passa de mera conjectura. Tanto é que, para que os planos de saúde devam seguir as diretrizes regulamentares estabelecidas e expedidas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), esses devem também obedecer ao que disposto no Código de Ética Médico e na legislação (Códigos Penal e Civil). Porém, percebe-se que, ao consumidor, enquanto administrado e sujeito às normatizações decorrentes da legislação (leis ordinárias, portarias e resoluções da ANS), a legislação específica sobre o tema – seja a Constituição Federal de 1988, o Código de Defesa e Proteção do Consumidor ou até mesmo a legislação correlata – busca a proteção do consumidor quanto às normas tangentes à responsabilidade civil do Estado decorrente da má prestação do serviço pelas operadoras dos planos de saúde. Outro aspecto não menos relevante é o de que as operadoras dos planos de saúde operam por autorização da ANS e que estão sujeitas às normas gerais de prestação de serviços públicos, tendo a ANS papel de órgão fiscalizador e regulamentador da atividade decorrente da operação dos planos de saúde.

Sobre o conceito de responsabilidade civil do Estado, é de bom alvitre esclarecer que as operadoras de planos de saúde fazem parte do microssistema de atendimento aos serviços de saúde tendo como essência a suplementação ou complementação.

A análise da relação estabelecida entre as operadoras de planos e seguros de saúde evidencia uma modalidade especial de avença: trata-se de relação de consumo, já que as operadoras e seguradoras, prestando o serviço objeto de contratação de maneira reiterada e mediante remuneração, enquadram-se perfeitamente no conceito de fornecedores, conforme dispõe o Art. 3º, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor. Aliás justamente tendo em vista a efetiva incidência de relação de consumo, o Art. 3º da Lei 9656/98 determina expressamente a aplicação subsidiária do Código do Consumidor.[19]

Além dos planos de saúde propriamente ditos, temos também as seguradoras, modalidade de seguro-saúde que funciona através do reembolso das despesas com procedimentos médico-hospitalares realizadas pelos seus segurados, que têm a possibilidade de serem responsabilizadas civilmente.

Por fortes, no evidenciar a responsabilidade do fornecedor de serviços, assim como colaborar na compreensão do que sejam os componentes deste tipo de atividade econômica, vão aqui expostos, do Código de Defesa do Consumidor, Lei nº8.078/90, os textos do caput e parágrafo 2º, do seu Artigo 3º, ipsis verbis:

Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de (…) prestação de serviços.

§2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista (CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, 1990).

E o caput do seu Artigo 14:

“O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação de serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos (CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, 1990).

Neste conceito de fornecedor estão as operadoras privadas de planos de saúde, como se depreende do magistério de Fernanda Schaefer (2003):

As operadoras de planos e seguros são pessoas jurídicas de direito privado, consideradas pelo ordenamento como fornecedoras ou prestadoras de serviços típicas que desenvolvem atividade subordinada à tutela do Código de Defesa do Consumidor (colocação no mercado de produtos e serviços de assistência privada à saúde, em consonância com o disposto na Lei 9.656/98)[20] (SCHAEFER, 2003, p. 72).   

A realidade, em termos de responsabilidade civil, se inseriu no âmbito de cogência das normas públicas como o Código de Defesa do Consumidor, como alude Fernanda Schaefer, “a responsabilidade civil das operadoras, há muito, deixou de ser regida por normas privadas, estando hoje subordinada às normas de ordem pública, inderrogáveis, pela vontade das partes” (SCHAEFER, 2003, p. 79).

A doutrina encara a prestação de serviços privados em saúde como um serviço público. Serviço público este delegado pelo Estado, mas serviço público. Isto incluiria clínicas, hospitais e planos de saúde, ou seja, as instituições privadas de saúde.

Na área do Direito Administrativo, Hely Lopes Meirelles (1998) diz que:

Serviços Públicos Próprios são aqueles que se relacionam intimamente com as atribuições do poder público”, e Serviços Públicos Impróprios são aqueles que a Administração os presta remuneradamente, por seus órgãos ou entidades descentralizadas (autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações governamentais), ou delega sua prestação a concessionários, permissionários ou autorizatários (MEIRELLES, 1998, p. 287).

Esses serviços normalmente são rentáveis e podem ser realizados com ou sem privilégio (não confundir com monopólio), mas sempre sob regulamentação e controle do poder público competente. Assim, como trata-se de serviços públicos impróprios, entende o autor que deve o Estado, como poder regulador e concedente do serviço de saúde pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), garantir aos seus administrados a melhor qualidade na prestação de serviços de saúde no que tange à entrega à população e inclui-se nesta vertente a colaboração do Poder Judiciário, conforme se abordará mais profundamente adiante.

Da prestação destes serviços privados de saúde aos pacientes, emerge, nesta relação de consumo que é contratual, a presença de uma cláusula de incolumidade, ou seja, o usuário dos planos de saúde não pode sofrer danos em seu atendimento médico-hospitalar.

O plano de saúde privado será responsável por danos, não só oriundos de suas próprias atividades e condutas, como já vimos, devido à solidariedade, mas também de acordo com as teorias da responsabilidade civil denominadas “in elegendo” e in vigilando” pelos danos causados por aqueles profissionais e serviços diversos, tanto sejam próprios quanto credenciados ou referenciados que prestam atendimento aos seus associados, isto é, segurados, beneficiários, usuários.

Na responsabilidade civil “in eligendo”, o plano é responsável pelos danos causados pelos atos daqueles que foram selecionados, “eleitos”, para prestar o serviço pelo qual o plano de saúde se comprometeu com o paciente. Na responsabilidade civil “in vigilando” o plano de saúde é responsável por coordenar e fiscalizar o atuar daquele que exerce as atividades pelas quais ele se comprometeu com o contratante do plano de saúde. Isto, sempre, tanto no plano técnico como moral.

O que fica evidente na lição de Marilise Kostelnaki Baú (1999) quando a autora cita que há no contrato de prestação de serviço médico por parte do contratado as seguintes obrigações: dever de vigilância, de dispor de pessoal capacitado às atividades propostas, de zelar, constantemente, pela qualificação e aprimoramento, de implementar mecanismos de controle de qualidade da prestação do serviço de saúde (BAÚ, 1999, p. 34).

Deverá a empresa esclarecer, principalmente, quanto ao aparato médico disponível em cada hospital ou clínica, assim como solidarizar-se com o médico prestador do serviço na comunicação sobre os riscos, prognóstico e técnicas de tratamento mais usadas em cada doença.

Destarte, deduz-se ser o consentimento informado integrante do ato médico, isto é, sem dúvida, o dever é do médico-prestador, porém, o plano de saúde poderia cooperar nesta importante função de elucidação dos diversos riscos e efeitos indesejados de um tratamento.

15. DA PREVISÃO CONSTITUCIONAL DE REPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO ENQUANTO REGULADOR E GESTOR DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE - SUS

Inicialmente é necessário evidenciar que a responsabilidade civil do Estado decorre conforme dito anteriormente do Art. 37, § 6º da Constituição Federal que assim dispõe:

Constituição Federal de 1988:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

(...)

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998).

(...)

§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERARTIVA DO BRASIL, 1988).

A Constituição Federal estabelece em seu Artigo 37, § 6º, a responsabilidade objetiva da Administração Pública, na modalidade risco administrativo, quanto aos danos causados por seus agentes no desempenho da função pública.

Como se percebe, cabe ao Estado, através da pessoa jurídica acionada pelo particular, depois de indenizá-lo, verificar se o agente público agiu com dolo ou culpa, para só então mover-lhe a ação regressiva para a cobrança dos valores despendidos. Nesse passo, se o agente público não operou dolosa ou culposamente, incabível será a ação regressiva, pois nada terá a pagar:

o Estado indeniza a vítima, independentemente de dolo ou culpa desta, e o agente ressarce a Administração, regressivamente, se houver dolo ou culpa de sua parte, agente. [...] os efeitos da ação regressiva, sendo esta uma ação de natureza civil, transmitem-se aos herdeiros e sucessores do culpado. Portanto, mesmo após a morte do agente, podem seus sucessores e herdeiros ficar com a obrigação de reparar o dano (sempre respeitado o limite do valor do patrimônio transferido-CF, Art. 5º, XLV)[21] (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERARTIVA DO BRASIL, 1988).

Por esta teoria, o Estado responde pelos danos, independentemente da demonstração de dolo ou culpa, basta comprovar o dano e o nexo de causalidade, ressalvados os casos de omissão da Administração Pública, cuja indenização eventualmente cabível regula-se pela Teoria da Culpa Administrativa.

Nesse viés, torna-se imperioso verificar como se daria a responsabilização pessoal do agente público causador do dano, ou seja, o responsável pela ação ou omissão geradora da responsabilidade civil. Em uma interpretação literal do Art. 37, § 6º, da Constituição, pode-se dizer que a responsabilidade civil do Estado independe da presença de um elemento subjetivo, já a responsabilização civil do agente estatal provocador do dano pressupõe a prova do dolo ou culpa.

O Art. 37, § 6º, da Constituição da República Federativa da República de 1988 (C.R.F.B.), ao dispor sobre a Administração Pública, preconiza que

as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERARTIVA DO BRASIL, 1988).

Infere-se que a responsabilidade da Administração Pública decorre da ação (ou omissão) de seus agentes, sendo certo que o Estado deverá responder, de forma objetiva, sempre que do seu funcionamento regular ou irregular decorrer algum prejuízo para terceiros, ou seja, sempre que constatado o fato do serviço.

Especificamente no que concerne à responsabilidade do Estado por ato omissivo, é preciso averiguar se o Estado, no caso em apreço, estava obrigado a atuar e nada fez, tendo, de sua inércia, decorrido o dano, ou se o Estado tinha o deve de evitar o resultado danoso e se omitiu injustificadamente e viabilizou a causação do dano por ato de terceiro ou por ação da natureza, pois, na primeira hipótese, segundo a doutrina majoritária, seria suficiente a constatação do fato administrativo para que o Estado venha a responder civilmente, ao passo que, no segundo, se faz necessário comprovar a chamada omissão específica do Estado, ou seja, demonstrar que, além da omissão, o Estado, na qualidade de garantidor do bem jurídico, se omitiu e concorreu para a ocorrência do resultado com a sua omissão.

 A regra geral contida no Art. 37, § 6º, da C.R.F.B., deve ser analisada em conjunto com o Art. 5º, LXXV, que prevê a indenização apenas quando o ato jurisdicional é falho – erro na sentença, ou quando falha o serviço.

Com as mais respeitosas e devidas “vênias”, quando o poder judiciário se coloca a apreciar um caso concreto onde está a se definir o destino de uma pessoa enquanto destinatário de algum serviço essencial, leia-se necessitando de atendimento médico de urgência, não poderia o julgador ater-se a fatores econômicos, uma vez que que a saúde para a Constituição Federal é tida como uma garantia fundamental a ser ofertada pelo Estado enquanto gestor dos serviços de saúde como um todo, sejam eles através de delegações, autorizações ou concessões (planos de saúde), bem como os prestados por ele diretamente (hospitais públicos e centros de saúde). 

Logo, com esteio nos regramentos das leis infraconstitucionais, tem-se que o Estado somente responderá quando o juiz agir com dolo, fraude (Art. 143, I, do CPC e Art. 49, I, da LOMAN) ou culpa grave, essa indicada pela negligência manifesta (Art. 143, II, do CPC e Arts. 49, II e 56, I, da LOMAN), ou, ainda, quando demonstrada a incapacitação para o desempenho da função (Art. 56, III, da LOMAN).

No mais, quando a lei nos determina que o Estado responderá somente quando o juiz agir com dolo ou fraude, necessário se faz distinguir as modalidades de dolo presentes na doutrina como passaremos a fazer adiante.

15.1) DAS MODALIDADES DE DOLO TRAZIDAS NA DOUTRINA

O dolo eventual e a culpa consciente são dois institutos do Direito Penal parecidos, com muita dificuldade de distinção e com efeitos práticos diferentes. Ambos ocorrem quando o agente, ao realizar uma conduta, prevê o risco de ocorrer ofensa a um bem jurídico penalmente tutelado e continuando agindo, ocorrendo a dita ofensa. Só se diferencia o dolo eventual da culpa consciente pois no primeiro o agente aceitou o risco, enquanto no segundo acreditou sinceramente na sua não ocorrência.

E, como tal diferenciação é praticamente impossível se descobrir no campo prático, por não se conseguir adentrar na mente do autor dos fatos, mister é descobrir outra forma de diferenciar o dolo eventual da culpa consciente.

Para o professor Rogério Greco (2006)[22], “dolo é a vontade e consciência dirigidas a realizar a conduta prevista no tipo penal incriminador” (GRECO, 2006). O dolo eventual e a culpa consciente são dois institutos do Direito Penal praticamente idênticos, difíceis de enxergar no caso concreto – muita das vezes, mesmo os retirando dos fatos –, e sempre passíveis de causar injustiça.

Se os fatos deram ao aplicador da lei a certeza de que o agente, naquela situação determinada, assumiu o risco da lesão, será imputado a este o dolo eventual. Caso contrário, ser-lhe-á aplicada a culpa consciente.

Diante de tais considerações, imperioso fazer-se uma pergunta: “Mas e quando o aplicador da lei por ato de exercício de seu ‘mister’ causa dano a outrem, ainda que culposamente, este deveria responder ainda que na via de regresso por eventuais danos causados às partes por sua decisão?”.

Em que pesem os entendimentos em contrário, pode-se dizer ainda que apenas argumentativamente que sim, uma vez que o magistrado investido de suas funções não estaria imune a causar danos, seja às partes num processo ou a terceiros que possam ser atingidos por aquela decisão.

Por exemplo, num determinado caso concreto se o magistrado não autoriza a realização de um procedimento apenas por não estar previsto no rol da Agência Nacional da Saúde (ANS), e a parte solicitante da tutela jurisdicional vem a falecer no curso do processo, ainda que culposamente o magistrado agiu e mesmo que se leve em conta que estaria amparado por uma portaria ou resolução da ANS, há de se lembrar da hierarquia das leis onde a portaria estaria na base da pirâmide.

Assim faz-se necessária uma abordagem histórico-conceitual sobre a definição do conceito de pirâmide normativa onde essa adota o modelo kelseniano a princípio dispondo a hierarquia normativa conforme o desenho abaixo

Figura 1 – Pirâmide Normativa[23]

Fonte: Jusbrasil.com.br

Conforme pode-se perceber, as resoluções estão em último lugar no que tange à aplicabilidade de seu conteúdo estando direta e irrestritamente vinculadas ao restante das normas positivas presentes no direito brasileiro, tendo assim que estar em perfeita sincronia com o disposto em normas hierarquicamente superiores, caso contrário seriam totalmente ineficazes e inúteis para o fim ao qual se especificam.

A forma gráfica triangulada é adequada pois representa não só a circunstância da hierarquia em si (umas normas sobre as outras), como a proporção numérica existente entre as espécies escalonadas (há mais normas subordinadas que normas subordinantes).

No cume da pirâmide, sozinha acima de todas as outras, está a norma de maior hierarquia. Conforme descemos os graus hierárquicos há aumento no número de normas inferiores, chegando-se, por fim, a uma base ampla, em que as normas de menor hierarquia se enquadram.

A CF/88 reina solitária no cume. Sendo o ápice da hierarquia, é ela quem valida as demais normas no nosso Ordenamento Jurídico: se há norma que contrarie a CF/88, essa norma não pode ter seu cumprimento exigido no Brasil.

Se várias (duas ou mais) normas jurídicas tratam de um mesmo assunto, mas de maneiras diferentes entre si, há aí um “conflito de normas”. Qual norma deverá ser usada, então?

Uma das possíveis formas de achar a resposta é observar qual a posição das normas dentro da Pirâmide de Kelsen. Nesse critério, a norma que está numa hierarquia superior será a usada.

Preambularmente feitas tais digressões, procedamos a adequação do conceito acima transcrito para o caso aqui debatido.

Como já é cediço, o dolo eventual se consubstancia em o agente assumir o risco já conhecido, ou seja, conhece a possibilidade de sua conduta causar um resultado lesivo, continua a agir, pouco se importando se ocorrerá ou não o dito resultado, que vem a ocorrer. E quando está se julgando a aplicabilidade de uma norma ao caso concreto deve o magistrado ater-se a tal aspecto sob pena de responsabilização pessoal por eventuais danos causados.

16. DO CARÁTER DE ESSENCIALIDADE DO SERVIÇO DE SAÚDE SEGUNDO O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – CDC

O Serviço Essencial Público é uma atividade assumida pelo Estado ou então por seus delegados. Esses serviços se tornam essenciais pelo fato de suprir a necessidade de uma coletividade.

Neste sentido, a Lei nº 8.078/90[24], nominada Código de Proteção e Defesa do Consumidor, que visa amparar as relações de consumo, traz em seu Artigo 22 o amparo legal para que não ocorra a interrupção destes serviços, mesmo com o consumidor inadimplente, ou seja, deve haver a continuidade do serviço[25].

Em contrapartida ao Código de Defesa do Consumidor, a Lei nº 8.987/95, denominada Lei de Concessão, permite o rompimento de serviços de natureza essencial, desde que o usuário seja notificado mediante aviso prévio do desligamento dos serviços.

Diante disso, pode ser verificado que ocorre uma divergência entre as normas vigentes, no entanto, como dito acima, a corrente majoritária entende que serviços essenciais não podem ser interrompidos.

É preciso esclarecer que o Código de Defesa do Consumidor não quis instigar a inadimplência do consumidor, até porque se o consumidor não deixar de arcar com o pagamento, recai sobre ele multa, mora, entre outros sansões cabíveis, e sim resguardar as relações de consumo entre consumidor e fornecedor, deixando claro que nenhum direito pode ser violado, mantendo uma simples concretização da Justiça e buscando proteger a parte mais frágil da relação.

Outrossim, importante abrir um parêntese para citar o Art. 10 da Lei de Greve que elenca um rol de serviços essenciais[26].

Outro aspecto não menos relevante é o de que se o serviço de saúde é tido como essencial, este não pode sofrer limitações ou cortes apenas porque os planos de saúde são instituições privadas, tanto é que este é previsto como essencial na Lei de Greve e no CDC como dito alhures.

Ainda que admitamos a não autorização de determinado procedimento por este não estar incluído no rol da Agência Nacional de Saúde (ANS), seria necessária a comprovação pelo plano de saúde que este seria um procedimento estético ou ainda eletivo, segundo o parecer de um profissional de saúde e não apenas por mera liberalidade do governo enquanto gestor do sistema de saúde e seu regulador ou até mesmo do magistrado enquanto autoridade responsável pela aplicação da lei ao caso concreto.

Assim, tendo por premissas estas considerações e ainda numa leitura literal do Artigo 143 II do CPC, Artigo 22 do CDC e, por fim, Artigo 10 da Lei de Greve, podemos concluir que caso o magistrado entenda divergentemente do profissional de saúde que indicou o tratamento à parte e negue-se a conceder a tutela provisória ou definitiva necessária à realização do mesmo, este deve responder pelo dano causado, com prejuízo inclusive de responsabilidade penal decorrente do seu ato ainda que praticado com culpa.

17. DA INCONSTITUCIONALIDADE DECORRENTE DA NEGATIVA DE CONCESSÃO DE ATENDIMENTO URGENTE AO BENEFICIÁRIO CONTRANTANTE DE PLANOS DE SAÚDE

A partir da década de 1970, em paralelo ao movimento de redemocratização do país, começou a se consolidar no Brasil o Movimento de Reforma Sanitária. Em torno desse movimento, professores universitários, estudantes, variados setores populares, trabalhadores e profissionais da saúde provenientes das diversas regiões do país iniciaram a construção de um pensamento político que pudesse romper com a situação da época. Vale lembrar que, antes da CF/88, a população que não tivesse vínculo formal de trabalho recebia atendimento de instituições filantrópicas (entidades privadas), quando existentes ou disponíveis.

Nesse contexto, o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) foi criado em 1976 e, dez anos depois, com a conquista da democracia, foi realizada a 8ª Conferência Nacional de Saúde[27], que reuniu cerca de 4 mil pessoas – refletindo um processo de discussão iniciado em pré-conferências preparatórias estaduais e municipais que produziram textos, debates e mesas-redondas que culminaram em um relatório final. Do relatório final, depreende-se que o conceito de direito à saúde é amplo e está relacionado com as determinantes sociais da saúde: educação, trabalho, moradia, alimentação, participação popular, acesso universal e igualitário, entre outros.

O texto final, aprovado pela Assembleia Constituinte, manteve o fio condutor da proposta apresentada pela Subcomissão. E, assim, emergiu o ramo do Direito Sanitário brasileiro, baseado em um conceito amplo de saúde que permeia diversos setores (medicamentos, alimentos, saneamento básico, meio ambiente e trabalho, assistência médica e hospitalar), fundamentado no acesso universal, na igualdade, na integralidade e na participação social e, organizado por meio de um sistema único de saúde, descentralizado e regionalizado. No tocante ao setor privado, a redação final do texto constitucional foi modificada em pontos importantes.

A Ata da Subcomissão de Saúde, Seguridade e do Meio Ambiente da Constituição de 1988 indica que parte atuante da sociedade brasileira – como os representantes das entidades filantrópicas, das empresas de “medicina de grupo”, dos hospitais e dos estabelecimentos de saúde – teve participação importante na defesa da assistência à saúde durante os trabalhos da Assembleia Constituinte.

O consenso que restou estabelecido foi o de que as ações e serviços de saúde são de “relevância pública” e que a atuação do Estado sobre o setor privado (regulamentação, fiscalização e controle) deve ser definida por meio de lei.

Ora se a regulamentação do sistema de saúde deve ser de iniciativa legislativa, leia-se por meio de lei que a defina, não podem as resoluções da Agência Nacional de Saúde (ANS) restringi-las sob pena de afronta direta aos Artigos 196 “usque” 200 da Constituição Federal.

18. DO SIGILO MÉDICO OBRIGATÓRIO

O Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP), ao se posicionar sobre o tema, vem nos orientando:

A subjetividade dos termos consegue gerar grandes dilemas. Porém, para se chegar a uma decisão existem “pistas”, motivadas pela consciência do profissional e em sua convicção referente à atitude mais beneficente à vida humana como um todo. Por justa causa admite-se um interesse de ordem moral ou social que justifique o não cumprimento da norma (...) os motivos apresentados sejam, realmente, capazes de legitimar tal violação. Ainda que se identifiquem boas razões para a quebra do sigilo, o ato não deixa de ser uma violação ao pré-estabelecido com o atendido. Para tentar chegar à atitude mais justa, o médico precisa ponderar sobre o dano causado pela inviolabilidade do sigilo e o causado pela violação (INFORMATIVO CREMESP EDIÇÃO 289 - 01-02/2012 p.16).

Neste sentido o acadêmico da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Rodrigo, Resende Scarton, em artigo publicado no portal âmbito jurídico, declara

:

O segredo médico é um procedimento típico e inerente às profissões ligadas às ciências médicas. A natureza confidencial do relacionamento médico-paciente é aceita como da maior relevância e exigida pela sociedade como forma de proteção (SCARTON, 2019).

É de interesse social que os fatos da vida privada revelados pelos pacientes sejam resguardados, ocultados, isto é, sejam mantidos em segredo pelo médico, pois, do contrário, sem esse sigilo, poucas pessoas se arriscariam a procurar ajuda desses profissionais. De mais a mais, o Código Penal Brasileiro em seu Artigo 154 prevê e destaca que a revelação de segredo de que se tenha ciência em virtude de ofício ou profissão também caracteriza crime. É o que ocorre com as situações de doenças compulsórias, em que a falta de comunicação às autoridades competentes caracteriza crime, tipificado no Artigo 269 do Código Penal Brasileiro.

O mesmo vale quando se tratar de situação envolvendo menores, onde haja suspeita ou confirmação de maus tratos, conforme determina o Artigo 245 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Neste sentido, nos ensina a advogada Beatriz Fernandes, em sua obra O médico e seus direitos, que

o médico sabe que o que lhe é contado no consultório, bem como todas as informações sobre o doente, é sigiloso, consoante o que determina o artigo 102 do Código de Ética Médica: “É vedado ao médico: Art. 102 – Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por justa causa, dever legal ou autorização expressa do paciente (FERNANDES, 2000, p. 38).

Ainda neste ínterim continua nos explanando a advogada Beatriz Fernandes sobre o sigilo profissional: “Assim, exemplificando, o médico que, para salvar a vida do paciente diante de um perigo, quebra o sigilo profissional, está agindo em estado de necessidade de terceiro e com justa causa (FERNANDES, 2000, p. 38).

18.1) O SIGILO PROFISSIONAL E A LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS:

Outro aspecto não menos relevante é o de que, com o surgimento da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), algumas alterações foram trazidas conforme nos ensina a professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Renata Oliveira Almeida Menezes, em artigo publicado no portal Consultor Jurídico:

Antes da aprovação da Lei Geral de Proteção de Dados, se asseverava, sem incertezas, que o segredo médico, em si, não era tratado expressamente na legislação pátria; em que pese ser plenamente defensável à luz de direitos generalistas e que seguem a vertente principiológica dos direitos humanos. Essa realidade resultava, e ainda resulta, na constante suscitação de normas éticas, destinadas aos médicos – nem sequer a toda a equipe de saúde – para tratar da matéria em Direito (MENEZES, 2020).

 Neste mesmo sentido, continua a insigne professora, citando a docente Maria Cristina Cereser em sua obra A manipulação de dados pessoais nas relações de consumo e o sistema “crediscore”:

Apesar de ter tido sua gênese na questão clássica da inviolabilidade do domicílio, evoluindo para o sigilo de correspondência e comunicações em geral, o direito de segredo profissional resultou em um direito dotado de autonomia, e que fomenta a construção e desenvolvimento da personalidade, pautando-se na dignidade da pessoa humana (MENEZES, 2020 apud CERESER, 2015, p. 4).

19. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Fica claro que a atuação estatal no tocante aos serviços privados (fiscalização, regulamentação e controle) é norteada pelos princípios constitucionais previstos no Artigo 196 da CF/88 e pelo diálogo constante com os princípios constitucionais previstos no Artigo 198 da CF/88, no sentido de contribuir e jamais prejudicar a implementação do Sistema Único de Saúde.

Por outro lado, deve-se ter muita cautela também ao analisar judicialmente o cumprimento ou não das obrigações atinentes ao atendimento à população pelos planos de saúde, vez que estes integram em sua maioria a iniciativa privada, e dado o caráter suplementar da atividade de prestação de serviços de atendimento à saúde.

Deve-se também atentar-se sempre à preservação das garantias fundamentais atinentes à dignidade da pessoa humana e à proteção à saúde, consagradas no preâmbulo e no Artigo 196 da Constituição Federal.

O maior problema em distinguir-se o que seria procedimento considerado essencial ou não jamais será um critério apenas jurídico ou judicial, uma vez que se trata de uma circunstância que envolve multidisciplinariedade.

Assim em que pese, o magistrado tem a função de fazer cumprir a lei no sentido de evitar certos abusos por parte dos planos de saúde, ainda que se admita que abusos possam ocorrer, estes jamais poderão ser atribuídos ao consumidor final da atividade exercida pelos planos de saúde, seja porque a saúde é um direito fundamental, ou porque as empresas, ao concordarem com as regras relativas à operação de planos de saúde, assumem também os riscos relacionados à atividade.

Ainda neste mesmo ínterim, o profissional mais capacitado para dizer que aquele paciente precisa ou não de determinado procedimento, e que o procedimento é realmente necessário ou não naquele determinado caso concreto, é o médico responsável pelo tratamento. E nos termos do Artigo 92 do Código de Ética Médica é vedado ao médico assinar laudos médicos de que não tenha realizado pessoalmente o exame[28]. Quando se fala em auditoria – ainda nos mesmos termos do Código de Ética Médica –, sempre que algum “médico auditor” encarregado pelo plano de saúde precisa de comprovação de necessidade de determinado procedimento médico, deve esse solicitar ao paciente autorização por escrito para que possa ter acesso aos dados de seu prontuário médico por determinação da direção ou de algum órgão de auditoria vinculado a quaisquer planos de saúde, uma vez que o médico auditor está impedido, leia-se proibido, de emitir quaisquer juízos de valor acerca da necessidade ou não daquele tratamento.

Ademais, conforme já discorrido alhures, os erros de procedimento decorrentes de autorização equivocada de realização de procedimentos médicos devem ser primeiramente apurados pelos Conselhos Regionais de Medicina (CRMs) em conjunto com o Estado enquanto ente regulador, se for o caso, num primeiro momento, pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), e esta enquanto agência reguladora deve buscar junto ao poder judiciário as punições ao médico que, por algum equívoco, tenha solicitado ao plano de saúde, enquanto pessoa jurídica, autorização para  realização de algum procedimento médico, sem prejuízo da responsabilização por má prestação de serviço do profissional da saúde para com seu paciente segundo o Código de Defesa do Consumidor (CDC) ou a quaisquer outras legislações de regência, sejam elas de natureza civil, penal ou administrativa. Ademais, o ROL da ANS, conforme também já assinalado, é meramente exemplificativo, tendo em vista que a medicina não é uma ciência exata como a engenharia, por exemplo, e mesmo sendo a engenharia uma ciência exata esta evolui constantemente tendo o profissional que se adequar cada dia mais.

O que não pode se admitir é que o paciente que já paga caro por uma saúde de qualidade não pereça por interesses meramente econômicos, sejam estes dos médicos ou dos planos de saúde enquanto pessoas jurídicas de direito privado.

Por fim e forte no que debatido no presente trabalho, é que entendemos ser inconstitucional a negativa de atendimento a qualquer procedimento de saúde para salvar a vida de uma pessoa apenas por mera burocracia, visto que a saúde é um direito – quiçá uma garantia – que deve ser oferecido a todos. Não mencionando ainda que os planos de saúde, por terem caráter suplementar ao serviço de saúde a ser prestado em regra pelo Estado, estariam impedidos de negar a realização de quaisquer procedimentos de saúde sob pena inclusive de terem suas permissões ou licenças de operação cassadas pela Agência Nacional de Saúde (ANS).

É importante destacar que o prestador do serviço privado, em especial hospitais e laboratórios, na grande maioria das vezes, sempre contratualiza com o SUS apenas “parte” de seus serviços, ou seja, onde o SUS não pode ou não tem estrutura para o atendimento esse fica ao encargo dos planos de saúde, acabando por  coexistir na mesma tarefa, sendo uma parcela de atendimento ao SUS, sujeita às suas diretrizes, e outra parcela sujeita aos regramentos do próprio prestador.

Essas avenças abrangem indistintamente o setor privado lucrativo e o sem fins lucrativos. Não há diferenciação dos serviços complementares de saúde prestados por entidades com finalidades lucrativas e por entidades sem finalidades lucrativas em seu sentido lato. Ambas complementam igualmente a rede pública de saúde mediante prestação de serviços de assistência à saúde. São os mesmos serviços previstos em tabela de procedimentos diagnósticos, ambulatoriais, médicos, terapêuticos e hospitalares.

Os Artigos 24 a 26 da Lei nº 8.080/1990[29] tratam do tema no Capítulo II, referente à participação complementar.

Ainda neste mesmo sentido podemos colher agora do Artigo 4º § 2º da Lei 8.080 de 19 de setembro de 1990[30] que autoriza a iniciativa privada a participar do Sistema Único de Saúde de forma complementar. A complementaridade foi uma necessidade, uma vez que o SUS, criado em 1988, não contava com serviços públicos suficientes. A previsão constitucional se fundamentou na realidade fática: 70% dos serviços de saúde do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps) eram privados, complementares, que se inseriam na rede da autarquia mediante credenciamento universal. Fatalmente, teria o SUS que contar com os serviços privados “que já complementavam” os serviços prestados pelo Inamps aos seus beneficiários.

Esse debate foi travado mais recentemente no Supremo Tribunal Federal (STF), com os ministros Joaquim Barbosa e Eros Roberto Grau (ADI 1266-55 e 1007-76), defendendo a saúde (e a educação) como sendo serviços públicos em sua genética, independentemente de sua titularidade, não sendo a titularidade executiva o que caracterizaria a natureza do serviço, demarcada pela CF como direito fundamental, dever do Estado e de relevância pública.

Pode-se afirmar que, em sede de direito fundamental, a natureza pública do serviço é consequência. Não se pode comparar a atividade de saúde, considerada na CF como direito fundamental e dever do Estado, com as demais atividades que não o são.

A CF precisou autorizar a iniciativa privada a atuar na assistência à saúde. Fosse um serviço de outra categoria, seria livre por força do Art. 170 (Livre Iniciativa), tão somente. Por se tratar de um serviço de natureza pública, foi necessário o legislador afirmar que o serviço de assistência à saúde, que é público por natureza, não era privativo quanto à sua execução. Não fosse a expressa autorização, a saúde seria de exclusividade pública.

Ora se a operação do serviço de saúde foi autorizada à iniciativa privada pela Constituição não pode estar dando interpretação restritiva ao Artigo 196 da Constituição Federal de 1988. Doutra banda, não pode o Estado brasileiro, enquanto regulador e autorizador da prestação de serviços de saúde pela iniciativa privada através da Agência Nacional de Saúde (ANS), como guardião das leis e da Constituição da República Federativa do Brasil (STF, STJ e Tribunais de Justiça), permitirem aos planos de saúde que, ao se depararem com quaisquer necessidades dos consumidores e destinatários finais dos serviços de saúde, não atendam às demandas dos mesmos enquanto pacientes e necessitados de atendimento médico por mero capricho, devendo eventuais equívocos ou excessos serem apurados posteriormente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

8ª CONFERÊNCIA Nacional em Saúde, 17 a 21 de março de 1986. Relatório final. Brasília-DF: Ministério da Saúde-MS, Biblioteca Virtual em Saúde. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/8_conferencia_nacional_saude_relatorio_final.pdf>. Acesso em 15 ago. 2022.

ALEXANDRINO, Marcelo & PAULO, Vicente. Direito Administrativo. 11ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2006.

ÂMBITO JURÍDICO. Equipe Âmbito. Violação do Segredo Profissional Dos Médicos: Aspectos Jurídicos e (Bio)Éticos. In: Violação do Segredo Profissional Dos Médicos: Aspectos Jurídicos e (Bio)Éticos. Ambitojuridico.com.br, 19 jul. 2019. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-penal/violacao-do-segredo-profissional-dos-medicos-aspectos-juridicos-e-bioeticos/. Acesso em: 19 ago. 2022.

BAÚ, Marilise Kostelnaki. O Contrato de Assistência Médica e a Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1999.

CARVALHO, Gilson. A saúde pública no Brasil. Saúde Pública, [s. l.], 2013. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ea/a/HpvKjJns8GhnMXzgGDP7zzR/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 9 ago. 2022.

CÓDIGO de Ética Médica – Res. (1931/2009) – Capítulo XI – Auditoria e perícia médica. Portal.cfm.org.br, 22 ago. 2022. Disponível em: https://portal.cfm.org.br/etica-medica/codigo-2010/codigo-de-etica-medica-res-1931-2009-capitulo-xi-auditoria-e-pericia-medica/. Acesso em: 19 ago. 2022.

CONHEÇA as modalidades de operadoras de planos de saúde suplementar no Brasil. In: Conheça as modalidades de operadoras de planos de saúde suplementar no Brasil. Previva.com.br, 1 jul. 2022. Disponível em: <https://previva.com.br/tipos-modalidades-operadoras-de-planos-de-saude/#:~:text=ou%20contratar%20terceiros.-,Filantropia,dos%20governos%20estaduais%20e%20municipais>. Acesso em: 18 ago. 2022.

QUEBRA de sigilo por “motivo justo” causa grandes dilemas aos médicos: Violar o sigilo profissional pode não acarretar punição, já que se trata de dever relativo, aberto a exceções. 289. ed. Cremesp.org.br, 1 fev. 2012. Disponível em: https://www.cremesp.org.br/?siteAcao=Jornal&id=1550. Acesso em: 22 ago. 2022.

DOS SANTOS, Luan Mesan Grossmann Mendes. Pirâmide Kelseniana no Direito: Aula 5 - T.G.D. Teoria de Kelsen e outros autores. 2017. 1 gravura. Disponível em: <https://luanmesan.jusbrasil.com.br/artigos/488338277/piramide-kelseniana-no-direito>. Acesso em: 18 ago. 2022.

FERNANDES, Beatriz. O médico e seus direitos. São Paulo -  Nobel, 2000 p. 40.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral. v. I. 6. ed. Niterói: Impetus, 2006.

Imprenta: Bello Horizonte, Imprensa Official do Estado de Minas Geraes, 1904-2018, Rio de Janeiro, Empreza Revista Forense, 1936-, Rio de Janeiro, Ed. Forense.
 Descrição Física.

LOPES, Larissa. Serviços Essenciais: Uma Análise Face Ao Código De Defesa Do Consumidor X Lei De Concessão. Jus.com.br, 16 ago. 2022. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/63497/servicos-essenciais-uma-analise-face-ao-codigo-de-defesa-do-consumidor-x-lei-de-concessao>. Acesso em: 15 ago. 2022.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 23.ed., 1998.

MENEZES, Renata Oliveira Almeida. A Lei Geral de Proteção de Dados regula o segredo médico?. In: A Lei Geral de Proteção de Dados regula o segredo médico?. Conjur.com.br, 12 out. 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-out-12/direito-civil-atual-lei-geral-protecao-dados-regula-segredo-medico#author. Acesso em: 19 ago. 2022.

PEZZELLA, Maria Cristina Cereser; GHISI, Silvano. A manipulação de dados pessoais nas relações de consumo e o sistema “crediscore”. Civilistica.com. a. 4. n. 1. 2015, p. 3-4.

PLANO de saúde de autogestão – aplicabilidade do CDC. Tjdft.jus.br, 11 set. 2020. Disponível em: <https://www.tjdft.jus.br/consultas/jurisprudencia/jurisprudencia-em-temas/saude-e-justica/plano-de-saude/plano-de-saude-de-auto-gestao-2013-aplicabilidade-do-cdc#:~:text=A%20operadora%20de%20planos%20privados,2>. Acesso em: 10 ago. 2022.

RIVERO, Jean. Tratado de Direito Administrativo. Coimbra: Almedina, 1981.

SCHAEFER, Fernanda. Responsabilidade Civil dos Planos e Seguros de Saúde. Curitiba: Editora Juruá, 2003.

Sobre o autor
Diógenes Alves de Lima

Diógenes Alves de Lima é formado do Curso de Direito do Centro Universitário IMEPAC Araguari, tendo colado grau em 05 de Agosto de 2022, no entanto, começou sua graduação em outras instituições na cidade de Uberlândia em 2001. Por motivos alheios a sua vontade, o curso teve que ser trancado entre o período de 2010 a 2018. O discente retornou à academia em 2018 quando se mudou para a cidade de Araguari. Sempre trabalhou na área do Direito realizando estágios e, mesmo antes de ingressar no referido curso, sempre teve muito contato com nossos sistemas legislativos e de justiça. Apresentou seu Trabalho de Conclusão de Curso em 5 de julho de 2022, discorrendo sobre a responsabilidade penal do empresário supermercadista na transmissão da pandemia de COVID-19, sendo aprovado com a nota de 93 pontos e, estimulado por seu orientador e pelos membros da banca, começou a escrever sobre temas afetos ao Direito, tendo como início o artigo A INCONSTITUCIONALIDADE E ILEGALIDADE DECORRENTES DA PERMISSÃO AOS PLANOS DE SAÚDE QUANTO À NEGATIVA DE EXECUÇÃO DE PROCEDIMENTOS AINDA QUE NÃO REGULAMENTADOS PELA ANS, onde procura fazer um apanhado sobre as implicações penais da negativa de atendimento dos planos de saúde por alguns procedimentos não estarem inclusos no rol da ANS, logo na sequência escreveu o artigo SEGURANCA DO TRABALHO NA COVID 19 E NA VARIOLA DO MACADO COM A APLICACAO DAS NRS nº s 1; 17; NO SETOR SUPERMERCADISTA ASPECTOS JURÍDICOS, HISTÓRICOS SANITÁRIOS E ECONÔMICOS, onde buscou se consolidarem alguns aspectos peculiares ao surgimento das pandemias da COVID 19 (SARS – COV2) em 03 de fevereiro de 2020, quando o MINISTÉRIO DA SAÚDE – MS declarou a pandemia do COVID 19 como uma emergência de saúde pública de importância nacional, bem como o artigo MUDANÇAS NO ACORDO ORTOGRÁFICO DA LINGUA PORTUGUESA NO BRASIL ILEGALIDADE, INCONSTITUCIONALIDADE OU UMA POSSIBILIDADE HERMENEUTICA?, onde a pesquisa teve como objetivo trazer algumas considerações acerca da possibilidade de mudança de nosso acordo ortográfico, dada a natureza jurídica do acordo ortográfico trazido pelo projeto de texto de ortografia unificada de língua portuguesa aprovado em Lisboa, em 12 de outubro de 1990, pela Academia das Ciências de Lisboa, Academia Brasileira de Letras e delegações de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe, com a adesão da delegação de observadores da Galiza, homologado no Brasil pelo Decreto 6.583 de 29 de setembro de 2008, alterado pelo decreto 7875 de 27 de dezembro de 2012, e o disposto nos artigo 228 da Constituição Federal,bem como no Estatuto da Criança e do Adolescente em seus artigos 3º;4;6º17 e 18), bem como os artigos 226§5º; 227 da Constituição Federal, bem como a denúncia automática à assinatura do acordo ortográfico vez que não submetidas as mudanças trazidas pela linguagem neutra ao devido processo legislativo para alteração de cláusulas de acordos internacionais, recentemente está pesquisando sobre o tema APÓS A MORTE TERIA O "DE CUJUS" DIREITOS A TUTELAREM SEU ESTADO MORTUÁRIO (CONSCUTÁRIOS "post mortem" ASPECTOS SANITÀRIOS AMBIENTAIS E PENAIS onde buscou se dentre outras coisas realizar se um apanhado geral sobre os direitos e deveres decorrentes do estado "post mortem" do "de cujos' bem como todos os aspectos penais, ambientais, sanitários e consitucionais daí decorrentes. E agora vem trazendo o artigo REFORMA AGRÁRIA E SUAS IMPLICAÇÕES PENAIS (RESPONSABILIDADE PENAL DOS LIDERES DE MOVIMENTOS SOCIAIS TAIS COMO MST;MLST;MTST POSSIBILIDADE DE ENQUADRAMENTO DOS MOVIMENTOS NA LEI DE SEGURABÇA NACIONAL (LSN) PRÁTICA DE ATO TERRORISTA ? buscando uma reflexão sobre as implicações penais das atividades do MST.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos