Palavras-chave: Carl Schmitt, autoritarismo, democracia.
Razoável é aquele que evita o estado de exceção (Odo Marquard) 1
Carl Schmitt foi um dos maiores juristas do século XX, escreveu por quase 70 anos, de 1910 a aproximadamente final de 1970.
Seus estudos foram usados por muitos advogados para justificar golpes militares na América Latina e até hoje seu nome é ligado ao fascismo por condensar ideais religiosos baseados em raças e tradições, bem como associado a extrema direita alemã e italiana.
No livro Lei e Juízo, de 1912, Schmitt já defendia que o juiz interpreta a lei. Para ele, em casos fáceis o juiz decidiria conforme a lei, mas em casos difíceis, julgaria de acordo com a determinidade do direito, o que equivaleria a dizer que um juiz decidiria como outro juiz a previsibilidade da decisão resultaria da responsabilidade do juiz que deveria decidir pensando em justificar a sua decisão para um outro juiz.
Uma decisão judicial é hoje correta quando se deve assumir que um outro juiz teria decidido do mesmo modo. Um outro juiz significa aqui o tipo empírico do moderno jurista erudito2.
Em 1920 foi uma das figuras centrais dos debates acalorados acerca da Constituição de Weimar e Tratado de Versalhes porque para ele a assinatura do documento mantinha a Alemanha fraca e contida - era necessária uma nova lei internacional que equilibrasse os poderes das nações e que o princípio de igualdade de soberania fosse reestabelecido.
Carl Schmitt em 1933 se filia ao Partido Nazista e isso talvez tenha sido um dos maiores trunfos que os opositores de suas ideias encontraram para rebatê-lo, já que não só defendia que havia uma identificação do povo com o líder por terem a mesma raça e ideologia, mas também procurou criar uma constituição na Alemanha nazista, baseada nas pessoas unidas com os ideais do Führer, sem se dar conta que Hitler fazia suas próprias leis e jamais seguiria uma Constituição que não fosse a que ele mesmo pudesse criar e exercer.
Em 1936 se encontra com Mussolini e na Itália seus textos aparecem no volume Princípios do Nacional Socialismo, contudo, mesmo sendo leal ao nazismo, os próprios nazistas começam a atacá-lo publicamente por conta de sua origem católica e contato com judeus, o que o forçaria a se demitir de quase todas suas posições.
Quando em 1947 retorna para sua terra natal, Plettenberg, o Crown Jurist of the Third Reich foi permanentemente proibido de dar aulas na Alemanha Ocidental, o que não o impediu, no entanto, de comentar sobre o dia a dia e receber jovens pensadores que tinham poderes de liderança na vida da República.
Muitos desses jovens pensadores estavam descontentes com a influência americana e doutrinas sobre democracia liberal e sentiam que Carl Schmitt oferecia uma visão profunda da natureza política.
Alguns pensadores pós-guerra defendiam a concepção de que não somente era possível, mas desejável que as teorias de Schmitt fossem disseminadas para que pudesse fornecer bases de pesquisas e tornar o liberalismo mais sensível às questões democráticas e pavimentar estabilidade social.
Ou seja, o antiliberal e conservador Schmitt não só seria desarmado, mas igualmente, os seus argumentos seriam usados contra ele próprio o grande problema é que o ideal de Schmitt, de um Estado poderoso, racional, acima da sociedade e imune de interesses sociais sectários constituía um ponto de referência não só para conservadores, mas também para alguns liberais pós-guerra.
Consequentemente, aqueles que buscavam modernizar o Estado alemão sob as condições de massa de uma democracia, inevitavelmente tiveram que se envolver com os pensamentos do Jurista do Reich, como veremos neste texto.
Até hoje seus escritos são levantados por pensadores contemporâneos, como o filósofo esloveno Slavoj Zizek, quando diz que as atuais democracias liberais tolerantes permanecem schmittianas porque continuam a contar com a imaginação política para que seja fornecida a figura apropriada que revelará o inimigo invisível3. Uma clara abordagem se utilizando do livro The Theory of the Partisan, de Carl Schmitt.
Carl Schmitt não pretendia que seu trabalho fosse neutro, aliás, seu trabalho é usado tanto por pensadores da esquerda quanto da direita.
A propósito, o jurista alemão Bernhard Schlink nos brinda com uma ótima frase para descrever o trabalho de Carl Schmitt: Não é suficiente para Satanás ser Satanás, ele deve ser um anjo caído.4
Chantal Mouffe, renomada cientista política belga, pós-marxista, em seu livro The Return of the Political5, traz justamente Carl Schmitt ao explicar que:
Democracia se tornou puramente um mecanismo para escolha e empoderamento de governos e se reduziu a uma competição entre elites. Quanto aos cidadãos, eles são tratados como consumidores no mercado político. Portanto, não é surpreendente o baixo nível de participação no processo democrático em muitas sociedades ocidentais hoje em dia. Como, então, à democracia liberal é dada essas "fundações intelectuais" sem um comando viável de sólido suporte? Esse é o desafio que o trabalho de Schmitt coloca para a filosofia política contemporânea.
A principal questão atual da democracia é como interesses antagônicos podem ser controlados a fim de que não domine o processo de decisão. Só eleições não garantem a democracia, visto que podemos ter governos democraticamente eleitos que não responderão aos anseios da sociedade.
E então será necessária uma multiplicidade de associações com uma real capacidade de decisão e com uma pluralidade de centros de poder para resistir às tendências de autoritarismo.
E Schmitt se torna relevante justamente porque há muito tempo já levantava essa questão de neutralidade trazida com o liberalismo que não se trataria de neutralidade e sim interesses de pequenos grupos em detrimento da maioria.
Norberto Bobbio6 vai passar a visão de que estado liberal e democracia andam juntos:
Disto segue que o estado liberal é o pressuposto não só histórico, mas jurídico do estado democrático. Estado Liberal e estado democrático são interdependentes em dois modos: na direção que vai do liberalismo à democracia, no sentido de que são necessárias certas liberdades para o exercício correto do poder democrático, e na direção oposta que vai da democracia ao liberalismo, no sentido de que é necessário o poder democrático para garantir a existência e a persistência das liberdades fundamentais. Em outras palavras: é pouco provável que um estado não democrático seja capaz de garantir as liberdades fundamentais. A prova histórica desta interdependência está no fato de que o estado liberal e estado democrático, quando caem, caem juntos.
Carl Schmitt, todavia, de forma provocativa vai dizer que o liberalismo nega a democracia e a democracia nega o liberalismo e isso porque:
pequenos e exclusivos comitês de partidos ou coalizões fazem suas decisões atrás das portas, e o que representantes de grandes grupos capitalistas concordam nas pequenas comunidades é mais importante para o destino de milhões de pessoas, talvez, do que qualquer outra decisão política7.
A crítica ao liberalismo reside no fato de políticos transformarem o jogo democrático em um balcão de negócios ao perseguir interesses privados e não da maioria.
No prefácio da segunda edição, de 1926, de seu livro A Crise da Democracia Parlamentar8, ele vai dizer que a essência do princípio da democracia é a afirmação de que a lei e a vontade das pessoas são idênticas, e política e moralidade nunca poderiam ser substituídas uma pela outra.
Hans Kelsen, em A Democracia, também vai dizer que Democracia e Liberalismo são antagônicos9:
É importante ter consciência de que o princípio da democracia e do liberalismo não são idênticos, de que existe até mesmo certo antagonismo entre eles. Pois, de acordo com o princípio da democracia, o poder do povo é irrestrito, ou, como formula a Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão: "O princípio de toda soberania reside essencialmente na nação.". É essa a ideia de soberania do povo. O liberalismo, porém, implica a restrição do poder governamental, seja qual for a forma que o governo possa assumir. Também implica a restrição do poder democrático. Portanto, a democracia é essencialmente um governo do povo. O elemento processual fica em primeiro plano e o elemento liberal-enquanto conteúdo específico da ordem social-tem importância secundária.
Certo é que Carl Schmitt era um filosofo conservador e objetivou transformar os seus ideais conservadores em ideais políticos.
Schmitt passou a maior parte da Primeira Guerra Mundial no Ministério de Guerra da Baviera censurando a propaganda estrangeira, antes de se ver na guerra Civil que eclodiu em Munique em 1919, depois que anarquistas instituíram uma República de Conselhos.
Em um dado momento, revolucionários comunistas entraram no escritório onde Schmitt estava trabalhando e atiraram em um oficial que estava ao seu lado.
Foi justamente depois desse episódio que o advogado público que até então se mostrava apolítico, optou por defender o Estado contra as massas revolucionárias.
No livro A Ditadura vai exprimir que o povo não pode fazer uma constituição por causa de sua natureza desorganizada. Para isso, para o exercício do poder constituinte será necessário representantes na forma de uma assembleia ou convenção e essa convenção seria exercida por um ditador soberano10.
No livro A Teologia Política, Carl Schmitt vai dizer que como em qualquer outra ordem, a ordem legal se baseia em uma decisão e não em uma norma. Para Schmitt nenhuma norma pode ser soberana porque soberano é quem decide sobre o estado de exceção.
Obviamente que a vasta literatura de Carl Schmitt não pode ser resumida em algumas linhas e nem deve, tendo em vista toda sua importância e substancialidade e a fim de que este texto não fique cansativo e longo, nos utilizamos do poder de síntese.
E Schmitt vai continuar ao asseverar que a exceção é mais interessante do que a regra porque a exceção não só confirma a regra, mas também a sua existência, que deriva apenas da exceção. Para ele, em cada deliberação haveria um elemento discricionário do juiz e, portanto, um elemento arbitrário em cada decisão judicial.
Em 1923 se mostra contrário à Constituição de Weimar, a constituição mais democrática do mundo naquela época, mas que tanto a Direita quanto a Esquerda se sentiram desprestigiadas - a Direita porque a legitimidade somente poderia ser fundada em tradição, sobretudo monárquica, e a Esquerda Comunista porque apenas uma Revolução lhe poderia dar legitimidade, já que os Sociais-Democratas lhes tiraram em 1919.
No mesmo ano Schmitt tenta enfraquecer o parlamentarismo liberal porque justamente nesse período estava vivenciando a ocupação da Renania alemã e vendo que a Liga das Nações era meramente um instrumento de perseguição política, com desmilitarização seletiva e coerção financeira, argumentando que Estados Unidos, França e Inglaterra nunca estavam sujeitos ao direito internacional, mas nações fracas estavam11.
Como já esposado, Schmitt dizia que em um parlamentarismo a elite burguesa representaria o povo como um todo e não poderia ter esse papel porque os interesses de uma minoria se sobreporiam aos da maioria.
Com Weimar destruída pela Grande Depressão, Schmitt começa a circular no meio político e passa a advogar que o presidente e não o parlamento é que pode ser chamado de Guardião da Constituição durante tempos de crises, tendo em vista que a legitimidade do presidente não é decorrente da lei, mas da vontade do povo que diretamente o elegeu.
E então inicia a defesa de ideais autoritários ao argumentar que um forte líder amparado por uma forte burocracia deveria conter movimentos radicais e governar por decretos. Para ele, um grande pluralismo faz com que o Estado perca o monopólio político.
Em 1933 publica artigos em que diz que os imigrantes deviam ser varridos da Alemanha e que o Führer protegia o Direito, era o juiz supremo do país e cujas decisões não cabia recurso12. Chegou a determinar a retirada de livros de direito de escritores judeus das livrarias.
De 1943 a 1944 começa a visitar aliados do nazismo. Carl Schmitt nunca se desculpou com as vítimas do nazismo ou mesmo demonstrou qualquer tipo de empatia ou arrependimento. Em Abril de 1945 é preso pelo Exército Vermelho e em 1947, em um interrogatório do jurista alemão Robert Kempner, se apresenta como intelectual aventureiro, mero erudito13. Em seus diários antissemitas, os judeus aparecem como o real inimigo ao longo dos anos.
Com toda a história por trás de seus ideais, não se pode tirar a importância de Carl Schmitt, inclusive para a história constitucional e econômica alemã.
Carl Schmitt entendia que a Constituição de Weimar se autodestruiu porque não só permitia emendas, mas também sua revisão. E então para evitar um suicídio democrático, a Constituição da República Federal incluiu um artigo, chamada clausula de eternidade, vedando a possibilidade de revogar princípios fundamentais (MULLER, 2003: p.65).
O jurista alemão Bernhard Schlink, em seu ensaio Why Carl Schmitt14 vai explicar:
Uma emenda pode de fato mudar a identidade de uma constituição - transformando uma república em uma monarquia, um estado-federado em um centralizado, um estado com direitos fundamentais em um sem. Schmitt se opôs a essa flexibilidade. Ele afirmou que o poder de mudar a constituição surge da própria constituição e como tal, está em dívida aos seus princípios. De acordo com Schmitt, mudar a identidade da constituição não mais equivaleria a uma simples amenda, isso invalidaria a constituição.
Schmitt também influenciou a área de direitos básicos. Sua visão contribuiu para o fato de que hoje, todos os direitos básicos (na Alemanha) envolvem direitos individuais e responsabilidade do estado a criar um ambiente de proteção para esses direitos. A compreensão de Schmitt no que tange às garantias de liberdade também são importantes. De acordo com Schmitt, esses direitos (de liberdade) devem ser entendidos como um princípio distributivo. A distribuição é tal que no reino do indivíduo a liberdade é ilimitada, enquanto as possibilidades de intervenção do estado são limitadas, mensurável e controlável. (SCHLINK, 1996: p.430).
O debate pós-Terceiro Reich se concentrava entre encontrar o real balanço dentro do exercício da lei e o bem-estar social, nos ideais de progresso e industrialização com estabilidade democrática.
Um dos discípulos de Carl Schmitt, o publicista Rüdiger Altmann escreveu em seu ensaio Die Formierte Gesellschaft, de 1965: De fato, as suscetibilidades de crises tornaram-se visivelmente maiores. Ainda nenhuma tempestade foi relatada. Mas estaríamos preparados para isso?15
Para ele, a política social estava em uma situação crítica, mas não só ela, já que a estabilidade da economia dependeria do nosso próprio sucesso econômico. Suas ideias inspiraram o então ministro das finanças Ludwig Erhard, considerado o pai do milagre econômico alemão, que entendia de suma importância proteger a estabilidade econômica para que uma ditatura totalitária pudesse ser evitada.
Altman explica em seu ensaio de 1965:
Mais do que outras nações industrializadas, a sociedade alemã e seu Estado dependem do desempenho da economia. Sem sua estabilidade não precisamos mais falar em estabilidade. O perigo não reside no domínio do capital ou qualquer que seja a palavra-chave. [...] O governo só pode dar uma garantia relativa de desenvolvimento econômico. Essa garantia consiste em permitir que o processo se desenvolva de forma otimizada. Ela não pode controlá-lo.16
Foi justamente nessa premissa que Erhard dirigiu sua declaração governamental em 1965: Só teremos sucesso se estivermos prontos para servir a esse objetivo de estabilidade a longo prazo e em todas as áreas e a Alemanha então após a Segunda Guerra mundial se reconstruiu de forma espantosa.
O cientista político alemão Karsten Fischer também vai destacar a influência de Carl Schmitt no pensamento de Rüdiger Altmann17:
Em uma idiossincrática imitação da dicção de Schmitt, Altman acredita que o estado democrático não se legitima apenas por meio de sua legalidade, mas sim legaliza a sociedade e o seu pluralismo social. E apenas esta seria a compreensão liberal do Estado, que aplica-se hoje em dia: O Estado de Direito contra novos poderes e forças sociais para preservar o quadro institucional do Estado e seus órgãos economizados para que o "estado no papel de um conservador" possa cumprir sua tarefa de planejamento político.
Vemos, portanto, que Carl Schmitt não se limita a jurista do Reich, mas teve importância na Alemanha também nos pós-guerra, em sua reconstrução, mas não pararia aí.
O antissemitismo de Carl Schmitt foi suficiente para amealhar uma enxurrada de críticos, tais como Franz Neumann, Otto Kirchheimer e Carl Joachim Friedrich, mas um filósofo específico, Alexandre Kojève conseguiu ultrapassar a barreira antissemita de Carl Schmitt e começou a se corresponder com ele em 1955, momento em que a Europa Ocidental se transformava devido ao plano Marshall e a Comunidade Europeia iniciava sua formação18.
Alexandre Kojève, após a Segunda Guerra Mundial, passou a ocupar posto estratégico do Ministério da Economia e Finanças da França e secretário da OECE Organização Europeia de Cooperação Econômica.
Em palestra realizada na cidade de Dusseldorf, em 1957, no Rhein-Ruhr-Club, intermediada por Carl Schmitt, Alexandre Kojève, trazendo os conceitos de Karl Max vai dizer que o capitalismo é o novo colonialismo; o progresso da industrialização trouxe com ela o campo do trabalho, da produtividade, gerou uma mais-valia do trabalho. Mas essa mais-valia não é paga à massa trabalhadora, mas retida pela minoria capitalista19.
Ele vai sumarizar a situação contemporânea do mundo ocidental da seguinte forma: A fortaleza baseada em princípios coloniais está em Washington, que estabelece os termos de comércio, paga cada vez menos pelo trabalho e todos os outros países industrializados são de fato coloniais, tendo em vista que retém essa mais-valia para eles próprios, se utilizando de mão-de-obra barata de nações subdesenvolvidas ou reinvestindo essa mais-valia nessas próprias nações subdesenvolvidas para justamente lucrar mais com elas.
França e Inglaterra não seriam nações coloniais porque esses dois países investiriam a sua mais-valia em suas colônias e ex-colônias que dariam pouco ou retorno algum para elas.
E então Kojève vai cunhar o termo capitalismo solidário na Europa, aconselhando uma melhor distribuição de renda entre países ricos e pobres, que se tornaria a espinha dorsal do papel que a Europa teria que desempenhar no mundo. Isso deveria ser feito a partir de uma garantia de melhores termos de comércio, reinvestimento de ganhos de capital nesses mesmos países, de forma bilateral, através de acordos regionais.
Embora o pensamento de Carl Schmitt tenha se disseminado entre a extrema-direita, certo é que a extrema-esquerda também se utiliza de suas concepções, sobretudo porque encontra amparo nos seus conceitos contra o desenvolvimento técnico-industrial que leva às profundas discriminações, criminalizações e desvalorizações a ponto de aniquilar todas as vidas indignas (SCHMITT, 2004: p.67).
Para Schmitt, na rebelião espanhola da guerra Peninsular de 1808 a 1813, conduzida por guerrilheiros espanhóis contra Napoleão, pela primeira vez, um povo até então pré-burguês, pré-industrial e pré-convencional colidiu com um exército moderno burguês (SCHMITT, 2004: p.4).
No livro The Theory of the Partisan20 ensaio político sobre a guerra e seu verdadeiro inimigo, citando Che Guevara vai explicar:
Quando Guevara diz: "o guerrilheiro é o jesuíta da guerra", ele está pensando na natureza condicional de seu desdobramento político. [...] A pessoa sem direitos procura sua justiça na hostilidade. Nisso, ele encontra o significado do poder e o significado da justiça, uma vez que a carapaça de proteção e obediência que ele habitava está quebrado, ou o sistema de normas de legalidade do qual ele esperava justiça e proteção legal está destruído
Carl Schmitt também é associado a extrema-esquerda pela semelhança com as ideias de Johannes Agnoli, que foi um dos líderes do movimento estudantil em 1968 e considerado de esquerda.
Em seu livro de 1967 Die Transformation der Demokratie21, Johannes Agnoli vai dar o seguinte parecer sobre os partidos políticos, que apenas buscariam interesses próprios, de controle social através de seus membros do que mudança na sociedade visão esta que já havia sido exteriorizada por Carl Schmitt:
Os partidos como organizações têm em relação aos seus membros, como objetos eleitorais em relação às massas eleitorais, um caráter tão ambivalente quanto o parlamento que eles formaram. Hoje em dia, a ambivalência é causada de forma particularmente forte pela necessidade de organizar movimentos e demandas sociais. A associação, que é ativamente apoiada pelos seus membros, ou que exige de forma programática e prática a atividade dos associados, pode servir de instrumento para a atividade política das massas. Organiza tendências de mudança evolutiva ou revolucionária, intervém de forma contraditória na tentativa de paz social e expande as atividades de seus membros e apoiadores para participarem do processo de tomada de decisões. Tal associação (democrática) perturba todo o mecanismo de governo de forma tão sensível que pode se tornar inevitável para os governantes institucionalizá-la - isto é, envolver a equipe de gestão nas instituições de governo. [...] A associação (oligárquica) que emerge desse processo é a mediadora de seus membros: eles se tornam um instrumento de planejamento e de interesses de gestão. Isso neutraliza a tendência à participação política ativa. Em relação aos militantes e simpatizantes, o partido político oligarquizado como organização lutadora só conhece o objetivo de aumentar seu número para ampliar e consolidar sua posição de poder no poder público e nos órgãos públicos.
Agnoli também vai avaliar a estrutura de divisão de poder dentro de um parlamento e a sua subordinação à vários grupos e sua impossibilidade de tomar decisões por conta própria22 porque vários grupos de interesse se organizariam dentro dele Carl Schmitt também criticava esse pluralismo:
Inquestionavelmente o parlamento como legislativo e como corporação, no qual os interesses populares deveriam encontrar expressão legislativa, afundou a ponto de se tornar insignificante em relação ao executivo. Já não está mais em condições de tomar decisões por conta própria como um todo porque, como um todo, não está mais envolvido nos preparativos concretos das leis e no seu processamento material. Só teria apenas este todo: o homogêneo, no qual o poder é homogeneizado e distribuído em partes iguais a todos os parlamentares, como órgão constitucional do poder estatal emanado do povo, o que não é a realidade. Se levarmos em consideração a estrutura de um parlamento, a unidade institucional se desfaz em um processo de mudança de vários grupos, o que - correspondendo ao processo social e ao mesmo tempo produzido socialmente - leva a claras relações de subordinação. Também no parlamento, são formados centros oligárquicos que excluem a maioria dos deputados do círculo mais restrito de informação e, assim, negam a entrada no mecanismo de tomada de decisões propriamente dito.
E continua23, ao expor:
No contexto da discussão, problemas básicos do sistema parlamentarista de governo e do estado burguês também estão na ordem do dia. Acima de tudo, referem-se à especificação das instituições estatais no contexto de um sistema político que histórica e atualmente não tem que preservar o ser-humano e a liberdade de escolha, mas sim organizar a reprodução da sociedade capitalista e garantir a acumulação do capital.
Agnoli vai dizer que a massa trabalhadora foi levada a acreditar que o Estado era governando pelo povo em um estado liberal neutro, que nunca existiu porque a burguesia era na realidade o poder emanado do povo. Essa crítica fica evidente no seguinte trecho:
No antigo estado liberal, a ideia era que todo o povo deveria ser representado, uma vez que o parlamento era constituído como a personificação da soberania popular. Nesse ínterim, apenas os representantes de uma certa classe, pequena em número e forte no poder, sentavam-se no parlamento: a grande burguesia, uma vez que as classes mais baixas da população, os vulgus, permaneceram fora da esfera do Estado24.
E vai mais além ao dizer que se o pluralismo partidário estiver alinhado a distribuição de poder e ideologia, a constitucionalidade e democracia é mantida chegando a associar inclusive a organização política do parlamento ao fascismo porque o povo é levado a crer que está sendo representado, quando na verdade, é apenas manipulado:
Se a forma ideológica e organizacional do partido popular se aliar à formalização do pluralismo partidário, obtém-se um duplo efeito político: pode-se dar continuidade ao jogo democrático de forças para a distribuição do poder e manter a constitucionalidade, no ao mesmo tempo, é garantido que nenhuma mudança significativa é esperada.[...] Se de fato conseguem eliminar o antagonismo na orientação da população e nas atividades político-legislativas e executivas e, justamente pela multiplicidade de partidos, conseguir a integração pacífica, então se torna aparente a verdadeira face dos partidos populares do moderno estado constitucional: Eles formam a versão plural de um partido de unidade - plural no método de governo, unificado como o portador do governo do Estado sobre a população, unificado, acima de tudo, na função que os partidos desempenham na sociedade ocidental. No entanto, o tipo de tal partido unitário deve ser definido de forma mais precisa, a fim de evitar associações inadmissíveis. Não é de forma alguma um tipo marxista. Os partidos de classe marxistas não buscam nenhuma cooperação entre grupos socialmente opostos e nenhum equilíbrio social. Em vez disso, eles exigem o reconhecimento da reivindicação de totalidade da classe proletária pelos outros, ou visam fazer valer essa reivindicação pela força na luta de classes. A versão plural e uniforme é encontrada - veja bem: não no exercício do governo, mas na função social pré-formada no tipo de partido unitário fascista. Mais precisamente: no tipo que era doutrinário e prático para o fascismo italiano. Não só há semelhança na tendência à restauração, como também é típica a identificação da parte com o todo, a busca pelo "interclassimus" e a reconciliação interna dos conflitos de interesses parte-externos e dos grupos. Do ponto de vista funcional, e principalmente no que diz respeito à reprodução anterior das contradições sociais, a multiplicação no organizacional (o sistema multipartidário) tem muito a ver com a forma de governo, quase nada para a posição real do massas. Em termos ideológicos, é claro, tanto no Partido do Povo quanto no Partido Fascista, o equilíbrio se transforma em uma equalização geral de todos: independentemente de qualquer mandato de classe, ambos visam a formação de uma grande comunidade à qual os indivíduos estão sujeitos à mesma obrigação moral, mas uma participação material desigual no poder econômico e político (e acesso desigual aos centros de poder do partido). Foi também a base da "tarefa histórica" do fascismo, antes de tudo para superar a "proletaridade" sem afetar o capitalismo. Esta estreita relação entre o partido popular (plural) e o tipo fascista, sugerida por Liebholz já em 1928, também é evidente na forma de equalização que é praticada politicamente.25
Embora cultuado entre os radicais de esquerda, Agnoli não trouxe as respostas de como seria possível lutar contra a involução da democracia, mas que a resposta deveria ser extremada.
Toda humanização pressupõe o fim do estado desumano; as verdadeiras reformas só acontecem com a revolução bem-sucedida: "La nostra riforma é la rivoluzione". Mas esses eram slogans e posições dos anos 60. [...]. Mas os reformadores de esquerda não podem esquecer uma peculiaridade do desenvolvimento social. As melhorias não vêm por si mesmas, sempre têm que ser derrotadas dos governantes. E muitas vezes só podem ser realizados se a possibilidade do "pior" for acenada: o fantasma extremista de esquerda como o estímulo do possível progresso. Se não houvesse referência ao possível perigo do "pior", nenhum poder no mundo veria porque algo deveria ser mudado, humanizado. [...] Se a ordem constituída não tivesse sido ameaçada ou destruída pela rebelião (contra deuses e heróis e senhores), se o povo não tivesse entendido que os senhores não foram enviados do céu, ainda estaríamos de quatro. A história tem sua própria ironia - também chamada de dialética26.
E então dentro desse contexto de revolução, chegamos à concepção de que somente estados fortes podem lidar com polarização política e social.
Schmitt, em The Concept of the Political vai dizer que a O político é a arena da autoridade e não da lei geral e requer decisões que são singulares, absolutas e finais27.
Um dos filósofos alemães da modernidade, já falecido, Odo Marquard em seu livro Skepsis und Zustimmung vai expor que o futuro precisa de um passado e como uma forma de rebater Carl Schmitt, vai declarar que razoável é aquele que evita o estado de exceção28.
Não podemos negar o passado de Carl Schmitt, mas também não podemos negar sua importância nos debates atuais e do futuro, porque em meio a constantes polarizações, populismo, intolerância, seu nome ainda será muito lembrado.
Devemos ter o discernimento de saber separar a pessoa da obra e usar o método Schmitt de análise: eu tenho um método particular: deixar os fenômenos se aproximarem de mim, esperar um pouco e pensar a partir do assunto, por assim dizer, e não por critérios pré-concebidos.29