Conhecendo o Novo Código de Processo Civil- Parte IV

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23/09/2022 às 02:57
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CONHECENDO O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

PARTE IV

1) Dos Atos Processuais- Aspectos Gerais . 2) Prática Eletrônica de Atos. 3) Pronunciamento do Juiz. 4) Os Prazos e seu Controle. 5) Comunicação dos atos processuais. 6) Nulidades. 7) Distribuição e Registro. 8) Valor da Causa. 9) Tutela Provisória. 9.1) Antecedentes da Tutela Sumária. 9.2) A sistematização no CPC de 1973. 9.3) A Introdução da Tutela Antecipatória no CPC de 1973. 9.4) Sistemática do atual CPC e regras gerais.. 9.4.1) Tutela da Evidência. 9.4.2) Tutela da Urgência. 9.5) Tutela Antecedentes e Incidentais. 9.6) Aspectos Processuais

1) Dos Atos Processuais - Aspectos Gerais

O processo, como a própria etimologia revela, é um íter composto de atos destinados a um escopo, que é a prestação jurisdicional, dever do Estado, direito fundamental do jurisdicionado (art. 5º, inciso XXXV, da CF/88, e 3º, do CPC), e inarredável condição do Estado de Direito. Tais atos se dividem em fases, a saber: postulatória, saneadora, probatória, decisória, recursal e executiva, podendo ocorrer de nem todas estarem presentes conforme a natureza da ação manejada. Logo, disciplinar detalhes dos atos (tempo, forma e lugar), implica imprimir uma tendência ao processo, uma tônica. Dos detalhes resultará a eficácia do conjunto e a feição conferida ao sistema[1].

É também pela disciplina formal dos atos processuais que o sistema se permeia pelos valores e princípios constitucionais, cuja presença é fator importante de sua legitimação.

O processo deve refletir os anseios da sociedade a que serve, sob pena de perder legitimidade e gerar vácuos de jurisdição.

O processo não é, por outro lado, um ramo infenso às modificações da sociedade, inclusive as tecnológicas. Por conta disso, muitas alterações agora consagradas no novo CPC já haviam sido incorporadas ao processo civil, mediante aplicação jurisprudencial ou normatização administrativa naquilo onde isso era possível.

Aqui mais uma vez é preciso recordar que o ato processual, ainda quando, praticado pela parte, se insere no contexto de um procedimento de natureza pública, pois veículo de realização de um serviço público relevante[2]. Por isso, estão sujeitos aos princípios aplicáveis aos atos administrativos, como regra[3]. Dentre estes, consta o da publicidade, que é um dos princípios fundamentais, pois permite a fiscalização da presença dos demais, e que é mantido como regra pelo novo CPC, que incluiu duas hipóteses de sigilo às anteriormente consagradas.

Elas dizem respeito a ações que versem sobre direitos protegidos pelo direito constitucional à intimidade e pela arbitragem, quando houver convenção a respeito.

A locução direitos protegidos pelo direito à intimidade é vaga, mas preenchê-la de sentido não é algo difícil. Os exemplos residem em ações que envolvam indenizações por sequelas estéticas, demandas que postulem um tratamento médico de fertilidade ou em vista de doença grave, ações indenizatórias ou cominatórias por exposição da intimidade (fotos e filmagens tem sido casos comuns)[4]. A tutela, nestes casos, é à vida privada, buscando-se evitar a publicização de aspectos vexatórios ou particulares.[5]

Já no caso da arbitragem, é regra difundida a cláusula de confidencialidade, que valerá internamente ao juízo arbitral ou mesmo fora, em caso de providências a serem cumpridas pela justiça estatal, ou mesmo execução de julgados que possam vir a ter andamento nesta.

Uma das grandes novidades que parece ter passado despercebida concerne à possibilidade de flexibilização dos atos processuais mediante convenção das partes em caso de direitos que admitam autocomposição. Cuida-se de uma disposição de largo espectro, pois a maioria das demandas judiciais de natureza cível versa sobre conteúdos disponíveis. Esta possibilidade de flexibilização poderá decorrer de instrumento previamente concertado ou ocorrer no curso do processo, mediante proposição conjunta ao juízo, o qual, igualmente, pode propor tais medidas no interesse do bom e célere andamento da demanda.

Note-se que o artigo 190 do CPC fala em direitos sobre os quais seja cabível autocomposição, o que abarca não só direitos de natureza puramente privada, mas até questões relativas ao direito de família, onde a possibilidade existe de fato, com algumas limitações.

Em sendo uma característica da natureza dos direitos materiais postos em causa e senbdo as partes capazes (condição de validade de negócios jurídicos), poderá haver disposição sobre ônus, poderes, faculdades, e deveres processuais. Vale dizer, há ampla possibilidade de alteração procedimental. Ai se incluem aspectos como ônus de prova, efeitos de falta de impugnação específica, exercício de recursos.

Mas não podemos perder de perspectiva o que tenho reiteradamente realçado, ou seja, o aspecto público do processo e os interesses do Estado-Juiz em uma prestação jurisdicional célere e que reflita os valores constitucionais. Logo, há certos deveres sobre os quais não pode haver disposição de forma a prejudicar interesses públicos subjacentes à relação processual. Por outras palavras, os deveres pertinentes à relação com a outra parte podem sofrer livre disposição, mas não aqueles que dizem respeito ao juízo. Os deveres do artigo 80 do CPC não dizem respeito somente à parte adversa. Aliás, todos os deveres processuais ali consignados têm uma projeção em vista da parte contrária, mas também têm um viés relativo ao juízo.

Desta forma, a relativização ou modificação de disposições atinentes a atos processuais alicerçada nesta previsão do artigo 190 não pode redundar em situações onde existam prejuízos aos interesses públicos presentes em toda e qualquer demanda, pois o juízo não pode sobre eles transigir.

A casuística de situações onde o controle de ofício poderia ser feito sob este argumento é extensa e de escusada referência aqui, porque não iríamos chegar nem perto de abarcar toda sua extensão.

Mas em síntese, disposições das partes não podem legitimar atos de má-fé e desprestígio à Justiça.

A menção à necessidade deste controle oficioso e obrigatório do juízo não deve se confundir com aquela do parágrafo único do mesmo artigo 190. Ali, no parágrafo, se fala de controle, provocado ou de ofício, acerca da validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.

Nota-se que as hipóteses do parágrafo dizem respeito à situações que, ou observam a perspectiva da parte (vulnerabilidade criada pela cláusula para uma das partes), ou aspectos em vista dos quais o juízo naturalmente tem possibilidade de ação, inclusive ex offício, ou seja, situações de nulidades[6] e inserção abusiva em contratos de adesão[7].

O controle a que antes me referi, ou seja, aquele que diz respeito aos deveres processuais que apresentam projeção nos interesses públicos do processo é complementar a este do parágrafo, e é um dever do julgador, intransigível e sempre presente[8].

Ainda em decorrência desta flexibilização do conteúdo formal do processo, pode ser estipulado calendário para prática de atos processuais, o que implicará desnecessidade de intimação das partes[9].

As partes não podem se manifestar em regra por cotas marginais, ou seja, manuscritas ou impressas diretamente em páginas que já estão no processo, devendo se valer de petição específica[10]. Mas às Defensorias Públicas tem se admitido este direito por conta da quantidade de serviço.

2) Prática Eletrônica de Atos

A prática eletrônica de atos foi oficializada. A rigor, já tínhamos a incorporação das conquistas da tecnologia de telecomunicações e eletrônica desde o advento da Lei nº 9.800/99, que tratava do uso do fax símile, hoje largamente suplantado pelo email e outras formas.

Dentro de suas atribuições, alguns tribunais já se tinham permeado à possibilidade do uso de meio eletrônico, mas agora isso se oficializa em lei própria e geral com vantagens e desvantagens.

A vantagem óbvia reside no se prescindir do protocolo físico ou do uso de correio, agilizando a medida. A digitalização do processo trouxe imediato impacto inclusive no planejamento físico dos Tribunais, e na redução de gastos. Espaço físico necessário se reduz em necessidade, bem como diversos gastos atinentes ao uso do papel como mídia.

É inegável, também, a redução de atos cartorários, mas isso, por outro lado não implica, necessariamente, na prática, em celerização. Isso ocorre porque o gargalo de retenção processual nem sempre está no cartório. Muitas vezes ele reside no gabinete do julgador. Há casos de cartórios ou secretarias que prestavam serviços otimizados, mas a vara não teve significativa celerização mesmo depois da modificação legislativa porque o represamento e a lentidão se dão no gabinete, ou, para deixar bem claro, o processo é concluso e a mora é do magistrado em despachar ou decidir. Em outros casos, temos gabinetes céleres e cartórios lentos. Nestes casos houve uma otimização do tempo, mas muitas coisas ainda acabam tendo que ser feitas no cartório ou secretaria, e, no fim de contas, não se atinge o ganho efetivo que se pensaria que iria se ter.

Processo envolve toda uma estrutura, material e humana, que tem que ter mesma meta e harmonização.

Em síntese, é preciso ter consciência de que a utilização do meio eletrônico não é o apanágio que resolverá todas as mazelas por si só, como se chegou, prematuramente, a anunciar.[11]

E, por incrível que pareça, há algumas desvantagens. Isso ocorre no manuseio eletrônico do processo. É fato que, por meio físico, podemos cortar caminho, pular páginas, achar mais facilmente um determinado documento ou peça dentro do processo. Esta pequena diferença no tempo de manuseio, que é mais fácil com meio físico do que eletrônico, pode, cumulativamente considerada, representar algo apreciável.[12]

O que poderá ocorrer é que o ganho relativo ao manuseio cartorário de autos eletrônicos ao invés de físicos seja compensado e anulado pela maior dificuldade de manuseio eletrônico do processo pelos gabinetes, porque quem o tem que avaliar todo e não está focado exclusivamente em cumprir o último despacho ou decisão, e terá uma complexidade de atos para acessar.

Isso é o que parece estar acontecendo.

Ao fim e ao cabo, a migração ao processo eletrônico parece ser algo inevitável, mas que precisa de significativa melhoria, sobretudo em vista da variedade de sistemas e plataformas atualmente empregados. Cada Justiça tem suas regras de protocolo que ainda variam até regionalmente. Cria-se um calvário onde regras mudam e se avolumam, tornando difícil acompanhar as mudanças. Certamente que está na hora de o CNJ interferir e padronizar, e isso com urgência.

A prática de atos eletrônicos pelas partes baseia-se no sistema de certificado digital.

Tem sido comum as reclamações de problemas com arquivos que não carregam, limitações de formato ou tamanho, ou, ainda, indisponibilidade do serviço. Esta última hipótese caracteriza justa causa para efeitos de reabertura de prazo.

Outro aspecto a ser observado com atenção reside na segurança para evitar invasões.[13]

3) Pronunciamentos do Juiz

A correta classificação dos atos praticados pelo julgador é tema de relevo pelas significativas repercussões que pode ter, especialmente quanto à recorribilidade.

O novo CPC perdeu uma boa oportunidade de evoluir na técnica e na terminologia relativa às decisões judiciais, mas preferiu manter o gabarito antes existente, que se encontra defasado e não refere com a necessária precisão as situações observadas.

O problema agravou-se quando foi admitida a decisão monocrática de segundo grau em recursos.

Um processo não pode ter duas sentenças concomitantemente válidas em relação a mesma fase. Por outro lado, a fase cognitiva não se encerra com a sentença de primeiro grau, pois a fase recursal ainda é atividade cognitiva, ainda que se possa, a certa altura dela, dar início à fase executiva (execução provisória ou relativa a liminares).

Ocorre, então, que o CPC estipula que os pronunciamentos são sentenças, decisões interlocutórias, despachos e acórdãos.

A definição da sentença do artigo 203, parágrafo, primeiro, é errática. Ela fala em o juiz por fim à fase cognitiva, mas isso não ocorre em primeiro grau necessariamente. Logo, ou teremos de admitir que o desembargador ou ministro também profere sentença quando julga matéria de sua alçada e acolhe ou denega pedido, ou esta decisão no primeiro grau não poderá ser dita sentença e terá de surgir uma nova categoria.

Veja-se que o segundo grau, e mesmo as instâncias extraordinárias contemplam casos de decisões que são monocráticas e decidem o recurso, como é o caso dos artigos 932, incisos IV e V, e 1011, inciso I, do CPC, exemplificativamente.

Esta decisão não é sentença. Não é acórdão que é a decisão colegiada. Não é interlocutória, pois é o julgamento potencialmente final e pode até ser meritório.

Ao que se nota, o que o legislador quis qualificar como sentença eram decisões que encerravam o exercício da cognição ou extinguem a execução no primeiro grau

Então, definiu mal a sentença segundo sua própria intenção, e ainda deixou em aberto a decisão de segundo grau e monocrática que tem o mesmo efeito de julgar, inclusive mérito, pondo fim ao processo.

Esta decisão monocrática ou deveria ter sido caracterizada como sentença ou receber ser nova categoria. Desta forma, teríamos sentença como a decisão monocrática que põe fim ao exercício de jurisdição em determinado grau.

Outra questão que remanesce, e de solução mais difícil, é a diferenciação entre decisões interlocutórias e despachos. A definição do novo CPC é uma não definição, pois se limita a afirmar, quanto às decisões interlocutórias, que são pronunciamentos decisórios que não sejam sentenças. Sim, pergunta-se: o que é pronunciamento decisório? Quando há decisão? O que caracteriza uma decisão?

Pretende-se criar uma solução a uma questão e o que se faz é criar uma nova questão.

Decisão ocorre quando há possibilidade de escolha entre mais de uma solução juridicamente viável. Daí que exista necessidade de fundamentação das decisões (art. 93, inciso IX, da CF/88, e art. 11, do CPC).

O que diferencia a decisão do despacho é que este tem conteúdo que resulta de uma imposição da lei (podendo ser, inclusive, automático: o despacho de mero impulso que pode ser até determinado para que ocorra sem nova conclusão).

Daí que o CPC de 1973, em seu artigo 162, parágrafo 2º, era mais preciso ao definir a decisão interlocutória como aquela na qual, no curso do processo, o juiz resolve questão incidente.

A diferenciação é das mais relevantes, pois o despacho não enseja recurso.

O novo CPC pecou em definições e em não ir adiante aprimorando a categorização dos pronunciamentos.

4) Os Prazos e seu Controle

A disciplina de prazos traz alterações de maior monta e positivas.

A primeira mudança diz respeito à possibilidade de alteração de prazos peremptórios. Como cediço, os prazos podem ser peremptórios ou dilatórios. Os primeiros são aqueles que, instituídos por lei, não poderiam, em regra, ser objeto de modificação a não ser em casos igualmente expressos em lei e excepcionais, e seu descumprimento acarreta preclusão como sanção. Já os dilatórios são prazos impróprios, que contemplam modificação e que não geram preclusão, em regra.

Conforme se pode verificar dos arts. 190, já tratado, e 222, parágrafo primeiro, do CPC, os prazos peremptórios passaram a ser mais flexíveis. No artigo 182 do revogado CPC, o prazo poderia ser dilatado até 60 dias em caso de dificuldade de transporte.

Consoante visto, as partes passaram a poder mudar prazos peremptórios com a chancela judicial, e o juizo somente não poderá reduzi-los sem concordância das partes.

Outra significativa mudança diz respeito à contagem somente nos dias úteis. Era uma antiga aspiração dos advogados que restou atendida. Poderia se obtemperar que, em tempos onde a morosidade da Justiça é crítica comum, a medida iria na contramão dos anseios e da lógica. Todavia, a medida não implica, na prática, significativo acréscimo nos prazos.

É importante notar que há expressa ressalva de que esta contagem diz respeito somente aos prazos processuais, não materiais.[14] Não se encontram ao albergue da previsão, portanto, prazos prescricionais e decadenciais.[15]

Já a introdução da comunicação eletrônica de atos fez surgir modificações na contagem dos prazos das intimações e notificações feitas com uso de tal recurso. Outrora, as publicações eram feitas no diário de justiça impresso. Então, ou advogado (ou procurador) recebia o diário de justiça ou tinha de ir até um local onde ele estivesse disponível e procurar em todas as comarcas onde tivesse processos para ver, em todas e cada uma, se havia sido publicada alguma nota de expediente. Escusado referir o quanto este procedimento era trabalhoso. Muitos assinavam o diário de justiça[16].

O meio eletrônico já vinha sendo usado antes do advento do novo CPC, mediante normatizações dos Tribunais. Uma vez que adotada esta forma e quase que totalmente abolidos os diários de justiça em papel, temos a disponibilização e a publicação da nota de expediente como datas distintas. O lançamento da nota no sistema eletrônico é a disponibilização. O dia seguinte será considerado o dia da publicação. O prazo iniciará no dia seguinte à publicação.

Mas é importante grafar que, na verdade, o despacho ou decisão já estará, em regra, bem antes disponível para visualização, fato que tem sido um acelerador excepcional do processo[17].

O novo CPC manteve a ficção dos prazos estipulados ao juiz para decidir ou despachar. Ficção porque são prazos impróprios, raramente observados e nunca fiscalizados ou cobrados, verdadeira inocuidade. O mesmo vale para os prazos previstos no artigo 228 para o servidor efetuar a conclusão dos autos. Os juízes não fiscalizam, como regra, seus cartórios, esquecendo-se que são chefes (e responsáveis) ali também[18].

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Restou mantida a contagem de prazos em dobro no caso de litisconsórcio, mas de forma mais racional. Não basta que haja procuradores distintos para os litisconsortes, é imperativo que não atuem no mesmo escritório de advocacia.[19] A regra foi afastada em caso de revelia de um dos dois (caso existam apenas dois), e no caso de autos eletrônicos pelo óbvio motivo da desnecessidade de carga dos autos, que era a grande motivadora da duplicação do prazo.

Nos casos de autos eletrônicos, a consulta implica a intimação e o prazo se inicia no dia seguinte. O sistema registra o acesso. Caso não acessado, há um prazo limite a partir do qual se considera feita a comunicação do ato.

Nos casos de juntada de documentos de comunicação nos autos (mandados, cartas AR, comunicações eletrônicas em caso de precatórias), foi mantida a juntada aos autos como marco, e, quando há mais de um réu, o prazo contestacional corre da juntada da última citação, ao passo que as intimações são individuais.

A epígrafe destinada ao controle dos prazos e suas consequências é mais uma destinada à inocuidade prática. O descumprimento de prazos pelas serventias judiciais não recebe controle e muito menos repressão, como regra geral, O mesmo vale para as punições previstas ao advogado que exceder prazo de carga, já previstos no CPC anterior, e, na prática, nunca aplicadas. O artigo 235, que é aplicável aos juízes, é outro caso de norma inócua enquanto as corregedorias não contarem com controle externo e vicejar o corporativismo. Norma sem mecanismo de sanção efetiva é destinada a ser figurativa. É uma exortação, e não uma norma.

5) Comunicação dos Atos

Como relação jurídica que é ao menos triangular (envolvendo partes e juiz) a relação processual demanda a prática e comunicação de atos processuais, o que se faz por três instrumentos: citação, intimação e notificação. Tais instrumentos poderão ser veiculados sob mais de uma forma e podem, as vezes, ocorrerem ao mesmo tempo.

Citar é dar conhecimento acerca da existência da demanda em vista do réu, executado ou interessado (exemplo: litisdenunciado). O CPC fala em ato de convocação para integrar a relação processual. Não me parece ter usado o melhor verbo. Trata-se de um ato de comunicação, não propriamente de convocação. Ele implica sujeição da parte citada aos efeitos do processo, independentemente de sua atitude. Conovação é cogente. A citação não é. Quem não comparece sofre revelia.

Intimações e notificações tem sua nota diferencial no momento do ato que é seu objeto. Ambas referem-se à comunicação de atos processuais, mas enquanto a intimação é relativa a atos pretéritos, a notificação é relativa a atos por realizar. O CPC reporta-se a ambas como intimação.

Vinculada, que está, a validade da relação processual à presença do contraditório, a citação é requisito essencial. Mas isso se dispensa no caso do indeferimento da inicial e em uma hipótese nova inserida pelo CPC, que é o julgamento de improcedência liminar do pedido.

Assim como no anterior CPC, o comparecimento espontâneo supre a falta de citação ou sua nulidade. Mas há um risco em se comparecer aos autos para somente se fazer alegação de nulidade. É que se ela for feita em um processo de conhecimento e não for acolhida, poderá haver revelia. Não há sentido em somente comparecer para apenas se alegar nulidade da citação se não para ganhar alguns dias de prazo. O benefício não vale o risco. É prudente neste caso já apresentar a contestação sempre se o prazo ainda não se esgotou.

A citação continua tendo os mesmos efeitos de antes, vale dizer, interrompe a prescrição, torna litigiosa a coisa[20] e induz mora[21]. Porém, diferentemente do que antes ocorria, a retroatividade do efeito de interrupção da prescrição, ou qualquer prazo extintivo do direito, carece que a parte tome as providências devidas para a citação em prazo de 10 dias e não mais em até 90 dias, como constava do anterior CPC (art. 219, parágrafo 3º).

Importante modificação se deu na possibilidade de citação via correio também na execução, antes vedada pelo artigo 222, alínea d. Isso é importantíssimo para agilização do processo de execução. A citação por oficial não tinha nenhum sentido de ser regra, pois é mais cara e costuma demorar muito mais. Este tempo se torna ainda maior quando se trata de comarca diversa, onde era necessária precatória. Não raro isso implicava consideráveis diferenças de valor entre a propositura da demanda e a citação e penhora.

Antes, em sendo pessoa jurídica, a citação via correio poderia ser entregue a pessoa com poderes de gerência geral ou administração (art. 223, parágrafo único, do revogado CPC). Agora esta possibilidade se estende também a funcionários com responsabilidade de recebimento de correspondências (art. 248, parágrafo 2º).[22]O caso dos condomínios foi alvo de disciplina específica, de forma que a entrega poderá ser feita na pessoa do funcionário que na portaria tenha incumbência de recebimento de correspondência, o qual poderá recusar se o destinatário estiver ausente, firmando declaração escrita acerca a desta circunstância e sujeito à penalidade.

Mais recentemente, no ano de 2021 e por força da Lei nº 14.195, estabeleceu-se a precedência da citação por meio eletrônico, a ser realizada em até dois dias uteis. Isso por óbvio pressupõe que o citando tenha prévio cadastro em sistema de dados da justiça respectiva. Consequentemente, fica claro que a medida volta-se primordialmente à pessoas jurídicas. Se não confirmada a realização pelo meio eletrônico, tem azo as outras formas, mas a falta de confirmação de recebimento sem justa causa em prazo de até 3 dias depois de recebida poderá implicar ato atentatório a dignidade da justiça, com multa de até 5% do valor da causa.

6) Nulidades

Na disciplina das nulidades não houve grandes inovações. A bem da verdade esta matéria foi, e ainda é, muito mal sistematizada, apresentando apenas preceitos gerais e passíveis de grande elastério hermenêutico.

Tal sistema contrasta com o sistema de nulidades tipificadas. Dada a variedade de situações que hoje temos e a agilidade necessária, um sistema de nulidades em numerus clausus seria certamente menos desejável. Sempre fica um vácuo de cobertura que depois acaba gerando discussões intermináveis.

Entretanto, a opção por um sistema aberto e marcado por normas gerais deve ser contrabalanceada por um mínimo de especificidade que não deixe os conceitos demasiadamente vagos. Por outras palavras, a generalidade ampla demais implica, na prática, em uma ausência de disciplina, e pode, igualmente, ser fonte de discussões infindáveis.

O princípio que continua norteando a disciplina das nulidades é o da instrumentalidade das formas. A existência de uma forma para o processo como um todo, e para os atos processuais especificamente, não é um fim em si mesma, mas um meio para preservação de direitos e valores, especialmente os de ordem constitucional almejados pelo sistema processual.

A presença de procedimentos padronizados dá materialidade ao princípio da igualdade (artigo 5º, caput, e inciso I, da CF/88), e constitui o devido processo legal (artigo 5º, inciso LIV, da CF/88). Somente através dele o poder estatal se legitima, e isso não ocorre somente no processo judicial, mas igualmente no administrativo[23].

Uma vez estabelecidas regras padronizadas, elas devem concomitantemente servir de veículo para outros valores e princípios constitucionais. Não basta ter um devido processo legal, é preciso ir além, e construir um processo legal permeado por regras que permitam a efetiva participação dos atingidos, através da qual possam expor seus argumentos e defender seus direitos em par de igualdade. Esta participação é essencial para legitimação do processo, seja ele judicial ou administrativo. Sem ela, podemos ter um processo que é legal, mas que não legitima o exercício do poder do Estado. Quando o poder não é legitimado perante seus destinatários, ele não está cumprindo sua finalidade na plenitude, deste déficit de eficácia surge o sentimento de injustiça e os cidadãos passam a deixar este mecanismo lado ou a creditar menor confiança nele. Quando não há o Estado intervindo nos conflitos, há o espaço para o uso da força de mão própria, negação da civilidade.

Esta participação ampla do destinatário do exercício do poder, com possibilidade de levar ao conhecimento do Estado seus pontos de vista, provas e razões, materializa o direito constitucional da ampla defesa e contraditório (art. 5º, inciso LV, da CF/88).

Desta forma, a finalidade precípua das regras processuais, cujo contraponto é a nulidade, é assegurar que o jurisdicionado em regra tenha prévio conhecimento de toda medida que possa atingir sua esfera de direitos, ter o direito de falar nos autos, e o direito de recorrer (não absoluto, ressalve-se).

Como a existência de formalidades e, por consegunte de nulidades, está relacionada a uma finalidade, somente quando a preterição de uma fómula prejudica esta finalidade se há falar nulificação. É o princípio do prejuizo (art. 277 do CPC). Este fator em si mesmo, qual seja, a presença de efetivo prejuizo, é também passível de um grau de subjetivismo, criando outro ponto sensível à variação de interpretações.

De outro lado, considerando-se o processo como um íter que deve atingir seu fim, pois não é um fim em si mesmo, mas tem uma meta, vige o princípio da preclusão. As nulidades relativas e anulabilidades precluem tanto para as partes quanto para o juiz. Nelas, a falta de alegação tempestiva, que deve ocorrer no primeiro momento em que constatada a cinca, salvo comprovação de justo impedimento (art. 278 do CPC), implica presunção de que não houve prejuizo à parte, em cujo interesse preponderante está a norma violada.As nulidades absolutas não precluem e podem ser conhecidas em qualquer grau de jurisdição.

Um dos atos cuja preterição de formalidade implica nulidade absoluta é a citação e, na sua esteira, a intimação (art. 280 do CPC). Nada mais natural quando vemos que o conhecimento dos atos processuais é imperativo para o exercício do direito constitucional de defesa e corolário intrinseco do devido processo legal.

Obviamente que todos os atos dependentes de um ato nulo devem ser assim declarados, com repetição ou retificação, conforme haja ou não prejuizo para a parte. Por outras palavras, nos atos nulificados por derivação, igualmente deverá ser feito um juízo acerca de presença de prejuizo para a parte (art. 282 do CPC).

As nulidades estão sujeitas ao princípio da causalidade, de forma que a parte que deu causa a uma nulidade (lato sensu), não pode invocá-la em seu favor. Em sentido inverso, uma nulidade não será decretada se o mérito puder ser julgado em favor da parte que não lhe deu causa (art. 282, §2º, do CPC).[24]

A única novidade do CPC foi condicionar a decretação da nulidade por falta de intervenção do MP a sua prévia oitiva a respeito, providência que na prática já era tomada.

Dada a manutenção das regras em conformação quase idêntica a do CPC de 1973, o regime de nulidades erigido à luz daquele diploma pode continuar a ser usado, bem como todo arcabouço doutrinário e jurisprudencial a que deu margem.

A melhor doutrina na construção de uma sistematização de nulidades leva em conta a natureza da norma violada, a presença ou não de vício essencial e o interesse preponderante em vista de quem foi a norma instituida, e classifica as nulidades em quatro categorias a saber: nulidades absoluta, nulidades relativas, anulabilidades e irregularidades.

As nulidades absolutas tem vício essencial em vista de norma cogente e cujo interesse preponderante é do Estado-juiz, de forma que não precluem nem para as partes nem para o juiz, havendo prejuizo presumido iuris et de iure (presunção absoluta). Não admitem convalidação.

A nulidade relativa diz respeito a vício essencial em vista de norma cogente mas voltada preponderantemente no interesse das partes, de sorte que está sujeita ao princípio da preclusão, admitindo convalidação. Exigem comprovação de prejuizo.

As anulabilidades dizem respeito a vício essencial em norma de natureza dispositiva, estando sujeitas a preclusão e convalidação.

As irregularidades dizem respeito a vicios não essenciais e não clamam por anulação ainda que indicadas pelas partes.

Ainda que muito tenha sido feito em termos doutrinários e jurisprudenciais para o fim de estabelecer um mínimo de objetividade, a disciplina das nulidades ainda é uma das mais tormentosas no processo civil. O que se deve ter em mira sempre é que o processo é um meio e não um fim em si mesmo. A forma e o íter são instrumentos, não objetivos.

7) Distribuição e Registro

Em todas as situações onde funcionar mais de um juizo há necessidade de prévia distribuição do processo. A distribuição nada mais é do que a atribuição de competência específica para o processamento de um feito quando há mais de um juizo dentro de uma comarca ou circunscrição judiciária[25].

O CPC anterior determinava que esta distribuição fosse igualitária entre juizes e escrivães. O novo acresceu o vocábulo aleatória. Estas caracteristicas dizem respeito à distribuiçao entre juizes com igual competência, pois, no caso de jurisdições especializadas, isso somente ocorrerá se houver mais de um juizo com a mesma competência especial. Assim por exemplo, se tivermos varas cíveis e uma vara fazendária, os feitos fazendários serão distribuidos para esta última, sem necessidade de que se observe igualdade, alternação e aleatoriedade. Todavia, se mais um juízo fazendário existir no mesmo foro, tais critérios passam a valer. Alternada significa que a distribuição será de um feito para cada um em sequencia. Aleatória implica em que condições específicas do processo não serão consideradas para distribuir para um juizo dentre vários com mesma competência. Feita adistribuição para um juizo, o próximo feito que entrar irá para o seguinte, até completar o ciclo.

Hoje passamos a ter o processo eletrônico e a distribuição é feita de forma automática a partir de dados indicados pela própria parte proponente no momento em que ajuiza ou peticiona, tornando as distribuições físicas quase inúteis.

A igualdade deverá ser considerada para equilibrar o número de processos entre juizos, inclusive mediante compensação, sobretudo considerando a questão da distribuição por dependência.

Ocorre distribuição por dependência quando um processo tenha que acompanhar outro ou que já tenha sido ajuizado e extinto antes.

A primeira hipótese diz respeito a causas que geram distribuição por dependência por conexão (art. 55, do CPC) e continência ( art. 56, do CPC), vistas na parte II desta série.

A segunda situação concerne aos casos de extinção de processo sem julgamento de mérito. Neste caso, o processo, se repetido, será distribuido ao mesmo juizo. Isso serve para evitar uma práxis que era comum, qual seja, a de ajuizar uma demanda, verificar em que juizo caia e, eventualmente, desistir dela quando era distribuida a juízo com posição sabidamente não receptiva[26].

A terceira hipótese de dependência mudou a redação do inciso III do artigo 253 do revogado. Na atual redação do inciso III do artigo 286, fala-se dos casos das ações ajuizadas na forma do artigo 55 do CPC. Antes se falava em ações idênticas, agora se mencionam ações que possam ter decisões conflitantes. Um exemplo disso resulta nas ações de busca e apreensão e revisonais, pois há jurisprudência que nega a conexão entre as mesmas. A conflitância deve, portanto, dizer respeito a ações específicas, pois o afastamento de decisões diversas não autoriza que toda uma categoria de ações seja concentrada em uma mesma vara a despeito de inexistência de conexão.

A distribuição é cancelada se, em não sendo o autor beneficiário da AJG, não efetuar o recolhiemento das custas em prazo de 15 dias. Antes eram 30.

O artigo 287 do CPC trata dos casos de postulação sem instrumento de procuração. Há três hipoteses. A primeira corresponde aos casos do artigo 104 do atual CPC, que é correspondente ao artigo 37 do revogado, ou seja, hipótese de postulação para ato urgente, ou a fim de evitar preclusão, decadência ou prescrição, Porém a procuração deve, neste caso, ser juntada em 15 dias, os quais podem ser prorrogados por mais 15 a pedido.

A segunda concerne ao casos de patrocínio pela Defensoria Pública. A terceira refere-se às representações decorrentes da CF/88 ou de lei, casos das procuradorias estaduais ou da AGU, por exemplo.[27]

8) Valor da Causa

Toda demanda deve ter um valor da causa. Ele tem por finalidade viabilizar a cobrabnça de custas, pode interferir na competência e ainda serve, eventualmente, para parâmatro de honorários. No caso da competência, o valor da causa pode permitir ou obrigar a que a demanda seja processada por juizados especiais.[28]

A necessidade alcança mesmo as demandas que não tenham conteúdo econômico imediato.[29]

O artigo 292 do atual CPC traz as hipóteses de regras para fixação do valor da causa. Nas ações relativas à dividas, o valor corresponde ao principal, correção, juros, e penalidades eventualmente existentes, tendo por base a data do ajuizamento. Nas demandas relativas a atos jurídicios e que importem em seu questionamento, total ou parcial, ou no cumprimento de obrigação dele oriunda, o valor será o valor do ato ou sua parte controversa. A hipótese que hoje está no inciso II do artigo 292 corresponde a redação do artigo 259, inciso V, do revogado CPC, a qual falava em negócio jurídico[30] e trazia o valor do contrato como aquele a ser indicado. De forma mais correta e precisa, o novo dispositivo fala não só na rescisão, mas na resilição e resolução[31] do ato e permite que o valor seja somente o da parte controversa[32].

As ações de alimentos futuros, o valor é o de 12 prestações. Nas ações de demarcação, divisão e e reinvindicação, o valor é o de avaliação do imóvel. Cuida-se do valor de avaliação fazendário, a priori, conhecido como valor venal.

Nas ações de indenização, ai incluído dano moral, o valor pretendido. Todavia, é bom lembrar que nem sempre este tipo de demanda tem já em seu início condições que indiquem qual será o valor a ser objeto de condenação[33].

Nos casos de cumulação de pedidos, em havendo cumulação simples eles somam-se. No caso de alternatividade, o de maior valor, e no caso de subsidiariedade, o principal.

Prestações futuras inferiores a um ano tem o valor das parcelas que for o caso, ao passo que se passarem de um ano, o valor será uma anualidade.

Assim como no CPC anterior, é possivel à parte contrária impugnar o valor da ação ou da reconvenção. Antes, porém, isso dava azo a um incidente, autuado em apartado e apenso. Hoje é feito em preliminar de contestação.

Anteriormente o valor da causa não podia ser corrido ex officio pelo julgador e se não fosse impugnado, tornava-se definitivo. Hoje, por força do artigo 292, §3º, do CPC, a correção pode ser feita pelo próprio julgador sem provocação.

É importante referir que a correção do valor da causa postulado por um das partes somente tem sentido prático quando a parte adversa não for beneficiária de AJG ou se interferir nos honorários e custas futuras ou competência[34].

9) Tutela Provisória

A tutela provisória é um novo gênero introduzido pelo CPC de 2015, que, com isso, pretendeu sistematizar as tutelas de cognição sumária. A tutela provisória é um gênero que apresenta, quanto a sua natureza, duas espécies básicas, a cautelar e a antecipatória.

Para entender a amplitude desta tentativa e os contornos da nova disciplina é imperativo compreender como era antes.

Antes, porém, precisamos estabelecer uma premissa fundamental que consiste na separação entre as tutelas de cognição exauriente daquelas de cognição sumária.

A atividade fundamental do julgador no caso do processo de conhecimento consiste em conhecer dos fatos e sobre eles aplicar a lei para, deste silogismo, extrair uma conclusão, acolhendo ou rejeitando as demandas. Isso é a cognição.

Esta atividade pode ter limitações no seu espectro seja em amplitude, seja em profundidade.

No que concerne a amplitude, a cognição pode ser ampla ou limitada. Nestes casos temos, ad exemplum, o caso do mandado de segurança, que é um processo documental de atividde cognitiva limitada, pois não admite conehcer de fatos que não possam ser provados por prova documental. Outro exemplo de limitação diz respeito ao processo possessório, onde a alegação de domínio não é pertinente salvo se esta seja a base da discussão entre as partes. A respeito disso o CPC de 1973 era expresso acerca de o possessório repelir o petitório (art. 923). Hoje, o CPC só permite a alegação de domínio como pedido em face de terceira pessoa (art. 557).

A limitação de amplitude diz respeito, portanto, as questões ou material probatório que poderão, ou não, ser analisados. Todavia, aquilo que puder ser, o será sem qualquer limitação no que diz respeito à profundidade.

Esta última, a profundidade da cognição, diz respeito à quantidade de contraditório ou ao aprofundamento da investigação que o julgador leva a cabo. Divisam-se duas formas a saber: a cognição sumária e a cognição exauriente.

A cognição exauriente é aquela na qual todo contraditório e dilação probatória são franqueados às partes antes da decisão, e é a espécie que embasa a tomada de decisões definitivas, sejam meritórias ou não. Por outras palavras, é a cognição tipo da sentença[35], de forma que é realizada, em regra, ao término do processo naquele grau de jurisdição considerado. A tutela exauriente objetiva por fim ao litígio, aplicando o direito ao caso concreto. Ela é a solução definitiva ditada pelo Judiciário e assim pode ser porque houve o contraditório pleno.

Já a cognição sumária é aquela perfunctória, que se baseia em contraditório ausente ou limitado, e com avaliação de provas inicialmente apresentadas. Cuida-se, como bem se vê, de uma cognição fulcrada na aparência. Ela objetiva apenas evitar o perecimento do direito material ou prejuízo à eficácia do processo em vista de uma das partes ou a um direito desta, e diante daquilo que ela alega, ou que resulta de um contraditório limitado.

A tutela provisória de que trataremos diz respeito à tutelas sumárias. É de bom alvitre recordar que a tutela sumária pode ser também limitada em amplitude, mas isso não altera os elementos fundamentais para caracterização do gênero que iremos analisar.

9.1) Antecedentes das Tutelas de Cognição Sumária

Os antecedentes mais recentes das tutelas de cognição sumária nos sistemas de inspiração romano-canônica, que são vigentes na Europa continental e na América Latina, remontam a uma crise decorrente justamente da supressão desta espécie de tutela como regra em tais sistemas.

Por diversas razões históricas, o direito processual europeu continental que emergiu da idade média e depois foi talhado pelo Iluminismo, aferrou-se ao conceito de certeza como fundamento da decisão, tornando-se mais ou menos resistente à presença de tutelas sumárias.

Isso iria causar um hiato jurisdicional, mas a questão estava não na presença propriamente dita deste espaço vazio, mas sim da sua administrabilidade.

De fato, enquanto vivemos em uma sociedade pré-industrial, o problema da falta de tutelas sumárias era administrável. Apesar de algumas situações ficarem sem cobertura jurisdicional, eram poucas e não geravam uma crise de legitimidade do sistema processual como um todo. Isso mudou após a Revolução Industrial e especialmente no século XX, com incremento das comunicações e transportes[36].

Estas mudanças tecnológicas implicaram incremento das relações comerciais e, sobretudo, na velocidade do trato negocial, começando a tornar o tempo um fator crucial. Um sistema processual com reduzida possiblidade de cognição sumária implicou na necessidade de se aguardar a solução final do litígio via sentença ou acórdão, e, em muitos casos, isso passou a ser inviável, pois tinha como consequência a consolidação de prejuízos, às vezes irreparáveis ou o perecimento do direito tornando o processo inútil para as finalidades colimadas.

Este problema alçou a tal ponto de começar a conspirar contra a credibilidade e legitimidade do sistema processual, pois o ajuizamento da ação teria como consequência a estabilização da situação fática até que a demanda fosse definitivamente solvida, o que significa dizer, no mais das vezes, na fase recursal, anos depois. O processo gerou uma condição onde a parte recalcitrante e sem razão poderia passar a usar o tempo como moeda de barganha ou mesmo como uma estratégia de lassidão, que lavava a parte contrária ao exaurimento, aceitando acordos desvantajosos ou mesmo, em casos mais graves, até a perda total do direito material, pois o processo, além do risco desta perda, ainda poderia ter como consectários outros prejuízos colaterais se prosseguisse.

O problema foi detectado e começou a ser objeto de tentativas de solução, despontando o nascimento do processo cautelar moderno como uma delas.

Tendo por um de seus expoentes principais e iniciais Calamandrei, o processo cautelar surgiu como uma alternativa que desabordava, ao menos no campo abstrato, os óbices de um processo escudado na certeza como dogma. Isso porque sua concepção é a de uma espécie de tutela que resguarda a eficácia do processo de conhecimento ou executivo com medidas que não se confundem com o mérito destes processos. Ou, por outras palavras, no processo cautelar se poderiam deferir tutelas desde que estas não coincidissem juridicamente com aquelas pretendidas no processo cuja eficácia se estaria resguardando.

Digo juridicamente porque, no campo prático, o processo cautelar passou a ser, muitas vezes, uma forma de antecipação fática da fruição do objeto pretendido com o processo de conhecimento. Assim se obtinha um resultado fático próximo ao desejado sem se ferir o arcabouço dogmático vigente. Este improviso certamente estava fadado a resolver só aparentemente o problema, pois dissociou os resultados fáticos do status jurídico.

A partir de então, o processo cautelar concebeu-se como um tertium genus de tutela, caracterizado por um juízo calcado na verossimilhança, definida como fumus boni iuris, ou fumaça do bom direito, e na presença de um perigo para a eficácia de um processo de conhecimento ou de execução, materializado no que se chamou de periculum in mora.

O fumus boni iurris é composto de uma alegação da parte in status assertionis, somada à prova sumária de qualquer natureza que indicasse ter a parte probabilidade de um direito material a ser resguardado via tutela processual.

O periculum in mora residiria na possibilidade de prejuízos decorrentes do tempo de natural tramitação do processo de conhecimento ou executivo.

Todavia, não se poderia, a título de cautelar, deferir tutelas que juridicamente fossem equivalentes àquelas pretendidas no processo de conhecimento ou executivo.

Em linhas gerais, foi esta conformação que veio até nosso processo civil do CPC de 1973.

9.2) A sistematização no CPC de 1973

O CPC de 1973, conhecido como Código Buzaid, é declaradamente inspirado no direito italiano. Foi dali que sorveu a doutrina das cautelares via Liebman, indo até Calamandrei remotamente.

O CPC de 1973 previu um livro para o processo cautelar, dividindo-as em cautelares atípicas ou inominadas e típicas ou nominadas. As cautelares típicas tinham procedimentos que poderiam se especializar, e pedidos previamente delimitados, ao passo que as atípicas seguiam as linhas gerais do processo cautelar e tinham pedidos que podiam se voltar a qualquer objeto concreto, desde que juridicamente não correspondesse ao que se postulava no processo principal.

O problema começou a surgir com o emprego das cautelares atípicas ou inominadas, ensejando exercício do poder geral de cautela.

Como o processo civil ordinário da tutela cognitiva não tinha a possibilidade de uma liminar de aplicação geral, não havia como antecipar a fruição do direito, e a parte se condicionava ao dano colateral da demora do processo. A solução encontrada foi o ajuizamento prévio de uma cautelar inominada.

Esta demanda cautelar antecipava a demanda ordinária que lhe sucederia, mas enfocava o prisma da cautelaridade (fumus boni iuris e periculum in mora). No âmbito desta demanda cautelar, era formulado pedido de liminar.

O fundamento para a liminar era o artigo 804 do CPC, o qual previa a possibilidade de concessão de liminar, com ou sem audiência de justificação prévia, mas inaudita altera pars (sem oitiva da parte contrária), desde que a oitiva do réu pudesse comprometer a eficácia da medida.

O quadro que então se tinha era o seguinte: A parte ajuizava demanda cautelar que antecipava a demanda principal, e dentro dela pedia liminar inaudita altera pars, devendo ajuizar a demanda principal acautelada em prazo de 30 dias, sob pena de caducidade.

O núcleo do problema consiste no fato de que esta liminar poderia causar prejuízos irreversíveis ao réu, e poderia, ela mesma, ser irreversível sob o ponto de vista fático.

Esta práxis se tornou a regra, e se pode afirmar que houve abuso no uso das cautelares. Era evidente a necessidade de regulamentar a matéria.

Por conta disso, surgiu o artigo 273 do CPC e a antecipação de efeitos da tutela. Na prática, ela retirou do espectro da cautelaridade todas as medidas que pudessem representar uma antecipação de efeitos que seriam obtidos somente com a sentença ou acordão ao final.

Dali a diante, passamos a ter o processo cautelar, e, separada e distinta, a possibilidade de liminar no processo de conhecimento, antecipando um ou mais efeitos da sentença mediante antecipação de efeitos da tutela.

9.3) A introdução da Tutela Antecipatória no CPC de 1973

A antecipação de efeitos da tutela surgiu no CPC de 1973 através de reformas processuais amplas que foram levadas a efeito no ano de 1994, in casu pela Lei nº 8.952 que trouxe a redação do artigo 273 daquele Codex.

Antes de passarmos a análise deste dispositivo e de seus desdobramentos, é importante salientar que já existiam verdadeiros casos de antecipação de tutela na legislação especial e para situações específicas antes desta data. Refiro-me aos artigos 7º, inciso II, da Lei nº 1.533/51 (LMS[37]), e artigo 12 da Lei nº 7.347/85 (Lei de ACP)[38]. Também havia um caso no CPC. Era o previsto no artigo 928 do revogado CPC, que dizia respeito as demandas possessorias.

Nos demais casos, a regra era o uso do procedimento acima descrito, vale dizer, o ajuizamento de uma cautelar inominada e posteriormente da ação principal, havendo duas demandas a serem dirimidas em relação a uma mesma lide e em sentença conjunta.

Não somente a racionalização das atividades mas também o abuso da cautelar inominada, notadamente a de natureza satisfativa[39] foram as razões de uma disciplina que culminou no artito 273 com a redação que lhe deu a Lei nº 8.952/94.

O caput do artigo 273 passou a estipular que o juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequivoca, se convença da verossimilhança da alegação, e desde que haja fundado receio de dano irreparável ou de dificil repação ou fique caracterizado abuso do direito de defesa ou manifesto proposito protelatório.

Como se nota, a antecipação de efeitos da tutela não poderia ser decretada de ofício, no que diferia das cautelares inominadas ou atípicas, as quais, decorrendo do poder geral de cautela, poderiam ser determinadas de ofício, a teor dos artigos 797 e 798 do revogado CPC.[40]

Logo, a partir do advento do artigo do artigo 273, o julgador ainda poderia determinar medidas cautelares de ofício, mas não se fossem efeitos diretos dos pedidos requeridos no porocesso ordinário ou liminares dos próprios pedidos.

Os efeitos da tutela pretendida seriam os efeitos jurídicos pretendidos e materializados nos pedidos bem como aqueles diretamente decorrentes deles. Pede-se providência que equivale ao estado fático pretendido com a procedência dos pedidos.[41] Ou por outras palavras, tudo quanto se pudesse pedir como consectário de um pedido formulado expressamente seriam também efeitos da tutela pretendida.[42]

Justamente porque o que se postulava seriam os efeitos das tutelas mas sem o signo da definitividade inerente à decisão meritória acerca do pedido final, também demandas declaratórias poderiam comportar antecipação de tutela, desde que ela não recaisse exatamente sobre a declaração.[43]

Para deferimento do pedido, havia necessidade de presença de prova inequívoca. O que seria ela? É aquela que, ainda sem o crivo do contraditório, legitimaria, no momento em que considerada para apreciação da liminar, o acolhimento da pretensão, que daria convicção para isso. Podem ostentar tal condição as provas documentais e algumas prova técnico-científicas, como v.g o exame de DNA. A redação do dispositivo deveria ter referido que este caráter inequívico seria aparência naquele momento, pois prova alguma é inequivoca sem antes passar pelo contráditório pleno. De fato, o documento assim como o exame científico podem ser fraudados ou falsos.

Da prova apresentada, deveria resultar verossimilhança das alegações da parte. Quais? As relacionadas a sua pretensão, ao seu direito material objeto do processo, bem como aos dois fatores a seguir vistos, ou seja, os dos incisos I e II, sendo o do inciso I relativo ao periculum in mora.

Verossimil é aquilo que, sob o prisma da lógica, apresenta-se como plausível, correto, digno de credibilidade, convincente.

A presença desta prova inequívoca da qual resultasse verossimilhança acerca da existência do direito material invocado ou da solidez da pretensão, caracterizava o denominado fumus boni iuris qualificado. Nada mais era do que o fumus boni iuris do processo cautelar com maior grau de certeza acerca da presença, em tese, do contexto fático jurídico que respalda a demanda.

Ele deveria incidir, para formação deste requisito, sobre os fatos e fundamentos jurídicos que estribam a demanda, ou, por outras palavras, sobre as causas de pedir e sobre a pertinência dos pedidos como sua decorrênca lógica. Logo, a formulação do pedido de antecipação implicava uma cognição sumária, total ou parcial, sobre o material que constitui a causa de pedir e que seria, posteriormente, avaliado, por ocasião do julgamento final, sob a ótica da cognição exauriente.

Como podemos observar, o que separa a cognição sumária da cognição exauriente nestes casos era a presença do contraditório pleno a ser atingido por ocasião da contestação e instrução.

Uma vez que presente o fumus boni iuris qualificado em vista da causa de pedir, ou parte dela, sobre a qual recai o pedido de antecipação, alternativamente mais dois requisitos deveriam estar presentes. Ou um ou outro.

O primeiro era relativo ao periculum in mora. Ele refere-se ao fundado receio de dano irreparável ou de dificil reparação. Dano a que? Ao direito material subjacente ao processo. Ao direito material objeto da ação. Prejuizo, portanto, à esfera de direitos do autor. Note-se que, diferentemente do processo cautelar, a antecipação não foca na eficácia de um processo como objeto a ser resguardado. Embora o artigo 798 do CPC revogado falasse em direito da parte é certo que o processo cautelar resguardava a eficácia de um processo principal ao qual estava atrelado, e so indiretamente o direito material do autor. A antecipação volta-se diretamente a este direito.

A parte autora também tinha que fazer prova inequívoca sobre o prejuízo que esta demora lhe causará ou, ao menos, de fatos que componham um quadro a partir do qual o prejuizo possa ser inferido como corolário lógico inarredável.

Para tanto, era mister demonstrar um fundado receio de um prejuizo ao menos de dificil reparação.

Outra hipótese a ser acrescida à verossimilhança da causa de pedir da demanda era a do abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório. Para este caso não se precisava mostrar perigo de dano ao direito, pois ele era presumido[44].

Um indicativo seguro do propósito protelatório ou abuso do direito de defesa poderia ser buscado no gabarito dos atos de litigância de má-fé, como sejam o falseamento da verdade dos fatos, pretensões infundadas, agir temerário, incidentes infundados etc...

Em alguns casos, o abuso do direito de defesa somente poderia ser apreciado após a apresentação da defesa. Nada havia de anormal nisso, pois a antecipação não teria de ser necessariamente em limine litis[45].

Sobre o autor
Marcelo Colombelli Mezzomo

Ex-Juiz de Direito no Rio Grande do Sul. Professor.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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